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Poesias-->SEM TUDO SEM NADA -- 17/10/2004 - 11:04 (ANTONIO MIRANDA)
SEM TUDO, SEM NADA Poema de Antonio Miranda I Nas calçadas, nos desvãos da noite, debaixo de pontes, lá estão eles como hienas, em andrajos, pestilentos, na sua cantilena de desgraçados. Que eles não invadam os nossos jardins, não devorem as nossas roseiras! nem depredem o canteiro de azáleas nem urinem sobre os girassóis em brasa. Nos fundos lá da rodoviária são despejados a intervalos regulares e ali se multiplicam como moscas pondo ovos que logo chocam ali mesmo. Não têm dentes mas como trituram toda a grama, todo e qualquer arbusto ao seu alcance, como um formigueiro ou uma terrível horda de gafanhotos. Retirantes, excluídos, sem-terra sem-teto, sem renda, analfabetos dejetos, escravos, servos, deserdados arregimentados viram votos oportunos. II Aquelas chagas não são implantes mais bem (ou mal) são cancros cancerosos não são transplantes ou cirurgias plásticas são brotações ulcerosas circunstantes. São seqüelas de mazelas hereditárias de capitanias e oligarquias perpétuas que permanecem na pele e no cerne e se multiplicam por gerações infinitas. Rebrotam como cogumelos renitentes são como cactos na seca sempiterna gravatás sobreviventes do incêndio natural que devasta e revive anualmente. Perpetuam formas de domínio seculares entranhadas nas memórias ancestrais implantadas como castas naturais mais que atávicas elas são telúricas. (Uma casta que se reproduz cativa nas entranhas da terra cáustica que resseca e rebrota e reverbera ao sol que multiplica e degenera). Apenas nascem e já se reproduzem sem as faculdades completas, pouco ou quase nada, desnutridos, mas ágeis reforçando apenas os membros indispensáveis. Os braços de capinar e ceifar a cana os pés rachados de caminhar e correr o sexo para reproduzir e multiplicar e garantir a perpetuação da serventia. Sem luz, sem tudo, sem nada (virando números em cadastros oficiais), como dizem agora, sem cidadania mas eu completaria: sem-humanidade. Este poema é parte do último livro de Antonio Miranda: Retratos & Poesia Reunida. Brasília: Thesaurus, 2004. e também está incluído na coletânea ANTONIO MIRANDA - 25 POEMAS Campo Grande, MS: Editora UNIDERP, 2004 (NO PRELO). Visite a página do autor para ler outros textos: www.antoniomiranda.com.br