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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->VINGANÇAS PATERNAS -- 01/09/2009 - 18:43 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em maio de 1875, antes da grande imigração italiana para o Brasil, dois irmãos, Santo e Caetano Soriani, nascidos em Siracusa, Sicília, sul da Itália, depois de viajar para Nápoles, desembarcaram no porto de Santos. De lá subiram a serra de trem pela São Paulo Railway, inaugurada em fevereiro de 1867, para se estabelecer em São Paulo.
A família Soriani, desde os seus primórdios, negociava secos e molhados, principalmente vinhos e azeites de oliva.
A Sicília pertence à Itália e é a maior ilha do Mar Mediterrâneo, separada da Calábria pelo Canal de Messina, de apenas três quilômetros de largura.
No século VIII AC, os fenícios fundaram diversos entrepostos comerciais a oeste da ilha, enquanto os gregos começaram a ocupar o leste e o sul. Essa região ficou conhecida como Magna Grécia e formou prósperas áreas de comércio, entre elas, a principal – Siracusa.
Siracusa é o nome de um general grego que liderou diversas batalhas entre gregos e cartagineses, séculos atrás.
A história conta que a Sicília pertenceu ao Império Romano, tendo sido invadida por fenícios, bizantinos, árabes, espanhóis e outros povos.
Com o Reino da Itália unificado em 1860, por Garibaldi, a Sicília passou a ser uma província italiana.
Mas só depois da Segunda Guerra Mundial, quando a Itália fascista foi invadida pelos aliados através da Sicília, a Constituição de 1948 deu à ilha poderes de autogoverno.
Os dois moços – Santo era o mais velho – vieram com a intenção de vender os produtos da família em Santos e São Paulo.
Um mês depois da chegada, alugaram um depósito de madeira na rua Alegre, hoje, Brigadeiro Tobias.
Caetano seguiu para Santos, a fim de alugar outro armazém perto do cais e começar as importações.
Em 1877 os negócios dos irmãos Soriani iam de vento em popa.
Além de vinhos e azeites, traziam da Sicília queijos, salames, azeitonas e peixes defumados.
Apesar de a família não pertencer a nenhuma ramificação da máfia siciliana, Santo, de vinte e cinco anos, era agressivo e vingativo. Durante a travessia para o Brasil, ele tinha feito amizade com outros sicilianos que, com medo de vinganças, buscavam refúgio nas Américas.
No dia 7 de setembro de 1878, durante as solenidades para comemorar a Independência no Campo da Luz, hoje, Jardim da Luz, Santo conheceu Cristina, jovem napolitana de quinze anos, com quem começou a namorar.
Desse idílio nasceu Nicola, em 1879, sob grandes protestos da família de Cristina, pois Santo recusava-se a casar.
Quando a pequena napolitana engravidou pela segunda vez, não teve jeito. Casaram no Convento da Luz e foram morar nas primeiras casas construídas na Rua dos Imigrantes, atual José Paulino, no Bom Retiro.
O tempo passava e a família aumentava.
O casal já tinha cinco filhos: Nicola, Agripino, Conchetta, Rosália e Erminda.
Mas Santo tinha uma amante conhecida por dona Flávia, filha de um ferroviário.
E para piorar a situação, Santo começou a viajar para a Europa com a desculpa dos negócios, deixando o armazém nas mãos de empregados e de sua esposa Cristina, que não entendia nada do assunto.
Em 1893, Nicola, com catorze anos, e Agripino, com doze, resolveram passear de barca no rio Tietê, com outros rapazes da vizinhança.
Devido a algazarra que faziam dentro da embarcação, a mesma virou, jogando os garotos na correnteza.
Quase nenhum sabia nadar.
Na tragédia, três morreram afogados, entre eles, Agripino.
