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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->. . .Três Poesias De Gregório De Matos -- 20/01/2007 - 18:20 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:130952516044197300



“O vezo de cantar as cousas da terra,

de nomeá-las... era antigo na nossa poesia.”

José Veríssimo

História da Literatura Brasileira





RESUMO



Compreender melhor o intuito e a contradição que motivou a mudança de conteúdo significativo, satírico, da poesia do polêmico autor barroco Gregório de Matos e Guerra, "A Jesus Cristo Nosso Senhor", em contraste com a comoção sentimental e a perda do fundamento crítico, persuasivo, dos versos subseqüentes na análise temática das poesias "A Jesus Cristo Crucificado", estando o poeta para morrer, e "Buscando a Cristo", é um dos objetivos deste trabalho monográfico. Para isto uso um “mix” de vários métodos de análise: o histórico, o sociológico, a análise temática e estrutural, em defesa da opinião de que o arrefecimento da vertigem da verve poética barroca na avaliação crítica dos dois últimos sonetos citados, em contraponto com a poesia "A Jesus Cristo Nosso Senhor", deve-se ao agravamento da condição da enfermidade incurável (velhice), e da agonia longa e patética do poeta, em seus últimos momentos, em Recife, sob a pressão da pobreza, da vida miserável, das perseguições sofridas em vida pelos poderosos. Devido às sequelas desse estilo de vida que se intensificaram na hora aziaga, Gregório de Matos suavizou, sobremaneira, a atuação literária satírica nas poesias "A Jesus Cristo Crucificado", estando o poeta para morrer, e em "Buscando a Cristo". Estes dois sonetos foram, possivelmente, escritos no estado de degeneração das funções orgânicas e biológicas do poeta debilitado pelo longo padecimento. O caráter e o temperamento dionisíaco, saturnal, característico de Gregório de Matos, entrou em declínio, uma vez que estava prestes a migrar dessa para a dimensão mais sutil. No século XVI o maneirismo prenunciava o barroco. O maneirismo se caracterizava pela interpretação (e/ou transcrição) requintada da produção artística do Renascimento, com ênfase na reprodução estilizada das formas (e no conseqüente abandono da proporção e da simetria), na suposta elegância, e na dramaticidade, no que iria configurar uma arte própria de uma minoria cortesã, marcada pelo individualismo presunçoso, pela soberba empáfia e fatuidade de seus objetivos. Que o barroco seja precursor do estilo rococó é também, suponho, fato do conhecimento dos estudiosos e leigos no estudo dos movimentos e escolas literárias. O lance literário, talvez inusitado, desta monografia, é a defesa do barroco enquanto representação dramática antecipada do expressionismo. O barroco, assim como o expressionismo, representou a arte e a técnica que tende a deformar ou exagerar a realidade, por meios que expressavam a percepção do sentimento do mundo de maneira intensa. O barroco, assim como o expressionismo, manifestou o conteúdo emocional e as reações subjetivas, que, em suas obras, exerceram forte domínio sobre o convencionalismo e a razão. A diferença está em que o expressionismo, ao contrário do barroco, expressava a realidade de forma direta. À maneira intensa do barroco, sim, mas não numa configuração dramática direta, característica do expressionismo. Muito pelo contrário: o barroco era muito irregular, ornamentado, sobrecarregado, exuberante e excêntrico. Ambos, barroco literário e expressionismo, usavam a arte e a técnica na criação de uma dramaticidade que tendia a deformar e/ou exagerar a realidade, por meios, através dos quais, seus artesãos manifestavam os sentimentos e a percepção do mundo: o barroco literário, de forma intensa e indireta, o expressionismo, de maneira veemente e direta.





1. INTRODUÇÃO



Este trabalho objetiva fazer o estudo histórico, temático e estrutural da poesia de Gregório de Matos, A Jesus Cristo Nosso Senhor, e peregrinar através da comparação temática entre esta, e os sonetos A Jesus Cristo crucificado, estando o poeta para morrer, e Buscando a Cristo, tendo por base da análise estrutural o livro de Norma Goldstein, Versos, Sons e Rítmos, e para a compreensão do contexto histórico da análise temática, o romance de Ana Miranda Boca do Inferno.



A eleição da poesia A Jesus Cristo Nosso Senhor, em confronto interpretativo com os sonetos A Jesus Cristo crucificado, estando o poeta para morrer; e Buscando a Cristo, justifica-se no argumento de que ambas se prestam melhor à compreensão da contradição entre o conteúdo significativo, satírico, da primeira poesia (A Jesus Cristo Nosso Senhor), em contraste com a comoção de sentimentos, e a subserviência beata, dos outros dois poemas.



A escolha do autor barroco Gregório de Matos legitima-se pela proeminência do mesmo em representar as contradições existentes no estilo poético dessa escola literária, quer pela fuga da afirmação de uma verdade convencional, quer pela tentativa de negação da arte enquanto cópia do estilo mimético da realidade, segundo o princípio clássico protocolar, cerimonioso, do Renascimento.



O primeiro capítulo aproxima o leitor do personagem e de seu tempo. Expõe como era viver na principal capital do país, escrevendo poesia popular que satirizava o comportamento das autoridades, recitando-as nas tabernas, numa época em que a Inquisição estava faminta por fazer vítimas, e que a impunidade dos excessos das autoridades já se desenhava como uma praga que, até o início do século XXI, ainda marca presença na sociedade brasileira, a avassalar as esperanças da população carente de justiça, saúde, habitação, emprego e segurança.



Quando em vida publicou-se dele apenas alguns “Sonetos de Maldizer, Louvor e Contrição”. A produção lírica e sacra, assim como as crônicas do viver baiano Setecentista, foram editadas apenas após sua morte.



Gregório de Matos amava a Bahia, ao mesmo tempo tinha dela uma opinião paradoxal, ao estilo de vida e do poetar barroco: “A Bahia é um vil monturo da Corte, aqui só há roubo, injustiça e tirania... Os bens do mundo são inconstantes, o sol não dura mais que um dia na vida que perdura como uma noite escura...”



No capítulo segundo o autor desta monografia promove a análise temática das três composições poéticas, sacras, de 14 versos, dispostos em dois quartetos e dois tercetos, conhecido por soneto italiano.



O autor desta designou a poesia de Gregório de Matos, de modo a melhor avaliar as influências literárias posteriores do estilo barroco, que, derivado do maneirismo, conseguiu superar essa influência histórica e afirmar-se enquanto, mais que predecessor, inspirador do estilo ornamental do rococó, e principalmente, das influências de estilo (deformação exagerada da realidade) característica do Expresionismo.



A preponderância estilística mencionada no parágrafo anterior, justifica-se em razão da opinião deste autor, afirmada na citação, item 2.4. deste trabalho, agora transcrita entre aspas: ““No concernente a forma de subterfugir e contornar, o barroco foi oblíquo, tergiversativo. Digressão e evasão o aproximaram mais do estilo rococó, apesar de não contar com aquela “suavidade dengosa e açucarada” própria do estilo ornamental surgido na França durante o reinado de Luís XV, (1710/1774), era, também o barroco, caracterizado pelo excesso de curvas caprichosas e pela profusão de elementos decorativos, que buscavam uma elegância requintada, uma graça não raro superficial.””



As influências do barroco não terminaram aí, no item 2.4., chamo a atenção do leitor para a opinião, outra vez reproduzida entre aspas: “O expressionismo representou a arte e a técnica que tende a deformar ou exagerar a realidade, por meios que expressam o sentimento e a percepção de maneira intensa e direta. À maneira intensa do barroco, mas não à maneira direta. Muito pelo contrário: o barroco era muito irregular, ornamentado, sobrecarregado, exuberante, extravagante e excêntrico.”



