ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 36
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É possível que eu tenha corrido uns cinco minutos antes de tomar ciência de que, se continuasse, acabaria dando voltas na ilha. Só então parei e, confuso, comecei a atinar acerca do que fazer; pois ficar plantado ali também de nada adiantaria. Olhei para trás e nenhum sinal da Luciana. “Ela não me seguiu”, conclui. “Voltar para a cabana? E o que vou dizer para as duas?”, indaguei-me, sentando sobre a areia para recuperar o fôlego. “Não posso chegar lá sem as goiabas. Vou ter de voltar. Elas estão esperando...”, continuei a pensar. Aliás, estava mais preocupado em não retornar de mãos vazias e em ocultar o incidente do que com o que a Luciana poderia fazer comigo. Só alguns instantes depois, quando principiei a retornar, o temor de encontrá-la me impelia para trás feito um vento contrário.
O medo na realidade não era de um ato violento, de uma agressão física ou coisa parecida e sim do seu julgamento. Se ela rira de mim por causa do tamanho do pênis, o que não faria agora que fugi dela? “Idiota! Como pude bancar o idiota?” Seu riso, seu escárnio seriam como punhaladas no peito, um ferimento mortal no meu orgulho masculino. Contudo, não retornar, não encará-la seria ainda pior. E já que teria de fazê-lo, então que o fizesse enquanto estávamos as sós; pois na frente das meninas ser-me-ia ainda mais humilhante e insuportável, seria dar o passo definitivo para a minha desgraça. Não, não. Antes sucumbir sob a espada do inimigo a suportar o peso da covardia.
Luciana parecia ter adivinhado que eu retornaria. Cerca de quinhentos metros depois, onde jazia as goiabeiras, estava ela de pé, com as mãos sobre os quadris, olhando para cima, aparentemente procurando as frutas entre as folhas verdes. Embora parecesse compenetrada, viu-me aproximar cabisbaixo, feito um cãozinho que, após uma travessura, sabe que será castigado.
-- Voltou, seu fracote! -- Foi o que me disse quando parei ao seu lado.
-- Eu não sou fracote – respondi, ainda sem coragem de olhá-la de frente.
-- Não. Então o que é então? E por que fugiu de mim? -- Luciana olhava-me com uma expressão de fúria, feito aquele que, provocado ao extremo, age como se estivesse pronto a agredi-lo violenta e irracionalmente.
-- Porque você ficou rindo do meu pinto – respondi, extremamente envergonhado.
-- Além de frouxo ainda é complexado! `Tadinho dele!-- exclamou, soltando uma risada. -- E o que eu queria que você fizesse, seu idiota? Nunca tinha visto ele tão pequenininho assim – mostrou com os dedos. -- Até parecia com o do meu irmãozinho de oito anos.
Ah, querido leitor! Fiz o possível para me conter, para não não demonstrar mais fraqueza e ser ainda mais ridículo; contudo, não tive forças. E as lágrimas vieram, como se o choro fosse então uma forma de pôr para fora tudo que estava sentindo. E então danei a chorar feito uma criança pequena.
Luciana, de forma surpreendente, tomou-me nos braços, apertou-me fortemente e acariciando a nuca, pediu:
-- Pare, vai.... Desculpe. Não queria te magoar assim. Não fiz por maldade. Eu juro! Só achei engraçado ele tão encolhidinho. -- Houve um breve silêncio. Foi como se ela esperasse alguma resposta, alguma palavra de minha parte. Contudo, eu apenas tentava encontrar forças para conter o choro. -- Olha para mim – pediu ela, deixando cair os braços. Lentamente ergui a cabeça. Então Luciana enxugou-me as lágrimas carinhosamente, perpassando delicadamente os dedos ao longo da trilha formada pelas lágrimas. -- Vem! Vamos ver se a gente apanha algumas goiabas. Vi umas ali naquele pé – apontou, -- bem ali.
Com um sorriso, enxuguei os olhos e feito uma criança perdoada depois de ser severamente repreendida, corri em direção à goiabeira e perguntei-lhe em que galho ela vira as frutas. Luciana apontou e subi na árvore para apanhá-las.
No retorno à cabana, Luciana não fez referência ao incidente. Apenas fez comentários acerca da escassez de frutas. Disse que seria preciso pescar ao menos um peixão para matar nossa fome. Assenti prometendo-lhe fazer isso ao retornarmos.
-- Eu também quero aprender a pescar. Você me ensina? -- perguntou ela.
Titubeei num primeiro momento, contudo suas palavras meigas e a forma como ela pôs um ponto final àquele incidente me fez sentir na obrigação de retribuir-lhe tamanha gentileza. Digo isso com a certeza de não ter agido de outra forma. Toda a minha educação, amparada nos preceitos cristãos, fora no sentido de que o bem se paga com o bem. Contudo, hoje eu agiria de forma oposta. Por que retribuir um favor com outro? Um favor não é uma dívida, não é uma obrigação. Naquele momento porém acabei por responder:
-- Ah, sim! Ensino. Mas você vai ter que arrumar uma vara pra você.
-- Eu arrumo. Mas você vai ter que me ajudar a encontrar uma.
Só então percebi ter cometido um erro. Entrar naquela floresta novamente? Com ela ainda por cima? “E se ela quiser ver meu pinto de novo? E se quiser brincar com ele? Ele ficar grande e ela vai querer fazer aquilo”, pensei no momento em que entrava pela porta da cabana. Aliás, meus pensamentos desfizeram-se no ar quando olhei para Marcela que, deitava sobre a cama, brincava com uma concha provavelmente encontrada enquanto estive fora, desviou o olhar em minha direção e em seguida para Luciana. Parece ter percebido algo de estranho, sem no entanto fazer muito caso, pois em seguida voltou a atenção para concha. Aliás, ao chegar a essa conclusão, entristeci. Se ela não se importava com isso, só poderia ser porque também eu lhe significava muito pouco ou quase nada. “Sou um idiota mesmo!”, lembro-me de pensar. “Ela não está nem aí para mim”, conclui. E cabisbaixo sentei num canto enquanto Luciana depositava as goiabas sobre uma folha de bananeira usada para forrar o solo.
-- Só conseguimos essas – disse ela em seguida. -- O jeito vai ser você pegar um peixe – virou em minha direção – Isso não mata a fome de ninguém. -- E depois de uma pausa continuou: -- E você? Vai me ensinar a pescar ou não?
-- Vou sim – respondi de forma tímida, como que constrangido, pois tanto Ana Paula quanto Marcela ficaram surpresas. -- E vou ensinar vocês duas também. Assim a gente pode pegar bastante peixe.
Pois então foi a vez de Luciana olhar-me torto, com um olhar faiscante, como que enraivecida. Abaixei a cabeça e desconsertado, certo de que ela não ia deixar isso por menos. Então pensei: “Ela vai se vingar de mim...”
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