1ª REDAÇÃO
ROTEIRO: DECIO GOODNEWS
ADAPTAÇÃO LIVRE DO ROMANCE
NEO-PÓS-MODERNO DE AUTORIA
DO MESMO AUTOR:
“HOLOCAUSTO NUNCA MAIS”
(PsychCity)
“O nazismo e Hitler fizeram coisas abomináveis, imperdoáveis, que merecem a permanente execração de todos. A gravidade da catástrofe por eles provocada — cuja expressão maior é o Holocausto — é tão grande, que se discute se o trauma dela decorrente é passível de representação ou não. Deveria a catástrofe ficar em seu estado bruto, permanentemente a nos interrogar, ou deveríamos tentar representá-la, simbolizá-la? A dúvida decorre do temor que a grandeza da tragédia acontecida seja banalizada e diluída, que se desvaneça a memória dos milhões de vitimados... O nazismo ainda hoje levanta enigmas para nossa compreensão e não temos alternativa a não ser tentar resolvê-los. Só podemos fazer isso se representarmos e simbolizarmos a catástrofe, sem temer desmerecê-la com isso. Em assim fazendo, se lhes dissolve a aura de inacessibilidade, revelando-se então seus contornos reais e humanos, devolvendo-nos a capacidade de compreender e agir.”
UM ASSUNTO ESPINHOSO (Trecho do Artigo de Sérgio Telles Publicado no ESTADO DE SÃO PAULO)
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SINOPSE: Na cidade de São Paulo, assim como nas principais capitais do mundo, acontecimentos coletivos de grande repercussão e violência perturbam o cotidiano do planeta. São os fenômenos de Combustão Humana Espontânea, as extrapolações de energia coletiva represada através de acontecimentos públicos de alta manifestação destrutiva nos principais logradouros públicos das grandes cidades. É a concorrência inexplicável de um canal de TV-Full-Time, que põe em pânico os executivos dos principais conglomerados TVvisivos do planeta. São as manifestações viróticas (vírus políticos) mutações do HIV mais destrutivas do que o vírus original. É a violência num grau insuportável que se apoderou do dia a dia das cidades, com suas populações cada vez mais pânicas. Somam-se a todos essas manifestações de agressão à sobrevivência da cidadania, o vírus causador da “amblose disforme” que ameaça as mulheres grávidas, transformando seus fetos, em poucas semanas de gravidez, em uma pasta chamada no Brasil de “miolo de pão”. Um satélite de tecnologia virtual ET (sob Comando Comunicação e Controle do próprio Satã) capta e armazena as “faíscas quânticas” (almas) humanas que não mais possuem energia suficiente para vencer a força de atração planetária na migração em busca de “outras moradas do Pai”. Nesse cenário social de manifesta hostilidade, real e virtual, pessoal e coletiva, surgem os sermões apocalípticos do Pastor MCKENZIE da Igreja do Salvador dos Últimos Dias. Um casal de repórteres acompanha os membros da “Expedição Norton” na busca de uma cidade subterrânea na selva Amazônica, onde, segundo a revelação de mistérios históricos do “Arquivo Jângal” uma civilização extraterrena exerceu comando, comunicação e controle na Alemanha nazista, visando provocar, através do II Conflito Mundial, as mudanças sociais que conduziram, no pós-guerra, à globalização planetária e abriram as portas para a dominação definitiva do planeta pela tecnologia extraterrena em conluio ultra-secreto com os principais governos da Terra.
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ARGUMENTO: Após uma série atemorizante de fenômenos de Combustão Humana Espontânea, o jornalista ROSSI entra em contato com as pesquisas de um estudante universitário da USP, VOLTAIRE, que fora vitimado pelo fenômeno inexplicável da Combustão Humana Espontânea, quando visitava uma exposição de fotografias sobre civilizações pré-colombianas extintas. Ele namorava sua filha JUSSARA. Através dela e do contato com os pais do dissente morto pelo fenômeno CHE, a pedido póstumo deste, através de um bilhete à mãe, esta repassa ao jornalista um misterioso documento que serviria de base à sua tese de doutorado, o “ARQUIVO JÂNGAL”. Esse Arquivo começa com a narração do assassinato do jornalista alemão KARL ALBERT BRUGGER da revista noticiosa “Der Spiegel” no calçadão da praia de Ipanema em 1984. Em uma série de reportagens, ele investigava a migração de contingentes do exército nazista, anteriormente à II Guerra Mundial, que desembarcaram num aeroporto secreto na Amazônia. Esses soldados recrutados pela Wehrmacht foram supostamente dirigidos por oficiais da Gestapo em direção aos subterrâneos lemurianos (a raça ET mais antiga que coloniza o planeta desde as mais remotas eras geológicas) na Amazônia. O “Arquivo Jângal” faz revelações impressionantes dessas incursões nazistas que teriam servido para incrementar a tecnologia bélica do III Reich. O jornalista ROSSI encaminha o “Arquivo Jângal” ao Conselho Deliberativo do Jornal, sugerindo a este que financie uma incursão jornalística até os subterrâneos lemurianos localizados no coração da selva Amazônica por indicação geográfica de latitude e longitude constantes do misterioso e revelador “Arquivo Jângal”. A diretoria do periódico a princípio rejeita a ideia, mas, ciente de que três americanos têm como objetivo uma incursão amazônica, liberam o jornalista para contatos com o chefe daquela incursão cujo nome derivou-se de seu organizador, o militar de origem israelita NORTON. O Jornal indica a fotógrafa e jornalista ADRIANE TAUIL para acompanhar ROSSI e fazer parte da “Expedição Norton”. A busca pelas frinchas e túneis de entrada em direção ao Mosteiro subterrâneo da Amazônia, em busca do refúgio para onde se dirigiam os soldados do III Reich antes da II Grande Guerra, segundo as indicações do “Arquivo Jângal”, conduzem seus expedicionários a aventuras em território lemuriano no “subway” da selva. Na sequência dos acontecimentos os participantes da Expedição Norton são abduzidos por alienígenas. Apenas ADRIANE TAUIL e ROSSI sobrevivem à penetração em território lemuriano. O casal volta a pisar o solo amazônico e descobre que a “amblose disforme” havia despovoado o planeta. Seus últimos habitantes, todos idosos, haviam sobrevivido e estavam divididos em duas facções que lutavam entre si: Os “Hot-dogs” versus os “Pig-spas”. Os primeiros eram remanescentes das classes sociais desprivilegiadas pelo poder político e econômico. Os segundos representavam os grandes investidores que haviam acumulado riquezas e investiam em pesquisas geriátricas sobre a manutenção de sua aparência, e a perenidade do sonho de permanecerem jovens com as descobertas do soro antígeno a partir do qual fabricavam produtos cosméticos e chás de combate ao envelhecimento das células. ADRIANE TAUIL e o índio PERIMURICÁ são resgatados do “Spa Tauil & Ostrowsky” no bairro do Ibirapuera em São Paulo, a partir da invasão armada de um grupo de “hots” que ROSSI havia conhecido. O filme narra os últimos anos de vida do “Casal Adâmico” como era chamado pelos “dogs”. A solidão, os delírios, as alegrias, os lugares que visitaram antes de achar a solução para uma vida de atroz solidão, por serem os últimos habitantes de um “Mundo Sem Ninguém”.
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CENAS & SEQUÊNCIAS:
1. INTERIOR. NOITE. PALCO DA BOATE BIG-APPLE
As câmeras passeiam dentro do ambiente, flagrando em PP e Close-up a ansiedade e a expectativa nos rostos, olhares e gestos dos frequentadores.
2. INTERIOR. SALA APARTAMENTO
A garota de 14 e seu irmão de 12 veem TV. As cenas de empatia da violência das imagens TVvisivas ganham a participação de ambos através de pantomimas. A babá adverte: "Hora de dormir".
3. INTERIOR. NOITE. BOATE BIG-APPLE
Abre-se a porta do camarim. Hallma, apressada, entra bruscamente. As faces afogueadas de mulata tipo exportação revelam intensa força sensual.
Cabeleireiro e manicure acercam-se dela, mal a “stripper” senta frente ao espelho.
4. INTERIOR. BOATE. BALCÃO DO BAR. MESAS E SALÃO DE CONVIVÊNCIA
As câmeras continuam a flagrar os clientes, dos mais próximos ao palco aos mais afastados. A evidente excitação ambiente inflama os ânimos.
5. INTERIOR. NOITE. CAMARIM. BOATE BIG-APLLE
Hallma, assistida por maquiador, cabeleireiro, manicure e pedicura, cobra deles maior presteza.
6. INTERIOR. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO DA BOATE BIG-APPLE
A clientela impaciente consome mais e mais doses de bebidas, cervejas, chopes e tira-gostos.
7. INTERIOR. SALA DE ESTAR. RESIDÊNCIA DE HALLMA
(Saryha Kadja fala para a irmã Lilith, aconchegando a cabeça em seu ombro, enquanto
olha para a babá, rumina entredentes):
— Vá se ferrar. Não vou deitar. Não estou com sono.
— Se ela te entregar a Mama vai ficar uma fera contigo. Vai sobrar castigo até pra mim, sussurra Lility.
Após algumas malcriações e relutância dos jovens, sobem os três as escadas em direção ao segundo pavimento do duplex. Na TV a locutora anuncia outro evento de combustão humana espontânea (CHE) ocorrido em sala de aula no colégio Dante Aligheri.
8. INTERIOR. NOITE. CAMARIM. BOATE
A “stripper” Hallma, pronta para entrar em cena, recebe dos assessores os últimos retoques enquanto fixa a sensualidade anormal dos olhos no espelho. As pupilas crescidas parecem refletir a ansiedade dos olhares dos clientes no salão da boate. Frente ao palco.
9. INTERIOR. BOATE. SALÃO DE CONVIVÊNCIA
A inquietação geral chega ao clímax quando o corpo da “stripper” entra em cena, metamorfoseando-se em visualização idealizada de variegadas formas da anatomia de mulheres, segundo as projeções dos clientes.
10. EXTERIOR. MADRUGADA. RUAS, PRAIAS, AVENIDAS
A câmera, inquieta, aproxima-se de algures. Movimenta-se veloz até adentrar a portaria de um prédio de apartamentos.
11. INTERIOR. PRÉDIO. SALAS E QUARTOS
Movimentos velozes em ZOOM sobem escadas até adentrar um, depois outro, e outros apartamentos. Em cada sala de jantar e quartos, as imagens dos monitores de TV adentram as pupilas das pessoas e nelas refletem cenas da violência divulgada pelos noticiários: batalhas, tiros, agressões físicas, explosões, brigas de ruas, tiroteios, espancamentos.
O noticiário da corrupção política nos Três Poderes, e entre policiais e grupos empresariais que atentam contra as verbas públicas, misturam-se aos casos, cada vez mais frequentes, de CHE.
Pessoas de todas as idades levam as mãos e os braços em movimento defensivo diante dos olhos. Estão a se defender do impacto das imagens nas pupilas. como se toda a carga de violência visualizada tivesse se acumulado de maneira insuportável em suas mentes, e mais uma imagem tivesse o poder de provocar uma síndrome, tipo infecção visual por excesso de empatia virulenta.
12. EXTERIOR. ESPAÇOS ABERTOS. NOITE
A câmera focaliza os espaços abertos. Vindo deles se ouve um murmurar quase silencioso, mas de uma intensidade sombria e ameaçadora.
13. INTERIOR. SALAS DE JANTAR, QUARTOS E OUTRAS DEPENDÊNCIAS DE APARTAMENTOS
Uma mulher de meia idade que dormia, desperta apavorada como se de um pesadelo.
Um casal de jovens diante da TV abraça-se freneticamente, como se buscando protegerem-se.
Um porteiro de prédio, dentro da guarita, súbito leva as mãos ao rosto e recua, como se com isso pudesse evitar o impacto dos golpes desferidos entre dois contendores numa cena de violência TVvisiva.
Um motorista de taxi que rondava no centro da cidade de São Paulo, freia bruscamente, como se tentando evitar um abalroamento que se verifica na tela da tv dentro do carro.
14. INTERIOR. PALCO. BOATE. SALÃO DE CONVIVÊNCIA. MADRUGADA
Uma intensa concentração da platéia fixa o balançar sedutor da sequência gestual de Hallma. A platéia acompanha a dançarina em sua elasticidade de movimentos, como se seus membros estivessem em franca regressão à formas primitivas de sedução que sugerem a prática de atos que em nada condizem com a moral.
(Sons ritmados se sucedem aos acordes mais vibrantes do bolero de Ravel, regência de Molinari-Prandelli da Rai Orquestra.)
15. INTERIOR. PARTE SUPERIOR DO DUPLEX DE HALLMA
Saraya Kadja olha para a sala lá embaixo, de detrás da proteção dos adornos de ferro desenhados com motivos góticos. As mãos apoiadas nos adornos de ferro contraem-se. O rosto afasta-se gradativamente da imagem que visualiza no monitor da TV de 40 polegadas. Levanta-se apavorado e corre em direção ao quarto.
16. INTERIOR. SALÃO DE ALIMENTAÇÃO. PALCO. BOATE
Milhares de milhões de moléculas contendo insidioso calor quântico penetram pelos poros da dançarina como se fossem grãos de pólen. Irradiam-se da platéia na direção dela. Em câmera lenta se transportam em direção dela. Hallma torna-se hospedeira da sensualidade mórbida da platéia de admiradores.
As doses se multiplicam em direção às bocas ávidas. Os nacos de carne, queijo, azeitonas e demais acepipes, vão sumindo dos pratos. Os petiscos são substituídos por outros, conduzidos até os lábios úmidos, são mastigados pela ansiedade voyeur dos clientes.
A exuberante sedução da “stripper”, os brilhantes pentelhos pintados de verde-amarelo, abrem-se numa fresta cavernosa de indizíveis possibilidades sensuais. Os espectadores sentem-se, coletivamente, pertencer ao templo elástico de uma volúpia antiga, mais remota que as das dançarinas babilônicas. A sensualidade de Hallma envolve interativamente todos os clientes. Embriagados por ela.
17. INTERIOR. MADRUGADA. APTO. DE HALLMA. QUARTO DAS CRIANÇAS
Cigana, a babá, passa a mão direita na testa de Lility e acredita que a garota está quente. Muito quente.
— Você está com febre, queridinha! Sai em busca de um antitérmico. O rosto do menino Saryha desliza para dentro do lençol. Os olhos parecem ainda apavorados. Bruscamente puxa o cobertor até cobrir a cabeça. O rosto é focalizado sob o pano, com pingos de suor na testa. O olhar fixado em algo indefinível.
18. INTERIOR. BOATE. SALÃO DE CONVENIÊNCIA
O show inicial de Hallma foi repentinamente substituído pelo de outra “stripper”. Os comentários se sucedem. As caras meio que de porre dos clientes mostram-se insatisfeitas. algumas francamente iradas. O movimento de entra e sai da boate ganha certo incremento.
A câmera documenta um comentário entre dois clientes:
— Quando chegam à cama privada, conseguem, quando muito, uma ereção de três nano segundos.
— Leito conjugal, convenhamos, é mesmo broxante!
19. INTERIOR DO SALÃO DE CONVIVÊNCIA DA BOATE
O segundo show noturno de Hallma está prestes a começar. Leandro mantém pensamentos incestuosos para com a filha Sabrina. O xibiu de Hallma ainda vivo na imaginação, como se estivesse a apenas alguns centímetros da ponta da língua de Leo. Em seu delírio, ele passa a ponta dos dedos nas bordas da taça que se torna uma projeção da vulva da filha. Ele sussurra:
— Sabrina, minha filha, papai te ama!
O garçom chega-se e pergunta, vendo a língua do cliente adestrar-se em direção ao pouco que restou do gelo no copo:
— Mais uma dose, doutor? Ele aceita. E murmura:
— Essa xana é demais. Ainda me sinto dentro dela. Pego em flagrante, Leo responde:
— Ah sim, com certeza. E volta a se concentrar na intimidade vazia e oferecida da taça.
O jornalista Rossi a tudo observa. Acha engraçado. A mulher ao lado sorri oferecida.
20. PALCO. BOATE. SALÃO DE CONVIVÊNCIA
Leandro encontra-se intensamente embriagado, mais pelos gestos da dançarina da qual flui a inexplicável lascívia interativa de Hallma.
Rossi franze as sobrancelhas. A testa interrogativa não compreende a sutileza dessas chamas azuladas que se propagam pelos lados do corpo ondulante de Hallma. Mais parecem asas transparentes a se destacarem, agora, dos ombros da “stripper”. Como se ela fosse um magnífico Serafim.
21. EXTERIOR. ENTARDECER. BARES COM PROMOÇÕES HAPPY-HOUR. PESSOAS LEEM JORNAIS NAS MESAS. CÂMERA FOCA EM CLOSE AS NOTÍCIAS
"Espectadores perplexos perceberam a visão das chamas como se fizesse parte das luzes do show."
"Clientes reclamaram da interferência de um segurança do boate que invadiu o palco e envolveu a dançarina numa toalha úmida. Retirando-a rapidamente do palco."
"O fogo blue a envolver a dançarina, assim como as chamas de tez amarelada, não faziam parte dos efeitos visuais do show."
"Logo outra “stripper” substituiu a “ballet dancer Hallma”. Pouco depois uma ambulância levou o corpo em direção ao Hospital das Clínicas."
22. EXTERIOR. DIA SEGUINTE. AVENIDA PAULISTA
Leandro, parado frente a uma banca de revistas observa curioso as manchetes dos jornais:
"Corpo ardente queima em faíscas de paixão."
“"Chamas consomem “stripper”."”
"Combustão Humana Espontânea ataca outra vez."
23. INTERIOR/EXTERIOR NOITE. APARTAMENTOS. BARES
A câmera ora aproxima-se ora afasta-se de PP a PG. Ela foca espectadores que se interessam nos noticiários da TV. Os jornais noturnos provocam grande curiosidade em ambientes vários. Em flushes os apresentadores dos jornais noticiam:
Repórter (entrevistando um deputado federal a propósito de um evento CHE na Câmara dos Deputados):
— Eventos de Combustão Humana Espontânea ameaçam transformarem-se em epidemia?
Deputado (Gondim Neto) — Sua excelência foi fulminada por chispas de chamas azuladas a poucos metros de onde me encontrava. Foi impressionante. Em poucos segundos o nobre colega virou cinzas.
Outro repórter entrevista outro parlamentar:
— Vi tudo. Estava próximo. Não tinha o que fazer. Fiquei sem atitude. Uma coisa horrível. Um filme de terror. Quando o facho do extintor de incêndio do segurança atingiu o corpo. ficaram apenas cinzas. E um pedaço da perna.
24. EXTERIOR. DIA. RUAS. AVENIDAS. PARQUES E PRAIAS
A câmera passeia pelas expressões dos rostos lendo atentamente os jornais e revistas nos mais diversos ambientes (metrô, ônibus, salas de espera de cinemas, aeroportos, barcos, lanchas, navios).
Vozes de locutores de TV e rádio divulgam os estranhos eventos:
NOTÍCIA 1 — CHE é uma força natural ou sobrenatural desconhecida. Tempestades de fogo surgem em vários locais do planeta. Um bairro de Chicago foi totalmente destruído. Morreram 250 pessoas. 18 mil imóveis completamente queimados.
NOTÍCIA 2 — O fogo tinha uma cor ora normal, ora vermelha, passando depois para o verde. Os cientistas não encontraram explicação racional. Algo no ar alimentava o incêndio de Chicago. Não era nem pó de alumínio nem magnésio.
NOTÍCIA 3 — Um piloto americano de jato observou uma tempestade de fogo a 247.700 pés de altura. Ele divulgou as fotos mas não formulou hipóteses.
NOTÍCIA 4 — Astronautas viram concentração de energia radiante na estratosfera há 12 mil metros, onde há concentração de nitrogênio.
NOTÍCIA 5 — Cidades em todo o planeta estão noticiando casos de CHE. Repórter entrevistando um famoso cientista para um jornal TVvisivo:
REPÓRTER — O que a ciência tem a dizer desses eventos estranhos de Combustão Humana Espontânea?
CIENTISTA - É preciso uma energia simplesmente fenomenal para liberar hidrogênio do corpo humano. O hidrogênio não fica concentrado no corpo, desde que é mais leve do que o ar.
25. INTERIOR. ENTARDECER. CARRO. AVENIDA PAULISTA
O jornalista Rossi conversa com a filha, Jussara, enquanto pára constantemente o carro no trânsito em transe da Avenida Paulista:
ROSSI – J. L. Voltaire, a “causa mortis” dele foi divulgada?
JUSSARA - É o mesmo princípio da “stripper” daquela boate. Não há explicação científica. As opiniões são experimentais, especulativas.
ROSSI - Tudo inconclusivo. As fotos da exposição eram de ruínas de uma cidade pré-colombiana na Guatemala. As fotos eram de um argentino?
JUSSARA - Quem vai saber por que pessoas aparentemente saudáveis viram cinzas em poucos segundos? Vamos escalar o Pico da Neblina. Estávamos prestes a embarcar para a Amazônia.
ROSSI - Pouca gente o escalou. É a segunda área ambiental mais protegida da Terra. Sua experiência em esportes radicais a habilitava para essa aventura? Tem certeza?
JUSSARA - Ninguém tem plena certeza de nada. Mas eu me sinto preparada. Muita prática de rapel. J. L.Voltaire não era marinheiro de primeira viagem. Tinha escalado o Aconcágua. Pico mais alto da América do Sul. O pico mais alto do mundo fora do Himalaia. 6.962 metros. Dois índios ianomamis que acompanharam alpinistas em escaladas anteriores seriam nossos guias.
ROSSI - Muito arriscado para amadores. Eu mesmo fiquei tentado. Certa vez acompanhei uma expedição até São Miguel da Cachoeira, a 850 km de Manaus.
JUSSARA - Seria uma experiência física e estética incrível (lastimando-se). — Até semana passada estávamos energizados. Esse projeto era muito importante para suas pesquisas. Hoje (soluços) restam dele apenas cinzas.
26. INTERIOR. QUARTO. MOTEL
HELIO está no quarto com uma garota de programa, com idade de ser sua filha.
GAROTA (insinuando-se) — A Lígia está com saudades de você. Ela está em Búzios, pegando um bronze para vir com tudo em cima.
HELIO — Este fim de semana falo com ela. (GAROTA) — O novo n° do celular dela (apontando) está em cima da mesa. Digita o nome dela que você vê. HELIO (preocupado, senta-se à mesa) abre correspondência do hemocentro da Avenida Angélica.
GAROTA (dirigindo-se ao banheiro) — A Melissa, não dá conversa para ela não. Está soro positiva e transando como nunca. Pirou. Está com medo de sair dessa dimensão e não ter ninguém que ela conheça na outra. Quer infectar todo mundo que ela conhece. Fazer um pé-de-meia e voltar para o interior. Enquanto o bicho não pega de vez.
HELIO (meio apavorado, murmura de si para consigo) — A mutação do vírus dela é o PUF. E se eu estiver infectado? A camisinha rompeu da última vez que estive com ela.
GAROTA (penteando-se frente ao espelho, vira-se e sai do banheiro) — Isso aí é o resultado de teu exame? Credo! Vai me dizer que você está bichado.
HELIO (aborrecido) — Pára com isso! Aqui diz que tenho de refazer o exame. (Entrando no banheiro e olhando-se no espelho, murmura) — Vai saber ao certo...
27. INTERIOR. DIA. REDAÇÃO. JORNAL
ROSSI (apreensivo com o surto de CHE, telefona para a filha Jussara visando obter informações para uma série de reportagens) — Evidente que a CHE não pode ser transmitida por contágio. Você tem o novo endereço da família dele?
JUSSARA (do outro lado da linha, falando pelo celular) — Os pais dele mudaram exatamente para que não fossem motivo de especulação da imprensa. Não querem publicidade nenhuma.
ROSSI (persuasivo) — JU, você era namorada dele. Faziam planos juntos, rapel, escaladas juntos... Não és nenhuma estranha querendo explorar um acontecimento sinistro. Veja se consegue uma entrevista.
JUSSARA (considera por momentos a argumentação do pai) — A morte dele não terá sido inútil, se conseguirmos fazer algum progresso na investigação desse flagelo.
ROSSI (afirmativo) — É isso. Te vejo mais tarde. Se não, ligue quando tiver uma resposta, certo?
28. INTERIOR. ANOITECER. APARTAMENTO
LISABETH (repreende a filha SABRINA) — Há mais de duas horas você está no telefone. Vê se pára com esse lero-lero.
SABRINA ("cheia de razão") — Dá um tempo. O Jamil está fruindo um lance da hora! Sobre um "inúteen" que virou cinzas ontem a noite em cima da cama. Sacal o lance. Nem os lençóis da cama em que o cara estava deitado queimaram.
LISABETH (reagindo) — Escuta filha, esse negócio de CHE não é mais novidade. Daqui a pouco a notícia vai estar no Jornal Nacional. Teu pai está chegando. Ele está de pavio mais curto do que de costume.
SABRINA (teimosa) — Falar pelo interfone não impede de me vestir.
LISABETH (fala pelo vídeofone) — Estamos descendo, Léo.
LEANDRO — O JAMIL telefonou. Está chegando no shopping. Ele desce as escadas em direção ao sub-solo onde vai ligar o carro à espera da mulher e da filha. LEANDRO estaciona o auto em frente ao prédio enquanto mentaliza:
"SABRINA precisa desencalhar logo. A faculdade é apenas um pretexto para fisgar um trouxa. E esse trouxa pode ser esse JAMIL. Esse FICADOR é cheio dos dotes. O pai é construtor, sócio de uma empreiteira. Quem sabe esse ela pega, mata e come. Quero dizer: pega, come e casa."
29. INTERIOR. NOITE. PRAIA DE ALIMENTAÇÃO. SHOPPING
A família reunida, conversa animadamente.
JAMIL (rememora) — Esse filme lembra aquele da retrospectiva de filmes da década de noventa do século XX.
LISABETH (curiosa) - Sei, como é mesmo o nome?
JAMIL — "O Paciente Inglês".
SABRINA — Vi contigo.
LEO — Vimos na tvê, BETH. — Você gostou, não?
SABRINA — O cara era um gato. O aviador. Trágico, mas eu gostei.
JAMIL (irônico, olhando cúmplice para LISABETH) — Isso é que é avaliação inteligente.
O filme não te diz mais nada?
LEO — Quanto a mim, dormi. Estava de ressaca (risos).
JAMIL (simplificando) — A história de um marido traído que se vinga da esposa e do amante forjando um acidente na aterrissagem de um monomotor no Saara.
LISABETH - Final da II Guerra. Hana...
JAMIL – JULIETTE BINOCHE...
LISABETH - ... Cuida de um piloto desconhecido que está desfigurado pelas queimaduras. A memória vai se recompondo e ele conta a história que motivou o sinistro aéreo.
JAMIL ... Filme fera. 12 indicações ao Oscar. Ganhou nove.
LEO - Quantas coisas as guerras podem destruir. Amizades, relacionamentos, amores. Quantas pessoas que valiam a pena viver deixaram de existir. Quanta crueldade vem à tona. E sonhos que se frustraram... Bom, eu não dormi o filme todo (risos).
JAMIL - Direção ANTHONY MINGHELLA... Vocês estão sabendo.
SABRINA (como que querendo inserir-se na conversa) — Chorei o filme inteiro.