Ignoro se estas avaliações são ou não originais. Certamente outros trabalhos, outras dissertações, já tenham refletido sobre as influências mencionadas na praxe literária, poética, do estilo barroco, com relação a ele ser classificado enquanto precursor do rococó e mensageiro do expressionismo.



No item 1. e no 5., na Introdução e no capítulo da Conclusão, enfatizo que a decadência física de Gregório de Matos o teria conduzido ao arrefecimento da vitalidade física e intelectual que o notabilizou enquanto poeta símbolo da melhor produção literária ao estilo da poética satírica do barroco.



Até mesmo os críticos mais insensíveis de sua obra, a exemplo do famigerado ex-governador da Bahia e capitão-general do Brasil, Antônio de Souza Meneses, que reconhecia nela, na intimidade de seus amigos mais próximos, a sutileza, a inteligência, o discurso congruente, por detrás do estilo dos excessos de curvas caprichosas, da exuberância sobrecarregada de ornamentos estilísticos, que representavam a dramaticidade congruente das emoções e dos sentimentos contraditórios da vida administrativa da época, das influências políticas deletérias da Corte, propagadas pelo estilo barroco.



2. A ESCOLA BARROCA E A POESIA BARROCA DE GREGÓRIO DE MATOS: CONTEXTO HISTÓRICO



Gregório de Matos apaixonou-se por uma mulher casada de nome Maria Berco. Ele a conhecera na casa da família Ravasco, aparentada do padre Antônio Vieira, numa noite festiva num casarão da rua Debaixo. Foi uma paixão longa e platônica, desde que eles se gostavam mas não imergiram na relação física. Ela mantinha dele uma imagem estereotipada: poeta, sedicioso, possuía as mulheres e depois fugia de uma relação de compromisso. Escrevia poemas que ajudavam à conspiração de pessoas do clero e da sociedade baiana, contra a máquina governamental do governador e capitão-general do Brasil, o déspota, cruel e sádico, Antônio de Souza de Menezes.



O estilo sacro na poesia de Gregório de Matos entra em contradição consigo mesmo. Veja-se o primeiro soneto objeto deste estudo (A Jesus Cristo Nosso Senhor). Nele, ele preserva o espírito de sátira que caracterizou a maior parte da produção poética. Nos outros dois poemas, presume-se que seu estado de saúde já está por demais comprometido, e ele é insistentemente solicitado pelos monges que o atendem no leito de morte, a arrepender-se de suas atitudes, por alguns deles consideradas heréticas, de crítica mordaz da religiosidade hipócrita de uma sociedade servil aos interesses da Corte.



O melhor da poesia de Gregório de Matos revela o inconformismo e a inquietação do homem e da cultura do século XVII. A poesia Conceptista (jogo de conceitos, significação) barroca, do “Boca do Inferno”, criou novas formas de expressar as contradições, os paradoxos da sociedade colonial. Promoveu uma nova interpretação da realidade, não mais usando unicamente as ferramentas lineares do conhecimento iluminista da tradição clássica.



O barroco, do final do século XVI ao final do século XVII, estende-se a todas as manifestações culturais européias e latino-americanas. Enquanto movimento literário, foi anunciado pelo maneirismo (ausência de naturalidade, de atitudes espontâneas na linguagem, nas manifestações literárias e artísticas), cria então as condições necessárias para a transfiguração, a metamorfose, o questionamento das tradições, naquele momento histórico, já vetustas, da escola do Classicismo.



Na sociedade da primeira metade do século XVIII, existiam academias literárias com uma dupla função na sociedade colonial. Ao mesmo tempo em que se organizavam enquanto centros de propagação do barroco, eram também agremiações voltadas para o ensino de conceitos da cultura humanística, afastada da religiosidade jesuítica, que se destacaram na segunda metade do século: Academia Brasílica dos Esquecidos (1724/25), Academia Brasílica dos Renascidos (1759), ambas com sede na Bahia e a Academia dos Felizes (1736-1740) sediada no Rio de Janeiro.



Enquanto movimento estético, o barroco evidencia-se na busca do inusitado, da estranheza, da estupefação. Disseminou a idéia de que nada é estável e não há hieróglifo que não possa ser decifrado. A engenhosidade da produção barroca está na manifestação da impetuosidade de suas obras. Elas suscitam o gosto pelo inacabado, pela dificuldade, pela expressão inconclusa, por vezes paradoxal, do procedimento estético, na produção literária dos poetas dessa escola literária:



O barroco usa a linguagem dramática da antítese, do paradoxo, da hipérbole, da metáfora, da aliteração, da assonância, dos anacolutos e hipérbatos. Esse “dialeto” ornamental, ajaezado, por vezes ostensivo, demanda do leitor certa habilidade reflexiva, na falta da qual ele, ledor, não acompanha o ritmo da significação literária do pensamento poético, antilógico (oposição argumentativa) do barroco.



2.1. CONTEXTO HISTÓRICO “RIDES-AGAIN”: VIDA E OBRA DO POETA BARROCO COGNOME O “BOCA DO INFERNO”



A tradição clássica (humanista, racionalista, universalista), e a tradição medieval (teocêntrica, sentimental, individualista, musical, firmada em versos de cinco ou sete sílabas métricas: redondilha menor e redondilha maior), demandam menção para que se compreenda melhor o estilo barroco.



O conflito entre essas tradições ocorre no século XVII. Nesta época a burguesia mercantilista prosseguia seu processo de laicização da cultura medieval. A Igreja, na Espanha e em Portugal, reagia a esse projeto através da Contra-reforma e da Inquisição, movimentos religiosos que reafirmavam as posições do clero, as quais se opunham à Reforma protestante e ao racionalismo classicista.



Oficializada no século XVI, a Inquisição condenava à morte filósofos, artistas, cientistas, pessoas de modo geral, principalmente as que ousavam questionar os dogmas da “Santa Madre”. Desse conflito, das causas de seu desdobramento histórico, surgiu a expressão artística denominada barroco. Esta expressão artística materializa a contradição, a depreciação existencial do homem do século XVII dividido entre o humanismo da renascença e o teocentrismo medieval.



O termo barroco passou a ser vulgarizado para designar o estilo que, partindo das artes plásticas, alcançou seu zênite literário no século XVII, prolongando-se até meados do século XVIII. Razões e motivações didáticas delimitaram este movimento, no Brasil, entre 1601 e 1768.



Não era nada fácil conciliar estas duas tendências, digamos, “maniqueístas”, entre viver voltado para os prazeres do corpo, as paixões desse mundo, a ciência, o racional, ao mesmo tempo que afirmando a precariedade das coisas do mundo, a busca da salvação da alma, a vida após a morte, a necessidade do perdão de Deus e de encarar a eternidade. Nesse sentido, a arte barroca é o princípio da ruptura da ordem inativa, estacionária, conformista, dos clássicos.



O estilo clássico era caracterizado pela imobilidade versus o dinamismo barroco. O ajustado versus a inquietação, plano X curvo; banal X libertário, lógico X imaginário; racional X ilusório, linear X pitoresco; luz X sombra, branco X sombrio; verossímil X fantástico, exato X errôneo; o absoluto X relativo.



