Paulo abriu o porta-malas do carro e lá acomodou as rosas com cuidado... Já passava das 20h30min e lembrou-se que havia marcado com Rosalina às 22h30min na praia, justamente no local em que havia se declarado a ela, para passarem juntos a virada do ano. Mas antes disso ele ainda tinha de ir buscar a mãe no hospital e somente depois iria para casa para tomar um banho e vestir-se de branco e azul como sempre costumava fazer no reveillon.
Assim, partiu rumo ao hospital e enquanto dirigia, sentia que as dores provocadas pelas perfurações dos espinhos das rosas em suas mãos estavam aumentando. Quando lá chegou, parou em um local bem iluminado e só aí pode ver o estrago... Suas mãos e todos os dedos estavam feridos pelos espinhos. Em alguns lugares, ainda havia pedaços de espinhos enterrados na carne, seus braços também estavam bastante arranhados. Parecia que as mãos também estavam inchando e então, ele procurou atendimento no pronto-socorro do hospital para limpar os ferimentos e pedir um analgésico para amenizar a dor.
Assim que a enfermeira terminou de fazer a assepsia dos ferimentos e retirada dos pedaços de espinhos, Paulo ligou para a mãe e pediu que ela o encontrasse na porta de entrada do hospital. Seus braços a mãos latejavam e tudo que ele queria naquele momento era uma boa e confortável cama, mas infelizmente ainda não podia descansar...
Quando sua mãe chegou, espantou-se com seu estado físico e com seu ar de desânimo:
– Meu filho! O que aconteceu?
E ele disse: - Mãezinha, por favor... é uma longa história e eu não posso contar agora pois estou com muita pressa e também muito cansado... Depois lhe conto tudo com os mínimos detalhes, sim?
A mãe, com uma expressão de pena mesclada com uma leve reprovação, apenas acenou afirmativamente com a cabeça.
Depois de deixar sua mãe em casa, tomar uma rápida chuveirada, comer rapidamente um pedaço de pizza fria que estava na geladeira e vestir-se como de costume, Paulo pegou um cacho de uvas e dirigiu-se diretamente para a praia onde havia marcado o encontro com Rosalina.
O local geralmente tinha pouco movimento, mas na passagem de ano ficava bastante concorrido. Olhou o relógio e viu que estava quase uma hora atrasado, mas pensou consigo: “- Diante das circunstâncias, foi um milagre...”
Abriu o porta-malas do carro e sorriu ao ver as belas rosas que havia colhido com tanto sofrimento. “A rainha vai adorar”- pensou.
Chegou no local em que havia marcado com Rosalina, mas ela ainda não havia chegado... Já havia tentado ligar para seu celular diversas vezes, mas não havia conseguido falar, tentou novamente, sem sucesso.
Paulo, sentou-se na areia e ficou calado, observando o mar, sentindo a energia de suas ondas quebrando na areia e pensou como ele, o mar, era poderoso e quantos mistério guardava! Fechou os olhos e concentrou-se no que estava para fazer, o ritual mais importante do ano, precisava de que todas as suas energias estivessem voltadas para aquele momento... Ficou assim por longos minutos, tentando esvaziar o pensamento de qualquer problema e voltá-lo para Iemanjá e para o pedido que estava para fazer: “- Muito fogo!!!” Pensou. “Sei que é um paradoxo, mãe, és a Rainha do Mar, mas que quero é ter muita lenha para manter aceso o fogo de Rosalina...”
Sentiu que alguém o observava, e quando olhou para o lado, viu uma senhora vestida com roupas brancas, que lhe abriu um largo sorriso.
- Rosas para a Rainha! Odoiá! – disse-lhe a senhora.
Paulo lembrou-se de sua avó e devolveu-lhe o sorriso...
Levantou-se e aproximou-se do mar, estava na hora: “Odoiá, Mãe!”