LEO (a voz em of.) — Você, hem, Sá? Chorar não é motivo para se achar um filme bom ou ruim. Nem uma vezinha você consegue ser menos superficial em suas opiniões. Setoca, garota. Vai ver esse rapaz gosta de você porque representa o arquétipo da mulher desprovida de massa cinzenta com QI.
LISABETH (mudando de conversa) — Esse agora é um drama passado na III Guerra do Golfo. Li que o personagem principal também foi vítima de uma aterrissagem desastrada, provocada pelos ciúmes de um marido traído.
JAMIL (confirmando) - Que também pilotava um monomotor... (ao olha para o relógio insinua que a sessão de cinema vai começar.)
30. INTERIOR CINEMA. SALA DE PROJEÇÃO. PESSOAS OCUPANDO POLTRONAS
A câmera flagra atitudes, gestos, murmúrios entre os cinéfilos antes da projeção do filme começar. Adolescentes rechonchudas comendo entusiasticamente pipoca com guaraná. O filme começa.
Na tela, uma mulher pálida e apavorada contempla uma imagem que vai aos poucos se fundindo com ela. À proporção que seu reflexo no espelho se desencana, assustada, vai se surpreendendo, aos poucos, com o poder de penetração da outra. Uma tênue névoa alonga-se da superfície especular até suas pupilas indefesas.
Uma mulher ao lado de LISABETH levanta o braço na altura dos olhos como a se defender da invasividade mostrada na tela.
31. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. SALA DE ESTAR. RUAS DA CIDADE
A personagem da tela, numa aflição cada vez mais difícil de controlar, vivencia realidades paralelas. Ao mesmo tempo que se encontra sentada na poltrona do cinema, surpreende-se na poltrona da sala de jantar. Ao sair de um cinema na Avenida Paulista, um helicóptero, incendiando-se, cai a poucos metros dela. A explosão provoca gritos surpresos e medrosos na platéia.
SABRINA aperta mais os dedos de JAMIL entre os seus. Ela olha para ele que, virando o rosto sorrir para ela, acalmando-a. A tensão arrefece entre os espectadores.
No écran, a personagem parece-se cada vez mais intensamente com ela. A transfiguração acontece também com relação a outras pessoas da platéia.
As luzes da sala clareiam o ambiente. As pessoas começam a se levantar para sair. SABRINA levanta-se e chama a mão de JAMIL para si.
Ela caminha entre as fileiras de poltronas, a princípio sem notar que segura um pedaço do esqueleto da mão do namorado presa ao que restou de seu pulso. Olha apavorada para a imagem do rapaz que simplesmente se desfaz em cinzas frente à expressão facial estupefata da moça.
Ela quer gritar e não consegue. Sua manifestação de pavor confunde-se com a da personagem do filme. Não consegue manter-se desperta e desmaia, caindo sobre as poltronas, despenca em direção ao chão. Seu braço ainda segura a mão descarnada do acompanhante.
32. INTERIOR. NOITE. SALA. APARTAMENTO
ROSSI aproxima-se da mesa central da sala, pega um pedaço de papel amarelo, tipo lembrete de agenda e lê o recado da filha JUSSARA:
"O caderno de assinaturas de presenças e opiniões das pessoas que frequentaram a primeira semana da exposição de fotografias das ruínas da cidade maia em meio à selva na Guatemala, foi substituído por outro. Um segurança informou que o original roubaram.
As câmeras de segurança não registraram o roubo devido a um curto circuito suspeito. O nome de ISAAC RONDON constava do livro, assim como seu e-mail. J.L. Voltaire utilizou as pesquisas de campo deste fotógrafo enquanto reforço de sua tese de doutorado. Tenha paciência, em breve saberei o novo endereço dos pais dele. Até. JU.
33. INTERIOR. DIA. SALA DE ESPERA. SETOR ADMINISTRATIVO. HOSPITAL DAS CLÍNICAS
ROSSI entra na sala do superintendente do HC, dr. ALBERTINOTH KARAMURINJA. O médico levanta-se e estende a mão cumprimentando o jornalista.
Dr. KARAMURINJA (mostra-se tenso) – Desculpe tê-lo feito esperar, em que posso ajudar?
ROSSI (investigativo) — Não quero ocupar seu tempo, doutor. A “stripper” HALLMA, trazida hoje de madrugada. Que aconteceu? ? mais uma vítima da Combustão Humana Espontânea?
(KARAMURINJA, à menção do nome da “stripper” mostra-se ainda mais desconfortável)
ROSSI (indagativo) — Acompanhei a ambulância. Estava na boate quando aconteceu o sinistro. Os jornais noticiam esses casos cada vez mais frequentemente. A síndrome de pânico que era forte, agora está se tornando simplesmente insuportável. As pessoas precisam saber como isso ocorre. Para se sentirem menos desconfortáveis.
MÉDICO (sentindo-se embaraçado) — Esses casos de Combustão Humana Espontânea não fazem parte de nenhum estudo experimental acadêmico. Não há disciplina que se atenha à patologia dessas manifestações. Que posso dizer? Não há opinião científica conclusiva.
— Há poucas semanas não se tinha nem certeza de que essas manifestações..., digamos... patológicas, existiam realmente.
Considerava-se, nos meios acadêmicos, que fossem especulações de lunáticos.
ROSSI (inquiridor) — Que patologia está mais próxima de explicar esse fenômeno?
MÉDICO (cada vez menos confortável) — Não há especialização nem disciplina que estude esse fato. Talvez ele não possa ser explicado na área de saúde pública. Não há explicação confirmada pela ciência médica.
ROSSI (surpreso) — CHE é um fenômeno universal... Como explicar o que aconteceu à “stripper” Hallma? Não há uma área de internação para esse tipo de patologia?
MÉDICO (quase que irritado) — Quando a “stripper” chegou ao HC estava reduzida a pó. O médico que a atendeu, ao sentir o pulso da mulher, este se desfez num amontoado de cinzas. Assim como o restante do corpo. Não sobrou nada.
34. INTERIOR. DIA. TEMPLO DA IGREJA DO SALVADOR DOS ÚLTIMOS DIAS
A família de HELIO, SHEILA, a mulher, CARLA, a FILHA, e EDU, o filho caçula, adentram à Igreja. O culto havia começado. Sentam-se num banco onde outros fiéis estão atentos ao discurso dominical do Pastor MCKENZIE.
“Vocês estão aqui porque, de alguma forma, fazem parte dos escolhidos...”
“Seus filhos mergulham nas drogas porque as instituições da sociedade são associadas dos grupos que mercantilizam essas mercadorias. A juventude é orientada pelas mídias a comprar as mercadorias que estiverem à venda. O Legislativo, o Judiciário, o Executivo.
Os poderes são por demais tolerantes com esses mercadores da morte. Por quê? Porque ganham milhões para manterem leis obsoletas, que beneficiam apenas a Nova Ordem Mundial. Essa Nova Ordem tem por objetivo manter as instituições a serviço da deterioração da sociedade...”
“As mídias têm por finalidade domesticá-los com futebol, drogas, entretenimento barato...”
“Os sinais estão presentes, o fruto está maduro. O tempo é chegado. O fim dos dias será mais simples e surpreendente do que a mais inusitada das ficções..”
A câmera passeia em PP e em close-up, captando em rápidos “takes” as feições interrogativas dos fiéis.
35. EXTERIOR, ANOITECER, ESTACIONAMENTO
Após entrar no carro olha-se no espelho. Sentindo-se culpado, fala consigo mesmo como se falasse com outro:
— “Está aqui comigo. Vivendo de minhas células e fluidos. Compartilha minhas percepções. Existe simultaneamente comigo. Eu sou ele. ELE é EU, (consolando-se): a velhice é uma humilhação do corpo. Há mal que vem para bem”.
36. INTERIOR. CARRO. ANOITECER. ESTACIONAMENTO. CÂMARA SUBJETIVA
HELIO inclina-se no banco e abre a porta do passageiro para CARLA.
HELIO (fingindo tranquilidade) — Tudo bem, filha? CARLA (olhando para ele como quem sabe a resposta) — Normal! Com você?
37. EXTERIOR. ANOITECER. RUAS E AVENIDAS
A câmera em PG, do alto, flagra quilômetros de engarrafamento no trânsito.
38. INTERIOR. CARRO. ANOITECER
CARLA (de si para consigo) — “Todos vivemos de aparências. Refugiados nelas. Nada vai bem, mas perguntamos e respondemos como se estivesse. Temos medo de pronunciar nossas verdades. Elas nos paralisariam. A todos.”
39. EXTERIOR. ÂNGULO ALTO (AA). ANOITECER. SÉRIE DE CUT-AWAYs. (CLOSE-Ups)
A câmara continua a mostrar o engarrafamento gigantesco. Ouve-se os barulhos e ruídos intermitentes se reproduzirem às dezenas.
Dezenas de milhares de vezes: buzinas, freadas bruscas, colisões, toques de celulares, sirenes de ambulâncias, bombeiros, carros de polícia, apitos de guardas de trânsito, despertadores de pulso, dezenas de rápidas colisões de motos nos espelhos retrovisores dos carros. Motores acelerando e em desaceleração. Dezenas de pequenos eventos (“quânticos”) contribuem para aumentar a irritação geral.
40. INTERIOR. CARRO. ANOITECER
Um carro colide levemente no pára-choque do outro parado em frente no engarrafamento. Os gases poluentes flutuam nas ruas, avenidas e praças da cidade. Nuvens urbanas de poeira (ao modo de “Blade Runner”) concentram-se, visíveis através das janelas dos vidros dos carros.
As câmaras subjetivas (CS) flagram olhares, ora ansiosos, ora tensos, dos motoristas e passageiros no interior dos veículos, em direção aos conflitos que se avizinham no espaço externo aos carros.
As crianças e adolescentes mostram-se por demais concentrados. Um filete de sangue começa a escorrer da narina esquerda de CARLA.
41. EXTERIOR. NOITE. ASFALTO DA AV. PAULISTA
CARLA de olhos fechados fixa a linha do olhar, encoberto pelas pálpebras, em direção ao motorista do carro abalroado. Descontrolado, ele provoca aos berros e xingamentos o outro motorista que começa a ficar também irritado.
Após rápida discussão o condutor do carro da frente saca de uma arma e atira várias vezes no desafeto. Ele cai sentado, a sangrar, na borda da porta do carro.
42. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. CARRO. ASFALTO DA AVENIDA PAULISTA. CÂMERA SUBJETIVA (CS)
Os olhos fechados de CARLA, como se em sono REM, movem-se rapidamente da direita para a esquerda e vice-versa.
O motorista criminoso tenta fugir do local do flagrante. Inutilmente. Ele parece estar inserido num “campo de força” que o impede de sair do lugar. A sensação de que o asfalto desliza sob seus pés, em inúteis tentativas de sair do lugar.
43. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA FOCALIZADA EM ÂNGULO ALTO
A paisagem da principal via pública de São Paulo, centro financeiro do capitalismo selvagem, está cada vez mais conturbada. O equipamento receptor de frequências de alta sensibilidade, no interior equipado do helicóptero da PF, capta uma tonalidade acústica imperceptível ao ouvido humano.
44.INTERIOR. CARRO. NOITE. (PP)
O motorista fala com a mulher ao lado. Ela saca o celular da bolsa e telefona supostamente para a polícia, denunciando o crime que acabou de presenciar.
45. INTERIOR. NOITE. HELICÓPTERO
Uma vibração de alta frequência está sendo registrada e analisada pelos equipamentos eletrônicos instalados no interior do aparelho de aviação. Ele continua estacionado no heliporto no topo de um imóvel na Avenida Paulista.
46. EXTERIOR. NOITE. ASFALTO
Viaturas policiais cercam local onde se verificou o tiroteio e o crime. O assaltante, perplexo, parece desistir de compreender o que aconteceu. Por que não conseguiu sair do lugar quando tentava fugir do flagra? Ele é algemado e trancafiado no camburão.
47. INTERIOR/EXTERIOR. CARROS. NOITE. PAULISTA. ÂNGULO ALTO/PASSANDO A (PP)
Uma sonoridade (zumbido) de alta frequência se faz ouvir: suave, harmoniosa e persistente, parece unir o inconsciente coletivo de crianças e adolescentes, de modo que ambas as categorias cronológicas não mais sentem-se subordinadas nem inúteens.
A Câmera sai do enquadramento em AA diretamente para PP em frente a uns e outros carros.
48. INTERIOR. CARRO. NOITE. (CS)
Uma SENHORA olha (assustada) para a menina ao lado. A garota parece superconcentrada. Olhos fechados. Como se em transe. A MULHER sacode o braço direito da garota, chamando-a com certa e insistente veemência:
MÃE DE MALY — Queridinha, fale com a mama. Responda! Acorde! Você dormiu a tarde inteira.Não pode estar com sono! Pare de fingir e eu te levo ao Mcdonald´s. O Mclanch Feliz. A torta de maçã. Essas delícias de que você gosta. Tudo que você quiser!!!
MÃE DE MALY (assustando-se, leva a mão esquerda à boca) ao saber que a menina fala de dentro de sua cabeça, sem que tenha movido os lábios ou mudado de posição:
MALY — Você não vê? Estou acima do peso. Preciso aprender a me controlar. Estou sem apetite. Pare com esse suborno!!!
O capô do carro começa a vibrar. Uma força estranha o impulsiona para cima. Os limpadores de pára-brisa começam a se movimentar sem terem sido acionados. A MULHER agita-se ao vê que coisas estranhas estão acontecendo com outros carros.
49. INTERIOR. CARRO. NOITE
Outra SENHORA, muito aflita, tenta inutilmente desligar a ventilação refrigerada interna do carro. Nervosa, os cabelos se despenteiam a cada gesto brusco, o batom mancha os lados da boca na qual acabou de passar a mão esquerda.
Súbito, gira o tronco em direção ao GAROTO sentado ao lado, tentando fazê-lo voltar à posição original, desde que seu corpo flutua um palmo acima do assento.
50. INTERIOR. CARRO. NOITE
Em seu histriônico desassossego, um EXECUTIVO olha de soslaio a MULHER que o acompanha. Seu sorriso condescendente e vulgar, de repente se transforma numa carranca regressiva pavorosa. Ele se esforça para sorrir em direção ao rosto dela mas não consegue. O rosto deformado da MULHER o apavora.
ELA — Esse "AC" é muito louco, cara. Estou noutra dimensão.
ELE — (encolhendo-se evita olhar outra vez para ELA). Está mesmo. Por deus. Você está mesmo. Não quero olhar para tua cara nunca mais. Fica quieta. Te controla.
51. INTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA. LIMUSINE
Entre dois executivos está sentada uma elegante MULHER de negócios americana. No banco defronte um casal “michê” sorrir. O rapaz serve uma dose de whisky para o executivo em frente.
Os passageiros da limusine estão isolados do ambiente externo por proteção acústica, e vidros à prova de balas.
Entre os passageiros circula uma lâmina de vidro retangular, com carreirinhas de coca bem servidas.
52. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. CARROS. ASFALTO. AVENIDA PAULISTA
Um motorista de taxi consegue abrir a porta e sair apavorado do carro, enquanto as dobradiças das portas rangem e o capô e o porta-malas são vigorosamente impulsionados para cima por uma força estranha e extraordinária. Os PASSAGEIROS do taxi hesitam em sair do mesmo com medo do que está a acontecer do lado de fora.
O motorista do taxi corre entre outros carros, alguns dos quais estão com seus componentes (capôs, porta-malas, tetos) sendo forçados para o alto. Alguns se desprendem de suas bases com grande estardalhaço.
53. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA
O capuz de um carro em meio à neblina esverdeada, impelido por uma força sobre-humana, voa por sobre a cabeça do MOTORISTA que havia fugido do interior do veículo, por pouco não o atingindo.
As pessoas abrigadas numa galeria observam, estarrecidas, a trajetória da porta do porta-bagagem de um carro, a rolar veloz pelo asfalto, subindo, com velocidade, à calçada, e esbarrando com grande estrondo nos vidros de uma agência bancária, indo parar junto a um caixa eletrônico. No interior da agência.
54. INTERIOR. NOITE. LIMUSINE PRATA. AVENIDA PAULISTA
Uma mulher no interior da limusine começa a se despir. O EXECUTIVO louro, cabelos grandes, olhos azuis, seminu, as calças arriadas, um copo de whisky em mão, pega a mulata pelos cabelos e comprime sua cabeça em direção à genitália, enquanto encosta o pescoço na almofada e olha o “céu de estrelas” do carro. (Ouve-se em off a canção “Bad Romance” cantada por LADY GAGA.)
55. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA. CÂMERA EM (AA)
Algumas luminárias da Avenida Paulista começam a explodir, e as luzes dos estabelecimentos comerciais a piscar-piscar. O espaço interno de muitos ambientes estão à mercê de vândalos, desde que as paredes de vidro que protegiam lojas e outros estabelecimentos comerciais, estilhaçaram-se. Com grande estardalhaço.
PESSOAS movimentam-se de um para outro lado em busca de abrigo. Tropeçam em corpos caídos. Os feridos buscam proteger as feridas abertas na pele pelos estilhaços, com guardanapos, lenços e pedaços de jornais. Por vezes com as mãos muitas vezes também feridas.
56. INTERIOR. NOITE. CARRO. AVENIDA PAULISTA
A MULHER tentara subornar a CRIANÇA ao lado, prometendo uma ida ao McDonald´s, está com o rosto desfigurado (a maquiagem dos olhos escorre pelas faces enrugadas). Histérica, descontrolada, berra, a voz entremeada de soluços:
MULHER: Está possessa. Todos estão possuídos. (olhando para fora do carro): A avenida está possuída, os carros, as pessoas (olhando para a CRIANÇA no banco de passageiro).
— Acorda, FILHINHA, eu compro tudo o que você quiser. Aquele tênis da Nick. O “nickplusultra”. Aquele que você viu na TV. Tudo! Mas abra os olhos. Você precisa vê...
A voz da MENINA ressoa dentro da caixa craniana da MULHER: Não precisa, mãe, eu vejo tudo em todos os lugares.
MULHER (horrorizada, leva as palmas das mãos comprimindo-as na cabeça à altura das orelhas): Você também está possessa, endemoninhada. ELA tenta abrir a porta do carro mas não com segue.
O vidro não quebra ao impacto de seus golpes. A CRIANÇA estende a mão esquerda para o lado e aperta a mão direita da MULHER. ELA tenta desvencilhar-se mas não consegue. Aos poucos começa a recuperar a lucidez.
57. INTERIOR. NOITE. LIMUSINE PRATA. AVENIDA PAULISTA
A modelo MORENA que estava praticando um boquete no executivo louro, volta a sentar-se no banco em frente, enquanto engasga-se com o sêmen misturado à gosmela escura, a escorrer da boca. O líquen arroxeado pinga sobre os seios fartos da MULHER. Os olhos dela escancaram-se.
Apavorada, berra, enquanto vê o olhar do cara dissolver-se em cinzas diante dela, como se tivesse, de repente, sido tostado. O que restava dele parecia carvão pulverizado. Os olhos azuis, fixos nela, desmoronaram sobre o que restou das cinzas no lugar em que estava sentado.
58. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA. CÂMERA EM (AA)
A avenida mostrada do alto, a lente da câmara girando em 360°, focaliza um panorama de caos. Em todos os lugares há PESSOAS em atitudes defensivas de medo. O berro aterrorizado da MORENA da limusine parece reverberar no grito coletivo de centenas de pessoas apavoradas, que não sabem ao certo o que está a acontecer.
A ressonância do som do berro aterrorizado da MORENA repercute (em eco) de dentro dos outros corpos, em várias frequências de vibração, como se resultado da quantificação espacial da emissão reflexa do timbre de voz ritmado proveniente do interior de um campo magnético. Unificado.
59. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA
O MOTORISTA de um carro que conduz outras PESSOAS que não ousam sair do veículo, aponta para um modelo utilitário, cabine dupla, que está sendo suspenso no ar em sua parte frontal.
Os faroletes de milha do veículo estão acesos, e os faróis normais estão a piscar de modo intermitente. Os PASSAGEIROS deste e de outros veículos olham estarrecidos o fenômeno. A parte dianteira do carro apontada para as nuvens como se querendo acelerar em direção a elas.
Ao voltar ao asfalto o carro impacta-se violentamente. A água do radiador transborda em jatos quentes projetados à distância. Reações barulhentas e extravagantes do motor se fazem ouvir. Assim como perturbações faiscantes no sistema elétrico.
60. INTERIOR. LIMUSINE. NOITE. AVENIDA PAULISTA
Outro PASSAGEIRO, dos oitos OCUPANTES iniciais da limusine (agora em n° de sete) instalado na poltrona amarela frente a um bar em madeira natural e neon, aperta um botão e fala com o MOTORISTA, dá ordem para ele baixar um pouco o vidro da janela.
A LOURA do lado, pernas e coxas à mostra, a calcinha vermelha esticada entre os joelhos, parece desacordada. A MORENA, ainda abalada, não se havia recuperado de todo da experiência visual traumática, ou “combustão humana espontânea” do PARCEIRO de programa.
O MÚSICO que soprava uma gaita, como se querendo ausentar-se dos acontecimentos, sentou-se ao lado da LOURA e comenta com ela, ignorando que a mesma não pode ouvi-lo: O cara (olhando para o amontoado de cinzas sobre a poltrona, fingindo-se sob controle) parece ter tomado uma overdose. Aquela pílula que ingeriu era de urânio.
A LOURA enfia o dedo indicador no fundo da garganta, como se tentando provocar rapidamente o vômito, e diz: — CARA, eu também tomei uma (olhando temerosa para as vestes intactas da vítima de CHE) pensando que era “exctasy”.
61. INTERIOR/EXTERIOR. CARROS. NOITE. AVENIDA PAULISTA
O EXECUTIVO olha para fora da limusine, pisca-pisca os olhos, depois esfrega-os de modo veemente. Torna a olhar como quem custa a acreditar no que está vendo:
Um MOTOQUEIRO alçado por uma força estranha, cai em cima de uma banca de revistas. A moto projeta-se para dentro de uma janela de escritório no 2° pavimento de um prédio de escritórios.
Apressadamente o EXECUTIVO ordena ao motorista, via interfone, que erga novamente o vidro.
TERCEIRA MULHER (dirigindo-se ao EXECUTIVO com voz trêmula). O que foi, você parece que viu um fantasma. Ou muitos.
EXECUTIVO (apontando o dedo indicador para o vidro): Lá fora o bicho está pegando.
TERCEIRA MULHER (pegando a garrafa de champanha de um dos três recipientes porta-gelo. As mãos trêmulas denunciam certo descontrole): — Fica calmo, a fuselagem das portas desse “avião” e os vidros são a prova de bala. Até de bala de fuzil.
62. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA
Apesar da incomum e extraordinária batalha PSI acontecendo em derredor, o cantor e apresentador JOHN GROW, ao lado de LILIAN CORNIUS embarcam apressados na Van de uma emissora de TV.
Enquanto técnicos carregando equipamentos de câmara e som, se instalam nos assentos. O motorista, apressado, dá a partida no carro.
JOHN GROW (olhando para o rosto infantil e contido do MOTORISTA, cabelos louros e grandes, que lembra a cantora mencionada, apesar da penugem da barba). Calma “LADY GAGA”, calma, essa coisa não vai durar um século. Apesar de estar acontecendo de ponta a ponta da Paulista.
63. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. CARRO. AVENIDA PAULISTA
Enquanto GROW senta-se pesadamente e sorri inquieto, LILIAN olha para os lados como quem delira (centenas de imagens diversas passam na tela de sua mente consciente. Ela murmura de si para consigo, como se aprendendo a falar, palavras que aos poucos vão se transformando em zumbidos.
Cada PESSOA dentro da Van da reportagem de TV está excessivamente atenta a seus próprios afazeres. Ninguém presta atenção no que está acontecendo com a repórter LILIAN.
JOHN GROW olha para o lado de fora da Van, apontando a pressa das PESSOAS que passam pelas calçadas, como se fugindo de alguma coisa. Ele mantém uma atitude debochada com relação a elas. Ele nem nota que LILIAN está tentando dizer-lhe alguma coisa:
GROW......Qeumshaaaadayh. Estar.....yhnnnewwwaaaahhhhhhhhhaly...
64. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA (BRASIL). AV. CHAMPS-ÉLYSÉES (PARIS), FIFTY AVENUE (NEW YORK), AV. CHANG YAN (CHINA), AV. OMOTESANDO-DORI (TOKYO)
Capôs de carros içados por força não identificada, porta-malas puxados para o alto desprendem-se de um e outro carros. Os vidros de um ônibus estilhaçam-se em direção a viaturas da PM paradas na esquina da alameda Campinas.
Na Av. Champs-Élysées, Paris, PASSAGEIROS do metrô, nas proximidades das estações Concorde e Charles de Gaulle, surpreendem-se com a paisagem urbana da cidade, como se estivessem próximos às estações Trianon-Masp e Consolação. Na Avenida Paulista em São Paulo.
PASSAGEIROS de táxi que circulavam na Fifty Avenue, próximos ao Central Park, em New York City, onde eventos semelhantes aos verificados na Avenida Paulista, nos Champs-Élysées, e em outras capitais globalizadas do planeta, sentiram-se, por momentos, segundo depoimentos nos principais jornais noturnos TVvisivos de seus países, como se estivessem em outro lugar. Em outro país.
JAPONESES E CHINESES que circulavam de carros e ficaram parados no trânsito em decorrência dos estranhos eventos verificados nas Avenidas Chang Yan e Omotesando-Dori, disseram ter tido a nítida impressão de terem sido teletransportados para lugares onde haviam estado quando fizeram turismo naqueles países.
65. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA
(A parte dianteira de um carro desloca-se para cima e logo depois desaba por sobre o porta-malas do veículo em frente. Um POLICIAL agacha-se ao vê, atônito, aproximar-se dele o capuz de um carro que havia desprendido-se de um veículo nas proximidades. Ele deita-se apressadamente no asfalto da rua, assim como outros POLICIAIS que estão próximos. Eles são atingidos apenas pelos estilhaços dos vidros quebrados dos carros policiais que foram impactados pelo capuz, que agora arrasta-se a poucos metros, na calçada defronte, após causar estragos no teto de duas viaturas.)
(Algumas luminárias que permeiam a Avenida Paulista, em forma de flor-das-almas, esfacelam-se em milhares de pedaços, após explodirem, projetam seus fragmentos para todos os lados. Alarmes contra roubos aumentam muito a poluição sonora. Tornando-a insuportável nas imediações.)
66. EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA. PLANO EM AA-PASSANDO, GRADATIVAMENTE A PLANOS APROXIMADOS (PAs)
(As sirenes das ambulâncias fazem-se ouvir. Assim como as sirenas dos carros de bombeiros e das viaturas policiais que vão chegando ao lugar, ocupando espaços nas calçadas e nas ruas transversais. Somando-se às viaturas que nele estavam.
Focos de incêndio pipocam em toda extensão da Avenida. Barricadas policiais são erguidas. Fitas de plástico amarelo estendidas ao redor das áreas consideradas de risco.)
(Cavaletes traçam os limites de circulação dos pedestres, ciclistas, motoqueiros e motoristas. Grandes áreas adjacentes, nas ruas paralelas estão sendo interditadas.)
(Motores de explosão alternada explodem. Pegam fogo. Literalmente. À fumaça resultante soma-se à névoa esverdeada que permeia o lugar. O combustível e o ar dos cilindros inflamam-se. As labaredas sobem de debaixo dos capuzes que ainda permanecem parcialmente fechados. PORTEIROS, SEGURANÇAS, POLICIAIS, PROPRIETÁRIOS de veículos, tentam apagar com extintores de incêndio os focos de fogo surgidos em vários locais. Há grande azáfama nesses lugares globalizados pelo mesmo modelo de eventos coletivamente mórbidos: Brasil, Estados Unidos, China, e muitos outros.)
67. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. FIFTY AVENUE. ESTADOS UNIDOS. AA-PASSANDO, GRADATIVAMENTE, A PLANOS APROXIMADOS
(PESSOAS que dirigiam seus carros contemplam os estragos ao redor. Algumas comentam entre si que os Estados Unidos talvez estejam novamente sob ataque terrorista. A situação semelhante à da Avenida Paulista. Focos de incêndio pipocam em toda a extensão da Fifty Avenue. Cavaletes policiais traçam os limites de circulação. Luminárias pipocam. Focos de incêndio em vários lugares. Os sinais de trânsito pendem dos gonzos e fios de sustentação. Os sinais de trânsito que permanecem no lugar, piscam do vermelho para o verde e amarelo sem interrupção. Janelas de vidro dos edifícios ainda estilhaçam-se com grande estardalhaço.)
68. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. AV. CHANG´AN. CHINA. AA-PASSANDO,
GRADATIVAMENTE, A PLANOS APROXIMADOS
(PESSOAS agachadas tentam não ser atingidas por estilhaços de vidro. Muitas correm em direção a abrigos improvisados. Veículos são puxados para o alto por força ascensional inexplicável. O espetáculo aterroriza e alucina.)
Os celulares soam sem cessar. A sonoridade patológica da cidade está multiplicada por dez.
69. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. AVENIDA PAULISTA. (CAA-PASSANDO A PA)
(O cenário de conflito impressiona. Os contendores parecem ser todos contra todos. COMO se o ódio sempre tivesse marcado presença no psiquismo coletivo das PESSOAS e, de repente, não menos que de repente, tivesse aflorado de maneira incontrolável. A câmera em AA se aproxima dos carros no asfalto. HELIO, do banco do motorista sintoniza o rádio. As notícias sobre os acontecimentos violentos, inusitados e inexplicáveis na Avenida Paulista e, simultaneamente, em outras demais capitais do planeta, fizeram-no ficar mais apreensivo do que de costume.)
(CARLA permanece de olhos fechados, como se ausente, enquanto o PAI acelera suavemente o veículo, buscando sair de fininho entre os escombros. Desviando-se das faíscas que proliferam no asfalto, provenientes dos pedaços de materiais elétricos de luminárias, sistema elétrico dos carros, fiação em curto-circuito. Ele dirige devagar, temendo ser parado pelos policiais, entre a fumaça de motores fumegantes e a névoa esverdeada misturada aos poluentes que saem dos veículos automotores.)
70. INTERIOR/EXTERIOR. CARRO. NOITE
HELIO consegue se afastar do cenário de sucata ao ar livre em que se transformou o asfalto na Avenida Paulista. Em pânico, não consegue articular as palavras. De quando em vez olha para CARLA. E se pergunta:
— “Ela contribuiu para que seu carro fosse poupado da violência inaudita que presenciara há pouco?”
71. EXTERIOR. AVENIDA PAULISTA. NOITE
A suposta calmaria do cenário é perturbada por uma série de POLICIAIS que apontam para uma camioneta impulsionada em arco por uma força tipo catapulta, invisível, nas proximidades do Museu de Arte de São Paulo (MASP).
Os POLICIAIS correm apressadamente das proximidades do evento. A caminhonete descreve uma trajetória muito alta, em meio arco de círculo, indo cair sobre duas viaturas policiais estacionadas no asfalto em frente ao prédio da Justiça Federal.
A gasolina se espalha e uma faísca faz explodir os carros que se arrastam na Avenida, impulsionadas pela violência do impacto, devido à velocidade de atrito. Calculada posteriormente em mais de 150 km/h.
72. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTOS
As salas de jantar de alguns apartamentos são mostradas rapidamente pelas câmeras, a partir dos noticiários TVvisivos. As PESSOAS do sofá da sala de jantar assistem a tudo com perplexa passividade.
Os repórteres dos jornais impressos e TVvisivos entrevistam PESSOAS envolvidas, CIVIS e MILITARES. As opiniões são intercaladas por depoimentos traduzidos das reportagens efetuadas em outros países, onde ocorrências semelhantes aconteceram simultaneamente nas principais avenidas do planeta da informação globalizada.
73. INTERIOR. APARTAMENTO. DIA. DIA SEGUINTE
JUSSARA (contida e compassiva atende telefonema da mãe (LIGIA) de VOLTAIRE:
JUSSARA (em resposta à outra) — Não é incômodo. Um prazer.
LIGIA — VOLTAIRE tinha muito carinho por você (querendo parecer simpática). Ontem achei um envelope com um bilhete e um DVD para serem entregues a ti. Se algo acontecesse com ele (choramingando) —Aconteceu.
JUSSARA — (com muito jeito) — Nenhuma de nós estava preparada para isso.
LIGIA — (conformando-se) — Não percebi nenhuma apreensão especial nele. Não falava nadica de nada comigo.
JUSSARA — (explicativa) — Quem poderia se dá conta dessas coisas tão incomuns? Inesperadas? Nem as autoridades conseguem explicá-las.
74. INTERIOR. DIA. USP. EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA
Cenas em “back-up” (flash) do evento CHE que vitimou VOLTAIRE.
75. INTERIOR. APARTAMENTO. CONTINUAÇÃO DO DIÁLOGO
JUSSARA — (aflita, levando uma mão à cabeça) — O Jornal Nacional está se tornando mais Fantástico do que o programa Fantástico do domingo.
LIGIA — (afirmativa) — Li sobre uma teoria. A mente inconsciente, diante de tantos eventos sociais mórbidos, está provocando reações inusitadas de catarse coletiva.
JUSSARA — (afirmativa) — Sei! “A Teoria Done”. A imensa energia coletiva PSI recalcada, encontra nesses eventos uma maneira de extravasar-se. Milhões de PESSOAS em todo o planeta, sentindo-se violentadas por uma realidade social superlativamente sádica, sem condições de reagir de outra forma, provocam essas mostras de violência. Inconsciente. Catarse.
LIGIA — (questionando) — Mas..., isso faz sentido?
JUSSARA — (supostamente em dúvida) — Talvez. Os desarranjos físicos e mentais de milhões de pessoas premidas por circunstâncias adversas, usadas por políticos impunes, vítimas de gerações e gerações de poder econômico abusivo, encontram uma maneira de dizer BASTA!
LIGIA — (conformando-se) — Muita exclusão, muito abuso de poder. Muita impunidade. Muita concentração de renda. Muita corrupção. Muita mentira. Talvez essa teoria faça mesmo sentido.
JUSSARA — (afirmativamente contida) — Todas essas coisas criam um “Horizonte de Eventos”coletivo, quando buscam uma válvula de escape que não é permitida pelos poderes corporativos.
LIGIA — (crédula) — Muita Violência gera violência demais. A “lei de Jérsey”, dos Conselhos de “Etitica” dos políticos Tiriricas.
76. INTERIOR. DIA. RESTAURANTE DO JORNAL
ROSSI — (aponta a imagem na tela do DVD) — Veja as PESSOAS desta foto. A “Experiência de Filadélfia” teve tudo a vê com as experiências americanas de eugenia em conluio com a ciência genética nazista. Seus principais cientistas não sabiam disto. Inclusive Einstein.
CHEFE DE REDAÇÃO — (mostrando desinteresse) — Quem garante que essas informações possuem alguma autenticidade?
ROSSI — (calmo e imperturbável) — Os arquivos das fundações americanas envolvidas com pesquisa genética e eugenia, desde antes da crise de 1929. Os “Eugenical News” datam de 1924. A teoria, a prática e a legislação eugenista americana serviram de modelo para as aplicações desses princípios na Alemanha nazista.
CHEFE DE REDAÇÃO — (insistente) — O oficial de comando do pelotão da Gestapo, seus superiores na Alemanha, os próprios cientistas, ninguém estava sabendo das implicações científicas contidas na expedição que saiu da Amazônia em direção ao Reichstag. Naquele 21 de abril de 1944.
ROSSI — (calmamente enfático) — A Experiência no Estaleiro Naval da Filadélfia, em 28 de outubro de 1943, seis meses antes dos 25 soldados do Reich embarcarem no avião da Gestapo na Amazônia, está de acordo com os desdobramentos pós-guerra das pesquisas sobre o Campo Unificado de Einstein. A marinha norte-americana ainda hoje nega. Mas... Contra evidências inexistem argumentos.
CHEFE DE REDAÇÃO — (decisivamente negativo) — O que tenho em mãos ainda é insuficiente para tentar convencer o Conselho Deliberativo do jornal a investir numa expedição em direção a esse subterrâneo na Amazônia. E o confronto destas datas não ajuda em nada.
ROSSI — (interrogativo) — E a quantidade de helicópteros pousados nos heliportos da Avenida Paulista não são indicações suficientes de que estavam realmente equipados com tecnologia avançada de atualização da “Experiência Rainbow de Teletransporte”?
CHEFE DE REDAÇÃO (mostrando mais interesse no prato de feijoada):
— Ponha mais realidade nesse cardápio de ficção científica. E verei o que posso fazer.
77. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTO DO JORNALISTA ROSSI
ROSSI senta-se na poltrona em frente à TV ligada num canal de notícias americano. O âncora do Jornal noturno mostra entrevistas com PESSOAS de diferentes nacionalidades. As entrevistas com legendas indicam:
TURISTAS que haviam anteriormente visitados diferentes cidades de outros países, tiveram a mesma sensação de terem sido teletransportados para lugares que haviam visitado quando em viagem de negócio ou recreação:
SR. YOU AN — (chinês) — Estive em Rio de Janeiro ano passado. E voltei lá no dia que o trânsito ficou muito estanho. Não sei como...
SRA. YI NEI SI — (esposa do sr. YOU AN) — Não sei como aconteceu. Ainda bem que não fiquei por lá. Duas vezes fomos assaltados (o sr. YOU AN bateu com o cotovelo na parte lombar esquerda da mulher, insinuando claramente que ela estava falando demais.)
WA LON DING YONG — (filho do casal) — Está certo. Eu e Sài Mã, levaram nossas câmeras digitais. Cristo Redentor, paisagem bonito, mas não quero voltar (fazendo movimento negativo com o braço direito e o dedo indicador levantado, a balançar de um para outro lado.)
78. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTO. QUARTO DA FILHA DE ROSSI
Em frente à TV, JUSSARA vê a continuidade da reportagem da rede CNN americana. No programa “King Larry Live” da CNN, uma repórter de rua mostra flagrantes de entrevistas após os acontecimentos coletivamente traumáticos verificados também na Fifty Avenue:
MR. OLIVER JACKSON — (meio trêmulo) — Não consigo explicar como fui parar em Paris. Durante toda aquela confusão, não estávamos mais na Fifty Avenue, mas na Av. Champs-Élysées. Ainda agora não me recuperei daquela situação absolutamente inusitada.
MISS DAYSE KRISTAL — (exaltada) — Como aconteceu? Num instante e eu estava na “Via del Corso”em Roma. No outro momento estava de volta à Quinta Avenida...
KING LARRY LIVE — (sem conter a perplexidade) — A reportagem da CNN diretamente de Paris entrevista “on line” o casal Angeline Carole e Jean-Luc Alain.
Ele e Ela garantem ter estado, quase que simultaneamente, em dois lugares diversos, New York-Paris-New-York, separados pelo oceano Atlântico, em questão de segundos. (Jocosamente) — Acredite se quiser!
ANGELINE CAROLE — (pouco à vontade) — Muito ridículo dizer isso. Mas aconteceu comigo e o Alain. O automóvel estava parado na Champs-Élysée, próximo ao Arco do Triunfo, durante aquela terrível série de acontecimentos inacreditáveis que paralisou o trânsito da cidade. No momento seguinte estávamos em frente ao The Metropolitan Museum of Art em New York. Impressionante.
JEAN-LUC ALAIN — (hesitante) — Não acredito que isso aconteceu mesmo. Havíamos estado no Metropolitan no verão passado. Não foi nada agradável ter estado lá outra vez nessas condições inexplicáveis. Quem vai explicar essa coisa estranha? Mas que aconteceu mesmo. Com muitas outras pessoas com quem conversamos.
79. INTERIOR. RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA DE VOLTAIRE. (CS)
VOLTAIRE — (falando para a mãe, LIGIA) — Se algo me acontecer, entregue este envelope para a JUSSARA...
LIGIA — (virando-se para JUSSARA) — Não faço a menor idéia do por que estava sentindo-se ameaçado.
LIGIA — (inquieta, mostra uma foto) — Veja. Há uma dúzia de PESSOAS, você reconhece alguém?
JUSSARA — (apontando o dedo) — AGASSIZ. Um cara vidrado nos mistérios da floresta. E em história. PhD em Antropologia. Na USP.
LIGIA — (introspectiva) — Ouvi falarem de uma cidade indígena. Perdida na floresta... Manoa.
JUSSARA — (como quem recorda) — AGASSIZ dizia: “Muitas pessoas que buscaram por cidades ditas desaparecidas na selva Amazônica, desapareceram. Manoa é uma delas.”
LIGIA — (entregando um envelope a JUSSARA) — Aconteceu sobrar uma mão, ou um pé de VOLTAIRE?
(Subitamente JUSSARA, assustada, desperta, sentando-se na cama, como se estivesse saindo de um pesadelo.)
80. INTERIOR. MANHÃ. QUARTO DE JUSSARA
(Jussara ausenta-se do quarto. Ele está vazio, mas o DVD do “Arquivo Jângal” continua a passar na tela do monitor.)
81. EXTERIOR. ANOITECER. “BUNKER”. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL
(Em PG a câmera aproxima-se do monitor do micro, enquanto JUSSARA caminha em direção à porta de saída do quarto. A câmera fecha na dimensão da tela do monitor. — Na legenda eletrônica lê-se: Alemanha, Final Da II Grande Guerra.)
HITLER e EVA BRAUN são escoltados por oficiais da Gestapo em direção à saída do “bunker”. Do lado de fora um casal de atores, sósia de HITLER e EVA BRAUN, estão à espera de ser sacrificados em nome do Reich alemão.
Os casais sósias se cumprimentam. HITLER e EVA BRAUN dirigem-se de volta à entrada do “bunker”. O Führer alemão volta-se para olhar o SOLDADO SS com uma pistola lugher engatilhada, à espera da ordem de execução.
Galões de gasolina permanecem ao lado. O casal de atores, sósia de HITLER, EVA BRAUN, ajoelhado, à espera dos tiros, olha orgulhosamente o ditador que, antes de reentrar no “bunker”, faz a saudação nazi em direção a ele.
82. INTERIOR/EXTERIOR. “BUNKER”. AEROPORTO NA ALEMANHA
Uma limusine negra da Gestapo pára próximo a uma aeronave. A comitiva de oficiais SS embarca no avião, enquanto HITLER e a MULHER saem do carro e dirigem-se à escada da aeronave. Após tomarem assento, as hélices do avião começam a girar.
O piloto acerta as coordenadas. HITLER olha pela janela como se estivesse a ver os corpos do casal sósia em chamas próximo ao local de entrada do “bunker”.
As chamas sobem incinerando os corpos, enquanto o exército aliado invade Berlin.
83. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTO DE ROSSI
JUSSARA aciona o ponteiro do mouse no ícone “impressora”. E começa a editar a primeira cópia do “Arquivo Jângal”.
Antes de sair do apartamento, ela escreve um bilhete para o pai, o jornalista ROSSI, prende com um clipes a folha na primeira página da primeira cópia do “Arquivo Jângal”, subscrevendo-o:
“O arquivo começa com a narração do assassinato do jornalista alemão Karl Albert Brugger numa calçada da praia de Ipanema em 1984. Ele fazia reportagens para a revista “Der Spiegel” sobre um mosteiro subterrâneo na Amazônia para onde se dirigiam contingentes de soldados da Wermacht em busca de adquirir e transferir tecnologia extraterrestre avançada para uso do exército alemão do III Reich."
"Esses contingentes sob comando, comunicação e controle de oficiais da Gestapo, desembarcavam num aeroporto ultra-secreto na selva Amazônica. Anos antes de ser detonado o II Conflito Mundial.”
“Leia e segure a onda. Não se surpreenda. Se for capaz.” — JU.
84. INTERIOR. DIA. SALA. APARTAMENTO
FRED — (criança, chama a atenção do coleguinha BETO para o programa de TV) — A galeguinha começa a se despedir das crianças jogando beijinhos e dizendo “tchau-tchau”. Pela boca da MULHER começa a sair uma enxurrada de produtos comestíveis e brinquedos que se acumulam no interior da sala onde se encontram as crianças.
As CRIANÇAS correm em direção ao quarto onde a babá vê TV com outras CRIANÇAS. A MULHER do “talk-show” infantil estica o pescoço (como se fosse de borracha) em direção a elas e, abrindo a bocarra risonha vomita fartamente, enchendo o ambiente de uma gosma colorida da onde se sobressaem bonecas e bonecos semoventes.
Assustados e chamuscados pela gosma a cores eles correm em direção à porta de saída do apartamento.
85. EXTERIOR. DIA. PLAY-GROUND DO PRÉDIO. ÁREA DE RECREIO. (CS)
(MÃES conversam enquanto seus filhos e filhas brincam na área)
1ª MULHER — (mostrando-se intrigada) — Está acontecendo com o Jr. também?
2ª MULHER — (afirmativa) — É sintoma de que estão ficando mais exigentes.
3ª MULHER — (introspectiva) — Toda aquela festividade fabricada não estava mais do agrado de ninguém.
1ª MULHER — (confirmando) — Há muito não faz mais sentido para elas (CRIANÇAS).
4ª MULHER — (opinativa) — A CECI e o LULU, filhos da LUIZA estão ali (aponta) trocando ideias sobre personagens de contos de fadas. Pode? Na idade deles? Não é muita precocidade?
2ª MULHER — (em tom de censura velada) — Mal acreditei quando vi o KIKO e a PRATA trocando ideias sobre “O Conde de Monte Cristo”. E a MARY LUCY pondo fogo na conversa. Nem pareciam CRIANÇAS.
5ª MULHER — (entrando na conversa) — Donos de TV não têm o menor interesse em fornecer uma programação que acompanhe a evolução da cabeça delas. Elas estão percebendo o mundo de maneira mais inteligente.
3ª MULHER — (parecendo pensativa) — O mundo deles parece outro. Assim como suas necessidades. Esses novos heróis tipo Wolverine e os X-Men estão tornando esses meninos muito agressivos demais.
1ª MULHER — (em dúvida) — Alienação e agressividade não são condicionamentos adequados à educação deles. Os desenhos animados estão cheios disso.
2ª MULHER — (conformada) — De qualquer forma é o que eles têm. Distrai.
4ª MULHER — (concordando) — Essas influências educam mais do que os professores mal pagos das escolas. Por quem não têm o menor respeito.
5ª MULHER — (“não tô nem aí”) — A mente deles está em franca ebulição. Nossa proximidade parece incômoda. Quando conversam não querem adultos por perto.
86. INTERIOR. NOITE. QUARTOS. SALAS. APARTAMENTOS...
Carla aciona algumas vezes o controle remoto da TV. Em vários canais estão presentes imagens e comentários sobre os acontecimentos de estranha violência na Avenida Paulista e adjacências.
A câmera flagra a mesma atitude de muitas pessoas, acionando em salas, quartos de hotéis, apartamentos, bares, restaurantes e residências, via controle remoto, imagens de comentários TVvisivos sobre os inexplicáveis acontecimentos nas principais avenidas de grandes cidades globalizadas pelos eventos semelhantes.
87. INTERIOR. NOITE. QUARTO
CARLA contempla-se no espelho da parede ao lado da cama. À direita deste, um grande calendário-poster, propaganda da livraria Cultura. Os cabelos ainda úmidos. Ela passa o secador enquanto os penteia.
CARLA percebe mudanças quânticas, mínimas, que parecem estar reconfigurando seu rosto, transfigurando-o em personas de PESSOAS que ela conhece, com quem convive e trabalha.
CARLA sente-se curiosa e intranquila. Fixa-se nas mínimas mudanças que, de modo muito tênue estão a se processar na aparência de seu corpo. De suas faces.
88. INTERIOR/EXTERIOR. AMANHECER. QUARTO. RUAS DA CIDADE
CARLA desperta com o secador ainda ligado. Percebe mechas do cabelo chamuscadas. Parte do rosto mostra sinais de queimadura. Aplica-se um unguento de picrato de butambeno. Rabisca um bilhete para o pai, HELIO.
Escreve que vai chegar na firma fora do horário. Ela sai a caminhar nas ruas da cidade que amanhece. A sensação de que está vendo tudo pela primeira vez: PESSOAS, prédios, movimentação de carros, ruas.
89. INTERIOR. DIA. REDAÇÃO DO JORNAL
ROSSI chega à redação. Posiciona cópia do “Arquivo Jângal” na mesa do chefe de redação. Na mesa redonda onde vai haver uma reunião do Conselho Deliberativo e Editorial do Jornal, ele deposita cópias do mesmo “Arquivo Jângal” frente aos assentos, sobre a mesa.
(ROSSI atende ao telefone celular, enquanto sai apressado da sala de reunião ainda vazia):
— Isso mesmo. Esta é a notícia que eu queria ouvir. Então há uma possibilidade?
90. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. IGREJA
Os fiéis estão atentos às palavras do discurso do Pastor MCKENZIE:
MCKENZIE — (narrativo) — Desde tempo antigos Ele livra seu povo da ameaça de inimigos cheios de recursos. Exerce a misericórdia entre os que se mantêm no caminho.
MCKENZIE — (expositivo) — STO. AGOSTINHO dizia que o Novo Testamento está contido no Velho Testamento. Cada profeta e cerimônia anunciam CRISTO no pai ADÃO, progenitor dos santos. No mártir ABEL. Em ENOCH e NOÉ, renovadores do Verbo. Em MELQUISEDEQUE, ISAAC, em JOSÉ, tradutor dos sonhos do FARAÓ.
MCKENZIE — (id. professoral) — Um doador de leis em MOISÉS. Sofredor e abandonado em JÓ. Odiado e torturado na maioria dos profetas...
91. INTERIOR. DIA. TEMPLO
A câmera em PG detém-se, por segundos, na família de HELIO: SHEILA, CARLA E EDUARDO. A ansiedade deles estampada nos rostos e também na expressão facial destes e daqueles ouvintes. E logo o discurso começa a justificar a atenção geral dos fiéis.
MCKENZIE — (compassivo) — Quem é joio? Quem é trigo? Os corações e as mentes estão assimilados, globalizados. Fixados pelo consumismo. A alma coletiva satanizada pela ganância. Pelo querer ter. Ter mais. E mais. Sempre.
92. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE PARTO. BERÇÁRIO
(Enquanto o pastor destila as palavras do sermão, a câmera passeia entre as macas das enfermarias dos hospitais onde estão mulheres abortivas e outras, no repouso aborto.)
MCKENZIE — (explicativo) — Quem não quer mais dinheiro? Quantas mulheres não desejam parir apenas para usar o filho enquanto instrumento de exploração do pai? A pensão do filho é uma forma de salário. Ou não?
MCKENZIE — (incisivo) — A concentração de renda aumenta cada dia mais. E mais. À proporção que aumentam os escravos, os necessitados, os candidatos a pagodeiros, e as galeras sempre dispostas a topar tudo por dinheiro.
— O poder das multinacionais é totalitário. Os esquemas de corrupção e impunidade funcionam apenas para os muito ricos. Os que têm condições de pagar bons advogados e comprar os juízes dos supremos tribunais. Quem não está disponível para ser cooptado?
93. INTERIOR. HOSPITAL. BERÇÁRIO
(Enquanto a câmera passeia entre os berços vazios que seriam ocupados por recém-nascidos, ouve-se os apelos discursivos do pastor.)
MCKENZIE — (profético) — Feliz o ouvinte se observar as coisas que estão sendo ditas. Porque o tempo, este, está chegado. A “amblose disforme” não é para ser temida. Ao contrário, é a maneira da sabedoria divina dizer: BASTA!
MCKENZIE — (solicita) — Levantem-se as MULHERES presentes ao culto, as que abortaram em decorrência do vírus da “amblose disforme”.
(Dezenas de mulheres ficaram em pé, atendendo a solicitação do pastor.)
MCKENZIE — (interpretativo) — A ciência a quase tudo explica. Mas, mesmo no atual estágio de seu desenvolvimento, não há explicação para muitas coisas que aconteceram, acontecem e, principalmente, para as que estão em vias de acontecer. Porque cada ente consciente, desde o nascimento, é mais cinzas do que chamas. Para os olhos Dele (apontando para o alto) a raça humana atingiu o merecimento da inexistência pela exacerbada imperfeição.
MCKENZIE — (didático) — Como não pode ser conduzida à ordem, resta-lhe a extinção. A fêmea humana não mais possui o dote natural de gerar descendência.
94. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. IGREJA. (CLOSE-UP. PP. PA. PG. CA)
(PESSOAS saindo do culto dominical. A câmera surpreende alguns rostos. Ora em CLOSE-UP, ora em PP, PA, PG Afastando-se a câmera, gradativamente, até fixar-se em CA.)
(Enquanto saem da Igreja, a voz de MCKENZIE continua ecoando no subconsciente delas):
MCKENZIE — (persuasivo) — Os interesses dos mortos administram o planeta. A mesma compulsão pré-histórica, que dominava a mente reptílica, o sistema límbico, hoje exerce comando, comunicação, controle sobre o neo-córtex. Os seres ditos humanos estão sob a dominação da compulsão do complexo reptílico industrial-militar, da demagogia e da ambição luciferina do REICH DOS MIL ANOS. Do REICH DOS MIL BANQUEIROS...
95. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. CARROS. RUAS, PRAIAS. AVENIDAS
A câmera se detém no interior do carro de HELIO. Eles estão sob o efeito hipnótico do discurso profético, religioso, do Pastor MCKENZIE.
CARLA — (em off) — “As PESSOAS, todas as PESSOAS, transformadas em tropas de choque de LÚCIFER. Em todos os lugares do planeta. Milhares de milênios de suposta evolução, e o Homo Sapiens continua pastando no mesmo lugar Demens.”
Os pensamentos de CARLA parecem ecoar nas mentes de seus familiares (PAI, MÃE, IRMÃO). Olham-se de soslaio. Se faz presente um certo ressentimento. Mútuo.
96. INTERIOR. DIA. QUARTO. APARTAMENTO
As DOMÉSTICAS que fazem a limpeza doméstica no quarto de SABRINA levam as mãos aos ouvidos. Ato contínuo, saem do quarto apressadamente.
97. INTERIOR. DIA. APARTAMENTO. SALA DE JANTAR
Crianças sintonizam a TV no canal-10. A BABÁ reclama, amuada, de que estava a assistir a programação da Record, onde um trio de apresentadores, trocam prosa e banalidades sobre amenidades de personagens famosos e suas banalidades, tipo: “FULANA foi vista com BELTRANO na festa de casamento do casal SICRANO”.
As DOMÉSTICAS que haviam saído do quarto de SABRINA estranham a mudança de canal, sem que o controle remoto fosse acionado pelas CRIANÇAS.
A câmera focaliza ora uma, ora outra CRIANÇA em Plano Subjetivo (PS). Elas esboçam apenas um quase imperceptível mover de cantos das bocas, enquanto olham o “filme do dia”.
