Manoel Ferreira, filho de portugueses, com seus quinze anos,
passava praticamente o dia na esquina da Rua da Quitanda com
Carmo, no velho Rio de Janeiro de 1863, tomando conta de
algumas caleças e charretes de aluguel de propriedade de seu pai.
Mané, como era conhecido o rapaz, passava horas pensando
e sonhando com balões. Ficava arquitetando qual seria o
desenho do próximo balão que soltaria. “Pião”, “caixa”,
“almofada”, não importava o desenho que ele imaginasse,
conseguia fazer o balão. Era mestre também em fazer as tochas.
Queimava velas de sebo em tiras cortadas de sacos de estopa,
embebia-as em óleo de peixe e, depois de untadas, enrolava-as
com arame, punha fogo e fazia os balões subirem.
No final de semana seguinte, Mané pretendia soltar um
balão “cruz” com mais de três metros de altura. As folhas de
papel fino já estavam cortadas, só faltava colá-las. Naquele
mesmo dia foi até a Rua do Ouvidor para comprar um pouco
de goma-arábica. Depois de misturá-la com farinha de trigo e
água, daria uma boa cola.
Longe dali, lá nos confins do Paraguai, nos arredores
de Assunção, na margem ocidental do rio que leva o mesmo
nome do país, Pablo José, com a mesma idade do nosso soltador
de balões, também tomava conta de outro tipo de transporte:
chalanas para pequena cabotagem pelo rio.
Ao contrário de Mané, Zé, apelido de Pablo José, era
aficionado por fogos de artifícios. Seu avô paterno, meio índio
guarani misturado com espanhóis, tinha uma pequena fábrica
onde montava seus artefatos. Lá, Zé passava horas inventando
novas formas e cores com aquela química que tanto lhe
chamava a atenção. Sonhava ser artilheiro do exército
paraguaio, só para ficar ao lado da pólvora e dos canhões.
Convém lembrar que a pólvora negra nada mais é do
que uma mistura de salitre (nitrato de potássio), enxofre e
carvão. Descoberta atribuída aos chineses, antes de 1.000 d.C.,
foi levada para a Itália por Marco Pollo. No século XIII,
apareceram os primeiros fogos de artifícios na Europa, sendo
os chineses também responsáveis pelo seu desenvolvimento.
A invenção do aeróstato ou balão é creditada ao padre
jesuíta brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Quando,
em 1709, voar ou fazer qualquer coisa voar, não passava de
sonhos e projetos mal sucedidos, Bartolomeu de Gusmão
escreveu de Santos, onde morava, para o rei de Portugal, Dom
João V, contando que tinha desenvolvido estudos que lhe
permitiam acreditar ser possível construir uma máquina de
andar pelo ar. Os inventos do padre matemático já eram
comentados na Corte, graças à sua grande capacidade
imaginativa. O rei acreditou nele e mandou-o vir a Portugal
onde, na Universidade de Coimbra, poderia desenvolver os
estudos iniciados no Brasil.
Assim aconteceu. Nesse mesmo ano, Bartolomeu Lourenço,
como também era chamado, fez voar, pela primeira vez,
um pequeno balão de ar quente, que ficou conhecido por “passarela”,
devido ao seu formato. O fato ocorreu diante da família
real, de diversos nobres e vários embaixadores estrangeiros.
Apesar de alguns acidentes, as experiências feitas nos dias posteriores
serviram para comprovar que a teoria, segundo a qual o
ar quente, por ser mais leve, aumentaria a possibilidade de outros
objetos maiores ficarem mais tempo no ar. Alguns historiadores
referem-se ao fato como o vôo de um simples planador.
No dia 21 novembro de 1783, pela primeira vez, um
balão inflado com ar quente transportou, em vôo livre, dois
homens: François Pilatrê de Rozier e o Marquês d‘Arlandes,
ambos franceses, mantiveram-se no ar durante 35 minutos,
percorrendo uma distância de quase nove quilômetros. Este
fantástico primeiro passeio foi presenciado por Luiz XVI e
Maria Antonieta, além de dezenas de pessoas, atônicas e
amedrontadas. Este aerostato chamou-se “Montgolfieira”, em
homenagem aos irmãos Joseph e Etienne Montgolfier, franceses,
construtores dos primeiros grandes balões enfunados com
ar quente produzido por grandes fogueiras.
Em 1864, as relações entre Brasil e Paraguai eram um
barril de pólvora, prestes a explodir.
Intrigas e mais intrigas envolviam o Brasil, Uruguai,
Paraguai e a Inglaterra.
Enquanto a Inglaterra queria continuar soberana dos
mares, para manter seu vasto império colonial, a ditadura paraguaia
começava a quebrar a autoridade política e econômica
da coroa britânica, planejando a sua emancipação nacional à
revelia dos métodos ingleses, aplicados sem escrúpulos nas
Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina, e no
Império do Brasil.
Por ser o maior país industrializado do mundo, na
época, a Inglaterra queria exportar os seus produtos e tecnologias,
como as primeiras linhas de estradas de ferro, pois tinha
inventado a máquina a vapor e, conseqüentemente, a
locomotiva. Com as construções das ferrovias, os ingleses, além
de dominar os transportes terrestres, detinham também o poder
de levar aos portos de embarque produtos naturais ou manufaturados
para os navios de sua bandeira.