A época, a escola literária a que pertence a poesia barroca, objeto de análise deste estudo, teve início no Brasil-Colônia com a publicação do poemeto épico-laudatório, influenciado pelo Quinhentismo português, de autoria de Bento Teixeira, Prosopopéia, em 1601, estende-se até a divulgação de Obras Poéticas, de Cláudio Manoel da Costa, em 1768. Esta data marca a transição do estilo barroco para o arcádico (bucólico, rústico, pastoril, campestre).





2.1.1. DATAÇÃO BIBLIOGRÁFICA



O autor, Gregório de Matos e Guerra (o “Boca do Inferno”), nasceu na Bahia em 1636, doutorou-se em leis na Universidade de Coimbra, e faleceu em Recife, aos 59 anos, em 1695. Exerceu a magistratura em Lisboa. Popularizou-se ao escrever poesia satírica, até ser deportado para Angola e voltar para a terra pátria, desta vez estabelecendo-se em Pernambuco.



Com Gregório de Matos e Guerra, Manuel Botelho de Oliveira e Frei Manuel de Santa Maria Itaparica, todos baianos, consuma-se a transição das manifestações poéticas do século XVII para as do século XVIII. Gregório de Matos destaca-se dos demais autores, considerado o principal representante da poesia barroca no Brasil.



O estilo barroco começou a florescer em fins do século XVI (nas artes plásticas, na literatura, escultura, arquitetura e música) e afirmou sua influência até princípios do século XIX.



Caracterizou-se por uma atmosfera artística e cultural intensamente sombria (à semelhança do expressionismo), carregada de conflitos entre o espiritual e o temporal. Valores místicos, religiosos e sobrenaturais disputavam lugar nas criações artísticas, com produtos culturais que realçavam a dimensão secular, leiga, profana.



O barroco brasileiro garantiu, na arquitetura e na escultura sacra, a principal influência de sua criatividade, da qual testificou-se como intérprete supremo, a figura heróica do extraordinário escultor Antônio Francisco Lisboa, dito o Aleijadinho (1730-1814).



Quer pelo sentimento, quer pelos processos técnicos e expressivos, Gregório de Matos destaca-se na poesia lírica, religiosa (sacra), e amorosa do barroco. Tendo-se sobressaído mais pela produção poética de caráter social satírico.



A influência espanhola de Gôngora e Quevedo, somada à de Camões, abrange, no barroco, a sensibilidade de uma percepção do mundo paradoxal: a fluência da vida conduzindo à morte, a beleza enganosa da vida em sua brevidade (o carpe diem horaciano) convivendo com a renúncia aos prazeres. A exultação, o júbilo, o entretenimento, em contraposição à vivência posterior do bicho-grilo da consciência: o arrependimento, o pecado, a volta a Deus.



O barroco brasileiro caracterizou-se por duas tendências literárias. A primeira, o Cultismo, manifestação afetada da erudição, maneirismo, o purismo metafórico das figuras de linguagem, do jogo de palavras e de imagens. Esta, a prática vocabular dos notáveis Sermões do Padre Antônio Vieira, a mais proeminente personagem do estilo culto do discurso sacro barroco. Preleção caracterizada pela impetuosidade dos profetas, pela interpretação ecumênica, humanista, de cada texto bíblico que ele associava ao mundo em sua volta, à zelosa hipocrisia e a suscetibilidade das melindrosas da sociedade de seu tempo.



A segunda tendência, o Conceptismo, na qual se sobressaiu Gregório de Matos, singularizou-se pela exposição sutil de raciocínios que privilegiavam a preferência pelos jogos argumentativos de palavras rebuscadas.

Ambos os estilos fustigaram os falsos valores e a hipocrisia da sociedade da qual foram contemporâneos. O Cultismo descrevia as aparências e as imagens exteriores do objeto em pauta de seus discursos. O Conceptismo ressaltava os aspectos interiores dos discernimentos poéticos: as essências, definições, as concepções de idéias, por vezes paradoxais.



O estilo favorito na literatura de Gregório de Matos é a poesia satírica, irreverente, indiscreta, devastadora, insaciável na denúncia da corrupção, da desigualdade, do mandonismo arbitrário, do autoritarismo dos representantes da Corte, dos impostos esmagadores da economia do Brasil colonial, ao longo do século XVI, que culminaria, no século XVII, com a revolta da Derrama, cobrança, pela Corte, dos quintos em atraso e dos impostos extraordinários.



No barroco a angústia existencial toma conta do ser humano e emerge de seu discernimento imaginativo enquanto fonte inesgotável de pessimismo. A linguagem barroca é rebuscada, exterioriza a percepção confusa, sobressaltada, turbulenta, de uma mundividência instável, volátil, insegura, contraditória.



As figuras de linguagem que mais se destacaram nesse estilo foram: a metáfora, a assonância, a antítese, o paradoxo, a hipérbole, a sinestesia e o hipérbato, ou inversão da ordem natural das palavras nas orações.



Talvez esses recursos de linguagem tenham sido motivados pelo medo de sofrerem, os poetas e oradores do barroco, a repressão das autoridades por suas produções poéticas que tinham por principal objetivo cultural, político, a depreciação crítica aos desmandos de uma sociedade caracterizada pela desordem, a licenciosidade, a libertinagem, o desregramento excessivo dos sentidos, a obscenidade, a perversão perceptiva dos poderosos, deformada pela prática contumaz dos mais variados vícios.

2.1.2. CRONOLOGIA



Gregório compôs sonetos, décimos, motes, glosas e romances. Nos motes mais conhecidos introduzia, na linguagem poética, termos em tupi e em linguajares africanos, ao mesmo tempo em que incluía referências clássicas indispensáveis no produção de um poeta erudito.

Nasceu em 26.12.1636. filho de Gregório de Mattos com Maria da Guerra, ambos naturais da província de Guimaraens, em Portugal. Filho de uma família de proprietários rurais, empreiteiros e funcionários da administração da Corte.



1636 – Nasce na Bahia.

1642 – Estuda no Colégio da Bahia, dos jesuítas.

1650 – viaja para Portugal.

1652 – Matrícula na Universidade de Coimbra.

1660 – Exame de Bacharel na Universidade de Coimbra.

1661 – Formatura em Cânones na Universidade de Coimbra.

1661 – Casa-se, ano da formatura, com Dona Michaela de Andrade.

1662 – Habilitação (”de gênere”) para leitura de Bacharel.

1663 – Nomeado Juiz de Fora de Alcácer do Sal, por D. Afonso VI.

1665/66 – Provedor da Sta. Casa de Misericórdia (Alcácer do Sal).

1668 – Representante da Bahia nas Cortes. Lisboa, 27, janeiro.

1671/72 – Juiz de Órfãos e Juiz do Civil em Lisboa.

1674 – Procurador da Bahia (Senado da Câmara), em Lisboa, 20, janeiro.

1674 – Postulante para a fundação de uma universidade na Bahia.

1674 – Destituição da Procuradoria.

1674 – Batismo da filha natural em Lisboa.

1678 – Viuvez em Lisboa.

1679 – Nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e Tesoureiro-Mor da Sé, por D. Pedro II.

1681 – Clérigo tonsulado nas “ordens menores”.

1682 – Sentenças de sua autoria publicadas pelo jurisconsulto E. Alverez Pegas.

1683 – Volta ao Brasil, Bahia.

1683 – Posse como Desembargador da Relação Eclesiástica, e Tesoureiro da Sé baiana.

1684 – É destituído dos cargos acima citados.

1685 – Sentenças de sua autoria são republicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas.

1685 – Denunciado ao Tribunal do Sto. Ofício (Inquisição), em Lisboa.