Ao chegar em casa, chorando e assustado, Nicola conheceu toda a fúria de seu pai que, completamente alucinado, o acusava de ter matado o filho:
– Você é o mais infame de meus filhos. Foi você que teve essa maldita idéia de levar o seu irmão para a morte. Os impropérios não paravam.
Por fim, Santo dirigiu-se ao seu quarto e, da gaveta do criado-mudo, retirou um revólver. Aproximou-se de Nicola e atirou duas vezes contra a sua perna direita, gritando para que todos ouvissem:
– Essa é a marca que você levará para o resto de sua vida. Essa é a minha vingança por você ter causado a morte de seu irmão.
E que marca vingativa Nicola teve!
Dois dias depois do enterro de Agripino, internado na Santa Casa de Misericórdia, o garoto teve a perna amputada, devido à gangrena causada por infecção.
O luto e a tristeza tomaram conta da família e resultaram em sérios problemas psicológicos às crianças.
Na virada do século XIX para XX, doente e abandonada, faleceu Cristina, deixando quatro filhos, a menor, Ermínia, com quase dois anos.
O maior desespero para os filhos de Nicola aconteceu depois de três meses do falecimento da mãe.
Sem avisar ninguém, Santo trouxe a sua amante, dona Flávia, para tomar conta da casa e dos seus filhos.
Foi a melancólica entrada da madrasta na vida das crianças.
Para piorar a situação, Santo entrou para o Movimento Anarquista, cujas manifestações violentas e greves constantes tumultuavam a vida da cidade.
Santo foi preso diversas vezes.
Seu irmão Caetano teve de vir tomar conta dos negócios, que iam de mal a pior em São Paulo.
Conchetta, a mais velha das moças, começou a costurar para as lojas da cidade, enquanto as menores cuidavam dos afazeres domésticos.
Na escola, alternavam os horários para poder conciliar as tarefas.
Santo continuou viajando para a Itália, abandonando por completo a família.
Quando voltava, trazia presentes somente para dona Flávia. Assim, os filhos foram ficando cada vez mais distantes do pai.
Em 1908, Conchetta casou-se com Vicente, um bom homem que a levou para morar com o restante dos irmãos no distante bairro da Mooca, onde tinha uma barbearia.
E o tempo foi passando.
Nicola, mesmo aleijado, também se casou e foi morar em Barretos, no interior de São Paulo, onde se instalou como comerciante.
Nada de mais grave aconteceu até 1917.
O planeta Terra estava atravessando a Primeira Guerra Mundial.
Ermínia ainda não tinha dezessete anos quando começou a namorar um rapaz, bem mais velho, guarda civil.
Quando percebeu, estava grávida do namorado, que tinha sumido havia uns dois meses.
Desesperada com tal situação, a irmã Conchetta contou ao pai mais esse infortúnio.
Santo ouviu-a sem nada dizer e, por fim, pediu para trazer Ermínia no dia seguinte para conversar com ele.
Conchetta voltou para a Mooca aos prantos, pensando na surra que a irmã iria levar.
No dia seguinte, como prometido, as duas estavam diante do pai que, sentado em uma poltrona, nem se levantou para cumprimentá-las.
Perguntou o tempo da gravidez e quis saber tudo sobre o rapaz fujão.
Antes que as duas fossem embora, Santo chamou Conchetta ao seu quarto e conversaram longamente.
Santo ficou sabendo que o rapaz trabalhava como guarda no cemitério do Araçá.
Ermínia estava prestes a dar à luz e Santo ainda não havia encontrado Adriano, o pai da criança.
Finalmente, nasceu o filho de Ermínia.
Depois de amamentado e bem vestido, Conchetta cobriu o recém-nascido com um cobertor, alugou um carro – hoje, os nossos táxis – e se dirigiu à Santa Casa de Misericórdia.
Chegando lá, mesmo à luz do dia, Conchetta foi até a “roda”, que ficava em uma das paredes, colocou a criança, tocou a campainha e fez a roda girar.
Nunca mais souberam do menino.
