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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 26 -- 14/10/2006 - 14:49 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 26


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26


Houve um ar de constrangimento durante a manhã ao ficar na presença de Marcela. Talvez tenha sido por isso que procurei, assim que degustamos as bananas mais maduras, manter-me o mais longe possível dela. E quando nossos olhos casualmente se cruzavam, desviavam-se imediatamente seguidos de um rubor em nossas faces.
Eu não sei o que se passava na cabeça dela naqueles instantes; na minha porém vinha a lembrança não só do ocorrido mais cedo como também do episódio no segundo dia naquela ilha, quando a beijei pela primeira vez. E então eu me sentia tímido, como se cometera um ato vergonhoso e o qual poderia me fechar as portas do céu. O arrependimento em meu peito não só em relação ao que Marcela e as outras meninas poderiam pensar a meu respeito, embora isso também contasse muito, mas principalmente pelo temor de Deus, Dele estar vendo tudo que eu fazia aqui na terra. E quando eu estivesse diante Dele e Ele enumerasse todos os meus atos aqui na terra? Como eu ia me justificar para conseguir a sua absolvição e entrar no reino do céu? Não, eu não queria perecer no inferno. Se tinha uma coisa que eu temia era o inferno. Só a possibilidade de minha alma queimar eternamente me causava pavor; pois eu ouvia as piores e mais terríveis histórias sobre o inferno não só na igreja, quando íamos à missa, como também em casa e na escola desde pequeno, embora ultimamente vez ou outra punha em dúvida a veracidade tanto dessas narrativas quanto a própria fé em Deus. Mas depois do acidente com a Lancha, da morte do meu tio eu deixei essas dúvidas de lado, como se elas nunca tivessem existido.
Só que eu não queria ficar pensando no ocorrido para não pensar nos possíveis castigos. E isso só seria possível se eu me afastasse e me entretece com alguma coisa. E como havia planejado antes, fui tentar pescar usando uma vara pontiaguda para fisgar os peixes.
A minha primeira dificuldade foi entrar na mata para apanhar uma vara. Desde o episódio em que parecia ter visto alguma coisa se aproximar na noite em que Luciana me surpreendeu masturbando-se e depois, com sua curiosidade e falta de vergonha, me fez ter um orgasmo, eu não tivera coragem de ir tão longe. Só de pensar que de qualquer ponto escuro da floresta poderia surgir terrível e monstruoso e me devorar fazia-me gelar e tremer dos pés à cabeça. Mas a necessidade muitas vezes é o que nos obrigar a correr riscos imensos. E perdidos naquela ilha, se não nos arriscássemos de vez em quando, não sobreviveríamos. Talvez por isso tenha criado um pouco de coragem e adentrado a mata para encontrar uma vara fina comprida e resistente para pescar.
Tive um pouco de trabalho para fazer uma ponta nela. A nossa “faca”, que já não prestava muita coisa, estava mais cega do que nunca. Aliás, quebrara numa das extremidade onde mais cortava. Contudo, depois de muito resistir pacientemente, consegui deixar uma das extremidades fina o bastante para penetrar nos peixes.
Agora só faltava treinar a pontaria. E eu teria muito que treinar, pois desde pequeno a minha pontaria sempre foi péssima. Contudo, estava obstinado a pegar um peixe. E quando a gente quer, a gente consegue, basta ter força de vontade. Sempre ouvia isso de meus pais. E eles tinham razão. E por mais que eu fosse um garoto, tinha idade suficiente para saber disso. Além do mais, eu tinha todo o tempo do mundo. Poderia insistir, insistir o quanto quisesse. Poderia levar alguns minutos, meia hora, uma hora ou até mesmo o dia inteiro, mas em algum momento fisgaria um peixe.
E foi isso que não me fez desistir, mesmo quando o sol começou a se pôr e eu já estava prestes a deixar para o outro dia.
De repente vi um grande peixe nadando tranquilamente entre duas pedras. Então eu olhei fixamente para ele, como se tentasse hipnotizá-lo. E por alguns instantes, me mantive inerte, apenas com os movimentos de minha respiração. A vara jazia em minha mão erguida, pronta para ser lançada. Mas eu queria esperar o momento certo – aquele instante em que você tem a certeza absoluta de que dessa vez não vai errar.
Esperei que peixe ficasse numa posição em que fosse fácil calcular a trajetória da lança. E assim, medindo bem com os olhos, coloquei toda a força no braço e atirei a lança. Esta atravessou o peixe bem no meio e enroscou-se nas pedras.