1686 – Casa na Bahia com Maria de Póvoas (Maria dos Povos).

1686 – Nasce o filho de nome Gonçalo.

1692 – Pagamento de dívida em dinheiro à Sta. Casa de Lisboa.

1694 – Envolvimento político em rebelião militar em Angola.

1695 – Volta do exílio ao Brasil, desembarque em Recife.

1695 – Morre em Recife após ser denunciado à Inquisição, em Lisboa, por Antônio Roiz da Costa, promotor do Eclesiástico da Bahia, personagem ressentido, desde que satirizado pelo poeta.



 Após 32 anos vividos em Portugal, Gregório de Matos voltou à Bahia. Ano seguinte, em 1683 é empossado Desembargador da Relação Eclesiástica e Tesoureiro da Sé baiana, para, no ano seguinte, 1684, ser destituído de ambos os ofícios, pelo novo arcebispo, João da Madre de Deus, por não querer usar a batina, e não aceitar a imposição (restrições de comportamento) provenientes da hierarquia das ordens maiores necessárias ao exercício de suas funções junto ao arcebispado. A Sé era denominada pelo vate, em seus poemas satíricos de “presépio de bestas”.







2.1.3. OUTRAS MANIFESTAÇÕES BARROCAS: AS CRÍTICAS AO “BOCA DE BRASA”, A REFORMA E A CONTRA-REFORMA



Houve uma divergência estilística que dividiu a prática da escrita poética satírica de Gregório de Matos. Por um lado ele foi o principal criador desta corrente, a partir das influências do barroco espanhol e do português (educou-se na península Ibérica, em Portugal, na universidade de Coimbra), por outro lado, enquanto brasileiro, baiano, foi o primeiro grande trovador.



Alguns críticos dizem que ele plagiou Gôngora, Quevedo, Petrarca e Camões. Há semelhanças entre sua produção poética e a destes autores. O barroco é parte de uma época da história em que a imitação não possuía a feição negativa que hoje possui. Em todas as escolas anteriores ao Romantismo, imitar significava homenagear: a intertextualidade era prática comum.



Ele cantava seus versos nas tavernas, nos bares, com sua sátira por vezes sutil, outras vezes mordaz, mas sempre incômoda aos donos do poder, com a linguagem coloquial e mestiça das ruas, com sua paixão pelas mulatas, Gregório de Matos implantou a expressão artística do sentimento nacionalista, com sua produção poética múltipla, ele foi criativo e generoso, o mais barroco dos poetas barrocos.



Zagunchou com seus vitupérios, a incapacidade administrativa dos portugueses e a facilidade dos brasileiros em se tornarem bajuladores dos poderosos e do clero, visando usufruírem vantagens, por mais irrisórias que fossem. Criticou a corrupção e a negligência excessiva dos costumes. O conjunto de sua obra perfaz um painel conclusivo da história da sociedade de seu tempo.



O barroco teve seu apogeu literário no século XVII, desdobrou-se até meados do século XVIII. Da Idade Média até o Renascimento, a Igreja exerceu notável influência política, social e econômica. Estava infiltrada por elementos que tinham por único objetivo, conseguir, através dela, Igreja, prestígio social e autoridade maquiavélica. Desejavam alcançar e manter, a qualquer preço, “status” através da atuação clerical, quer vivessem como respeitáveis senhores da nobreza, quer como dissipadores contumazes da riqueza de outros, via influência política nos tribunais da Inquisição, que, após a condenação de inocentes ricos à fogueira, apossava-se avidamente de seus bens. De qualquer forma os inquisidores estavam a contrariar sobejamente os princípios de humildade e simplicidade característicos da genuína doutrina cristã.



À Reforma Protestante de Martinho Lutero, iniciada em 1517, seguiu-se a adesão de João Calvino em 1532. Os reformadores, Lutero na Alemanha, Calvino na França, reivindicaram a reaproximação da Igreja do espírito cristão primitivo. Todos os fiéis, segundo Calvino, podem ter acesso ao sacerdócio, inclusive as mulheres. Ele extingue a hierarquia e institui os pastores como ministros da Igreja. O casamento desses pastores é permitido. Ele pregava a predestinação. A salvação Deus teria reservado àqueles poucos eleitos, que, através do trabalho e da vida moderada na ética protestante, conseguiam tornar a exploração capitalista, justificada e atraente.



A Igreja católica, ao verificar o êxito parcial dos reformistas, organizou a Contra-Reforma ao convocar o Concílio de Trento (1545/63), com o objetivo de estabelecer a disciplina do clero e a reafirmação dos dogmas e crenças católicos.



É criada a Congregação do Índex (Index Librorum Prohibitorum), destinada a censurar livros supostamente contrários aos dogmas da Igreja católica, estabelecendo aos leitores e portadores dos mesmos, a prisão, o interrogatório, a tortura, e a pena de morte.



O estilo barroco surgiu da tensão entre o antropocentrismo e o teocentrismo, a tentativa de conciliar o humanismo renascentista com o espiritualismo medieval. A busca da conciliação entre os pontos de conflito maior dessas forças opostas, paradoxais, gerou a criação do estilo barroco.



Os artistas barrocos afirmaram a invenção de uma linguagem angustiada. Seus representantes queriam superar o impasse expressivo que se fazia vigente naquele momento histórico, e criar formas não convencionais de exprimir a nova maneira de visualização das possibilidades de superação do impasse de Ter o que dizer e não saber como. A alma de uma época querendo expressar-se através da criação artística.



Desse impasse surgiu uma nova, inventiva e realista participação do homem nos destinos do próprio homem: o estilo barroco de interpretar o mundo. A inserção do artista, enquanto ser coletivo que se importa com seu destino, com a direção política que os poderosos imprimem à sociedade, de acordo com seus interesses pessoais, sem questionamentos. As pessoas eram, como nos dias de hoje, usadas em função da satisfação de suas conveniências. O estilo barroco denunciava esta situação de inquietude coletiva.



A dessemelhança cronológica separa a literatura barroca brasileira de sua música (de Lobo de Mesquita, de Marcos Coelho), da escultura (do Aleijadinho, de Manoel da Costa Ataíde) e da arquitetura.







2.1.4. A PRODUÇÃO DA RIQUEZA: A CULTURA DOS ENGENHOS



A Bahia produzia entre catorze e quinze mil caixas de trinta e cinco arrobas de açúcar por ano. Elas valiam entre mil setecentos e mil e oitocentos contos. Em 1684, os estabelecimentos agrícolas destinados à cultura de cana e à fabricação do açúcar, tiveram de baixar o preço devido ao excesso de produção.



Os produtores de cana-de-açúcar usufruíam nessa safra de 1684, de farto lucro comercial devido a produtividade exuberante da terra. A mercadoria açúcar fino, valia dinheiro sonante, principalmente nos mercados europeu e asiático. A falta de navios cargueiros para o transporte do açúcar fino, contribuiu para a baixa dos preços no mercado interno. Os produtores, sedentos de lucro comercial, queimavam toneladas do produto devido à superabundância da produção. Enquanto o preço dos escravos, do cobre, do ferro, do tabaco, dos tecidos, dos materiais que supriam os engenhos, aumentava.



A riqueza do açúcar e do tabaco servia de remédio milagroso para as aflições e tormentos causados pela guerra contra os holandeses, pela qual os baianos estavam pagando até aquele momento, através dos impostos denominados “Dote da Inglaterra” e “Paz da Holanda”, instituídos pôr Francisco Barreto de Meneses, o general vitorioso da guerra pernambucana.