Criada na França em 1188 pelo Papa Inocêncio III, a Roda dos Expostos ou Enjeitados parecia-se com as portas giratórias atuais.
Instalados em conventos e igrejas, esses cilindros de madeira serviam para que as mães, principalmente as solteiras e discriminadas, deixassem seus filhos aos cuidados da igreja.
Com isso, Inocêncio III tentou diminuir as proporções alarmantes de crianças mortas, jogadas nas estradas.
Introduzido em Portugal em 1783, esse sistema chegou ao Brasil no primeiro Império.
Conchetta cumpriu o que tinha prometido ao pai na famosa conversa secreta.
Porém, Santo não desistiu de procurar Adriano.
Colocou dois amigos como espiões dentro do Araçá para poder aproximar-se do procurado.
Um mês depois do parto, um dos amigos revelou que Adriano trabalhava no turno da noite.
Entrava às cinco da tarde, quando as portas do cemitério fechavam-se para o público, e saía às sete da manhã, quando eram reabertas.
Santo esteve duas vezes no local para guardar bem a fisionomia do rapaz.
Na terceira vez, vestiu-se de modo impecável: chapéu coco, terno, colete e gravata borboleta, tudo preto, menos a camisa branca. Armou-se com o seu punhal de prata, com lâmina de 30 centímetros, herança maldita do anarquismo, colocou-a na bainha de couro e guardou-a na cinta. Rumou, então, para o Araçá, a fim de executar seu plano maligno.
Chegou por volta das quatro e meia, comprou um ramalhete de flores, onde colocou o punhal, e entrou no cemitério.
Quando viu Adriano preparando-se para fazer a primeira ronda, seguiu o rapaz, calmamente, até um local ermo, coberto por folhagens de diversas árvores, que projetavam sombras favoráveis ao seu plano. Chamou:
– Senhor Adriano!
O guarda olhou para trás, voltou-se e se aproximou de Santo.
Sem dizer nenhuma palavra, aquele senhor elegante, todo vestido de preto, num movimento rápido e certeiro, cravou o punhal no peito do rapaz, bem na altura do coração.
Não houve gritos.
Adriano caiu agonizante no chão.
Santo esperou por uns instantes. Quando Adriano parou de se mexer, jogou as flores sobre o corpo e foi embora.
Ainda conseguiu sair pelo portão principal, aberto para os visitantes retardatários, atravessou a avenida, tomou um bonde em direção à Bela Vista (Bixiga), onde tinha vários amigos.
Foi direto para a cantina na qual o pessoal se reunia, no final da tarde, para jogar dominó. Bateu papo, tomou uma garrafa de vinho, sem comer nada, despediu-se e foi para a casa.
Na manhã seguinte, os matutinos em edições extras noticiavam o crime do Araçá.
Santo não saiu de casa durante uma semana.
Nesse tempo, arrumou tudo o que era seu e da amante em malas e baús, preparando a viagem definitiva para a Itália.
Na véspera, foi até a casa de Conchetta para se despedir de todos e, mais uma vez em segredo, contou a sua vingança.
Enquanto falava, retirou dos seus bolsos alguns papéis. Entre eles, a cópia de um testamento em que ele deixava todos os seus bens e propriedades para os filhos.
Santo e Flavia estabeleceram-se em Palermo, na Sicília, longe dos parentes de Siracusa.
No Brasil, a família prosperou graças à herança recebida. Mas nunca teve notícias do pai.
Em meados de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, as primas de Santo, filhas de Caetano, vieram visitar Conchetta para contar que, durante a invasão da Itália, ocorrida naquele ano, Palermo havia sido violentamente bombardeada por navios e aviões aliados.
Durante um desses bombardeios Santo morreu soterrado, aos 86 anos de uma vida marcada por vinganças e desprezo pela família.


Roberto Stavale
São Paulo, Agosto de 2009.-
Direitos Autorais Reservados®


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