98. INTERIOR. TARDE. ENTARDECER. NOITE. SALAS DE ESTAR. QUARTOS DE MOTEIS, PADARIAS, BARES. LOCAIS ONDE HÁ UMA TV
(A câmera focaliza a decepção das PESSOAS. Elas tentam inutilmente mudar de canal, sintonizar em programas que costumam visualizar. Não conseguem. Nos monitores de TV aparecem apenas os chuviscos eletrônicos. O único canal de TV que conseguem sintonizar é o canal-10. E seus filmes “full-time”.)
PESSOAS leem os jornais impressos noticiam o impasse dos departamentos de propaganda e publicidade que somam altos prejuízos por não conseguirem posicionar nos monitores das telinhas suas programações. Consequentemente, não estão faturando os comerciais. As empresas de PP&RP sentem-se ameaçadas. A beira da falência.
A imprensa impressa denomina o único canal de TV que os espectadores conseguem sintonizar de “Ghost-TV”. A TV-Fantasma está impedindo os outros canais de ser sintonizados? Há um grande clima de apreensão por parte dos diretores e acionistas dos grandes conglomerados de TV.
99. INTERIOR. NOITE. CONVENÇÃO DE AGÊNCIAS DE PP&RP. RESTAURANTE DO HOTEL MAKSOUD PLAZA. SÃO PAULO
DIANE — (uma funcionária, comenta) — Ninguém parece estar interessado nos outros canais de TV.
CARLA — (fazendo anotações) — Sim, os filmes fantasmas. A TV “full-time”...
RICARDO — (executivo, cheio de razão) — Estou dizendo, há excesso de explosões solares. Elas estão causando esses problemas de sintonia. Tudo está voltando à normalidade. Todos os canais voltaram à sintonia normal.
RUBENS — (executivo, apreensivo) — Pensei em mudar de profissão. Ser técnico em eletrônica. Todos os aparelhos de TV pareciam em pane.
RAQUEL — (confirmando) — A Associação das Senhoras Plugadas Em Novelas superlotaram os ramais de reclamação dos conglomerados de TV.
CARLA — (introspectiva) — Os barões dos conglomerados de TV ficaram apavorados. Muitos foram internados. No Brasil, três deles morreram de AVC.
RUBENS — (relaxando) — Isso é que é “Pânico na TV”. E o bicho ainda está pegando.
RAQUEL — (intrigada) — Crianças e adolescentes parecem saber o que está acontecendo. Há teorias, adolescentes e crianças participaram, de algum modo, das interferências. E dos eventos de superviolência no trânsito.
RICARDO — (irritado) — Isso é bobagem. Não acredito. Conta outra.
CARLA — (buscando conciliar) — Verdade. Todos parecemos, uns mais, outros menos, estar participando dessa espécie de empatia globalizada pelas ondas emitidas pelas transmissões da TV-Ghost. E quase todos somente veem a TV-Fantasma.
RUBENS — (interrogativo) — É complicado. Sei não! Ninguém parece saber o que está acontecendo na realidade. É tudo palpite. A TV-Virtual é como o satélite artificial invisível, ela existe, mais ninguém sabe explicá-la.
(A câmera focaliza os rostos, agora indiferentes, dos participantes da mesa. Algumas PESSOAS sentem a sensação de que estão distanciadas das demais.)
100. INTERIOR. NOITE. SALA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS. SÃO PAULO
(A reportagem do JN prepara-se para entrevistar o dr. TROJAN, infectologista, chefe do plantão noturno do Hospital das Clínicas.)
REPÓRTER — (tenta parecer o mais sem emoção possível) — Dr. TROJAN, qual a explicação científica para essa nova série de infecções motivadas por mutações do vírus H3V?
101. INTERIOR. NOITE. SALAS DE JANTAR E OUTROS AMBIENTES PÚBLICOS E PRIVADOS ONDE PESSOAS ESTÃO A ASSISTIR O JORNAL NACIONAL
(A câmera mostra o dr. TROJAN nos monitores de TV)
DR. TROJAN — (com franqueza) — Não apenas do H3V. As mutações estão ocorrendo com outros segmentos viróticos tipo LULFHC.
REPORTER — (curioso) — Há realmente um campo magnético nas mutações viróticas? Propício à somatização e a indução dos infectados à aceitação da doença? E as mudanças drásticas de comportamento agressivo?
DR. TROJAN (com convicção) — Ainda não é uma teoria reconhecida pela ciência médica. As variantes PT e PMDB do vírus H3V ferra os infectados com manchas na pele de coloração rosácea e avermelhada.
(A câmera focaliza as faces das crianças e adolescentes que observam os adultos com leves, quase imperceptíveis, movimentos nos cantos das bocas.)
102. INTERIOR. ENTARDECER. LUXUOSO SALÃO DE BELEZA NO JARDIM AMÉRICA. SÃO PAULO
(A clínica de beleza é especializada em usar cosméticos especiais para camuflar cada tipo de mutação virótica do H3V: tipo PMDB, PUF. COLL, e outras.)
103. INTERIOR. NOIE. SALA DE ESTAR
Na TV uma família está a assistir no Jornal da Globo, a continuação da entrevista com o DR. TROJAN.
REPÓRTER — (intrigado) — É como se cada infectado estivesse sendo marcado como gado? Os novos medicamentos são os mesmos para todas as variantes?
DR. TROJAN — (explicativo) — As vítimas passam entre doze e quinze meses perdendo a noção do tempo. E a competência orgânica. A impressão é essa. Cada marca de infecção difere dos efeitos. Há um “coquetel” para cada variante virótica.
104. INTERIOR. DIA. SALA DE REUNIÃO. JORNAL
Ao redor da mesa, alguns JORNALISTAS do Conselho Executivo do jornal, debatem a participação do mesmo na “Expedição Norton”. Uma tela de TV transmite o “ghost-movie” do dia.
1° JORNALISTA — Vale o esforço de buscar respostas quando mais ninguém parece ter uma resposta coerente. (Virando-se para a REPÓRTER ao lado de NORTON) — Essa é a fotógrafa Adriane Tauil. ROSSI e ela representam o jornal na “Expedição”.
2° JORNALISTA — No momento não há consenso. Ninguém sabe ao certo de onde provêm as imagens da TV-Full-Time.
ADRIANE — O mundo globalizado está uma babel. Todos opinam. Mas não há consenso sobre os eventos em lugar algum. Do mundo globalizado.
ROSSI — Mesmo nos meios científicos. (Ele aperta um botão no controle remoto) — Este é o “filme do dia” de ontem, da TV-Virtual.
105. INTERIOR. DIA. SALA DE REUNIÃO DO JORNAL
(A câmera focalizada no filme do dia da TV-Virtual, afasta-se da imagem da tela em ZOOM, até fixar em PG a cena da sala de reunião que corresponde à mesma cena vista no monitor da TV.)
ROSSI — Um crítico dos “Cahiers du Cinéma” divulgou ontem num canal de televisão francesa, que a TV-Fantasma divulga em seus filmes, estilos de cineastas europeus do século passado.
2° JORNALISTA — Fellini, Antonioni, Chabrol, Visconti, Fassbinder, Pasolini, Greenaway, Rosseline, Lang, Truffaut, Godard, Losey, Rivette, Resnais, Wenders, Buñuel...
ADRIANE — As opiniões divergem. Um ex-cineasta e crítico de amenidades da política nacional, no JN de ontem afirmou que os últimos cult-movies da TV-Ghost reproduzem o estilo, “desse gênio maior de Hollywood (sic) que foi Samuel Fuller”.
ROSSI — (irônico) — Muita areia demais para meu caminhãozinho...
1° JORNALISTA — (muito afirmativo) — Esses filmes têm duração de um dia. Todo dia um filme diferente. Nem todos os banqueiros fantasmas associados a diretores europeus e hollywoodinos, poderiam estar por trás dessas produções. Não há grana em estúdio nenhum do mundo que possa bancar produções de filmes de 24 horas. Sem intervalo comercial.
ROSSI — (argumentativo) — Não vamos chegar a lugar nenhum reproduzindo opiniões, as mais diversas sobre o que é e de onde vêm as produções de imagens da TV-Fantasma. Daí o investimento deste jornal na investigação dos indícios de que há uma central de transmissão eletromagnética proveniente da Amazônia. De acordo com o “Arquivo Jângal”.
106. INTERIOR. DIA. SALA DE REUNIÃO. HOTEL HILTON. SÃO PAULO
(Executivos de vários países, associados via interesses de conglomerados de TV em todo o mundo globalizado, estão reunidos numa sala com seus “lap-tops”, “iPods”, , equipamentos eletrônicos de vídeo-transmissão de última geração, comunicam-se entre si via “translators”, secretárias-acompanhantes, equipagem de vídeo-conferências.)
Vários idiomas estão sendo falados simultaneamente. A Babel de línguas. A traduzir diversidades de interesses semelhantes, se faz ver e ouvir como se a representação de um grande e impertinente zumbido eletrônico que a todos envolve. Via satélite.
107. INTERIOR/EXTERIOR. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS
Enquanto a câmera perpassa as faces voltadas (com curiosidade inusitada) para os monitores das Tvs, alguns espectadores se olham (CS) visualizando a perplexidade de estar vivos e ao mesmo tempo presenciando esses fenômenos, que, por serem inexplicáveis, aumentam, cada dia mais o medo. Pessoal. E coletivo da sociedade. Globalizada.
108. INTERIOR/EXTERIOR. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS
(A câmera faz, com o monitor de TV, um contraponto com o rosto de um TVespectador concentrado, excessivamente atento à reportagem do JN):
APRESENTADOR DO PROGRAMA — A nossa reportagem entrevistou em Londres, o físico STEVE TALKING (câmera mostra o físico Nobel falando):
REPÓRTER JG (de Londres) — O senhor teria uma explicação científica para a realidade inusitada da TV-Virtual?
STEVE TALKING — (professoral) — A transmissão da TV-Virtual parece estar de acordo com padrões de transmissão a partir de raios lasers gravitacionais. A única parte da teoria da relatividade de Einstein que ainda não havia sido testada. É um fenômeno similar aos efeitos mal-sucedidos da Experiência de Filadélfia, quando a marinha americana tornou invisível um destróier durante a II Guerra Mundial.
REPÓRTER — Há uma estação orbital a partir da qual esses raios estão sendo emitidos?
STEVE TALKING — Se for comprovada a existência dessa estação orbital, ela possivelmente é monitorada por uma civilização que domina tecnologias de controle de energias gigantescas. Tipo as emitidas por buracos negros e estrelas de nêutrons.
109. INTERIOR/EXTERIOR. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS
(Câmera focaliza a atenção de outros espectadores, de um segundo canal de TV, que está a retransmitir de Londres uma entrevista, em inglês, traduzida via legenda eletrônica, do mesmo cientista, para a BBC):
REPORTER DA TV-BBC OUVE RESPOSTA DE STEVE TALKING — Os raios gravitacionais geram efeitos interdimencionais de deslocamento da luz atmosférica ionizada. Como essa transmissão é efetuada?
— Talvez a TV-Virtual seja uma estação de retransmissão em sintonia quântica direcionada via raios laser. Muito além da compreensão no atual estágio de desenvolvimento científico deste planeta.
110. INTERIOR/EXTERIOR. ANOITECER. LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS. SALAS DE ESTAR DE APARTAMENTOS. VITRINES DE LOJAS EM SHOPPINGS
(A câmera desloca-se da imagem da TV para os rostos surpreendentemente atentos de uma dezena de frequentadores de um restaurante no bairro dos Jardins, na rua Pamplona.)
WANDO PERSON JR. (PhD em Física quântica) — Toda a realidade existente em qualquer lugar depende de uma série de combinações entre matéria e energia. Em diferentes graus de densidade e complexidade. Cada manifestação, em cada uma dimensão (existem, possivelmente, 26 dimensões no continuum espaçotempo) possui um certo conjunto de princípios envolvendo esse contínuum...
REPÓRTER — comente a teoria de que os casos de Combustão Humana Espontânea (CHE), são ocasionados por seres de outra dimensão querendo se instalar em corpos humanos. Há algo de verdade, ou é apenas especulação sem base científica?
DR. WANDO PERSON JR. — “A Experiência de Filadélfia” abriu um portal para outra dimensão. Seres que migram dessa dimensão, teoricamente, para se estabelecerem em corpos humanos, não encontram a congruência quântico-molecular. A radiação resultante dessas tentativas de interação eletromagnética entre esses seres de outra dimensão e os seres humanos, resulta numa espécie de encontro quântico entre átomos de matéria e de anti-matéria. Provocando a mútua desintegração.
REPÓRTER — É científico? Ou ficção científica?
DR. WANDO PERSON JR. — Essa, uma possibilidade de explicar de forma coerente o fenômeno CHE. Nada provado cientificamente.
111. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTO. SALA DE JANTAR. (CS)
(Um casal de ADOLESCENTES entra na sala de estar onde um casal de adultos está a dormir no sofá. O monitor da TV está sintonizado no Canal-Virtual, “Efeito 10”.)
1° ADOLESCENTE — (A moça emite um código de sons. Imitam os zumbidos de abelhas. Enquanto fixa o olhar em direção ao namorado. Os cantos da boca levemente se contraem. Há silêncio, porém ele ouve nitidamente as palavras na mente, como se estivessem sendo verbalizadas) — “Você também lê os sonhos deles? São permeados de imagens de medo e horror”.
2° ADOLESCENTE — (O rapaz responde, o olhar fixo e os cantos da boca se contraem de modo quase imperceptível, enquanto emite os zumbidos de resposta) — “Mediados por sentimentos de culpa. Eles não sabem nem podem interferir na realidade. Vão aceitando tudo e todas as coisas como se fossem seres virtuais, sem nenhum mínimo controle sobre os fatos”.
1° ADOLESCENTE — (zumbidos) — Os culpados por esse descontrole são os outros. Ou outros. Sempre são os outros.
2° ADOLESCENTE — (zumbidos) — Os outros são eles. Cada um deles. Eles convivem com os outros. Milhares deles. Como se fossem personagens dos múltiplos filmes e novelas da TV.)
— 1° ADOLESCENTE — (zumbidos) A mesma patologia coletiva manifesta.
112. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTO. SALA DE JANTAR. (CS)
(O casal de adultos ameaça despertar, mas os zunidos em suas mentes parece fazê-los adormecer sob o fluxo sussurrante do ruído sibilante da nova patologia.)
(A câmera focaliza o monitor da TV que transmite as notícias do JG:
ÂNCORA DO JG — “Há poucos minutos a NASA divulgou a notícia de que há indícios de um estação receptora subterrânea de sinais da Estação Orbital Interdimensional na Amazônia...).
113. EXTERIOR. DIA. PÁTIO DE PLAY-GROUND
(A câmera focaliza grupo de CRIANÇAS que se comunicam através de uma linguagem de pronúncia muito rápida das palavras. A articulação de sons das letras, sílabas e palavras soa semelhante a zumbidos. Quatro delas se destacam dos grupos que brincam no play-ground e se dirigem ao elevador social, após saírem do pátio.)
114. INTERIOR. DIA. SALA DE TRABALHO. ESCRITORIO
(HELIO aproxima-se da sala onde trabalha CARLA. Senta-se frente a ela e começa um diálogo que resvala para uma tonalidade pouco amigável.)
CARLA — (com certo menosprezo) — Dá um tempo, pai. Não vou vender minha alma para esses reacionários luciferinos em troca de favores para sua aposentadoria aumentar de valor.
HELIO — ("cheio de razão") — Aumentar? Duplicar, você quer dizer. Ética não dá camisa a ninguém, Carla. O sistema capitalista é selvagem por natureza. Nele o que conta é o fator econômico. O fator econômico está acima de tudo e de todas as regras, princípios, ética, religião, o que for. Você lembra do ex-presidente Analfabeto?
CARLA — (afirmativa) — Ele se notabilizou pela capacidade discursiva elogiosa a todos os esquemas de corrupção no país. E saiu da presidência com um índice recorde de apoio popular. Não vou impedir que seus interesses se mantenham vivos na empresa. A Adélia vai me substituir.
HELIO — (querendo negociar) Você saindo da firma minha posição administrativa fica desfalcada. Reconsidere, por favor. Mesmo porque o mercado está escasso de ofertas de trabalho.
CARLA — (decisiva) — Minha decisão é irreversível. Por favor, não insista. (HELIO levanta-se e sai da sala sob o olhar da filha, CARLA.)
(CARLA olhando o pai afastar-se, comenta de si para consigo):
— “Esse agente familiar de uma educação e de uma cultura voltadas para a diluição de qualquer princípio ético. Que tipo de sociedade poderá estar em gestação no inconsciente familiar voltado para o incremento implacável de interesses coletivos os mais escusos?".
115. EXTERIOR. NOITE. RIO E PÂNTANO. ILHA
(Uma jovem no dorso de um crocodilo atravessa a margem de um rio de águas escuras em direção a uma ilha. Um eclipse lunar se desenha no alto. O réptil com oitenta dentes alveolados, de enorme força mandibular, poderia simplesmente esmagar o corpo de CARLA com sua mordida de uma tonelada. Mas ela simplesmente salta de seu perigoso lombo às margens do rio e dirige-se ao interior da ilha.)
116. EXTERIOR. NOITE. LUAR. ILHA
(CARLA observa em meio à grama, numa clareira, um estranho e belo animal a pastar. Os pelos brancos brilham ao luar. A sombra do eclipse começa a escurecer o ambiente selvático. CARLA olha o pai, HELIO, do outro lado do rio. Ela insiste em chamá-lo, suplica que não tenha medo, que monte no lombo de um dos inúmeros crocodilos que parecem estacionados à beira da outra margem do rio à espera de fornecer uma carona até a ilha, do outro lado.
Mas HELIO está em dúvida, tanto hesita que fica, de uma vez por todas, paralisado pelo temor. Ele ignora a oportunidade que esse momento mágico oferece. Ele tem olhos apenas para a aparência hostil e inóspita do réptil. HELIO não sente o momento enquanto uma oportunidade. (E o crocodilo aproxima-se veloz em sua direção com a bocarra aberta.) Apavorado ele desperta do pesadelo.
117. EXTERIOR. NOITE. RUAS. CALÇADAS. PRAIAS. AVENIDAS
(A câmera flagra pessoas sendo assaltadas enquanto veem mercadorias em exposição nas ofertas das vitrines das lojas de varejo com produtos eletrodomésticos. Um assaltante ataca a coronhadas um transeunte, enquanto lhe subtrai violentamente o “blaiser” com alguns de seus pertences pessoais. No monitor de várias TVs sintonizadas no Canal-10, vê-se cena semelhante no “full-time-movie” do dia.)
118. INTERIOR. NOITE. APARTAMENTOS. SALAS DE ESTAR
Pessoas veem nos monitores de TVs ligados no Canal-10 (“Effect-TV”), cenas que são reproduções de acontecimentos violentos de rua. Causa a impressão nos espectadores, que as cenas dos filmes da TV-fantasma, estão a reproduzir as situações cotidianas da violência de rua de que são vítimas as pessoas, cada vez mais amiúde.
Outras pessoas comentam que a “TV-Ghost” antecipa tais acontecimentos.
119. EXTERIOR. NOITE. “POINTS” DA CIDADE DE SÃO PAULO
A câmera migra de um para outro, focalizando por momentos a movimentação ambiental de alguns pontos de encontro, bares e restaurantes, em locais de badalação social da cidade. Uma longa série de acontecimentos onde se acha presente a manifestação da violência urbana, cada vez mais gratuita, são objetos de observação.
(Em off ouve-se locutores de rádio e jornais Tvvisivos narrando acontecimentos policiais promovidos pela gang do marginal conhecido popularmente pela alcunha de “A FÚRIA”.)
A câmera aproxima-se de uma mesa de calçada em PG, e flagra uma conversa entre PESSOAS que trocam impressões sobre os acontecimentos:
1° FREGUÊS HABITUAL DO BAR — Por que a polícia nunca consegue prender “A FÚRIA”?
2° FREGUÊS HABITUAL DO BAR — A FERA poderia falar demais. Revelar os esquemas policiais nos quais está inserido. Muitos oficiais da polícia, civil e militar, estariam comprometidos.
1° ACOMPANHANTE HABITUAL DO BAR — A FERA estaria infectada pela variante mais letal do H3V, a LUL-COLL, que com o PUF aumenta a ira e o furor dos infectados.
2° ACOMPANHANTE HABITUAL DO BAR — O filme de hoje da “TV-Full-Time” mostrou a violência incontrolável dos infectados pertencentes à gang da FERA. E as tentativas inúteis dos esquemas policiais em prendê-la.
120. INTERIOR. DIA. SALA DE REUNIÃO DE EMPRESA
HELIO e a filha CARLA estão sozinhos na sala de reunião. Ele deseja convidá-la a almoçar. Mas, ao contrário de dizer isto a ela, entra sempre em outros assuntos. Ele quer dizer que deseja diminuir a distância entre pai e filha, mas não consegue:
HELIO vê a filha sair da sala de reunião e, de coração aflito, comenta de si para consigo: “Eu queria apenas almoçar com ela”.
121. EXTERIOR/INTERIOR. DIA. PATIO INTERNO DO COLEGIO DANTE ALIGHERI EM SÃO PAULO
Um zelador de disciplina (monitor) do colégio Dante está, furtivamente, gravando a conversa de um grupo de adolescentes.
Ele é observado por uma jovem que, ao passar por ele, nota a intenção do mesmo na proximidade do grupo. E avisa os colegas de que estão sendo gravados.
122. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. PATIO INTERNO DO COLEGIO E SALA DO DIRETOR
O monitor entrega um aluno a outro diretor de disciplina que o conduz à sala do diretor onde começa a ser pressionado a falar sobre algo.
123. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. PATIO DO COLEGIO EXTERNO DANTE E SALA DO DIRETOR
A jovem que há pouco se aproximava do grupo de colegas, diz:
— A conversa está sendo gravada. Vocês estão falando em linguagem comum, zeenoshri, pelllinngfressshhhisthonn.
— Hossshissthillhunddss. Zhonsnsnsnkhissyt. — Os estudantes sibilam entre si. Começam a se comunicar através de zunidos.
(As faces transmitem aquela mesma expressão de absoluta isenção sensitiva. Os cantos das bocas movem-se quase que imperceptivelmente.)
124. INTERIOR. DIA. SALA DO DIRETOR
(A criança na sala é pressionada a falar sob ameaça do diretor de chamar seus pais. As ameaças vão num crescendo até dizer que pode ser expulsa do colégio. A criança concentra-se fixando os olhos no olhar ameaçador do adulto. A menina emite um zunido quase inaudível.
O diretor leva as mãos aos ouvidos. Protege-se de algo que não vê mas causa grande incômodo mental. O nariz do homem começa a sangrar, e a poltrona de rodas desliza em direção à janela. Seus olhos estão excessivamente irritados e vermelhos. Os cantos da boca da menina se deslocam levemente para os lados.)
125. EXTERIOR. NOITE. AEROPORTO DE GUARULHOS
ROSSI e ADRIANE aguardam o voo para Cuiabá conversando na mesa da lanchonete:
ADRIANE — (indagativa) — Esse NORTON, qual é a dele? Sinto que ele não é nem um pouco confiável. Apesar da aparência em contrário.
ROSSI — (reservado) — O cara é aventureiro. Por trás dele há, talvez, a CIA, o Departamento de Estado americano. Vai saber? Aparentemente deseja explorar uma cidade dita subterrânea. E voltar para contar a proeza.
ADRIANE — (sorrindo) — Você acredita mesmo nesse folclore de cidade perdida? Expedições que sumiram na selva?
ROSSI — (sorrindo também) — Vai saber ao certo?! Sair da rotina para mim já é motivação considerável.
ADRIANE — (curiosa) — Por que um jornalista, uma fotografa brasileira? Que garantia temos? Nessa Expedição há algo muito nebuloso.
ROSSI — (com ironia) — Você tem algo melhor para fazer? Montanhismo também não tem garantias. Quem alpinista sabe ao certo se vai voltar numa excursão pelo K2, ou em direção ao cimo do Everest? Que tempo vai fazer? Haverá avalanches? A vida é incerta. Você gosta de uma aventurazinha, não é?
126. EXTERIOR. DIA. ESTADO DE MATO GROSSO. ÁREA LIMITE ENTRE CUIABÁ E A CHAPADA DOS GUIMARÃES
(ADRIANE fotografa as belezas naturais da área conhecida por “Portal do Inferno” na paisagem limite dos municípios de Cuiabá e da Chapada dos Guimarães. Ela conversa com ROSSI sobre o “corredor eletromagnético BIVAC”. A câmera acompanha a incursão aérea da fotógrafa pelo Mirante Geodésico, de dentro de um bimotor com capacidade para 4 passageiros.)
ROSSI — (enquanto filma ADRIANE ) — Essas fotos da Lagoa Azul, a caverna “Aroe Jari” ( “Morada das Almas”) documentam a primeira etapa da “Expedição Norton”. Até aqui tudo bem. E a proibição dos estrangeiros em terras indígenas?
ADRIANE — (sem parar de fotografar) — A Expedição obteve autorização do Ministério da Justiça, e deferimento do Ministério da Defesa. O NORTON se associou ao jornal para facilitar os trâmites burocráticos e jurídicos. Abrir as portas do Xingu para a Expedição, sem muitas delongas.
ROSSI — (irônico) — E milongas. O cara é esperto.
127. INTERIOR DO AEROPLANO. EXTERIOR. PAISAGEM. DIA. MORRO DE SÃO JERÔNIMO
(ADRIANE pede ao piloto que volte. Ela quer fotografar um cara que está posicionando-se numa borda de pedra no Morro de São Jerônimo. O avião aderna para a esquerda e refaz o trajeto em meio às serras, a tempo de flagar o homem lançar-se no espaço a 900 metros de altitude. ADRIANE observa o “paragliding” precipitar-se no espaço. E planar em direção ao solo.)
128. EXTERIOR. PAISAGEM/INTERIOR CARRO. DIA. ESTRADA
(A picape Xavante roda em direção à cidade de Paratinga. Nela estão ADRIANE, ROSSI e o índio guia UIRE. E um carona, XAMÃ KAPOGI.)
UIRE — Estrada não muito boa. Viagem longa. Até lá, Igapi (chuva miúda).
KAPOGI — (cantando a bola) — Posto Simão Lopes não muito longe. Chegar tarde da noite em hotel Paranatinga.
ADRIANE — (dirigindo-se a ROSSI) — Reservas no Danúbio Palace.
ROSSI — (cochilando) — Isso mesmo. Norte do Mato Grosso. — (Irônico) — Esse “clima tropical”. 460 metros acima do nível do mar.
ADRIANE — (irônica) — A turma do NORTON deve estar por lá.
NORTON — (entreabrindo os olhos vê raposas pretas e malhadas que cruzam a estrada em frente ao carro.)
129. INTERIOR. DIA. RESTAURANTE DO HOTEL
KAPOGI — (aproximando-se da mesa onde se encontra NORTON) — Expedição não pode seguir. Caciques não querer. Senhor precisa falar com Brasília. Indio YURUQUÁ muito influente no Xingu. Ele está em Brasília. E é o diretor geral do Parque.
NORTON — (falando pelo vídeofone) — Senhor YURUQUÁ, temos um trabalho a fazer dentro de um prazo. A Expedição não tem propósitos comerciais.
YURUQUÁ — (no vídeofone) — Os caciques do Xingu sempre temos propósitos comerciais, sr. NORTON. Reuni-los leva tempo...