A colônia era atrelada a Portugal, mas as moeda e a riqueza produzida não permaneciam no Brasil. A economia da colônia declinava mais e mais, conforme as circunstâncias econômicas, históricas, que eram moldadas para atender as necessidades do regime fazendário da metrópole. Da Corte.



Trocavam açúcar por sal, tabaco pôr azeite, aguardente por vinho. No sistema de escambo o açúcar substituía a moeda. Os valores das mercadorias no mercado interno, nas colônias, eram mínimos, miseráveis. Em Portugal, astronômicos. Havia filas nas bodegas e feiras para a aquisição de qualquer produto. Parte da população culpava a Câmara pelas privações que afligiam e penalizavam os habitantes das cidades. Outros, incriminavam a frota que partia em direção à Corte abarrotada de gêneros alimentícios: carnes, peixes, frutos do mar, feijões, verduras, frutas, legumes, enquanto as panelas dos brasileiros permaneciam quase que vazias de certas iguarias.





2.1.5. BAHIA, TERRA DA FELICIDADE

Nessa época a Bahia foi devastada pela cólera, matando grande parte de sua população. A peste, como era chamada, havia consumido um quinhão considerável das populações mediterrâneas, avassalara o sul da França, parte da Inglaterra, Alemanha e Polônia, como o fizera na Índia, na Tessália, na Macedônia.



Os profissionais de medicina eram raros, atuavam como médicos os jesuítas, alguns judeus e outro tanto de cristãos-novos transmigrados da Europa. Os poucos médicos formados eram burocratas da Coroa, trabalhando na Câmara e nas tropas. Os cirurgiões-barbeiros e os licenciados exerciam a cirurgia sem inspeção, assim como os aprendizes boticários, anatomistas, curandeiros, pajés e curiosos exerciam a medicina sem nenhuma inspeção.



O medo da doença infecto-contagiosa espalhava o terror da morte. A dor da perda dos parentes, amigos e conhecidos, levava os habitantes da cidade a evitarem o contato com seus semelhantes. Temiam a proximidade de tudo e de todos, mesmo dos que ficavam dentro de casa.

Pelas ruas desertas, migravam muitos dos que restaram, enquanto seus familiares padeciam e morriam a caminho de outras vilas próximas e cidades. Os navios não atracavam no porto, onde algumas embarcações vazias de tripulantes permaneciam. O guindaste não levantava nem descia cargas. As tabernas estavam fechadas e a prostituição findara, provisoriamente.

Faltava sal, farinha, azeite, bacalhau, vinho, tecidos. As mercadorias eram raras. Consumiam-se produtos da terra, de salubridade duvidosa. A sociedade carecia de meias, chapéus, aniagem, armamentos, cobre fundido, produtos para engenhos, droguetes, sarjas, brocados, linha e papel. Em decorrência da escassez, os preços, subiam aos céus, enquanto os fregueses clamavam aos santos.



Nos cemitérios, os escravos abriam covas rasas, enquanto os monges inumavam vários corpos na vala comum em cerimônias muito rápidas. As enfermarias, conventos, mosteiros e casas estavam entulhados de corpos, uns doentes, outros agonizantes. Em noventa dias (3 meses) havia sido sepultada a maior parte da população da Bahia. Inclusive o arcebispo João da Madre de Deus e o desembargador Palma.



Depois do governo do marquês de Minas, Gregório de Matos teve novos conflitos com o poder. Governava então a Bahia Antônio Luiz da Câmara Coutinho, cognome Tucano, devido a um nariz enorme e à corcova nas costas à altura da omoplata direita. O vate barroco escreveu poesias satirizando a atuação do governador, comparando-a a seus defeitos físicos.



Ao terminar o governo do Tucano, ficou na Bahia um sobrinho desse governador com o intuito de vitimar Gregório de Matos. O sucessor de Tucano, o governador João de Lencastre, amigo do poeta, decidiu prendê-lo alegando protegê-lo com a prisão, assegurar-lhe a integridade física.

Refugiou-se ele na ilha Madre de Deus, mas, traído por Gonçalo Ravasco, ex-aliado nas lutas contra o ex-governador “Braço de Prata”, foi preso pelos guardas de João de Lencastre, ocasião em que foi deportado para Angola, após um período como presidiário da Lioneira.

Ora, por mais corajoso que fosse o poeta, ele era produto das influências culturais do século XVII. Havia tido uma vida atribulada, de presidiário da Lioneira e de degredado em Angola, para onde viajou numa caravela onde seguia, também, a tropa de cavalos de el rey, dom Pedro, para Benguela. Devia ter medo da “caça às bruxas” promovida pela Contra-reforma e a Inquisição. Estava rodeado de padres fanáticos (tipo “a Inquisição Salva, o Cristo do perdão, da remissão, da misericórdia, da Páscoa, que se dane”), assim como da religiosidade culpada e medrosa do mosteiro.



Traído, Gregório de Matos ausentou-se definitivamente da terra natal, a Bahia que tanto amava e, exemplar poeta barroco, desamava, ao mesmo tempo. Obrigaram-no à pobreza, ao refúgio, negaram-lhe mercês, agrediram-no, prenderam e deportaram para Angola. Em Luanda, após envolvimento numa sublevação de militares contra os impostos excessivos, a miséria e a fome em Angola, por ter colaborado com o então governador, obteve a recompensa da liberdade de voltar ao Brasil.



Após o degredo, as autoridades impediram-no de retornar à Bahia, embarcou para Pernambuco. Em Recife submeteu-se à proibição de não mais escrever suas sátiras. Trabalhou como advogado num escritório decorado com bananas. Em Recife morreu em 1695, aos cinqüenta e nove anos. Foi enterrado na capela do hospício de Nossa Senhora da Penha. Posteriormente a capela foi demolida pela especulação imobiliária no primeiro quartel do século XVIII.



Suas poesias foram coletadas e registradas em livro por pessoas do povo, a pedido do governador João de Lencastre. O livro ficava aberto numa sala do palácio e havia, por vezes, filas de pessoas com sátiras e poemas líricos em mãos, ou recitados de cor, para serem transcritos, supostamente, todos eles, de autoria de Gregório de Matos.



Ninguém tinha a certeza de que eram de autoria dele, o “Boca do Inferno”, o grande mestre das sátiras, das imprecações, dos xingamentos condenatórios, da ridicularização popular das autoridades ridículas, da ambivalência, do preconceito, da subserviência, do puxasaquismo, da dessacralização, da irreverência, das histórias escatológicas de amor, sexualidade, paixão e dor.



O poeta, doente, sem recursos, viveu até 1695. A força vital o abandonou definitivamente em Recife.



Tudo que se escrevesse sobre esses enredos era, sem dúvida, um pouco da vida e do talento de Gregório de Matos e Guerra.





2.1.6. O BARROCO PRECURSOR DO ROCOCÓ E MENSAGEIRO DO EXPRESSIONISMO



O barroco foi a primeira manifestação de antecipação do expressionismo nas artes plásticas e na literatura. O expressionismo que, enquanto movimento artístico surgiria apenas no século XIX, a partir das influências de Van Gogh (1853/1890) e de Edward Munch (1863/1944).



O expressionismo representou a arte e a técnica que tende a deformar ou exagerar a realidade, por meios que expressam o sentimento e a percepção de maneira intensa e direta. À maneira intensa do barroco, mas não direta. Muito pelo contrário: o barroco era muito irregular, ornamentado, sobrecarregado, exuberante, extravagante e estrambótico.