O peixe começou a se debater, como se quisesse nadar para frente, mas a lança mal se movia. E mais que de pressa, abaixei e segurei a lança pela outra ponta e a enterrei ainda mais para não deixar nenhuma possibilidade da presa escapar. E assim, como muito cuidado, desprendi a lança das pedras e a ergui com peixe se debatendo na ponta.
Ah, que sensação mais deleitosa! Foi como se, após uma luta feroz pela vida contra um inimigo bem mais poderoso, eu o tivesse vencido. Não sei nem mesmo explicar o que senti naquele momento. Nem mesmo hoje, depois de muitos anos, ainda não encontro palavras capazes de descrever com exatidão o que senti. Só posso dizer que me senti o homem mais feliz do mundo.
Qual foi a minha primeira reação ao apanhar a vara e erguê-la com o peixe sacolejando, desesperado para se soltar? Embora o mais lógico fosse retirá-lo do espeto e tentar fisgar outro, não foi isso que passou pela minha cabeça. Aliás, nem sei se ouve tempo para pensar, pois simplesmente sai correndo com o espeto erguido e fui em direção à cabana para mostrar as meninas o resultado da minha pesca.
Encontrei a Marcela e Ana Paula, sentadas lado a lado no chão, com os joelhos dobrados e os braços em volta. Ana Paula estava com os olhos vermelhos, dando a impressão de ter chorado.
Isso conteve meu estado eufórico, todavia não o bastante para dizer:
-- Olha o que eu peguei. – Aproximei a ponta onde o peixe ainda se agonizava sem forças.
-- Nossa! Que peixe grande! – espantou-se Marcela.
-- Agora a gente não precisa mais ficar comendo frutas o tempo todo – falei.
Ana Paula apenas ergueu a cabeça e olhou com ar de indiferença, como se isso não representasse melhora alguma na nossa alimentação; em seguida tornou a abaixar a cabeça.
“Será o que aconteceu dessa vez?”, indaguei-me em pensamentos, “Será que ela e a Luciana já brigaram de novo?”.
-- O que aconteceu? – perguntei para Marcela.
-- É por causa do pai.
Então a lembrança da triste morte do tio Jamil me veio á memória. E por algum momento a cena do barco virando e todos nós sermos jogados ao mar se formou em minha cabeça. Esqueci o fruto da pescaria por alguns instantes. Olhei para Ana Paula e para Marcela e pude ver o desespero em seus rostos quando nos vimos as sós naquela imensidão de mar. E eu pude rever o meu próprio desespero ao gritar pelo tio e não obter respostas.
Entreguei a vara com peixe para Marcela e sentei ao lado de Ana Paula.
-- Não fique assim, prima – pedi, tomando-a nos braços e afagando seus cabelos.
Ela apoiou a cabeça em meu peito e tornou a chorar compulsivamente.
Sua dor e seu pranto acabaram por me comover. E por mais que tentasse ser forte, não pude deixar de verter lágrimas; pois também eu sentia um aperto no peito ao tomar consciência de que nunca mais veria meu tio, de que sua família ao saber de sua morte também entrariam em desespero.
Marcela aproximou-se e também nos abraçou. Embora não tivesse nenhum parentesco com nossa família, também ela demonstrava estar consternada com a morte de meu tio.
E ficamos assim por algum tempo que não sei precisar. Entretanto, depois da dor tornar menos intensa e Ana Paula finalmente parar de chorar, Marcela se levantou e foi mexer na fogueira. Aproveitei o momento para levar a mão ao queixo de minha prima, levantar sua cabeça e dizer-lhe enquanto olhava fixamente em seus chorosos olhos:
-- Não fique assim. Tudo vai ficar bem.
Ana Paula meneou a cabeça e tentou esboçar um sorriso.
Então levei a mão em seu rosto e enxugue-lhe as lágrimas. Seus olhos denotavam muita dor, feitos os olhos de uma criança sozinha, perdida no mundo após a perda de seus pais. Era como se a minha presença não fizesse muita diferença.
-- E aí? Vamos preparar aquele peixe para o almoço? – perguntei, tentando reanimá-la? Ela meneou a cabeça afirmativamente. – Então vamos lá.
-- Como é que vamos fazer para limpar ele? – quis saber Marcela.
-- Sei lá! – falei. – Nunca limpei um peixe.
-- Eu sei mais ou menos. Já ajudei a minha mãe a fazer isso algumas vezes – adiantou-se Ana Paula.
“Ótimo! Assim ela vai se entreter e não vai ficar pensando na morte do pai. E a Luciana? Por onde anda?”, pensei. Em seguida perguntei para a Marcela:
-- Cadê a Luciana?
-- Ah, não sei não. Disse que ia andar por aí. Foi naquela direção. – Apontou a frente, para o lado onde costumávamos apanhar frutas.
-- Vou atrás dela e contar que peguei um peixe – falei, saindo da cabana e principiando a correr.



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