NORTON — (contendo a irritação) — Essa Expedição inclui interesses dos povos da Floresta. — “A verdadeira natureza dessa Expedição nenhum de vocês nunca vai saber”. (NORTON rumina de si para consigo.)
YURUQUÁ — (irredutível) — Interesses da Floresta sabemos defender, senhor NORTON. Os seus interesses certamente não são os nossos.
130. INTERIOR. DIA. QUARTO DE HOTEL
(O casal de jornalistas brinda em homenagem à continuidade da Expedição. ADRIANA mostra-se sedutora. O corpo sob o jeans ginga sensual sob a atração do olhar atento de ROSSI.)
ROSSI — Chegamos até aqui. Certamente não vamos morrer na praia.
ADRIANE — Os gringos com certeza têm como resolver o impasse.
ROSSI — Grana! Índio quer grana. Índio não quer apenas apito, espelhinhos, colares de vidro. Todos sabem disso.
ADRIANE — Sem verdinhas o Portal do Xingu vai se fechar para NORTON. Algo me diz que a Casa da Moeda vai estar aberta para os caciques.
(A bunda e os gestos de ADRIANE ganham um molejo voluptuoso aos olhos seduzidos de ROSSI. De repente os seios e a cintura dela assim como os gestos e a tonalidade da voz, ficam cheios de graça. Provocantes.)
ROSSI (aproximando-se dela, acaricia os glúteos. Os dedos passeiam suaves, mas decididamente, por sobre as linhas laterais, descendo à parte posterior da fossa ilíaca, acompanhando com a ponta dos dedos o vinco entrevisto no interior da calcinha de rendinha amarela transparente.)
(ADRIANE realça os seios frente às faces excitadas de ROSSI. Ele logo mergulha a língua na greta apertadinha entre eles, concentrando-se a ponta da língua na curvatura que separa os mesmos. Estica os lábios em direção à rosácea da mama esquerda e começa a sugar de uma forma ao mesmo tempo delicada e selvagem.)
O casal mergulhado nos lençóis intensifica a malhação erótica no vai-e-vem dos quadris. A câmera afasta-se aos poucos enquanto se intensificam os gritos e sussurros da mulher sob a influência de um longo e gradativo orgasmo.
131. EXTERIOR. DIA. INTERIOR. HELICÓPTERO
YURUQUÁ — (entrando no helicóptero, enquanto conversa com NORTON) — Reuni-los, leva tempo. E dinheiro. O senhor manda buscar caciques para a reunião no Posto Leonardo. ARITANA influente. Ele vai fazer sair a permissão de entrada nas terras Kalapalo.
NORTON — (põe uma pasta de mão sobre os joelhos) — A autorização precisa sair amanhã. Os recursos dessa Expedição são limitados. Há um cronograma a cumprir.
YURUQUÁ — (confiante e persuasivo) — ARITANA lidera outros caciques. O que conseguir com ele vale para LOKAJARA e AFUKARAN, líder dos Kuicuros. Eles decidem descida pelo rio, passando pelas aldeias. Assembléia dos caciques fácil de reunir com helicóptero trazendo-os para o local da reunião.
132. INTERIOR. DIA. QUARTO DE HOTEL
(Após uma noite “quente”, o casal serve-se do café da manhã.)
ROSSI busca saber o que está por trás do interesse deles pelos subterrâneos da Serra do Roncador. ANIBAL NORTON é muito determinado para ser apenas um aventureiro em busca de emoções tropicais.
ADRIANE — Certamente seu grupo não tem a performance de malucos em busca do tesouro dos incas.
ROSSI — Diz o folclore que os sacerdotes incas mantinham contato com a tribo subterrânea dos “muito antigos”. E os 110 lhamas carregados de ouro inca sumiram, como por milagre da vista dos olheiros de Cortez. Em 12/09/63, nas encostas orientais dos Andes, a 2400 metros, foram encontrados corpos embalsamados na cidade de Gran Pajaten.
ADRIANE — As ossadas revelaram vestígios de Entidades Biológicas Extraterrenas. “EBEs”. Eu também li uma cópia do “Arquivo Jângal”.
133. INTERIOR. NOITE. RESTAURANTE DO HOTEL
HERMANN — (falando em iídiche) — Os impasses foram logo resolvidos?
VASSARI — (em iídiche) — NORTON é um negociador nato. Esses caciques, como passarinhos, vão comer alpiste na mão dele.
HERMANN — Com verdinhas, você quer dizer. Eles vão conseguir tirar mais vedinhas das mãos dele. Com grana tudo se resolve. De avião ou helicóptero, ele vai reunir os caciques. Buscar cada um em sua aldeia.
VASSARI — Toda aldeia tem uma pista de pouso bem-conservada. As tribos não permitem a entrada de ninguém no Xingu sem acompanhamento. NORTON tem sempre uma “eureca” sobrando.
HERMANN — E quatro ases “emboscados” na manga.
VASSARI — Você não quer dizer que o cara não tem caráter...
HERMANN — O que eu quero dizer é que é sempre um erro agir fora de seu próprio padrão.
VASSARI — De caráter.
HERMANN — Ou falta dele.
134. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA NA SELVA
(Numa clareira aberta na selva um Xamã dança e canta num ritual solitário.)
135. EXTERIOR. DIA SOLAR. HELICÓPTERO SOBREVOA A LAGOA DO BURITI NO ALTO XINGU. POSTO LEONARDO
(NORTON olha para baixo. Vê o grande pântano de águas cristalinas, cheias de palmeiras buritis e peixes, dos quais se destaca o tucunaré. A vegetação do fundo do lago (pântano) se revela claramente, como se não houvesse água na superfície. O calor levou alguns membros da tribo kuicuros a banharem-se nas águas.)
YURUQUA — (dirigindo-se a NORTON) — Há índios kalapalos armados com carabinas e espingardas. Eles querem pagamento igual ao pago aos kuikuros por terem entrado no Xingu.
(Enquanto o helicóptero desce YURUQUA aponta um barco próximo à margem da lagoa, onde estariam índios com revólveres calibre 38 nos coldres cheios de balas.)
YURUQUA — A situação é grave. Vai haver conflito. ARARAPAN, chefe do Posto Leonardo, comanda os índios nos barcos que fechavam as saídas ao longo do rio, enquanto outros grupos, também armados, haviam ocupado a fazenda Sayonara.
NORTON — O pessoal da Expedição vai descer de barco...
YURUQUA — Trechos dos rios Buriti, Culuene e Curisevo estão vigiados por índios bem armados. ARARAPAN quer reunir todos os caciques com NORTON no Posto Leonardo. Avião virá com caciques para resolver conflitos de interesses.
136. ENTARDECER. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU
(No Posto Leonardo NORTON olha um monomotor aproximar-se da pista de pouso.)
YURUQUA — (falando com NORTON) — ARITANA pode resolver todos esses problemas.
(O avião pousa. A porta do monomotor abre e o primeiro a sair é JACALO. Ele está nu e pintado com tintura vermelha de urucu.)
JACALO — (aflito, dirige-se ao grupo à margem do rio) — Muita confusão. Muito problema. (O índio monta numa bicicleta, e começa a pedalar muito depressa, seguido pelos demais índios CONCA, TUNICO, MURICY, BATISTA e NEYMAR.)
MURICY — Vocês não têm que pensar nada. Vamos sair daqui imediatamente. Entrar no avião. Sem mais opiniões.
NEYMAR — O contrato está desfeito. Kalapalos não de acordo com Expedição. Assembléia não mais acontecer.
(Ao chegarem ao agrupamento MUNHOZ E RENÊ vêm ao encontro deles. Após rápida troca de palavras, acenam para ARARAPAN.)
ARARAPAN — (armado e muito agitado atrai a atenção dos outros índios que começam a caminhar rápido em direção ao avião) — Estou cumprindo ordens. Vou levar todo mundo de volta.
O PILOTO do monomotor, prevendo um sequestro, começa a taxiar. Índios surgem de todos os lados e seguram as asas do avião, alguns sobem nelas, impedindo o piloto de fazer a aeronave alçar voo.
137. ENTARDECER. ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU
IURUQUÁ — (para NORTON) — Acerte as coisas com ARITANA. O convite dos kuicuros e a autorização da Funai vão manter a Assembleia valendo e resolver esse mal-entendido.
NORTON — (manipula o iPad) — IANACOLA está vindo de Brasília. A Assembleia está valendo para amanhã à noite.
IURUQUÁ — (otimista) — Para tudo tem solução. Só não para a morte. A Expedição vai descer o rio de barco. Depois de amanhã estará aqui. Em tempo de assistir ao ensaio do Kuarup na aldeia dos kuicuros.
NORTON — (para IURUQUÁ) — Autorize o PILOTO a distribuir as bagatelas e os alimentos para os nativos.
IURUQUÁ — (falando aos nativos das nações aueti, iaualapití, mehinaco e trumaí) — Barco vai vir com muitos presentes. E alimentos para todos. Vai haver fartura quando a Expedição chegar. Só mais um dia.
(A promessa de presentes parece ter acalmado a inquietação de grande parte dos índios. Assim como os contatos de NORTON com a burucracia da Funai em Brasília.)
138. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA NA SELVA
(ADRIANE E ROSSI mantêm certa distância de HERMANN E VASSARI. Eles estão num lugar onde vai haver um ritual de xamanismo. O casal de jornalistas e os homens de NORTON não conseguem se enturmar.)
ADRIANE (olhando à distância para eles) — Se tudo se resolver amanhã estaremos chegando ao Posto Leonardo pelo rio Tuatuari.
ROSSI (espreitando-os de longe) — A grana deve está atuando.
TACUMÃ (cacique kalapalo, apontando o dedo, ora em direção ao casal, ora em direção aos homens de NORTON) — Vocês não deviam ter vindo até aqui. EKEWAKA dizer não boa presença de vocês. Vocês têm que ir embora e deixar tudo que trouxeram: motor, roupas, relógios, gasolina, barco. Carro. Tudo... (ele falava em dialeto.)
KOTOK (filho de TACUMÃ chefe dos kamaiurás aproxima-se, conciliador) — Tudo vai se resolver. Ônibus sair de Brasília para Canarana com pessoal que vai apaziguar tudo. Essa Expedição tem boas intenções. Documento da Funai logo vai chegar. Presença de Expedição no Parque está consentida.
TUCUMÃ (ameaçador) — Se não deixarem todos os pertences serão despidos e surrados de borduna. (KOTOK dirigiu-se ao pai que incitava dezenas de índios à agressão. Falou com ele de modo a convencê-lo de que ganhariam muito mais se esperassem a chegada do ônibus de Brasília.)
ROSSI — Essa hostilidade só pode ser contida com muita grana rolando. A política dos índios não difere da política dos brancos de Brasília.
ADRIANE — (vendo que a pressão diminuíra) — O poder de barganha do filho do cacique parece ter funcionado. Pelo menos até amanhã.
ROSSI — (irônico) — NORTON deve estar mexendo os pauzinhos. Verdinhas, tipo Benjamin Franklin (fazendo alusão às notas de cem dólares.)
139. EXTERIOR. ENTARDECER. TRAJETO DE LANCHA ATÉ PORTO LEONARDO
(HERMANN BREED mostra uma habilidade incomum na direção de proa do barco. A paisagem, em todas as direções revela-se de uma beleza selvagem, dinâmica, impressionante.)
ADRIANE olha extasiada para o fundo das águas por sobre as quais a lancha avança. A limpidez delas permite a visualização de exemplares da flora e da fauna desse fantástico labirinto fluvial selvático e pantanoso.
Após percorrer paisagens de uma beleza inusitada, a lancha aproxima-se veloz do píer de Porto Leonardo. Atraca. Nativos aproximam-se curiosos em busca ávida de presentes.
ADRIANE (para ROSSI) — NORTON abriu a porta do cofre. E do Parque. A força do “Arquivo Jângal” de VOLTAIRE está aqui. Faz parte da Expedição.
ROSSI (gesticulando braços e mãos para os lados) — O que há de ficção e de realidade nesse texto poderemos comprovar em pouco tempo. É para isso que estamos aqui. A cidade subterrânea existe mesmo? Ou os mistérios do Xingu são apenas folclore? — Ele visualiza na parte posterior da mochila de ADRIANE a ilustração de capa do livro HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PsychCity) que se faz presente por sob a tela transparente que cobre o nicho externo da mochila.
(Ele ouve nitidamente uma voz que segreda, como se articulada somente para seus ouvidos: “Você não teria a quem dizer estar a fazer parte do grupo terminal do último casal habitante da Terra.”)
(ROSSI olha para os lados, para cima, para baixo, como se buscando o lugar de onde pudesse identificar ter vindo a estranha mensagem auditiva.)
140. EXTERIOR. DIA. TRILHAS NA SELVA
A câmera focaliza a trajetória da Expedição NORTON em seus caminhos selva Amazônica adentro. A progressão dos personagens rumo ao objetivo de achar a entrada desconhecida para a cidade subterrânea dos Anciãos lemurianos.
A ação dramática do grupo, a interioridade das personagens, é mostrada através da câmera subjetiva (CS) em contraponto com efeitos de fusão e flash-backs, que visam avivar a relação mágica das cenas que enfatizam a caminhada dos membros da Expedição através do ambiente, por vezes hostil, da selva, com o objetivo de exteriorizar suas expectativas.
As imagens mágicas da dança solitária do xamã EKEWAKA, presenciada por ADRIANE e NORTON nas proximidades do Posto Leonardo, se misturam à subjetividade excitada dos mesmos, estimulados pelo contato próximo com os ruídos, os sons, as metáforas plásticas e telúricas do vento nas árvores, rugidos das onças, o vôo das aves . A lascívia estimulante do ambiente selvagem.
141. EXTERIOR. ANOITECER. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA
As mochilas descem dos troncos. Arranjos estão sendo feitos. Rapidamente o acampamento é montado. HERMANN e VASSARI armam armadilhas em volta. Uma fogueira arde escavada sob a superfície. ADRIANE E ROSSI estão ao lado nas tendas improvisadas. NORTON espia os arredores do “camping”.
142. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA
ADRIANE TAUIL — Percebe? Há uma energia estranha permeando esse lugar.
ROSSI — Cansaço, tensão, ansiedade, devem ser a causa dessa sensação. Realmente estranha. Não se permita acalentar por ela.
ADRIANE — No hotel você falava da necrópole no sítio arqueológico em Gran Pajaten... (Ela vê um menino que lhe parece enorme entre a folhagem na mata.)
ROSSI — 32 hectares com 18 edificações decoradas com imagens de seres, animais e vegetais incomuns. A 2.400 metros. Quem conduziu todos aqueles blocos de pedras a essa altitude? Com que finalidade?
(A conversa do casal de jornalistas de quando em vez se esquiva em direção aos arredores. A atenção dirigida, subitamente, a ruídos apressados na mata em volta.)
143. EXTERIOR. NOITE. PATAS SE AGITAM EM DIREÇÃO DO ACAMPAMENTO
(A câmera capta imagens rápidas de vegetação sendo pisoteada pelo tropear de animais raivosos. Os sons ofegantes, saídos de gargantas e bocas ansiosas. Não são exatamente nem bramidos, nem uivos nem latidos, emitidos por animais raivosos que, rapidamente parecem dirigirem-se ao local onde a Expedição está acampada.)
144. EXTERIOR. NOITE. CLAREIRA. PROXIMIDADE DAS TENDAS
ROSSI — (aquietando-a) — É normal. Roedores, predadores noturnos de pequeno porte.
ADRIANE — (com certa apreensão) — Sei! Não poucos PhDs em arqueologia afirmaram a nítida presença de uma cultura de “EBEs” de “gigantes” nesses locais.
ROSSI — No sítio de Chachapoyas, a 2990 metros acima do nível do mar, foram encontradas entradas subterrâneas. Longas escadarias. Acredita-se que ninguém nunca desceu até seus últimos degraus.
ROSSI — (após deter algum tempo a narrativa, ele olha fixo, e atônito, um lugar na selva) — A escada de pedra encontrada quando se deslocou uma laje tumular. Os restos mortais confirmam a existência fóssil de seres com uma anatomia “EBE”.
ADRIANE — As lendas e o folclore do mundo antigo, desde o Gênesis, mencionam gigantes. Um adolescente nativo falou comigo da pajelança solitária do nativo EKEWAKA do Hawaí: saúda o novo nascimento do bem-aventurado menino guardião.
(Cenas em flash-back mostram o corpo do pajé EKEWAKA aos olhos de ADRIANE fundindo-se ao corpo do menino que ela visualizou na selva.)
145. EXTERIOR. NOITE. LUA CHEIA. CLAREIRA NA SELVA
(Em PG a Câmera Objetiva focaliza o acampamento aproximando-se gradativamente num longo movimento de Zomm Aproximação —Zoom-In— do casal de jornalistas. A cena passa ao espectador a impressão de que aquelas feras há pouco visualizadas, estão chegando próximas às tendas armadas pelos membros da Expedição Norton. Em “flashs” muito rápidos focalizam-se a baba pingando de suas bocas ofegantes, as enormes línguas saindo das gargantas e ouve-se uma espécie de uivo apenas contido pela velocidade de seus corpos peludos e arfantes.)
146. EXTERIOR. NOITE. FOGO CREPITANDO NA CLAREIRA, PRÓXIMO ÀS TENDAS
ROSSI — A insânia dos colonizadores católicos europeus destruiu os registros gravados em tábuas de barro, das gravações em pedra dos Anciões das culturas de Tiahauanaco nos Andes, os registros incas de Machu Picchu, Cusco, dos megalitos no México, das necrópoles nas Américas.
ROSSI — Os túneis na África, as 32 cavernas de Ajanta na India, dez séculos antes do nascimento de Miguelângelo e Leonardo da Vince, os artistas plásticos “Anciãos” já reproduziam os efeitos plásticos, o realismo das pinturas, a expressão emotiva, os sentimentos impressos nos rostos, a ingenuidade, o erotismo, a expressividade plástica característica dos pintores renascentistas: a perspectiva, a profundidade de campo.
ADRIANE — (afirmativa) — Os grandes arquitetos gregos e romanos, construtores de templos na idade média, todos aprenderam com a arquitetura dessas cavernas com tetos abobadados, afrescos e esculturas nas paredes. Algumas delas remontam séculos antes de Cristo. As Viharas, ou monastérios, construídos a. C., esculpidos na rocha de Ajanta, tinham em seus quartos, camas com almofadas talhadas na pedra nas quais os monges Anciãos descansavam suas cabeças...
ROSSI — Basta acessar o Google, digitar os nomes do doutor Thomas Lennon e de sua assessora Jane Wheele, arqueólogos a serviço da Universidade do Colorado...
147. EXTERIOR. NOITE. APROXIMAÇÃO DAS FERAS
(Os ruídos ao redor voltam outra vez a ser ouvidos. Desta vez com maior intensidade.)
ROSSI — (olhando interrogativo em direção aos ruídos que se aproximam ainda distantes) — No Arquivo Jângal os “Anciões” lemurianos são portadores de uma anatomia diferente da humana. Suas cidades subterrâneas seriam iluminadas por fótons à base de oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono e argônio.
(Os membros da Expedição ficam tensos e atentos devida a aproximação do tropear estrepitoso das patas nos galhos secos, assim como dos sons guturais arfantes e agressivos.)
ROSSI — Eles habitariam a Terra desde tempos imemoriais. São telepatas e se comunicam via emissão de respostas extra-sensoriais, com animais racionais e irracionais. Premonição, clarividência e empatia fazem parte da ambientação cognitiva. Usam sons sibilantes em lugar de palavras...
148. EXTERIOR. NOITE. AS FERAS INVADEM O ACAMPAMENTO
(VASSARI E NORTON empunham fuzis de assalto israelense Tavor-21.
HERMANN — (olha, alisa o fuzil e comenta) — Lentes de aproximação, visor noturno e designador laser.
(A câmera focaliza as cabeças das feras se aproximando do acampamento. Novas cenas mostram os caninos lupinos. O olhar de aço e o pelo fino, evocam imediatamente antigas memórias aos membros da Expedição.)
Rajadas de metralhadoras se fazem ouvir. Atingem a terra próxima à frente de algumas feras da alcatéia. ADRIANE E ROSSI estendem-se no chão protegendo-se dos disparos.
VASSARI mira uma pistola PT 809 calibre 9 mm apoiada numa das mãos. As mãos são atingidas pela investida selvagem de caninos que ferem seus pulsos devido ao impacto dos sucessivos botes das feras. A arma cai e ele tenta recuperá-la, desistindo de fazê-lo, acuado pela ameaça das gengivas salivantes das quais sobressaem-se os dentes mostrando uma ferocidade inusitada.
(As patas pisoteando as armas e a terra em volta. Outras feras não permitem que a automática e os fuzis sejam recuperados. Apesar da leveza dos fuzis calibre 5,56 de 3,5 kg e da cadência de 900 disparos por minuto, nenhuma das três feras humanas resiste ao cerco dos lobos com dorsos de felinos e seus caninos assassinos que os impede de recuperá-las.)
149. EXTERIOR. NOITE. NA SELVA DO ACAMPAMENTO
(A “hybris” da irracionalidade dita humana do grupo de NORTON, rendeu-se à “hybris” de uma irracionalidade animal típica de predadores pré-históricos de temível e irresistível inteligência selvática. A alcatéia invadiu o acampamento não para lutar e morrer, mas para lutar e matar. Se preciso fosse.)
As feras pareciam saber do potencial mortífero, da paixão pelo aniquilamento do inimigo que dominava suas presas humanas, armadas pela tecnologia mortífera mais moderna. O antagonismo conflituoso do combate foi rápido e decisivo. As feras invasoras venceram. Contra todo presságio das táticas de combate do animal humano. Bravio e cruel.
150. EXTERIOR. NOITE. NA TERRA DEVASTADA DO ACAMPAMENTO
A câmera focaliza os gestos saltitantes dos cães-lobos. Eles levantam as patas dianteiras. ao torná-las ao chão, recuam, ao mesmo tempo que, ameaçadores, lançam-se em frente, indicando que devem ser seguidos. A lua em plenilúnio ajuda a visualização das trilhas mal discernidas da Amazônia.
NORTON — Eles querem que os sigamos. Vamos! — VASSARI parece querer ficar na retaguarda mas é lançado violentamente para frente por um lobo que se lança ferozmente contra suas costas. Ele cai e levanta. Ao levantar é novamente atacado e lançado outra vez para a frente.
Todos parecem, súbito, compreender a intenção da matilha. Ninguém se faz de rogado. Os membros da Expedição NORTON correm, cercados pelos rosnados dos animais da família “canidae”. Não sabem ao certo para onde estão indo. Mas têm de seguir a alcatéia.
ROSSI (em “flash-back” memoriza cenas de um acontecimento muito passado. Quando um grupo de migrantes hominídeos, sobreviventes da Era do Gelo, está sendo acossado por um grupo de lobos cinzentos. Os mais fracos do grupo arrastam-se no final da fila indiana dos que fogem do inverno rigoroso em busca de abrigo nas cavernas da savana africana.
Há muito tempo comem apenas gramíneas e raízes de raros arbustos. Ao cair, uma mulher grávida fica para trás e os animais simplesmente estraçalham seu ventre e devoram dois embriões (gêmeos) que estavam prestes a nascer. A mulher lembra remotamente Adriane.
151. EXTERIOR. NOITE. PLANILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA
(A câmera focaliza os troncos arfantes, a respiração apressada, os rostos afogueados, as caras surpresas dos membros da Expedição.
Eles se olham. As órbitas dilatadas. As bocas entreabertas. VASSARI, o tronco curvado, apóia as mãos sobre os joelhos. ROSSI, de cócoras, ofegando, a boca aberta, o tronco pulsando rápido. TAUIL deitada na grama, os braços estirados para os lados, os olhos esbugalhados, tenta fazer a respiração voltar ao normal. NORTON arqueja apoiando a mão direita numa rocha. E HERMANN, recuperando-se, apalpa o corpo em busca de uma arma.)
152. EXTERIOR. NOITE. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA
HERMANN — (olhando interrogativo para NORTON E VASSARI) — Nada mal manter o dedo na pinguela.
NORTON — (persuasivo) — Relaxa. Nesse lugar, se quisessem nos atingir, não teríamos a mínima possibilidade de defesa.
ROSSI (chegando-se à ADRIANE) — Você está bem? — Ela estende a mão (ainda deitada) pegando a mão dele, sorrir meio forçado, como se dizendo que sim.
NORTON — (checando o receptor de GPS) — As indicações não confirmam ser este o lugar.
ROSSI — (fala com convicção) — Nesse lugar nada vai checar com indicações via satélite. Parece que estamos num campo magnético intenso.
NORTON, VASSARI E HERMANN afastam-se. Parecem estar se desentendendo. Em iídiche.
153. EXTERIOR. NOITE. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA
Todos parecem assuntar uma sonoridade longa, característica de uma flauta andina. Primeiro uma nota grave. Intensa. Logo depois, uma nota aguda. Ambas veementes. Impetuosas.
Eles buscam na rocha o lugar de onde provém a longa sonoridade. Entre a vegetação rugosa, encoberta por plantas silvestres, há uma reentrância para dentro da rocha, onde HERMANN vê uma fissura horizontal. Parece uma entrada, escondida a seis metros acima do lugar onde chegaram após a corrida com os lobos.
Os esforços se concentram no sentido de nela penetrarem. O que conseguem fazer. Não sem algum malabarismo. Desde que têm de escalar até o lugar íngreme até a fissura na pedra.
154. INTERIOR. FISSURA NA ROCHA. TÚNEL
Após algum tempo, agastados, eles avançam túnel adentro.
NORTON — (capitaneando o grupo) — O foco da lanterna apagou. Apesar da bateria ser nova.
VASSARI — (bate a lanterna no pulso) — Não é problema de bateria. É influência do lugar.
ADRIANE TAUIL — (irônica) — Felizmente resolvi meu problema com claustrofobia.
ROSSI (olhando para ela) — Vai saber, é a toca daquela serpente em que tropeçamos.
ROSSI — (fazendo uma careta) — Esse odor de enxofre... Talvez seja uma entrada para o inferno. (Sorrisos)
155. INTERIOR. TÚNEL. MADRUGADA?
HERMANN — (afirmativo) — Quem precisa de lanterna? Esse túnel é fosforescente.
(Em poucos segundos todos se deram conta da luminosidade tênue e azulada.)
(E continuaram a "escalada" rumo ao "target" desconhecido. De repente a montanha de pedra treme. O ruído de uma longa trovoada promove a sensação de que as paredes do túnel vão desabar sobre eles. Soterrando-os. Todos têm a impressão de que uma grande pedra, pesada e redonda, está rolando em direção deles.)
156. INTERIOR. TÚNEL. MADRUGADA?
Felizmente o ruído de trovão da pedra rolante passa ao largo, talvez em outro túnel paralelo e acima deles.
NORTON — (olha o relógio no pulso).
ROSSI — (logo atrás dele) — Estão parados há horas.
O túnel desemboca numa caverna de teto alto onde se veem estalactites. Eles descem alguns degraus.
Chegam a uma plataforma. Após alguns momentos à outra plataforma. E logo depois a outra maior.
(Contemplam então a paisagem de um platô a meia centena de metros abaixo.)
157. INTERIOR. DIA. PLATAFORMA. BORDA DO PLATÔ
O lugar todo exala uma luminosidade sutil e anilada. No platô se destaca uma árvore baobá com 25 metros de altura. E um tronco de aproximadamente 10 a 11 metros de diâmetro. Uma sensação inusitada e estimulante toma conta do sistema nervoso central dos expedicionários.