No concernente a forma de subterfugir e contornar, o barroco foi oblíquo, tergiversativo. Digressão e evasão o aproximaram mais do estilo rococó, apesar de não contar com aquela “suavidade dengosa e açucarada” própria do estilo ornamental surgido na França durante o reinado de Luís XV, (1710/1774), era, também o barroco, caracterizado pelo excesso de curvas caprichosas e pela profusão de elementos decorativos, que buscavam uma elegância requintada, uma graça não raro superficial.



Como afirmou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil: “Uma suavidade dengosa e açucarada invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial. Nos próprios domínios da arte e da literatura, ela encontra meios de exprimir-se, principalmente a partir do setecentos e do rococó.”



O barroco influenciou o rococó e o expressionismo. Não é pouca coisa.





3. ANÁLISE TEMÁTICA DAS TRÊS POESIAS SACRAS DO POETA BARROCO GREGÓRIO DE MATOS (O “BOCA DE BRASA”)



3.1. POESIA SACRA SONETO I



“A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR”



Pequei, Senhor; mas não por que hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido:

Porque, quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado



Se basta a vos irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado



Se uma ovelha perdida, e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história:



Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;

Cobrai-a ; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.





3.1.1. ANÁLISE TEMÁTICA DA POESIA



Os temas básicos da poesia lírico-religiosa barroca, estão presentes em Gregório de Matos: a inevitabilidade do pecado, o medo da punição divina, a busca incessante e desesperada do perdão. Alguns sonetos da poesia religiosa de Gregório de Matos associam esses princípios clericais ao arrependimento na hora da morte. Eles evidenciavam os valores emblemáticos da religiosidade venal, a partir dos quais o clero havia explorado as populações ingênuas com a venda de indulgências e a promessa de, quanto mais pagassem à Igreja, mais estava garantido o lugar dos fiéis no céu.



No primeiro quarteto o poeta invoca o Senhor afirmando ter pecado e, ao mesmo tempo, não ter cometido nenhuma transgressão ao pecar. Ele se despiu da clemência de Deus por muito ter delinqüido, e afirma que, quanto mais comete delitos, mais a perdoar à divindade se empenha. Isto porque, se a pessoa divina o perdoa, também Ela merece perdão por necessitar dos pecados do pecador, para exercitar seu atributo divino.



Na segunda estrofe ele deseja promover um basta à ira divina por tantos pecados cometidos, e quer abrandar a Cristo, por demais, num só gemido, fazendo-O compreender que a culpa que o terá ofendido é a mesma que O lisonjeia, desvanece e honra, desde que, se não fosse o pecado, como poderia Ele exercitar o perdão? Fica claro que o poeta quer dizer que a mesma culpa que melindra e insulta, é a mesma que incensa, adula e afaga.



No primeiro e no segundo tercetos o poeta evoca-se enquanto ovelha perdida, já cobrada a penitência pelo pecado, que terá dado glória e prazer repentino a Jesus. O bardo reconhece-se outra vez ovelha perdida, desgarrada, enquanto motiva o pastor divino (em caixa baixa) a cobrá-lo, ao sugerir, desta forma, não perder a oportunidade de manter intacta a divina glória.



O vate reconhece que Deus tira seu poder, sua celebridade e reputação divina, do ato de perdoar cada penitente por seus inúmeros e repetidos delitos. O poeta, em sendo um pecador especial, porque compreende a natureza do pecar e do perdão, quer valorizar-se a si mesmo, ao valorizar a atitude divina de agente fornecedor do perdão.



Como poderia o agente fornecedor do perdão ser valorizado sem a anuência do agente fornecedor do pecado? As circunstâncias aleatórias e naturais do cotidiano das pessoas, dos pecadores, fornece as condições do pecar. O pecar justificava a existência do pecador, assim como a efetividade do perdão ao penitente estabelece e patenteia a dependência de ambos: do que comete a transgressão e do ser divino que concede o perdão. Sem um, o outro não teria serventia, valor religioso e sustentação teológica.



Gregório de Matos estava longe de ser um pecador que se arrependia de seus pecados. Seus pecados eram uma maneira de prestigiar os atributos e a glória do Divino. Seus pecados significavam o modo pelo qual ele era seduzido e influenciado a cometê-los, porque sem o pecador, como poderia a divindade não apenas revelar, mas utilizar o Dom do perdão?





3.1.2. POESIA SACRA SONETO II



“A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR

ESTANDO O POETA PARA MORRER”



Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja fé protesto de viver;

Em cuja santa lei hei de morrer,

Amoroso, constante, firme e inteiro:



Neste transe, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minha vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um pai, manso, cordeiro



Mui grande é vosso amor, e o meu delito:

Porém, por ter fim todo o pecar;

Mas não o vosso amor, que é infinito.



Esta razão me obriga a confiar

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar





3.1.3. ANÁLISE TEMÁTICA DA POESIA



No primeiro quarteto o poeta recorre, desesperado, a Jesus Cristo, ao sentir, no leito de morte, a aziaga aproximar-se. Invoca-O dizendo que em sua lei há de morrer. E que esta resolução é simplesmente inabalável. Ele teme e lamenta, mas sabe que o próprio filho de Deus sustenta sua figura religiosa mais emblemática pendente em um madeiro.



No segundo quarteto, quando está definida a situação infausta, e ele sente sua vida escapulir de seus sentidos, clama a Jesus, manso Cordeiro, pedindo que o acolha com brandura paterna em seu passamento, desde que já se configura o definitivo anoitecer.



No primeiro e no segundo tercetos ele declara o grande amor de Cristo e, ao mesmo tempo, afirma seu manifesto sentimento de culpa, no momento em que tem fim qualquer possibilidade de transgressão, mas não o infinito amor do Deus que se fez homem. O vate, em razão dessa certeza de ser amado pela divindade que invoca, afirma a vida como sendo um lugar de conflito, e declara que, por mais que tenha pecado, nesse momento, estimulado pela confiança do perdão de Deus, espera Nele, por seu amor à humanidade, e a ele, bardo, salvar-se.





3.1.4. POESIA SACRA SONETO III



“BUSCANDO A CRISTO”



A vós correndo vou, braços sagrados,

Nessa cruz sacrossanta descobertos;

Que, para receber-me, estais abertos

E, por não castigar-me, estais cravados.



A vós, divinos olhos, eclipsados,

De tanto sangue e lágrimas cobertos,

Pois, para perdoar-me, estais despertos,

E, por não condenar-me, estais fechados



A vós, pregados pés, por não deixar-me.

A vós, sangue vertido para ungir-me.

A vós, cabeça baixa p´ra chamar-me.



A vós, lado patente, quero unir-me.

A vós, cravos preciosos, quero atar-me,

Para ficar unido, atado e firme







3.1.5. ANÁLISE TEMÁTICA DA POESIA



No primeiro quarteto a imaginação aedo, inspirada pela situação infeliz que se avizinha, recorre à imagem sacrossanta do crucificado. Ele visualiza seus braços sagrados, cravados em cruz à descoberto, para sustentar a impossibilidade física de, com eles, castigá-lo.



No segundo quarteto ele canta os olhos divinos ocultos pelo sangue e pelas lágrimas revestidos, mas que ele tem certeza que estão despertos, apesar de fechados e de flagelados pela dor do suplício dos açoites dos soldados romanos. Olhos que a tudo vêem, vêem certamente, que a eles o poeta confia suas súplicas, seus rogos, e, decerto, a postura divina do Deus feito homem, por ser absolutamente misericordioso, vai anuir à vontade de perdão do pecador.