O Paraguai simplesmente optou pela tecnologia alemã.
Com um enorme aparato industrial e militar, estaleiros
para a fabricação de navios e fundições de metais que, aliás, o
Paraguai já tinha, seu ditador Francisco Solano Lopes, irritado
com a intervenção do Brasil na República Oriental do Uruguai;
ressentimentos que datam desde a ocupação da Província
Cisplatina (atual Uruguai), entre 1821 e 1828, enviou ao governo
brasileiro uma notificação ameaçadora, arvorando-se em
árbitro supremo entre o Brasil e o Uruguai. A notificação foi
desprezada pelo governo brasileiro.
Solano Lopes viu nesse ato um pretexto para a guerra,
e assim começou a invasão do território brasileiro pelo Mato
Grosso, aprisionando o paquete brasileiro “Marquês de
Olinda”, no dia 11 de novembro de 1864. A bordo estava o
Coronel Carneiro de Campos, presidente da Província de Mato
Grosso, que foi mantido prisioneiro pelos paraguaios.
Estava deflagrada a Guerra da Tríplice Aliança, Brasil,
Argentina e Uruguai, financiados pela Inglaterra, contra o
Paraguai. Esta guerra, a maior na América do Sul, causou a
morte de quase cem mil pessoas. A nação paraguaia, derrotada,
teve setenta e cinco por cento de sua população dizimada. Sem
dúvida, este foi um genocídio americano.
A guerra acabou oficialmente em 15 de agosto de 1869,
quando os aliados assinaram um acordo de paz. Mas os
combates prosseguiram pelas cordilheiras paraguaias até março
de 1870. Nos cinco anos de guerra, aconteceram muitas
batalhas terrestres e navais, mas os nossos personagens, Mané
Baloeiro e Zé Fogueteiro, envolveram-se numa batalha aérea.
Mané partiu para a guerra em um dos últimos batalhões
dos Voluntários da Pátria.
Infante, ao chegar perto da frente dos combates parou,
como se estivesse sonhando. Não era possível! Um enorme
aeróstato de seda flutuava acima da linha de frente, amarrado
por uma corda. O balão deveria estar a uns cinqüenta metros de
altura. Aturdido, foi falar com o tenente que estava com os
soldados responsáveis pela corda, para saber o que estava
acontecendo.
— Soldado, este balão é de observação. Lá no cesto fica
um observador que, além de controlar os movimentos do inimigo,
calcula o balizamento para os tiros de nossa artilharia.
Não precisou nem cinco minutos de conversa para
Mané fazer parte da guarnição do balão.
A dois quilômetros do balão estava Zé Fogueteiro. Seus
sonhos tinham se tornado realidade – além de artilheiro ele era
o cabo que tomava conta de uma das baterias de canhões.
Em pouco tempo Mané foi promovido a sargento
responsável pelo balão. Com precisão geométrica, ajudava a
artilharia a vencer as batalhas. Para melhores observações, pedia
para elevar o aeróstato cada vez mais perto do inimigo, no que
era atendido.
Assim, o tempo e as batalhas foram se sucedendo, com
os brasileiros e seus aliados cada vez mais perto da vitória final.
No amanhecer do dia 10 de novembro de 1869, durante
a batalha conhecida por Sanguine-Cuê, Mané subiu ao cesto de
vime do balão. Somente as artilharias trocavam tiros. Depois
que os soldados soltaram aproximadamente trinta metros de
corda, Mané pediu-lhes que parassem. E, nesta altura, ficou
observando de onde vinham os tiros dos canhões inimigos e
começou a lembrar do distante Rio de Janeiro.
Uma das baterias mais avançadas do lado paraguaio era
a do Zé Fogueteiro. Diversas vezes Zé e seus soldados tinham
atirado contra o balão. Mas sem resultado.
Naquela manhã, com o balão tão perto de suas miras,
não teve dúvida, Zé Fogueteiro ordenou que todos os canhões
da sua bateria atirassem, ao mesmo tempo, contra o aeróstato.
Logo após os estampidos, Mané sentiu um enorme
solavanco que fez o balão estremecer violentamente, como uma
fera ferida.
Passado o susto, começou a ver o campo de batalha cada
vez mais distante. Com certeza a corda tinha se desprendido.
Admirado, viu o continente americano como se estivesse
debruçado sobre um mapa. Olhou para o mar e concentrou-se
para ver se distinguia a sua cidade. De repente anoiteceu e o
balão continuou a navegar, tranqüilamente, pelo espaço. Até
hoje Mané Baloeiro, sempre em seu balão, está procurando um
sidéreo porto para ficar.
Zé Fogueteiro, após jogar o seu boné de campanha
diversas vezes para cima, comemorando o tiro certeiro no balão,
foi envolvido, junto com a sua bateria, por uma chuva de
bombas incandescentes, vomitadas pelos canhões brasileiros.
Foi tragado com os seus canhões por uma enorme cratera
formada pelos obuses inimigos. Até hoje ele está procurando
uma saída das entranhas da terra.
"Este Conto está publicado no livro "CONTOS E RECONTOS" de Roberto Stavale, lançado pela FACTASH EDIDORA, em 2004, e o Copyright do Autor reza: Proibida a reprodução dos textos originais, mesmo parcial, e por qualquer processo, sem a autorização do Autor."