ROSSI — (estupefato) — Esse planalto é francamente encantado, surreal. Um lugar de sonho.
TAUIL — (atônita) — Como planalto? Esse platô está lá embaixo!?
ROSSI — (admirado) — Nesse lugar todos os caminhos se bifurcam e se encontram. Como no conto de Borges!
TAUIL — (fascinada) — É surreal! Baobás são nativas da ilha Madagascar. Como essa veio parar aqui? Na selva Amazônica?
ROSSI — (assertivo) — Amazônia? Esse lugar está fora do tempo e do espaço como o conhecemos. Fascinante.
TAUIL — (beliscando um dos braços) — Excessivamente sedutor. Como vamos chegar lá embaixo?
158. INTERIOR. DIA. PLATAFORMA DO PLATÔ
NORTON — (contido e ansioso) — O lugar é primitivo e ao mesmo tempo high-tech.
ROSSI — (advertindo) — Não há caminho de volta. Como sair desse lugar?
(Os olhares convergem para o ambiente de onde há pouco saíram. Dezenas de cavernas mostram-se acima e em volta deles.
A passagem pela qual vieram, se confunde com outras.)
159. INTERIOR. DIA? PLATAFORMA DO PLATÔ
(NORTON HERMANN E VASSARI conversam. As legendas em iídiche traduzem as falas.)
NORTON — (admirado e afirmativo) — Este é o lugar. Aquela árvore conduz a Amrita. Ou Amrit, o elixir da vida Sing na língua Punjab: a coragem os poderes do leão. Numa vida saudável e longa.
VASSARI — (surpreso) — Mas é apenas um baobás. Vi um em Recife, na praça da República.
NORTON — (tentando parecer didático) — A fruta, mukua, é rica em vitaminas e sais minerais. Não é por isso que se associa à vida longa... ( pensativo)... Muito longa. Depois de curtir a pele da serpente Anfisbena Licranço, a água do tronco do baobás, fica permeada de uma substância sutil e quase que imperceptível, bolhas parecidas com vitórias-régias (olhando com ares de cumplicidade para VASSARI...)
VASSARI — (encurtando a conversa) — Duas cabeças peçonhentas, os dois mini-chifres da serpente adâmica. Origem do povo Rama dos naacales. A lenda de Deccan, capital de Rama há 7000 anos a. Cristo.
NORTON — (concluindo) — "Vida longa para seus habitantes". Os anciões centenários desde as mais antigas lendas.
(A conversa continua em iídiche.)
HERMANN — (deslizando os dedos numa inscrição de pedra) — Hábito fossorial, nunca cansa de escavar. O dialeto naacal conduz à capital lemuriana. "Ser saudável por mais tempo: o trabalho ferve" (as pontas dos dedos de HERMANN perpassam o final da inscrição.)
160. INTERIOR. TARDE? PLATAFORMA DO PLATÔ
(Após identificadas reentrâncias e saliências no paredão da rocha que conduzem até o platô, a Expedição começa a audaciosa descida.)
NORTON — (iniciando a descida) — Talvez os orifícios contenham animais peçonhentos. — (Olhando para ADRIANE TAUIL ) — Não olhe para baixo. Concentra a atenção nas mãos e nos movimentos.
ROSSI — (intimamente convicto) — O “Arquivo Jângal” começa a fazer muito sentido!
(Começam a travessia. A câmera focaliza a muralha na vertical. O foco vai aos poucos mostrando a beleza da paisagem surreal lá embaixo. Há uns 60 metros. Lá embaixo. Como se fosse a entrada de algum Paraíso Perdido.)
161. INTERIOR DA ROCHA. NOITE? ESCALADA DESCENDENTE NO PLANO VERTICAL DO PENHASCO
HERMANN — (advertindo) — Nos orifícios há crias de escorpiões amarelos. Eles são venenosos.
ADRIANE — (intranqüila, dirige-se a ROSSI) — Esse lugar parece cheio de surpresas!
ROSSI — (impositivo) — Fique tranqüila. Se for picada, há antídotos. — (Olhando de soslaio ele pára e estica o braço em direção a um exemplar de escorpião amarelo conhecido por “tityus strandi”, gênero serrulatus). Lentamente aproxima a mão esquerda, enluvada, do bicho. Hábil e rapidamente o suspende, pegando-o abaixo da ponta do ferrão venenoso. Após pressionar o polegar e o indicador, ele olha o pedaço da calda do lacrau que ficou na mão.
ADRIANE permanece apreensiva, contendo o impulso de olhar para baixo. (Em um momento de desatenção ela se desprende e parece cair, enquanto estende um braço em direção a ROSSI, tentando segurá-lo e evitar a iminente queda.)
(Dos orifícios da rocha projetam-se sobre os membros da Expedição, escorpiões e aranhas. Eles olham seus corpos desprenderem-se dos pontos de apoio. Os membros desabam no vácuo, em direção a profundidade do platô. Sentem-se sugados por um túnel, como se tecido de teia de aranhas.)
162. INTERIOR DA ROCHA. NOITE?
Os membros da Expedição Norton caem em câmera lenta, como se sustentados por uma força magnética imponderável, em direção ao solo do platô.
163. AMBULÂNCIA. ENTRADA DE HOSPITAL. ENTARDECER. MORGUE
(Dezenas de corpos saem de ambulâncias. Alguns envolvidos em sacos fechados. Pessoas se acumulam em frente a vários hospitais.)
164. INTERIOR. NOITE? ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ
(Sobre as mesas a três centímetros do chão, no grande palco do platô, encontram-se inanimados os corpos dos Expedicionários. Estão plenamente despertos na dimensão paralela do sonar PSI. O aspecto exterior indica um estado comatoso induzido por uma memória anciã no universo hostil dos sentimentos paleolíticos.)
(A águia da memória de cada personagem Expedicionário voa célere em direção às vivências da ansiedade anciã. Uma mulher foge de caçadores rapineiros kadanuumuu. Seres de aparência primitiva, demoníaca. Ao mesmo tempo, são predadores de uma consistência física de atletas da mais antiga antiguidade que se conhece: a da força bruta das mutações de hominídeos influenciadas pelo DNA lemuriano. A mulher, apesar dos trajes de época e da aparência brutalizada, de alguma forma se parece com ADRIANE. Assim como os chefes dos rapineiros cadanuumuu lembra remotamente as feições de ROSSI.)
165. INTERIOR. NOITE? ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ
(Os delírios e imagens PSI provocadas, talvez pela intervenção do monge, após a massagem na glândula pituitária dos membros da Expedição NORTON, provocam visões de grande intensidade emocional anciã, entrecortadas, por vezes, com imagens da atualidade. Há a presença do Memorial de traumas convividos coletivamente há milênios. Tal como narrado por textos traduzidos do naacal, contidos em capítulos do “Arquivo Jângal”, que aconteceria com intrusos em território lemuriano.)
(Através do nariz de cada um deles uma espécie de secreção gelatinosa, misturada com gotas de sangue, observa-se escorrer de maneira abundante. Principalmente em NORTON, VASSARI E HERMANN.
De qualquer modo, todos parecem envolvidos em acontecimentos imemoriais: Membros da tribo cadanuumuu carregam prisioneiros —ou o que restou deles— pendurados em cangas. (Uma menina de 11 anos, carregada numa espécie de cesto primitivo, à mostra uma das faces com uma enorme ferida de mordida.)
(A face mortificada porque a garota está com os olhos largamente abertos, numa atitude justificável de pânico. Ela leva as mãos ao rosto lesionado. Mostrado através do olhar, dos cabelos amarfachados, do que restou dos lábios entreabertos, um desespero autoconformado.)
166. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA MIGRA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS
TAUIL TOGLODITA — (aproximando-se da prisioneira pendurada num galho de árvore) — Grrruunhhhhingrun. — Começa a perscrutar as feições aflitas, deformadas e conformadas da mulher à qual membros de sua tribo haviam arrancado pedaços do corpo para comer.
TAUIL TOGLODITA — (confusa e interrogativa) — Grunhindo ela estende a mão em direção a face espancada da outra. Apalpa nas pontas dos dedos partes de seu corpo lesionado. Faz gestos bruscos. Move-se aos pulos ao redor do corpo tungado. Sempre olhando cada vez mais interrogativamente a outra, aproxima-se dela movendo o pescoço em gesto indagativo para os lados, como se descobrindo uma certa empatia com ela. A Outra.
167. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS
(TAUIL TOGLODITA ao aproximar-se da mulher vitimada pelo canibalismo de sua tribo, consegue uma experiência, talvez a primeira da espécie, de cumplicidade emocional entre elas. É como se surpreendesse a dor que a outra está sentindo em sua agonia por ter tido partes dos membros arrancados e devorados. Ao aproximar os dedos da mão destra do rosto dela, esta, que TAUIL julgava talvez morta, ainda consegue forças para, num gesto súbito, morder seu dedo cata-piolhos. Tirando-lhe um naco.)
(TAUIL berra, e puxa os dedos da mão para si, encostando-os abruptamente à altura do coração, enquanto olha a mulher semi-devorada encarar seu rosto pela última vez, enquanto a cabeça tomba para baixo. A câmera afastando-se do rosto em PP, mostra-lhe os braços amarrados em cruz no galho baixo da árvore. A câmera afastada fixa-se em PG.
ROSSI TOGLODITA após aproximar-se dela ameaça bater na prisioneira com um pedaço de galho em mão. TAUIL pegando-lhe o braço grunhe ameaçadoramente em direção ao rosto dele.)
168. EXTERIOR. NOITE. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS
(ROSSI TOGLODITA abarca com a manopla esquerda o rosto da mulher. Lançada à distância TAUIL TOGLÔ cai e desmaia após bater a cabeça no tronco de uma árvore.
ROSSI TOGLODITA urra, grunhe e à maneira dos lobos, levanta o pescoço em direção ao alto. (Lança com força e ódio incomuns o grande pedaço de madeira que conservara na mão destra, em direção a um monólito negro que paira a alguns metros sobre sua figura selvagem a urrar furiosamente na direção do mesmo.)
169. EXTERIOR. NOITE DE LUAR. AMAZÔNIA. INTERIOR DE BARCOS
(Soldados e oficiais nazis olham fixo um ponto que lhes parece distante. Um ponto de fixação dentro deles, de sua estrutura PSI. Em verdade parecem não estar vendo nada do que acontece no mundo exterior. Eles ignoram a beleza resplandecente das águas luzidias, límpidas, esverdeadas do lugar por onde singram velozmente os barcos.
Os barcos chegam a um píer em lugar afastado da selva. Os militares todos ostentam no braço uma tarja preta com uma cruz gamada desenhada em negro. Entram em formação num avião Boeing XB15, fabricação americana de 1937, usado pelos nazis para disfarçar sua atuação em espaços aéreos Aliados.)
170. INTERIOR. NOITE? SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL
(Oficiais SS filmam a encenação dos soldados que voltaram da cidade subterrânea dos lemurianos na Amazônia. Através de um painel transparente, cientistas nazis vêem as instruções através da montagem das miniaturas dos protótipos de foguetes, aeronaves, armamentos, carros refrigerados a ar, mísseis e aeronaves. Von Braun prestou particular atenção quando da exposição de montagem do projeto bélico denominado Exterminador Orbital. Que os americanos denominaram posteriormente de “Guerra nas Estrelas”.)
171. INTERIOR. NOITE. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL
(Oficiais da Gestapo supervisionam as equipes de cientistas sob o comando de Wernher Von Braun no interior do perímetro de uma base de fabricação de mísseis da marinha alemã.
As legendas eletrônicas do filme “full-time” da TV-Ghost, focaliza os bombardeios da cidade de Londres pelos mísseis alemães entre 7 de setembro de 1940 e o dia 10 de maio de 1941. (O “ghost-movie” do dia mostra Londres parcialmente destruída. E os milhares de mortos, de um total de 600 mil, nas ruas das principais capitais européias, e outros milhares de desabrigados e feridos.)
172. EXTERIOR. DIA. EXPLOSÕES ATÔMICAS NAS CIDADES DE NAGASAKI E HIROSHIMA. II GUERRA MUNDIAL. JAPÃO: 6 E 9 DE AGOSTO DE 1945
(As câmeras mostram cenas chocantes de conflitos nos cinco continentes (América, Ásia, África, Europa, Oceania e Antártica) pós-II Grande Guerra até a queda das Torres Gêmeas.
Os locutores dos jornais nacionais dos canais de TV, amalgamando-se com a imagem especular uns dos outros, em dezenas de países do planeta globalizado pela notícia e pelo entretenimento via Internet e TV, fundem-se numa imagem PSI, projetada de dentro do cristal mental, hipófise coletiva/cristal lemuriano, recriando via interface especular, as personagens de si mesmos, membros da Expedição Norton, captadas pela superfície especular do laser em retransmissão direta para os canais da TV-Ghost em todas as localidades do planeta.)
173. EXTERIOR. DIA. CÂMERA INVADE E DEVASSA O INTERIOR DE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO DA II GUERRA MUNDIAL
(Embaixo dos chuveiros nos banheiros coletivos de Birkenau, milhares de pessoas extremamente angustiadas, magras, desesperadas, pânicas, medrosas, conformadas, olham esperançosas para os canos que deveriam ser de água e deles sai gotículas venenosas de gás-mostarda. A atuação é gradativa (cegueira, abertura dos poros da pele, rompimento das veias e artérias nos vasos sanguíneos.
Os soldados da SS filmam de perto (usam máscaras protetoras) dezenas de pessoas da etnia judaica nas mais impressionantes expressões de sofrimento extremo e desespero contido. Bolhas vesiculares deformam as faces de pessoas que vêem outras entregues às queimaduras químicas e debilitantes. Os corpos resistem ao estertor das mais variadas formas de agonia.)
(Cenas macabras de milhares de cadáveres esqueléticos sendo jogados por soldados SS em covas coletivas. A “TV-Ghost” exerce comando, comunicação e controle em todas as salas de jantar globalizadas pelos noticiários de TV e pelos vídeos da Internet. Na hora “sagrada” dos jornais TVvisivos os filmes da “TV-Virtual” costumam coincidir com enredos nos quais estão inseridas imagens desses jornais.)
174. INTERIOR DE QUARTOS E SALAS DA GRANDE SÂO PAULO E DA GRANDE MAÇÃ. INTERIOR DE LARES EM TÓQUIO, LONDRES, CHINA, TIBET, PARIS, ROMA, VATICANO, RIO DE JANEIRO, SALVADOR, LOS ANGELES, E EM CAPITAIS DE PAÍSES ÁRABES, NAS AMÉRICAS, ASIÁTICOS E NA ANTÁRTIDA
(A câmera focaliza ambientes intimistas nos quais há a presença de representantes da grande maioria dos espectadores de TV sentados no sofá da sala de jantar. Os mais jovens plugam-se, a seus sistemas nervosos, na interface dos games que, simultaneamente às imagens dos documentários jornalísticos da “TV-Full-Time”, permitem aos TVespectadores viver, coletivamente, sentimentos semelhantes aos dos personagens de filmes, novelas, documentários e noticiários de guerras.
Os ferimentos e dores terminais das personagens reais podem ser transmitidos às pessoas com o sistema nervoso central plugado, via moldem sensorial, nos aparelhos de TV sintonizados na central globalizada da “TV-Holy-Ghost” também conhecida por “planeta informatizado”. Emocionalmente.)
175. INTERIOR. (DIA? NOITE?). “SUBWAY” LEMURIANO NA AMAZÔNIA. PLANALTO DO PLATÔ
Os membros da Expedição começam a despertar para uma realidade inusitada. Estão envolvidos nela de forma intrínseca. Cada um deles agora está consciente de sua intimidade com os objetivos coletivos da civilização alienígena da qual fazem parte. ROSSI aproxima-se dos outros membros da Expedição.
— Há um túnel que parece ser uma passagem para outro nível de realidade. Talvez uma espécie de Portal. Pode ser apenas uma impressão equivocada. Vocês gostariam de ver? NORTON responde por todos:
— Mostre-nos o caminho.
176. INTERIOR. (DIA? NOITE?) TÚNEL VERTICAL CILÍNDRICO. MOSTEIRO NO INTERIOR DA SERRA DO RONCADOR
ADRIANE TAUIL e ROSSI dirigem o olhar em direção à plataforma superior do túnel onde vêem a parte superior de um capuz de monge desaparecer por trás de uma minúscula guarita. No topo, de uma altura aproximada de trinta metros.
Os outros três membros da Expedição, apesar de treinados para a percepção de toda espécie de eventos, não perceberam este. As paredes do túnel agora parecem irradiadas por uma luminosidade sutil, metálica, aquosa, através da qual aparecem crianças vestidas com uma roupagem que parece ser uma extensão da própria pele.
177. INTERIOR (DIA? NOITE?). NO INTERIOR DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
ADRIANE TAUIL — (olhando para ROSSI enquanto suas formas humanas parecem se dissipar) — O desafio está em sentir-se estimulado a aceitar o desafio de atingir novos estados evolutivos. Não a busca de equilíbrio...
ROSSI — (sua imagem a perder a forma física e térmica) — (as palavras saem distorcidas) — “Um novo equilíbrio”.
178. INTERIOR (DIA? NOITE?). NO INTERIOR DA GARGANTA NO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
CRIANÇAS com trajes supostamente espaciais materializam-se em redor deles. Os Expedicionários não sabem ao certo se foram conduzidos a um local outro, ou se as CRIANÇAS simplesmente apareceram do nada ao redor deles.
NORTON — (após alguns momentos de certa perplexidade) — Tudo bem, CRIANÇAS viemos do mundo externo, que vocês querem?
CRIANÇA — (qual delas?) — Shususuusussssiisssisihshi. — Um zunido precede as respostas que se fazem traduzir no interior da mente deles: “Tudo bem adultos, estamos aqui! Que podemos fazer por vocês?”.
VASSARI — (voz tentando parecer amigável, mas soa insolente e provocativa) — Até agora vocês eram mito... (ele fala em iídiche) — Estamos aqui para conhecer o mundo de vocês.
179. INTERIOR (DIA? NOITE?). INTERIOR DA GARGANTA NO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
(A tênue névoa fosforescente dissipa-se do ambiente interno do tubo. As CRIANÇAS e os membros da Expedição vêem-se nitidamente.)
— Grhrhrhiiissihummmsjh. — A sonoridade fricativa ecoa no interior das mentes dos expedicionários. — Imediatamente a esse timbre sonoro surge na mente deles a pergunta: “As armas, por que as armas?
— Corrupção, mentira, agressão, domínio pela força bruta, perversidade, covardia, ação pelo terror. Esses são os traços característicos de sua raça. Os motivos alegados são sempre nobres, salvar as almas, trazer a religião aos silvícolas. A colonização de vocês aumenta a quantidade de escravos, de doenças, de violência e medo. Termina sempre com a riqueza e o poder da sociedade concentrados em mãos de poucos. Este princípio de ordenação social tem por efeito sadismo e perversidade inomináveis.
— As armas são apenas para defesa, apela VASSARI, sem muita convicção.
— Krhrhhriirisisinnannansh! — “A tecnologia de defesa de vocês construiu artefatos destrutivos de fissão e fusão atômicas. A linguagem falada de vocês é sempre um desvio em direção à mentira. Tudo e todas as demais iniqüidades, mais numerosas que seus fios de cabelos vem daí.
— Desculpem-nos. Invadimos sua morada. Somos um povo inquieto. Interessado pelo inusitado. Cedemos ao impulso pelo conhecimento do novo, da aventura. Vivemos tencionados pelas solicitações de sobrevivência de nossas cidades. — Por detrás das palavras de Norton há uma vontade de camuflar a intenção sub-reptícia de hostilidade.
— Zhauuunnsnsnshissizhins! ““Você! Nefasto! Todo pensamento seu está sempre contaminado pela agressão e a mentira. Seu Deus lhe ensinou isso? Você age como se Ele tivesse de se subordinar à sua cultura. E não vice-versa. Acredita que a Terra será dominada por um povo escolhido? Seus profetas neolíticos diziam, traduzindo seu Deus: “Minha casa é a casa de oração de todos os povos”.
— Suas orações deveriam ser os mantras de todos os povos. Não sua hostilidade, vontade de domínio. Seu medo atávico, suas culpas remotas, sua ganância insaciável. Globalizaram tudo que é ordinário. Mas não suas orações. Vocês estão desservidos de espiritualidade. Secos, satanizados. E como não foram capazes de se humanizar, vão criar a “New World (Dis)Order” para gerir essa dominação.
180. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
(As respostas vão se traduzindo simultaneamente à sonoridade dos zunidos fricativos.)
HERMANN — Por que querem respostas. Por que sugerem respostas, se parecem saber tudo sobre nós? — Mais que irritado ele mostra-se irrequieto. Perturbado.
ROSSI (dirigindo-se a HERMANN) — Pegue leve. Você não está em condições de fazer ameaças.
ADRIANE TAUIL — Partes da espécie humana atual, deseja fazer-se prevalecer sobre outros grupos populacionais pela força de arsenais bélicos. Os mais armados dominam as culturas com menos recursos em armamentos tecnológicos.
— Grupos sociais se impõem aos demais pela força. Os mais necessitados são forçados à aceitação das regras sociais impostas pelas minorias dos que detêm poder político. E econômico. Os desprotegidos, os faltos de recursos, estão sujeitos ao comando, à comunicação e ao controle de seus poderes. É assim que funcionam as geopolíticas.
ROSSI — A essa dominação da sociedade chamam de democracia.
— Zhauuthrissunnsnsnshissizhinkys! “Espiritualidade é simples. Não teme a peste que anda na escuridão de intenções, nem os que caem à direita e à esquerda. Somente com teus olhos verás, sem desprezo, a trágica recompensa dos ímpios.”
— Kryssshissgurrthreilhasahinsthihaj! “Praga alguma chegará às suas tendas. Pisarás o leão e a áspide. Eu os livrarei da angústia. Da derrota, da aniquilação anímica coletiva. Desde que estão inaptos a visualizar a trilha da salvação. De seu gênero.”
181. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
(Os expedicionários ficam, por momentos, extasiados. Como se tivesse caído a ficha do acontecimento estranho no qual estão imersos.)
— Xhiiishnisisiisisizonnsnsnsnt. “Sua cultura é produto de fixações. O rebanho humano semelhante a um rebanho de bisões galopando numa direção, sem que saibam para onde estão se dirigindo. Estão sempre fugindo de algo e o destino pode ser lançarem-se no abismo.”
— Nossa civilização precisa de mais tempo para começar a agir com racionalidade. Nossa escrita data de apenas 4000 anos. Os primeiros registros da ciência e da tecnologia datam de quatro a cinco séculos. E todos foram motivados pela posse e pela guerra. — Adriana busca legitimar a história sapiens.
Yhshshisiisiidiunsnsnnsiisusnsn. “Vocês não descobriram que não haverá futuro para uma cultura sem ética. Se são produtos de uma mesma raça, não há como privilegiar alguns e jogar no lixo de sua história outros. Se não consideram salvar a todos não haverá salvação para nenhum. Querem ganhar o espaço cósmico quando as geopolíticas de seu planeta sobrevivem de ações predatórias. Sua cosmopolítica seria uma extensão desse caos cultural.”
— É o melhor que podemos realizar. — A voz de Rossi soa como uma desculpa esfarrapada. — Não sabemos como fazer acontecer as coisas da cultura de outro modo.
— Lhisisihenenhhhsygwiwhshnsi. Não há transcendência nem liberdade em seu futuro enquanto espécie. A forma de progresso de sua cultura põe em risco essa parte do cosmo. Sua liberdade aparente aponta para o controle sistêmico de uma raça de escravos anímicos. Seus corações, suas mentes, suas almas estão aprisionadas pela atração eletromagnética de seu inconsciente coletivo. Tudo o que podem conseguir é ser cada vez mais e mais escravos do controle orbital luciferino.”
182. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
(ADRIANE TAUIL e ROSSI notam que HERMANN, VASSARI e NORTON estão a sangrar pelos olhos, nariz e ouvidos. Ao ver a estranha ocorrência a jornalista pergunta):
— Por que está acontecendo com eles? Não estamos sob as mesmas influências?
(Desta vez não há sons fricativos. Eles simplesmente ouvem a mensagem):
— “Eles vieram em missão militar ultra-secreta. Vocês seriam sacrificados em prol de uma estratégia de divulgação globalizada da Expedição Norton. Um artefato nuclear estaria aqui em duas horas e meia após NORTON comunicar as coordenadas de acesso a este lugar. Um comando militar traiçoeiramente denominado “A Última Pá De Cal Sobre O III Reich” faria a detonação de um potente artefato nuclear. Seus corpos estariam a poucos metros da explosão.”
— Mas por quê? Com qual finalidade? Pergunta ROSSI.
— “Promover contaminação ambiental por radiação induzida. Tirar os nativos de suas reservas ecológicas alegando que em conjuntos habitacionais construídos nas periferias de cidades vizinhas estariam seguros e protegidos da contaminação radioativa.”
— “Os locais ricos em minérios estariam posteriormente liberados para a exploração de companhias extrativistas de minérios. Haveria a ocupação da Amazônia por um Comitê de Defesa do Ecossistema administrado por uma comissão de preservação do meio ambiente, gerida pela ONU.”
183. INTERIOR (DIA? NOITE?). NA GARGANTA DO TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS
(As CRIANÇAS vão desaparecendo aos poucos como se estivessem sendo teletransportadas para outro lugar. As duas que ficam, pegam TAUIL e ROSSI pelas mãos e os conduzem a um nicho no qual estão quatro assentos.)
O casal de jornalistas lembra que NORTON, VASSARI e HERMANN ficaram para trás. E logo surge a mensagem em suas mentes:
— Estejam tranquilos. Vocês terão notícias deles.
(Após estar confortáveis nos assentos eles ouvem uma sonoridade grave lenta e intensa, como se fosse o sibilar de uma lendária e formidável anaconda.)
184. EXTERIOR. DIA. QUARTO DE HOTEL. CIDADE DE BARRA DO GARÇAS
TAUIL — (abrindo os olhos numa expressão de horror, grita, assustando os idosos em sua volta.) — Nãaãaããooooaaaoãao! NananaÃooooAãaooooo. A sonoridade de seu berro traduz um terror atroz: NÃOÃOÃOAOÃOAOÃOÃAOÃAOAAÃOÃAOÃAO!
(O grito ecoa e reverbera. A câmera focaliza do alto a paisagem panorâmica, tendo por epicentro o lugar onde está o antigo hotel.)
1ª IDOSA (tentando acalmá-la) — Calma, querida, você agora está bem. Só precisa se acalmar.
TAUIL — (a sensação de uma solidão impetuosa afirma-se em sua percepção. Sentando-se na cama ela põe as mãos dos lados da cabeça) — Aconteceu. Aconteceu mesmo. Como essa coisa pôde acontecer? — (olhando para as mulheres ao redor, ela exclama) — Não há mais juventude na Terra. Há apenas idosos, não é?
2ª IDOSA — Não é bem assim, minha filha, agora temos vocês (risos).
185. EXTERIOR. DIA. TERRAÇO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS
ROSSI (não consegue explicar a si mesmo por que está tão amedrontado. Ele vê TAUIL chegar até ele e abraçá-lo. Sob as vistas de idosos, de ambos os sexos, que não contêm a curiosidade mórbida.)
ADRIANE TAUIL (ainda abraçada a ROSSI) — Não pode ter acontecido mesmo. É tão demasiadamente absurdo. Inacreditável!
IDOSO (dirigindo-se para eles em tom de chiste) — Melhor vocês subirem para o quarto. Pega mal fazer isso em público.