No primeiro e no segundo tercetos, ele clama, aos pés do Crucificado, implorando que seu sangue possa vir a ungi-lo, e Sua cabeça baixa chamá-lo. Ele quer unir-se a esse sofrimento manifesto, evidente. Aos cravos preciosos de Cristo deseja aparceirar-se, encontrar paz espiritual. A mesma quieta serenidade de remanso, característica de um homem que doou o próprio corpo ao flagelo, e, como se ignorasse todo sofrimento imposto por seus carrascos, transmite uma invejável bem-aventurança do alto de sua imagem martirizada.







4. ANÁLISE ESTRUTURAL DA POESIA SACRA

“A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR”



4.1. POESIA SACRA SONETO I:



“A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR”



01 Pe - quei, Se - nhor; mas - não – por - que hei – pe - ca - do, A

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 

02 Da vossa alta clemência me despido: B

03 Porque, quanto mais tenho delinqüido, B

04 Vos tenho a perdoar mais empenhado A



05 Se basta a vos irar tanto pecado, A

06 A abrandar-vos sobeja um só gemido: B

07 Que a mesma culpa que vos há ofendido, B

08 Vos tem para o perdão lisonjeado A



09 Se uma ovelha perdida, e já cobrada A

10 Glória tal e prazer tão repentino B

11 Vos deu, como afirmais na sacra história: C



12 Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada; A

13 Cobrai-a ; e não queirais, pastor divino, B

14 Perder na vossa ovelha a vossa glória. C





 Todos os outros versos têm esta mesma relação métrica decassílaba.







4.1.1. VERSOS DE DEZ SÍLABAS



A classificação dos versos da poesia indica que eles são regulares. Isto porque possuem a mesma quantidade de sílabas métricas e de rimas: 10 (dez) sílabas métricas são igual a um verso decassílabo. Segundo a classificação de Orlando Pires são versos isométricos, isto é, que possuem as mesmas dimensões.



Comprova-se a mesma quantidade de sílabas métricas nos versos

01 Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, A

e no seguinte:

02 Da vossa alta clemência me despido: B

e desta forma sucessivamente com relação aos demais versos:

03 Porque, quanto mais tenho delinqüido, B

...



O verso de dez sílabas, decassílabo, era o predileto dos poetas do século XVI. Vide Camões, no poema épico Os lusíadas. O verso de dez sílaba, neste período, foi o mais utilizado, não apenas nessa época, mas em todas as épocas, ele sempre foi, é, e, tudo indica, continuará sendo um verso musical de vigoroso efeito sonoro. A partir dessa época, o decassílabo foi sendo enriquecido ritmicamente com variantes de novos acentos em relação aos tipos iniciais.







4.1.2. POEMA DE FORMA FIXA: SONETO E CLASSIFICAÇÃO DAS ESTROFES SEGUNDO A QUANTIDADE DE VERSOS:



A classificação estrutural da poesia em pauta afirma-se como sendo um soneto. Um soneto é uma poesia composta em dois quartetos (quatro versos) e dois tercetos (três versos), totalizando: 4 + 4 + 3 + 3 = 14 versos.



O soneto é o poema de forma fixa mais encontrado. É composto de dois quartetos e de dois tercetos. Geralmente apresenta versos de dez ou doze sílabas. Aparecem rimas de um tipo nos quartetos (AB), e de outro, nos tercetos (CD) ou (ABC). O soneto costuma conter uma reflexão sobre um tema ligado à vida humana.



Neste soneto, o poeta presta uma homenagem ao estilo da sátira social. Na unidade de 14 versos da poesia, é possível perceber as subunidades formadas pela estrofe. Neste poema o verso é o decassílabo. As rimas apresentam o esquema ABBA ABBA ABC ABC. O soneto em pauta possui um desenvolvimento progressivo, num aumento de intensidade que vai envolvendo o leitor até a dramaticidade afirmativa do verso final: 14 Perder da vossa ovelha a vossa glória. C







4.1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS ESTROFES SEGUNDO AS RIMAS:



São dois os modos de conceituar rima rica e rima pobre: o primeiro critério é gramatical. O segundo, fônico. De acordo com o critério gramatical, a rima pobre ocorre entre palavras pertencentes à mesma categoria gramatical (dois verbos, dois substantivos, dois adjetivos, e outros). E a rima rica acontece entre termos pertencentes a diferentes categorias da gramática.



Na primeira estrofe há dois pares de rimas ricas e pobres: No final dos versos 01 e 04 a palavra pecado é um substantivo masculino, e rima com empenhado, que é um verbo pronominal, originando, desta forma, rimas ricas. O outro par, versos 02 e 03, é de rimas pobres, considerando-se que as palavras finais do segundo e do terceiro versos são ambas adjetivas: despido indica um sujeito sem vestuário, nu, e, em sentido figurado, quer dizer livre, isento, desprovido. Delinqüido é também adjetivo, quer dizer desmaiado, desfalecido, em linguagem popular (Gregório de Matos era um poeta popular), muito magro, enfermiço, debilitado.



Os versos 05 e 08 da segunda estrofe constituem rimas ricas: repete-se o substantivo masculino pecado (transgressão de preceito religioso, por extensão falta, erro, culpa, vício), desta vez a rimar com o verbo pronominal lisonjeado (sentir prazer recebendo lisonjas, sentir orgulho, honrar-se, vangloriar-se, desvanecer-se). Os versos 06 e 07 consistem também em rimas ricas, desde que a palavra gemido significa, neste contexto do verso poético, ato de gemer, lamentação, som lastimoso e plangente, ou seja um substantivo masculino a rimar com o adjetivo ofendido, a nomear aquele que recebeu ou sofreu ofensa, alguém injuriado, ressentido, que teve seus direitos molestados. Na época em que este poema foi criado, havia, na Bahia, um ditado popular que dizia: “Vida gemida, vida comprida”. A palavra gemida, neste contexto constitui-se num adjetivo.



Os ver sos 09 e 12, do primeiro e do segundo tercetos elegem-se rimas ricas: o verbo pronominal no infinitivo feminino cobrada (refeita, restaurada, recuperada), rima com o adjetivo feminino desgarrada (erradia, sem abrigo, sem arrimo, extraviada, sozinha). Os versos 10 e 13 são formados por rimas pobres: o adjetivo repentino (súbito, inopinado, imprevisto, inesperado), verseja com outro adjetivo, divino (sublime, perfeito, encantador, maravilhoso). A versificação 11 e 14, o substantivo feminino história (narração metódica dos fatos ocorridos na vida sagrada de Jesus Cristo), resolve-se em verso rimado com o também substantivo feminino glória (magnificência, celebridade, renome, reputação, brilho, esplendor, prestígio, bem-aventurança, honra, superioridade), constituindo-se numa rima pobre, segundo o conceito poético/literário supra mencionado.





4.1.4. NÍVEIS DO POEMA



Lexical: O vocabulário do texto revela um nível de linguagem culto, mas também coloquial. As palavras delinqüido, sobeja, lisonjeado, sacra história, desgarrada, estão situadas num contexto lingüístico/poético religioso e instruído, que se constrói num procedimento estético excelente para os padrões da época. O poeta utiliza o Conceptismo, um encadeamento de idéias que parecem contraditórias, mas que revelam, para o leitor mais atento, uma idéia central, supostamente sacra, mas realmente profana, que se destaca das demais com grande força característica de uma ironia mordaz, que não se podia revelar de outra forma, naqueles tempos de repressão eclesiástica feroz.