Pulou as sete ondas, enquanto chupava as uvas. Depois, começou a jogar as rosas no mar, repetindo mentalmente seu pedido: “ Muita lenha para queimar com Rosalina, que essa chama do amor e do desejo fique sempre acessa entre nós...”
Já havia atirado seis rosas ao mar quando a senhora aproximou-se, segurou em seu braço e falou próximo ao seu ouvido: “A rainha é vaidosa, adora rosas... perfume... tudo que lhe é oferecido com sinceridade. Seu pedido será atendido, certamente... a não ser que as rosas sejam roubadas...”
Paulo, ficou pálido, engoliu em seco, arregalou os olhos. E perguntou: - Como? O que foi que a senhora disse?
Ela repetiu: - A rainha não gosta de rosas roubadas... ela não gosta desonestidade, esse tipo de oferenda não funciona, aliás, pode até acontecer o contrário do que está pedindo...
Paulo, intrigado, perguntou à senhora:
- E por que a senhora acha que minhas rosas são roubadas?
A senhora, com ar grave, olhou para as mãos machucadas de Paulo e apontando para elas, disse :
- Por isso... Parece que você colheu as rosas muito rapidamente, não é? Não teve tempo para tomar cuidado com os espinhos...
Paulo abaixou os olhos e disse quase num sussurro:
- Sim, a senhora tem razão...
Mas logo lembrou-se de que já havia arremessado seis rosas para Iemanjá e precisava resgatá-las. Assim, voltou-se para para o mar e viu que quatro rosas haviam devolvidas pelas ondas e estavam na areia. Então, desesperado, pulou na água fria do mar para alcançar as outras duas rosas que estavam sendo levadas pela ondas ao fundo do mar.
Assim que conseguiu recolher todas as rosas, Paulo tentou agradecer à senhora pelo aviso, mas, como que por encanto ela havia desaparecido. Sentiu um calafrio percorrendo-lhe o corpo e pensou... “Que coisa estranha!”
Ele, exausto e totalmente frustrado por seu esforço em vão, sentou-se na areia, sufocado, com um nó na garganta e sentiu que as lágrimas embaçavam seus olhos, quando viu um vulto esguio, vestido de branco vindo em sua direção...
Era ela... o motivo de todo o seu sacrifício... Rosalina.
Aproximando-se, com as mãos atrás das costas, ela disse:
- O que foi, meu "nego"? Que cara de desânimo é essa? Nossa... e esses arranhões? O que aconteceu?
Depois de um profundo suspiro ele disse, com os olhos marejados:
“- Ah! Querida... deu tudo errado... tentei fazer o meu melhor mas não consegui as rosas para Iemanjá...”
E ela disse: - Não conseguiu, meu "nego"? Você é que pensa...
Então, com belo sorriso, voltando os braços para a frente do corpo, Rosalina mostrou-lhe sete rosas brancas, abertas, perfumadas e complementou dizendo:
- Vi que você estava muito ocupado e fiquei com medo que não conseguisse comprar as rosas, tive que implorar para a dona da floricultura vender para mim porque elas estavam reservadas para uma pessoa, mas fiz uma cara de choro e insisti tanto que ela acabou vendendo...
Paulo, sorrindo, pensou em tudo que havia passado e em Dona Maria, dona da floricultura, que havia vendido aquelas rosas para sua amada sem saber... As rosas que estavam reservadas por ele foram compradas por Rosalina... Que incrível coincidência! Isso só poderia ser um bom sinal...
Então, Rosalina disse: - Vai ficar aí parado, "nego"? Não temos o ano todo não...
Paulo sentiu que todo seu esforço havia sido recompensado, abriu um sorriso enorme, enlaçou Rosalina pela cintura, deu-lhe um grande beijo: "- Ah, minha neguinha assanhada... sou capaz de tudo por você!"
Então, de braços dados com sua amada, Paulo foi, enfim, jogar as sete rosas brancas para Iemanjá.