IDOSA (amigável e sorridente) — Vocês vão ter de se habituar à curiosidade inesgotável das pessoas. Elas há tempo não vêem ninguém tão jovem.
IDOSO — Vocês são chamados de Adâo & Eva fim dos tempos, Nova Era.
IDOSA — Adão & Eva pós Idade das Trevas. (Sorrindo) — É tão bom ver vocês...! Tê-los por perto. Essa sensação de que poderá haver outra vez um futuro para a espécie humana.
IDOSO — (olhando interrogativo para ADRIANE TAUIL) — Você também não pode gestar?
186. EXTERIOR. DIA. SALA DE ESTAR DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS
(Os idosos conversam entre si. Tentam achar uma explicação para a presença do casal adâmico. Que vieram fazer na Terra pós-amblose disforme? Que poderiam fazer? Exceto curtir essa ociosidade fim dos tempos? As perguntas buscam uma resposta!)
1ª IDOSA — Vocês, quando foram trazidos pelos monges do povo muito Antigo hibernaram ainda 72 horas. Pensei até que não fossem despertar.
2ª IDOSA — Não fosse pela leve respiração, quem diria que iriam acordar um dia? (risos.)
1° IDOSO — Vocês vão ter de exercitar muita paciência. Não vão faltar romeiros que queiram vê-los vindo das proximidades. A curiosidade geral é grande.
2° IDOSO — Muito grande. Mesmo. Como podem ser tão jovens? Os monges largaram vocês aqui e sumiram. Quem sabe para onde. Para suas cidades subterrâneas.
3ª IDOSA — Ou em direção às estrelas. — Ele (apontando para ROSSI num gestual de cabeça) estranhamente, estava com muita fome.
4ª IDOSA — Parece não ter visto comida a maior parte da vida (risos). Nesse momento o estômago de TAUIL roncou alto (mais risos).
ROSSI — Pelo visto, os efeitos da amblose disforme foram devastadores.
TAUIL — O planeta se transformou num campus geriátrico.
3ª IDOSA — É incrível. Vocês parecem ter pouco mais de trinta anos. Se tanto.
2° IDOSO — Hibernaram numa nave durante uns quarenta, talvez cinquenta anos. À velocidade próxima à da luz. Aquela história da teoria da relatividade.
187. EXTERIOR. NOITE. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS
(A câmera focaliza a abóbada celeste. Alguns pontos luminosos são vistos como se fossem meteoritos indo em direção contrária. Ou seja: afastando-se da Terra.)
1ª IDOSA — Num filme da TV-Full-Time vimos que esses “meteoritos ao contrário”, são almas ou “faíscas quânticas” querendo sair do campo gravitacional da terra. Mas a “velocidade de escape” delas é insuficiente. Após a tentativa desesperada e frustrada de libertarem-se em direção a “outras moradas do Pai”, são capturadas pelo magnetismo anímico da “lua simétrica invisível”. Um portal com bilhões de nichos do tamanho de nanômetros.
(Enquanto as pessoas narram os acontecimentos, a tela plugada na “TV-ghost” mostra o momento em que essas mesmas pessoas estiveram visualizando o mesmo.)
1° IDOSO — O campo gravitacional no interior de cada nicho-nanômetro é tão intenso, que aprisiona para sempre as “faíscas quânticas”, não permitindo que venham a tornarem-se livres desse portal que é parte da nave intergaláctica de Satã. Esta é parte da luta definitiva, apocalíptica, que se trava entre as forças polarizadas do bem e do mal.
2° IDOSO — Sob a dominação das leis globalizadas do Mercado, as pessoas pensavam e agiam unicamente com o objetivo de consumir mercadorias. Gerar lucros, acumular bens e riquezas. Não havia na Terra valores a preservar. Exceto o “fator econômico”.
3° IDOSO — E o que dizer dos dias de hoje? Da política dos “spas” que capturavam os “hot-dogs” para fazer cosméticos deles?
2ª IDOSA — Quem quer que gerasse lucro, não importava como... 3ª IDOSA se traficando, matando, fabricando armas, comercializando drogas, assassinando, prostituindo... 1° IDOSO... enganando, ganhando bilhões de verdinhas com a invasão política e econômica de países, em qualquer lugar do planeta, era bem-vindo à comunidade econômica das nações.
2° IDOSO — O advento da “amblose disforme” parece ter terminado com essa farra...
1ª IDOSA — Talvez não (olhando para TAUIL E ROSSI) — vocês não estão vendo esse casal de brotinhos pronto para povoar o mundo outra vez? (Risos, muito risos.)
188. EXTERIOR. NOITE. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS
O índio PERIMURICÁ aproxima-se de ROSSI que está dirigindo-se a um utilitário. TAUIL pergunta:
— PERI, você vai mesmo conosco? (ele balança a cabeça como quem diz: “Sim, sim”.)
(Um barco a vapor os conduz até Rondônia. Mudam de carro para uma camionete cabine dupla. Em Mato Grosso param num bar onde a TV-Canal 10 está exibindo um filme. Nele um personagem entrevistado por um locutor de jornal diz):
—“ Não fosse a amblose disforme e os ETs que trabalham com o governo dos Estados Unidos na Área 51, e em muitas outras, os ETs do mau, teriam escravizado a população da Terra, como fizeram em outros planetas, de outros sistemas solares, em outras galáxias.”
— “A Área 51 com aproximadamente 1550 quilômetros, condato de Lincoln no deserto de Nevada, uma área do complexo industrial militar sob administração da Nellis Air Force Range, possui túneis subterrâneos com 3651 X 61 metros.
— Este local de pesquisa tecnológica avançada, assim como outros, tipo a AUTEC, estão produzindo armas de dominação planetária assim como seres híbridos, humanos e máquinas, que garantem a escravização da população da Terra sob comando, comunicação e controle dos “homens de preto”, representantes do governo centralizado do planeta Terra na Nova Ordem Mundial.
— "A New World Order, diz o locutor do filme do dia na TV-Ghost, visa transformar a Terra numa colônia galáctica lemuriana.”
(A reportagem continua mostrando os subterrâneos da Área 51, agora abertos à reportagem. A voz em “off” informa):
— “Havia seis níveis de hangares subterrâneos. Todas as estruturas com formato de pentágono. A pesquisa de armas avançadas estava possivelmente em seus últimos estágios. Foram encontrados robôs gigantes com mini-mísseis acoplados à estrutura mecânica. Assim como seres híbridos humanóides.”
— “Um e meio milhão (l.500.000) desses humanóides já habitavam o planeta, mesclados à população de humanos. Em todas as metrópoles da Terra. Supõe-se que estavam todos preparados para substituir as principais autoridades nas principais instituições representativas de seus governos. Substituiriam parlamentares, autoridades militares e juízes do Judiciário. E também nas cortes supremas e em outras instâncias igualmente influentes no comando, comunicação e controle da sociedade.”
189. EXTERIOR. NOITE. TRECHO DE ASFALTO NA ENTRADA DA CIDADE DE GOIÂNIA
ROSSI (olhando compassivamente para TAUIL no banco de passageiro ao lado) — Esses filmes “full-time” do Canal-10 são impressionantes. Esse que vi hoje desvenda o mistério por detrás dos eventos de CHE.
(A TV-Virtual do Canal 10 mostra cenas que atestam a realidade da tecnologia extraterrena em conluio com governos da Terra, empenhada em semear pânico na população planetária. A Combustão Humana Espontânea era produzida pelo “efeito raios X” de alta potência, emitido por raios gama da central orbital invisível, a lua simétrica de configuração e simetria esférica, em rotação do outro lado da Terra, em simetria à da lua natural.)
— “Lua estranha. Ninguém vê”. — (PERIMURICÁ falou em dialeto karib. Comentou com sua expressão de quem sabe muito mais, tanto, que possui dificuldade em sintetizar verbalmente as coisas que vê em suas visões de Xamã da tribo Kalapalo do Alto Xingu.)
ADRIANE TAUIL — Que você disse, PERI? Traduz.
PERIMURICÁ — “Eles”, dominação, medo. — (PERI está com os olhos fixos, longe, dentro dele mesmo) — (complementa): Guerra. Horror. — Kugihe Oto. Akunga. Oto Cebus. Oto Kahü. Todos escravos.
190. EXTERIOR. DIA. TRECHO DE ASFALTO FRENTE À PRAÇA DOS TRÊS PODERES. BRASÍLIA
(O utilitário pára próximo ao jardineiro que apara a grama frente à Praça dos Três Poderes.)
ROSSI — Era daqui que as excelências pirateavam o país inteiro, a propósito de defender a democracia.
TAUIL — (chama a atenção de ROSSI para membros dos Três Poderes, curiosos, aproximarem-se) — A imagem da decadência prepotente. Eles não perderam a empáfia.
ROSSI — Confiavam na vitória da “Nova Ordem Mundial”. Na escravização total dos habitantes do planeta. Mesmo agora, derrotados pela “amblose disforme”, pretendem manter a soberba.
TAUIL — É, mas não conseguem. As articulações estão claramente oxidadas. E suas caras de paxás consumidores dos produtos produzidos pelos “spas”, não traem a inutilidade total de seus mandatos.
191. EXTERIOR. DIA. RUA JORGE CHAMAS. IBIRAPUERA. SÃO PAULO
(ROSSI se distancia deles . ADRIANE e PERIMURICÁ tentam achar o endereço do SPA da filha, ou neta, de TAUIL.)
ROSSI — “Deus não pode ser mantido vivo à custa de preces e injeções”.
(após alguns momentos de busca nas ruas desertas do Ibirapuera, o NATIVO chama por TAUIL.)
PERI — Aqui, venha vê, aqui!
(ADRIANE TAUIL lê a placa: “SPA Ariadne Tauil: GERIATRIA”)
PERI — (vê as faces de ADRIANE ficarem muito brancas, sem sangue) — Você está bem?
ADRIANE (o coração batendo muito rápido) — Essa ansiedade. Parece impossível alguém está nessa situação. Insustentável.
192. EXTERIOR. DIA. RUA JORGE CHAMAS. PARQUE IBIRAPUERA. SÃO PAULO
TAUIL — (olhando para PERI mostra certo nervosismo) — O lugar está vazio. Não funciona mais. (As folhas outonais das árvores são, em grande quantidade, levadas pelo vento ao redor.)
PERI — (fecha os olhos, seu corpanzil parece crescer com a inalação. Os pulmões se enchem de ar, como se este fosse uma substância medicamentosa) — Muita chuva. ROSSI não vem?
ADRIANE TAUIL — (nervosa, olha PERI apertar outra vez o botão da campainha) — Vamos, não há ninguém aí. Faz tempo essa lugar está desabitado.
PERI — (volta sua atenção para a câmera de vigilância que começa a se mover.)
193. EXTERIOR/INTERIOR DO SPA. DIA. SALA. MESA DO CONTROLE INTERNO DE MONITORES. PORTA DE ENTRADA
(Chico Cesar, o operador de monitores, está pasmo. Sua expressão ao ver a face de ADRIANE TAUIL é simplesmente horrorizada.)
CHICO CESAR — (muito nervoso, mal consegue articular as palavras) —QaaaquQuêe desejam? (encostando os olhos no monitor como se a atestar se é mesmo verdade o que vê) — Aquele maldito baseado! Mama África! Mas que coisa é essa? É muito novinha! Essa mulher não pode existir. (Olhando outra vez estupefato para ADRIANE, ele exclama: "Tá totalmente fora dos conformes".)
ADRIANE — (compreende o estresse do operador de vídeo-fone) — “Take it easy”. Meu nome é ADRIANE, este é o senhor PERIMURICÁ, Xamã do Xingu. Queremos visitar o SPA. Ficar um período como hóspede. Podemos entrar? Se não for incômodo!
CHICO CESAR — (gaguejando nervosamente) — AAndridriAdridriDRIane...Então é isso. Elalalá da equipipe Ostrowsky... Isso é queququê é progresso em geririatria... Cêcêcerto!!... Dra. Adridriadridriane... Então é isso... Um mememento... Momento, por favor!
(Ouve-se o ruído das lingüetas metálicas do trinco da porta de entrada que começa a abrir.)
194. INTERIOR DO SPA. DIA. CORREDOR DE ENTRADA E SALA DE ESPERA
(ADRIANE TAUIL e PERIMURICÁ são conduzidos por uma atendente enfermeira do SPA. Ela os recebeu com uma saudação em voz alta levantando o braço direito: “Fervet Opus”. Passam por uma grande sala de prática de exercícios. Nela se vêem compridas bandeiras vermelhas com a inscrição em preto: “Fervet Opus”. Algumas pessoas que não faziam exercícios aeróbicos estavam alojadas em poltronas estilo Luis XV.)
1° CLIENTE DO SPA — (levanta-se apressadamente e encosta o rosto no vidro que separa a sala de exercícios do corredor) — De qual SPA essa mulher deve ter vindo? Fantástico.
2ª CLIENTE DO SPA — (cara de muito admirada) — Eu também quero saber.
3ª CLIENTE DO SPA — (o rosto colado ao vidro, expressão abismada) — Bar-ba-ri-da-de! Agora sei que existe mesmo evolução em pesquisa geriátrica.
4° CLIENTE — (aproximando-se da parede de vidro com cara de espanto) — Isso sim é que é progresso em geriatria.
5ª CLIENTE — (olhando TAUIL afastar-se) — E dizem que este é o melhor SPA do Brasil...
1° CLIENTE — (ainda superlativamente admirado olha TAUIL sumir pelo corredor) — A Romênia possui mesmo os melhores SPAS do planeta.
195. INTERIOR DO SPA. DIA. SALA DE ESPERA CONTÍGUA AO JARDIM DE VERÃO
ENFERMEIRA GUIA — (faz gesto em direção às poltronas em estilo Luiz XV) — Por favor sentem-se e esperem um pouco.
PERIMURICÁ (chegando-se a um patamar circular de mármore sobre o qual estão alguns termos de chá. Ele fica matutando como servir-se.)
— “Que coisa essa! Ele pensa. Só tem pinça. Ninguém põe chá em pinça. Não pode”.
— (Ele observa pequenas vasilhas contendo líquidos de diversas cores, e exclama): — “Que raios de trambique é esse? Esse lugar só pode ser do mal. Estou com sede e não posso beber”.
(As etiquetas nos termos indicam: 19%, 20% e 21% de plasma antígeno. Ele olha para os lados ainda na busca, inútil, de algum copinho descartável ou canudo.)
196. INTERIOR DO SPA. DIA. SALA DE ESTAR/JARDIM DE VERÃO
(TAUIL está a lê um artigo da revista científica do SPA intitulado “Perenidade: A Realidade Do Sonho” — Dr. KLEIN ZADILETT. Enquanto ADRIANE lê o artigo, PERIMURICÁ continua concentrado numa possível solução do quebra-cabeças dos termos sem copos ou canudos ao alcance das mãos.)
PERIMURICÁ (olha de soslaio TAUIL lendo o artigo. Os olhos movimentam-se também em direção aos termos de chá. Como uma criança grande e traquinas, pega um dos termos e aperta o botão da saliência superior, onde, pouco abaixo, há um espaço vazio por onde sai um pequeno globo envolto numa membrana transparente. Dentro do qual há um líquido verde. A bolinha está aquecida.)
(ELE olha TAUIL de soslaio. Ela permanece concentrada na leitura do artigo. TAUIL tenta concentrar-se na leitura. Quando olha PERI, este disfarça, como quem não está fazendo nada demais.)
PERI (fora do campo de visão de TAUIL, joga a bolinha de uma para outra mão. De quando em vez sopra a bolinha no ar. Já agora ELE a lança no interior da boca. As bochechas se enchem de ar. A bocarra permanece fechada. ELE parece sufocar. Os olhos se enchem de lágrimas. Ele se concentra enquanto as lágrimas escorrem pelas faces rubras. De repente abre a boca num rompante e dela sai um jato de fumaça soprado para fora.)
(O rosto do ÍNDIO é de sofrimento. O corpo hirto, a visão contemplativa. Os olhos pasmos lacrimejam. Os cabelos eriçados. Ele aspira o ar e transpira pela boca, abrindo e afunilando os lábios para fora. A cena é simplesmente cômica. De quando em vez PERI abre a bocarra a expelir o excesso de vapor quente também pelas narinas.)
197. INTERIOR DO SPA. DIA. SALA DE ESTAR ADENTRADA PELO JARDIM DE VERÃO
(Chama a atenção de TAUIL a inquietação de PERIMURICÁ. ELA olha para ELE de maneira interrogativa, como quem pergunta:
— “Que está acontecendo”, PERI?
— Chá ruim! Muito quente! — PERI responde enquanto cospe o invólucro para o lado, quase a engasgar. Na carranca vermelha contraída, pequenas quantidades de liquens escorrem das fossas nasais. PERI ajeita-se na poltrona, os olhos ainda cheios de lacrimação. O índio enche as bochecas de ar soprando pela boca pequenas quantidades de vapor que saem também pelas fossas nasais.
(O nativo tenta se recuperar arfando, de vez em quando, ar pela boca entreaberta. Começa então a puxar metros de finíssimo fio verde que havia conseguido encontrar a ponta após introduzir os dedos indicador e polegar da mão direita na bocarra. PERI, por mais que puxe o fio, ele continua a teimar em continuar saindo. A situação se torna cada vez mais cômica e embaraçosa.)
— Aquilo é um medicamento, PERI, eu não teria feito isso! — A situação para eles é muito tensa. E TAUIL , por isso mesmo, não percebe a veia cômica da mesma. ELA volta a lê o artigo. Olha outra vez para PERIMURICÁ que ainda parece estar agitado com os desdobramentos da situação vexativa de ingestão da bolinha de chá.
(Adriana aproveita a passagem de uma enfermeira e pede um copo de água gelada para ELE. Em seguida continua a leitura que lhe parece muito interessante.)
198. EXTERIOR/INTERIOR. DIA. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA NO PARQUE DO IBIRAPUERA
(ROSSI é atingido brutalmente por uma pancada na cabeça desferida com um pedaço de cano. Do grupo de quatro idosos conhecidos por “hot-dogs”, um deles diz:)
1° “HOT-DOG” — (o sangue escorre do ferimento na cabeça de ROSSI) — Ele não morreu. Vamos matá-lo logo!
2° “HOT-DOG” — (olhando para ROSSI desmaiado, sangrando) — Maldito “pig”.
(Eles levantam suas armas para bater no JORNALISTA. Um deles berra, impedindo o massacre.)
1° “HOT-DOG” — Esperem! Os malditos! Vocês não estão vendo? A aparência dele. Parece muito rejuvenescido.
— Caramba!
— Impressionante!
— Credo! Parece um adolescente.
4° “HOT-DOG” — Como os canalhas estão conseguindo esse resultado? Esse cara está rejuvenescendo ao invés de envelhecer. Isso é demais!
3° “HOT-DOG” — Precisamos saber como é que isso funciona.
— Os malditos “pigs” estão mesmo fazendo progressos.
— Não mata agora. Vamos fazê-lo falar.
199. INTERIOR DO SALÃO DE JOGOS. DIA. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA
(Os idosos amarram ROSSI sobre um globo mapa-mundi enorme, sobre o qual jogam um tipo inovado de “war-game”. O grupo está admirado com a aparência rejuvenescida do JORNALISTA. Sua aparência jovial provoca neles o exacerbo de sentimentos de revolta contra a política de rejuvenescimento praticada nos spas.)
— Danação! (comenta uma senhora) — Poderia ser meu neto.
— Se você tivesse um, BELLA, mas não teve filho. Provocou BIAL, um senhor próximo a ela.
— Ele está envelhecendo às avessas? Comentou o ALEX TOMIX, aproximando-se do rosto de ROSSI.
— A bruxaria desses spas...! Ele vai sangrar até morrer? (criticou maliciosamente JACI CARRASCO, um velhote baixo e atarracado) — Melhor costurar logo esse ferimento, se quiserem que ele viva mais um tempo.
— Calma JACI, apaziguou a senhora ANOLANDA, o XANDE já está costurando o ferimento. Após catorze pontos, PADILHA cauteriza a cicatriz no couro cabeludo de ROSSI (linhas de sangue descem sobre o rosto do JORNALISTA.)
— Por que não deixaram sangrar até morrer? — (comenta a idosa TeTê Dopêlo). Afinal, o cara é um “pig-spa”. Pela aparência deve ter chips implantados no lugar de órgãos internos.
— Vivo é mais divertido, provoca NANDO HADADH, um hot-dog risonho, com cara de sádico compassivo.
(Submerso na ironia raivosa dos idosos hot-dogs, ROSSI está convencido que dificilmente escapará vivo desse lugar onde todos parecem loucos senis. Mas muito energizados para a idade.)
200. INTERIOR DO SALÃO DE JOGOS. ANOITECER. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA
(Os braços amarrados em cruz sobre o globo, os olhos de ROSSI abrem-se temerosos do que poderá fazer com ele o hot-dog PADILHA que se aproxima com um bisturi eletrônico.)
— Agora vou abrir um talho em seu abdome, filho. Você entende! Precisamos saber que tipo de coisa puseram em você no lugar do fígado.
— Por favor, não faça isso, replica ROSSI. Expedição Norton! Lembram? Expedição Norton!
— Se você não é um deles, como explica sua aparência? Desafia GARIBALDES, um senhor com visível sotaque nordestino. Vocês fazem coisas muito piores com os hot-dogs aprisionados.
— Não sei do que estão falando! Hot-dog para mim é salsicha dentro de pão com mostarda e ketchup.
(A aflição extrema com que foi dita a frase do JORNALISTA provocou intensas risadas entre membros da platéia de “hots”.)
— O filho da puta ainda é cheio das gracinhas! Comenta CHARLES BROWN que parece exercer liderança sobre o grupo.
— Norton! Norton! Expedição Norton! Novembro de 2035. Lembrem! Vocês não têm memória? Estou com minha companheira de Expedição, ADRIANE TAUIL. Ela está lá fora. A fotógrafa da Expedição Norton! Expedição Norton!
(As risadas se fazem ouvir com maior intensidade. Gargalhadas soam de bocas escancaradas, surpreendentemente cheias de dentes. A platéia de “hots” está se divertindo mesmo.)
— TAUIL! Ele ainda confessa que conhece a pilantra assassina! Chefe da equipe médica da clínica TAUIL & OSTROWSKY. É muita safadeza!
— Vamos ver se compreendi. Você fez parte de uma expedição em
2035? É isso? E onde está seu envelhecimento, garoto? Hein? Hein? — Desafiou CHARLES BROWN (aproximando-se mais de ROSSI.)
— Quantos anos você tem rapaz? — Chega! Já é demais tanto cinismo. Corta ele que ele merece! Passa o bisturi para a MIRIAM PATOTA que ela faz logo o serviço. — Berrou o hot-dog ZÉ LOBÃO. E completou: Quantos anos você tem, rapaz?
— È uma longa história, se vocês me permitirem contá-la. — Falou ROSSI visivelmente cansado, olhando o idoso PADILHA (após o consentimento de CHARLES BLROWN), começar a cortar a superfície de sua pele à altura do fígado.
— O BERNARDO está trazendo uma coisa para você. Alguém do grupo berrou. — BROWN dá a entender ao PADILHA que cesse, por momentos, a “operação”.
(Entram na sala três sujeitos armados com revólveres e fuzis-metralhadoras, um deles entrega um pedaço de papel a outro que o encaminha ao chefe do grupo. Após ler o bilhete que ADRIANE havia posto no pára-brisa do carro para ROSSI, BROWN o repassa para outros membros do grupo. Alguém comenta):
— Parece que agora vamos ter de ouvir a história dele. — Ouve-se alguns protestos que fizeram contraponto com algumas risadinhas.
(Sinais de estresse e sono são evidentes em ROSSI. Alguém põe um comprimido em sua boca com um pouco de água e pressiona o maxilar. A cabeça do JORNALISTA pende para trás e depois para o lado e para baixo. A câmera fecha na imagem dele semelhante a um Cristo crucificado sobre o globo onde brilham os continentes desenhados em tinta fosforescente.)
201. INTERIOR DO SALÃO DE JOGOS. NOITE. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA
(ROSSI despertou disposto, revigorado, agente de forças inusitadas. Dormiu 45 minutos. Pensou ter dormido pelo menos oito horas. O salão estava cheio de gente. Desamarraram-no.)
— Conte sua história, esperto, talvez você convença alguém de nasceu mesmo no século XX (risadas debochadas acompanham a fala de Charles Brown.)
— Vocês sabem muito bem de que a “amblose disforme” não foi o único fenômeno estranho aos acontecimentos que despovoaram o planeta. — ROSSI resumiu os acontecimentos. Ao lembrar as vítimas da CHE, das viroses, ele fala do Dossiê Jângal. Da chegada aos subterrâneos na Amazônia, da TV full-time, até a chegada na pousada em Barra do Garças.
(Ao terminar sua exposição dos eventos, ele vê a platéia mudar de atitude. Não estão, seus espectadores, tão debochados como antes dele começar a falar.)
— Preciso falar com ADRIANE TAUIL. Ela não sabe onde estou. Preciso procurá-la. Talvez ela tenha encontrado o SPA da filha e esteja lá.
(Muitas risadas se fazem ouvir outra vez. Sorrisos abafados transformam-se em gargalhadas.)
— Que coisa que disse pode ser tão engraçada? Não sou humorista. Vocês riem fácil demais. Parecem uma gangue de bufões.
— Escuta, filho, pega leve! O mundo agora está dividido entre os “hot-dogs”, que somos nós, e os “pig-spas”. A explicação vem de um idoso que parece ser o braço direito de CHARLES BROWN.
(As explicações sobre o mundo pós-“amblose-disforme” se sucedem. De repente todos querem falar. E trocar idéias com ROSSI.)
— Uma década depois das últimas crianças terem nascido, os barões do planeta investiram em pesquisa geriátrica e em rejuvenescimento. PADILHA explica não apenas a parte política e econômica dos eventos que modificaram radicalmente o planeta, mas em como as relações entre ricos e pobres se tornaram violentas e radicalizadas. Ao extremo.
— A preocupação com a vaidade tornou-se a única motivação de vida dos “pigs” que passaram a produzir produtos que apenas eles poderiam ter acesso ao consumo. Principalmente cosméticos, soros, chás, medicamentos de combate aos radicais livres. O soro hepático da longevidade, aliado à atividade física intensa nos “spas”, provoca um período de rejuvenescimento das células.
(Sucede-se à explicação uma preocupação geral em retirar ADRIANE e o índio PERIMURICÁ de dentro do “SPA TAUIL E OSTROWSKY”.)
202. INTERIOR. NOITE. SALA DE ESPERA. SUBNÍVEIS SUBTERRÂNEOS DO “SPA TAUIL E OSTROWSKY”. IBIRAPUERA
(O doutor IRWIN FEIFFER ao adentrar a sala de estar, faz a saudação nazista “Fervet Opus”, e convida ADRIANE a acompanhá-lo.)
— Entrem, por favor, faremos tudo o que estiver ao alcance para que sua estada seja a mais proveitosa possível. — O médico nem desconfia de que o sobrenome de ADRIANE é TAUIL. E de que, simplesmente, está a conversar com a mãe da dona da clínica no Brasil. Apesar da aparência dela ser bem mais jovem que a da Dra. ARIADNE TAUIL.
— Perfeitamente, doutor FEIFFER. — Responde ADRIANE, mantendo-se o mais distante possível de qualquer palavra que possa trair sua verdadeira identidade. Ao que tudo indica, a dona da clínica poderia ser mesmo sua filha. Ou neta.