Sintático: Existem combinações semelhantes de substantivos e adjetivos, com verbos usados no mesmo tempo verbal infinitivo (perdoar, irar, perder) e/ou particípio (despido, perdida, delinqüido, empenhado, gemido, ofendido, lisonjeado, cobrada, desgarrada). A sintaxe confessional usa expressões verbais no presente do indicativo, tipo Pequei, Tenho, Sou.



Semântico: O aspecto semântico sempre está presente quando se fala em organização sintática, vocabulário, ortografia, e emprego de categorias gramaticais que somente podem e devem ser analisadas tendo-se em vista o sentido geral do texto poético. As relações de significação nos signos usados pelo poeta Gregório de Matos, servem à representação poética e, igualmente, à análise crítica pertinente ao autor e à escola literária na qual se destacou: Assim como à vivência da poesia Barroca no seu estilo Conceptista, no qual afirmou-se historicamente memorável.





4.1.5. FIGURAS DE EFEITO SONORO



ALITERAÇÃO repetição da mesma consoante ao longo do poema. A consoante P é a mais repetida em todo o Poema: Pequei, Porque, Pecado, Porque, Perdoar, Pecado, culPa, Perdão, Perdida, Prazer, rePentino, Pastor, Perder.



ASSONÂNCIA, nome da repetição da mesma vogal na poesia. A vogal I é a mais repetida com intenção de produzir efeito sonoro pertinente: pequeI, heI, clemêncIa, despIdo, maIs, delInqüIdo, maIs, Irar, gemIdo, ofendIdo, lIsonjeado, perdIda, glórIa, repentIno, afIrmaIs, histórIa, queIraIs, dIvIno, glórIa.





4.1.6. AS MAIS USADAS FIGURAS DE

LINGUAGEM DO ESTILO BARROCO



METÁFORA: Substituição de um termo pôr outro, possível pôr existirem semelhanças, pontos de contato entre as duas realidades. Uma comparação feita subjetivamente, não explicitamente. Tropo (emprego de palavra ou expressão usada em sentido figurado) que consiste na transferência de uma palavra de um âmbito semântico para outro que não é o objeto designado por ela. Fundamenta-se numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado, translação.



ANTÍTESE: Presença de idéias contrárias num mesmo enunciado. Figura através da qual se sobressai a oposição entre duas palavras ou idéias. Enantiose.



PARADOXO: Aproximação de idéias que contrariam a normalidade, o senso comum. Figura em que uma afirmação aparentemente contraditória é, no entanto, verdadeira.



HIPÉRBOLE: Consiste numa idéia exagerada. Figura que engrandece ou diminui excessivamente a verdade das coisas, de uma afirmação.



HIPÉRBATO: Consiste na inversão da ordem natural de termos de uma oração.



ALITERAÇÃO: Sucessão de sons consonantais. Repetição de fonema(s) no início, meio e fim de vocábulos próximos, ou mesmo distantes (desde que simetricamente dispostos) em uma ou mais frases, em um ou mais versos. Aliteramento, paragramatismo.



ASSONÂNCIA: Sucessão de sons vocálicos. Semelhança de sons. Conformidade ou aproximação fonética entre as vogais tônicas de palavras diferentes.



ANACOLUTO: Figura de sintaxe que consiste no emprego de um relativo sem antecedente, ou na mudança abrupta de construção. Frase quebrada. Anacolutia.



PERÍFRASE: Substituição de um ser ou situação por um circunlóquio (rodeio) de palavras. Designação de alguém ou de algo por construção que dê relevo a uma de suas qualidades, e não por seu nome. Perífrase lexical (v. circunlóquio). Perífrase morfológica: Expressão de uma relação gramatical pela utilização de uma seqüência de palavras e, não, por afixação, como no caso das conjugações perifrásicas.



PROSOPOPÉIA: Figura pela qual se insere vivacidade na ação, no movimento, e na voz das coisas inanimadas. Se empresta fala a pessoas ausentes ou mortas, e a animais. Personificação, metagoge.



CIRCUNLÓQUIO: Rodeio de palavras, circuito de palavras, circunlocução, perífrase.



SINESTESIA: Troca, aproximação ou mistura de sensações provocadas por diferentes sentidos. Sensação de uma parte do corpo produzida pelo estímulo em outra parte.



As Figuras de Linguagem são utilizadas pelos autores para melhor estilizar a expressão literária, construindo representações gradativas, dramatizadas, que aumentam a intensidade do discurso poético e literário. São mais identificadas nos textos versejados, umas mais, outras menos, dependendo do momento histórico de certa escola literária, ou do uso individualizado de certo poeta que nela se tenha sobressaído.



A aliteração e a assonância são figuras de sintaxe. A perífrase e a prosopopéia são figuras de pensamento. A sinestesia é figura de palavra.





5. CONCLUSÃO:



A partir da análise estrutural e da análise temática da primeira poesia de Gregório de Matos, comentada neste trabalho de fim de período, A Jesus Cristo Nosso Senhor, assim como dos outros dois poemas, sonetos, concluiu-se que houve uma expressiva diferença de conteúdo entre o primeiro soneto, objeto da análise estrutural e temática, e os outros dois, matéria da análise apenas temática.



Contra evidência inexiste argumento pertinente. A verdade manifesta nos dois últimos sonetos é a de que é público e notório que, quando uma pessoa está defrontando-se com a morte, a decadência dos sentidos, da vontade, se faz presente. A pessoa não está mais dona de seus melhores reflexos e de sua melhor percepção da realidade. A ceifeira faz o moribundo sentir que o corpo e a mente estão em vias de extinção.



Se hoje, a situação frente a aziaga, não mudou quase nada, e as pessoas mantêm as mesmas inquietações e dúvidas a propósito de uma suposta outra vida, dá-se um desconto ao vate quanto à sua entrega ao medo do aniquilamento do corpo, da partida deste mundo, então promovido pela onipresença da ceifeira de vidas, armada com a terrível foice, que em breve iria levá-lo para o Hades, aonde queimaria eternamente no fogo turbulento da danação, em meio aos sofrimentos proporcionados pelos sete níveis de mortificação dos infernos.



Em seus delírios terminais, Gregório de Matos possivelmente antevia, em cada um desses níveis de algaravia, os monges, aqueles supostamente portadores de um capeta sádico, coadjuvantes do demônio, por isso mesmo colaboradores da Inquisição, extremamente indigestos, estariam lá, no suposto outro mundo, à espera das almas desse, em cada portal fabuloso, com um tridente trêmulo em mãos, pronto para usar no que restou dos pobres mortais que teriam feito jus a esse satânico mundo cão.



Gregório de Matos viveu uma vida de dissipações. Gostava das mulheres de modo geral (mulatas, negras, brancas, solteiras, vadias, casadas, separadas, amaziadas, novas, balzaquianas, altas, baixas, magras, pobres, ricas, remediadas), era lúdico e lúbrico. Gregório de Matos fazia parte do grupo liderado pelo padre Antônio Vieira, que, juntamente com as famílias Ravasco, Brito, os Araújo Gois, o rabino Samuel da Fonseca, os Bonicho e os Serotinos, promovia a oposição ao então 25° governador e capitão-general do Brasil, o temido, tirânico e perverso Antônio de Souza Meneses, o “Braço de Prata”, que após a pressão desse grupo e as denúncias à Corte feitas por Antônio Vieira, originou um édito de el rey, dom Pedro, destituindo-o do cargo de governador da Bahia e capitão-general do Brasil.


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