— Romenos são realmente insuperáveis! Ele pega o braço de ADRIANE e começa nervosamente a apalpar sua pele, como se não acreditasse na textura da mesma. — Como podem ter chegado a esse grau de perfeição? Um tanto afetado ele exclama: Di-vi-no, é simplesmente i-na-cre-di-tá-vel, per-fei-ta de-ma-is. Que textura! FEIFFER pronuncia as palavras como se estivesse mais que comovido, extasiado.
— Deus! Vocês avançaram muito. As novidades devem ser realmente fantásticas. Que inusitada qualidade epidérmica! Os avanços geriátricos da equipe Ostrowsky são realmente fantásticos. — Olhando com certo desdém para PERIMURICÁ ele exclama: “O segurança vai acompanhar a inspeção?”.
— Ele nunca fica distante de mim. São ordens. ARIADNE responde com certa ironia, olhando sorrateiramente para PERI. Este, pousa a manopla no ombro de ADRIANE, numa mostra de intimidade que suscita uma expressão de incontrolável desdém do médico.
(A sala onde adentram é um laboratório de horrores. Dezenas de corpos de hot-dogs estão sendo assados vivos dentro de cápsulas rotativas nas quais vários medidores externos de temperatura e reações químicas indicam o gradativo estado comatoso das “cobaias” hot-dogs.)
203. INTERIOR. NOITE. ELEVADOR E SALAS SUBTERRÂNEAS DO “SPA TAUIL & OSTROWSKY”. IBIRAPUERA
(FEIFFER continua explicando como os processos químicos agem para expelir o humor aquoso das glândulas sudoríparas através das secreções viscosas que “exulam” das fadigas orgânicas dos hot-dogs.)
— Quanto mais resinosos os líquenes, melhores os resultados dos medicamentos geriátricos.
(Os comentários explicativos de FEIFFER soam aos ouvidos horrorizados de ADRIANE como se ele não fosse humano. E estivesse completamente incapaz da mínima empatia para com os hot-dogs presos às máquinas numa temperatura média mínima de 45°, padecendo indizíveis horrores para manter a viciosa vaidade dos “pigs”. PERIMURICÁ mantém a expressão de quem está, simultaneamente, enojado e contido.
— Infelizmente nessa fase, eles não duram muito tempo. A extrapolação orgânica do fígado ressecado, a fibrose e formação de nódulos, semelhante ao processo de cirrose, a bílis segregada inutiliza os subprodutos químicos das secreções...
(A causa da irritação, quase insuportável, tanto de ADRIANE quanto de PERI, está na excessiva soberba com que o doutor FEIFFER pronuncia as palavras. Como se afirmando a altivez para eles inexplicável, por estar partícipe dessa dominação excessivamente sádica da população de hot-dogs aprisionados para serem cobaias dessas pesquisas sobre o “soro da longevidade”.)
204. INTERIOR. NOITE. SALAS DO LABORATÓRIO EXPERIMENTAL DO “SPA TAUIL E OSTROWSKY”. IBIRAPUERA
(ADRIANE mostra-se realmente atordoada à vista de tanto sofrimento e ao mesmo tempo da absoluta insensibilidade do médio FEIFFER.)
— Os médicos juraram cumprir! Infelizmente a maioria deles apenas jurou! TAUIL mencionou de si para consigo a falta de ética do doutor.
— Como? Repita! Não ouvi!
— Ah! Não foi nada. Estava pensando em voz alta.
— Não tarda eles vão descobrir que você não é a pessoa que pensam ser. PERIMURICÁ, aproveitando certa distância ganha pelos passos apressados do médico, sussurrou para ADRIANE. — Aí a cobra vai fumar.
— Não dá para continuar por mais tempo, ela diz. Os olhos esbugalhados de estupefação fazem ADRIANE verter lágrimas ao passar pelas imensas galerias subterrâneas, olha as imitações de seres humanos arrastando-se por detrás das grades. A pele reluzente de suor antígeno.
— Fantasmas podem sonhar? Pergunta PERIMURICÁ olhando para os hot-dogs prisioneiros arrastando-se em direção às grades em câmera lenta.
— É a mesma luminescência, ela exclama. Lembrando-se da luz azulada nos túneis de acesso assim como nos subterrâneos na selva Amazônica.
— O médico, a certa distância havia parado para atender uma ligação no celular.
Voltando-se para TAUIL e PERI, ele berra, ignorando a presença do nativo: “Venha, doutora, precisa andar mais depressa!”.
— “Belial empinava-se na montanha de escórias fumegantes e sulfúreas bem no centro do reino de gritos e estertores onde Éris, a Discórdia, dominava os infernos”. TAUIL repete as frases a partir de uma memória distante. Algum texto que um dia havia lido.
(Alguns prisioneiros aos vê-los estendem os braços lentamente em direção às enormes mãos do índio que estava a segurar as grades de uma das celas. Da garganta de alguns “hots” prisioneiros saem sons ininteligíveis. PERI estende-as em direção a um deles olhando em seus olhos interrogativos, como se não compreendesse por que lhes imputavam tantos horrores.)
205. INTERIOR. NOITE. CORREDORES E SALAS SUBTERRÂNEAS DO SPA
(Fazem-se ouvir ruídos de tiros, disparos de metralhadoras. Uma e outra explosões.)
— Chuva! Chuva!
— Que quer você dizer com isso? Ela interroga PERI.
(O índio apenas sorrir complacente para ela.)
— Não pode estar sabendo se está ou não chovendo. Estamos no sexto subsolo. Diz ADRIANE em tom interrogativo.
— Você quer dizer chuva de balas?
— Depressa! Entre no elevador. FEIFFER continua ignorando PERI. Fala como se apenas ADRIANE estivesse presente.
(O elevador industrial começa a subir lentamente. CHARLES BROWN abre a portinhola superior do elevador e pula em seu interior.)
— Você deve ser ADRIANE, viemos resgatá-la. (puxando-a pelo braço ele sugere que saltem do elevador em movimento. Depressa! temos de sair daqui!)
— Esses malditos “dogs”, o SPA está sendo invadido. (FEIFFER aperta um botão de alarme ao mesmo tempo em que pega um aplicador de choque de alta-voltagem de um escaninho interno) — Esses malditos “dogs”!
(CHARLES BROWN é atingido pela extremidade do bastão de choque empunhado por FEIFFER. O impacto o lança para fora do elevador industrial. Ele ainda segura na borda, mas, para não ser esmagado pelo movimento de ascendente, ele salta para o piso externo.)
206. INTERIOR DO SPA. NOITE. PARTE INTERNA DO ELEVADOR
— Vê se morre sub-raça! FEIFFER joga o peso do corpo sobre o tórax de PERI, pressionando com os dois braços a extremidade da arma de choque à altura do coração do índio.
— “Huuuuaaau!” PERI abre a bocarra mas dela não sai nenhum som. Há apenas o pressentimento de um estrondo colossal, virtual, que se lança de suas entranhas, a abranger todos os espaços e subterrâneos do SPA. O nativo paralisado momentaneamente, cai de joelhos, parece arregimentar forças internas inusitadas, enquanto FEIFFER vira-se em direção a ADRIANE tentando atingi-la com a ponta da arma de choque.
— Piranha! Vadia! Juro que vou comer seu fígado vivo.
— Maldito porco nazista! ADRIANE fala enquanto segura com as duas mãos o punho do médico, impedindo, por momentos, que a arma de choque a atinja. — PERI estende o braço esquerdo em direção aos bagos do médico. Levantando-se, ele suspende a mão para trás e para cima, num movimento que alavanca o corpo de FEIFFER fazendo-o virar em cambalhota, ao inverter a posição do mesmo.
(As luzes internas do SPA piscam e voltam a acender, enquanto o elevador ora desce, ora sobe, conforme os movimentos dos membros de seus ocupantes que, involuntariamente, atingem os botões do mesmo.)
— HUUUAAAUAUUAU! O berro de FEIFFER traduz a intensidade da dor que o atinge em cheio. Ele perde completamente a noção de espaço. Após a cambalhota a cabeça atinge com força o chão do elevador arrastando-se nele, indo alojar-se entre as coxas do índio que a prende ao fechar as pernas. — O elator firma-se em movimento descendente. Enquanto se fazem ver nos corredores e salas fora dele, bandeiras vermelhas compridas a mostrar em meio a elas o logotipo negro das indústrias de cosméticos e produtos “Tauil e Ostrovsky”: FERVET OPUS, comercializados via sites na Internet.
207. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. ELEVADOR E SALAS SUBTERRÂNEAS DO SPA. IBIRAPUERA
(CHARLES BRONW entra no elevador ainda em movimento, pega o bastão de choque da mão direita de FEIFFER e começa a aplicar-lhe choques ininterruptos, sob os olhares nas faces ofegantes de ADRIANE e PERIMURICÁ. A jornalista, percebendo que o médico está possivelmente morto, pega no bolso de BROWN.)
— Basta! Ele está sem vida.
— Esse maldito nasceu morto — BROWN leva os dedos à garganta de FEIFFER e sente que não há mais pulsação jugular. BROWN salta e sobe correndo a escada onde se encontra com ROSSI.
— Ela está bem. Está no elevador com um índio.
— Por que você não os trouxe? Não é para isso que estamos aqui?
— Não há tempo para explicações. Pegue-os e os conduza até o segundo pavimento onde há o rombo na parede. O reforço da segurança não tarda a chegar.
(Guiados por outros membros do grupo, ADRIANE, PERI e ROSSI dirigem-se para o lugar onde uma explosão abriu uma grande fenda na parede do 2° andar do SPA que dá acesso à área externa.)
208. INTERIOR DO SPA. NOITE. SALAS E CORREDORES SUBTERRÂNEOS
— Sigam, depressa! Encontro vocês mais tarde. Saiam daqui logo. ROSSI após abraçar ADRIANE, volta-se e corre em direção ao interior do SPA. Mais jovem, sem treinamento no manejo de armas. Acredita-se perfeitamente hábil para manejá-las.
(Após pegar a metralhadora de um “pig-spa” atingido no olho direito, ROSSI dispara no colete do morto verificando que o mesmo é, realmente, à prova de balas. Veste-o. Um hot-dog, no calor do combate atira nele supondo estar atirando num “pig”. Com um gesto desculpa-se, e retira de um inimigo morto o colete, protegendo-se ele também.)
— Sou eu, ROSSI. Não atire.
— Vamos buscar CHARLES BROWN, ele não vai querer sair do SPA até matar o último “pig”. A Força Armada não tarda a chegar. É suicídio ficar mais tempo.
(A visão das enormes jaulas onde são mantidos a 45° centígrados mínimos os prisioneiros “hots” capturados nos “pogrons” de detenção dos “hot-dogs”, os odores do suor antígeno que dessas celas exalam, a aparência física ultrajada dos “dogs” em seus trajes sumários, as expressões corporais abatidas...)
— ““Esse, pensou CHARLES BROWN, é apenas uma mostra das centenas de guetos onde os “pigs” mantêm encarceradas as vítimas de suas experiências genéticas criminosas das quais derivam os chás, as bebidas fermentadas à base de cevada, lúpulo e demais cereais, produtos cosméticos e serviços dos “spas” em redor do mundo”.”
(A revolta de BROWN transforma-se em ódio operante.)
— Abram as grades das enxovias! Acionem os controles. Libertem os presos! O velho CHARLES se transformou numa máquina de matar. Qualquer residente do “SPA” que não seja um “hot” ele elimina impiedosamente. — Matem todos os malditos, berra ele. Não sejam fracos. Não tenham piedade. Dêem-lhes o troco.
209. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. DEPENDÊNCIAS SUBTERRÂNEAS DO SPA. LOCAIS DE SAÍDA DOS GUERRILHEIROS “HOTS”
(Os “hots” que fazem parte do grupo de ROSSI chegam a BROWN. Apesar de ferido, ele luta com os poderes do Leão. Há estilhaços de vidraça nos ombros, no rosto, nos braços, cabeça e mãos. Meia dúzia de seguranças “pigs” entram na sala onde são recebidos com rajadas de metralhadoras à altura da parte superior do tronco, pescoço e rosto. Os corpos “pigs” são lançados bruscamente para trás. As pernas patinam no ar.)
— Vamos depressa, os reforços estão chegando! Logo a Força Armada estará aqui. O apelo de um “dog” no ouvido de BROWN acompanhado de um puxão no braço, serve de alerta.
— Os portões das celas estão abertos?
— Sim, mas não serve de nada. Os prisioneiros estão desidratados, eles não podem mais andar, simplesmente se arrastam. Não há tempo para esperar.
(Os caminhões da Força Armada começam a chegar. Oficiais e soldados vestidos de uniforme verde-oliva vieram restabelecer a lei e a ordem. Vieram defender a tirania dos ricos contra os pobres, dos poderosos contra os fracos. A ditadura da vaidade contra os sobreviventes das ruas.)
210. INTERIOR DO ABRIGO “HOT”. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. IBIRAPUERA
(ADRIANE e ROSSI foram resgatados. Os “hots” feridos e exaustos, os que saíram com vida da invasão do SPA, trocam impressões.)
— Vocês puderam ver: idosos ainda dão no coro. Estamos, os que sobramos, vivos para contar a história. ZECA ZUMBI está sendo atendido por estar ferido de bala na perna. O colete havia salvo sua vida. Há marcas de tiro no tórax e na parte posterior do tronco.
— Como pode aquela casa dos horrores, aquela Ilha do dr. Moreau, esse campo de concentração ser obra de minha filha... Ou neta? Como pode ela prestar-se a essa empresa macabra? ADRIANE está inconsolável.
— Fica calma, estamos bem! Estamos aqui (ROSSI fala olhando em volta) eles foram mesmo impressionantes. Muita coragem, arriscar dessa forma suas vidas por pessoas que conheceram apenas há poucas horas.
— Chá muito ruim aquele. Sabor infernal! PERIMURICÁ faz uma careta. Depois sopra um pouco de fumaça, aliviando-se. ADRIANE sorrir e pergunta:
— Como você conseguiu retê-la tanto tempo nos pulmões? Eles devem ter cozinhado mesmo (risos gerais) — A câmara afasta-se do grupo. Os que ficaram cuidam dos feridos.
211. INTERIOR. DIA. ESTÁDIO OLÍMPICO MONUMENTAL. PORTO ALEGRE
(A câmara focaliza no Estádio onde se realizam as competições das Olimpíadas entre os membros dos vários templos da Igreja do Salvador dos Últimos Dias, à qual pertencia, antigamente, o Pastor MCKENZIE. As arquibancadas estavam cheias de idosos sarados de todos os cantos do país. Afinal, aquele era um evento ao qual não podiam faltar. Os principais espécimes dos SPAS exibindo-se mutuamente. Logo estariam definidas quais as práticas de nutrição mais avançadas nas pesquisas genéticas de rejuvenescimento.)
(Os atletas que ganhariam os melhores lugares nas mais diversificadas formas de competição foram focalizaqdos recebendo seus prêmios, suas medalhas de ouro, prata e bronze, pela TV-Ghost. Todos eles foram intensamente treinados nos quartéis e Centros de Treinamento da Força Armada, antiga Polícia Militar. Na capa da minuta dos jogos vê-se o desenho de um atleta com o número 111 estampado na camiseta estilo regata-fashion. Os “pig-spas” aproveitavam o evento esportivo para comemorar o assassinato covarde de 111 “hot-dogs” pegos fora das grades das enxovias durante a invasão do “SPA TAUIL & OSTROWSKY” pelos "hots".)
(As autoridades máximas do país estavam presentes nos camarotes especiais, ingerindo os mais destacados produtos dos “spas”: bebidas com maltes envelhecidos em tonéis contendo a “dosagem certa de plasma antígeno que acelera a produção de anticorpos específicos ou de linfócitos sensibilizados. Através de toda a área das arquibancadas do Estádio Monumental estavam à vista bandeiras enormes, no formato das exibidas nos eventos esportivos e políticos nos tempos do III Reich. Compridas e vermelhas, tendo no centro o logotipo em preto: FERVET OPUS.)
212. EXTERIOR. DIA. ESTRADAS. PAISAGENS. PRAIA PARTICULAR DE HOTEL. SALVADOR. BAHIA
(ADRIANE e ROSSI hospedam-se num hotel de turismo na Bahia que possui uma praia particular. São poucos os hóspedes. Mas quando a notícia corre de que estão hospedados, o hotel começa a se encher de hóspedes curiosos. Resta-lhes, quando isto acontece, sair do lugar e ficar viajando. O casal esquiva-se ao trato e à convivência com os remanescentes da raça Homo sapiens/demens e seu triste e lamentável passado.)
— O “full-time-movie” mostra a maior tragédia ecológica nacional: o governo do PT e suas obras políticas da primeira presidente da República mulher. Você não quer ver? A pergunta de ADRIANE, suscita a resposta irônica de ROSSI:
— “Recordar é morrer”, como dizia o provérbio popular pós-governo do PT.
(O filme mostra que a Usina de Belo Monte de Merda, construída para o enriquecimento ilícito de empreiteiras e políticos corruptos, resultou em irreversíveis impasses socioeconômicos. A alteração do curso do rio Xingu para alimentar as barragens, gerou o apodrecimento das raízes de milhares de árvores que serviam de diques de alimentação para diversas espécies de peixes ao longo dos municípios de Vitória do Xingu, Brasil Novo e Altamira. Ao final da obra concluiu-se que seria preciso outro rio Xingu para garantir a vazão da represa e a geração de energia elétrica para os 365 dias do ano. 30 terras indígenas e 15 unidades de conservação foram atingidas. Populações nativas foram expulsas de seus ambientes originais.)
(O filme do dia da TV-Ghost, ou Canal 10, mostra cenas da cidade de Altamira transformada numa grande favela. As obras da usina Belo Monte de Merda, mais que duplicou seus habitantes. E o “território mais indígena do país” foi invadido por todo tipo de interesses econômicos criminosos. Muitos líderes de grupos ecológicos foram assassinados. Os crimes continuaram depois de 2001, quando o coordenador do Movimento pela Transamazônica e do Xingu, Ademir Federicci morto covardemente com um tiro na boca quando dormia ao lado da esposa e do filho caçula, após sua participação em debate de resistência contra a construção da Usina de Belo Monte de Merda.)
(A TV-Virtual mostra no filme do dia, cenas do passado, ocorridas na 1ª década do século XXI, quando a coordenadora do movimento Mulheres do Campo da Cidade do Pará, e do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antônia de Melo, após ameaças e tentativas de assassinato não saiu mais às ruas. Segundo ela, essa Usina foi “um crime contra a humanidade” perpetrado contra nove povos ribeirinhos e trabalhadores da agricultura familiar que seriam simplesmente expulsos da região. Cenas de mobilizações populares e de ambientalistas que há décadas realizavam ações de resistência contra a usina com repercussão internacional.)
(A TV-Ghost exibe cenas do passado, antes da construção da usina Belo Monte de Merda, em doze de abril de 2010 o diretor de cinema James Cameron, a atriz Sigourney Weaver e Joel David Moore participaram de ato público contra a obra. O GREENPEACE, em 20/04/2010, protestou contra a Agência Nacional de Energia Elétrica em Brasília, despejando três toneladas de esterco na porta de entrada da ANEEL. As faixas do protesto diziam: “O Brasil precisa de energia, não da usina Belo Monte de Merda".)
— Se é que um monte de merda poderia ser Belo, comentou ROSSI.
— Um modelo de desenvolvimento para encher os bolsos dos amigos da corrupção institucionalizada, contra a qual os parlamentares desse partido foram eleitos.
— Vergonha e decepção, foi tudo que sobrou das promessas “éticas” desse partido.
(O documentário da TV-Virtual mostra a transamazônica das centenas de comunidades ribeirinhas, os atos públicos manifestaram, no começo do século XXI, a indignação e o repúdio a mais essa “obra do PT” construída a partir do Sítio Pimental. O Canal 10 exibe cenas do livro do Cacique Raoni, “Memórias de Um Chefe Indígena”, lançado no longínquo ano de 2010, prefaciado por Jacques Chirac. Recebido por Nicolas Sarkozy, Raoni, em entrevista À RFI, disse que os índios reagiriam com “guerra de guerrilha” àqueles que estivessem construindo a barragem, durante todo o período de construção da usina Belo Monte: Monte de Merda.)
(O “canal-ghost” mostrou também o recrudescimento das queimadas e da devastação da floresta pelo desmatamento, por aqueles trabalhadores que, após a construção da Usina, ficaram sem trabalho. Os slogans pós-Usina diziam: “Após O governo Do PT Sobrou Para Você A Amazônia Devastada”.)
213. EXTERIOR. NOITE. HOTEL 5 ESTRELAS. PRAIA DE BOA VIAGEM. RECIFE. PERNAMBUCO
— Venha ver! — (ROSSI aproxima-se dela) — Advinha quem está no “full-time-movies” de hoje?
(Sentado numa poltrona frente à praia, ele atende ao chamado de ADRIANE. Chega-se ao lado dela e visualiza a TV-Ghost. Um monge está ao lado de NORTON junto a uma esfinge num enorme salão onde se vêem estátuas gigantes dos “Guardiões Silenciosos”.)
— Por favor, senhor NORTON, venha ao stand seguinte. Acredite! Diz o monge, a Esfinge costuma devorar os que dela se aproximam. Literalmente, às vezes. O senhor pode não ser uma exceção.
— Há tempo decifrei, eu mesmo, meu enigma, responde NORTON. ÉDIPO decifrou a trindade do tempo do homem. Haverá algo mais obscuro e difícil?
— Para cada ser o imprevisível começa no momento em que é gerado. Apenas um embrião, e já está a vivenciar seu enigma. Quanto mais cedo compreender isso, mais chance terá de decifrá-lo. As palavras do monge soam a NORTON como um desafio.
— “O estar preparado é tudo”. Ele cita a frase de HAMLET em resposta ao anacoreta. Ele nem desconfiava de que o cristal “high-tech” de que é feita a Esfinge já o havia devorado mil vezes mil vezes. E rastreado seu código genético de trás para frente, de frente para trás, por milhares de gerações passadas, desde o momento em que ele não passava de um aminoácido perdido numa cadeia genética elementar.
— NORTON parece confiante demais, pondera ROSSI. ADRIANE oscilando a cabeça de cima para baixo e de debaixo para cima, mostra que está em plena concordância com ele.
— “Não percebeu que nessa guerra nada é previsível”. Ela ouve ROSSI dizer, num murmúrio, como se falasse para si mesmo. Os grandes olhos de ADRIANE estão temerosos e atentos.
214. INTERIOR. DIA? NOITE? SUBTERRÂNEO DO MONASTÉRIO AMAZÔNICO
(NORTON está extasiado com as maravilhas arqueológicas do museu “subway” do Mosteiro amazônico: ídolos esculpidos em pedra, metais, ouro, cobre. Imagens do nascimento de deuses. Peças e utensílios do período minóico. Desenhos em relevo de teogonias, cerâmicas Cnossos e cretense.)
— A pérola lendária, o olho mitológico dos incas. Está aqui! (ele estende a mão destra para pegá-la e ao crânio de cristal com olhos de jade). — Suas propriedades mediúnicas e premonitórias! Exclama.
(A mão agora estende-se em direção a uma adaga de lâmina sutil com dois gumes superpostos.)
— Alguns antigos a chamavam “adaga de cristal”, diz o monge. Algumas dessas preciosidades têm suas origens no limiar do tempo, em civilizações há muito extintas.
— Você está sozinho nesse lugar. Se houver mais alguém estará tão longe que nem preciso me preocupar. Quem poderia socorrê-lo de um ataque traiçoeiro? Ora, traição é minha rotina.
(Dito isso NORTON apunhala o monge com a “adaga de cristal”. Quer vê-lo morto, sair desse lugar levando consigo a maior quantidade possível dessas riquezas arqueológicas impressionantes.)
— É hora de decisão, meu caro. Afirma com olhar alucinado, enquanto esfaqueia compulsivamente o monge repetidas vezes. Passa horas em busca de uma saída do labirinto subterrâneo, caminhando inutilmente entre câmaras, túneis, passagens, salas, corredores, frinchas. Agacha-se para descansar e beber um gole de água do cantil, quando vê, ao lado, as sandálias do “homem da solidão”. Identifica-o pelos pés e a aba da batina. Levantando-se, ameaçador, pergunta:
— Quem é você, maldito? Que faz aqui? Volte para o inferno. NORTON atinge o monge com vários tiros de pistola. Ele permanece impassível.
— Nem todos os caminhos que guiam para baixo conduzem igualmente para cima, senhor NORTON. Ele puxa lentamente para trás, com ambas as mãos, o capuz que lhe cobria as faces. O rosto branco e liso, assustador, vai se transformando na própria cara de NORTON. Isso o tranqüiliza, afinal, nunca faria mal a si mesmo.
(O “olhar de penitência” do anacoreta fixo em seus olhos, começa a aterrorizá-lo. Sua memória traz ao nível consciente matanças indiscriminadas. O prazer cromagnon dos combates. O sangue dos adversários respinga em seu rosto exultante. A adrenalina das batalhas, o transe maligno que o subordinada aos senhores do poder político das trevas. Aos quais serviu servilmente. Os senhores da morte, da guerra, da estupidez, da mentira, da ignorância. Da violência armada. Uma série de fotocópias de sangue das vidas que ele tirou nos conflitos armados dos quais participou, atormentam-lhe os momentos finais.)
(Uma grande quantidade de situações “horribile dictu” aonde se fazem presentes situações manifestas de covardia, agressão, taras, traições, ódios, crimes, causam-lhe um padecimento atroz. Como se estivesse somando às suas dores, o desespero e a dor de seus adversários. Somam-se nele, atraídas por uma irresistível gravidade pessoal, milhares de faíscas quânticas. Nele se alojam como se fossem milhares de marimbondos de fogo. Transformam seus ossos, plasma, pelos, pele e músculos, em poucos segundos, num amontoado de cinzas que logo são levadas por um pé de vento. Misturando-se à areia pardacenta do chão “subway”.)
215. EXTERIOR. DIA. SALA DE JANTAR DA HOSPEDARIA À BEIRA DA PRAIA
(ADRIANE sente a presença do índio PERIMURICÁ na sala. Não pode vê-lo, mas, de alguma forma, ela sabe que ele está ali, perto dela, participando desse momento.)
— Custa acreditar que o corpo, a mente, a memória do todo poderoso líder da Expedição NORTON tivesse realmente virado pó.
— PERI está aqui! Você não sente? (ROSSI faz que não ouve.)
216. EXTERIOR. DIA. HOSPEDARIA FRENTE AO CALÇADÃO DA PRAIA DE PONTA NEGRA. LITORAL SUL DE NATAL
(O filme do dia nos dias que não se contam mais, narra a história de três grandes mistérios. Mistérios sobre os quais haviam especulado centenas de cientistas no segundo quartel do século XXI: os chamados “casos abessivos” por exprimirem a noção de “perto de”, “de fora”, mas não explicavam senão parcialmente, as aberrações tipo Combustão Humana Espontânea, ou a TV-Ghost e a Lua eletromagnética, Drácula Virtual, de posicionamento simétrico à lua natural do outro lado da Terra.)
— A faísca quântica NORTON...
— ...Sua alma.
— Como a chamavam antigamente, em poucos minutos transformara-se em mais uma dentre as bilhões de outras faíscas aprisionadas (escravas) na Lua de Tecnologia Virtual do outro lado da Terra, simétrica à Lua natural.
— Transformou-se, simultaneamente, em ondas VHF/UHF da TV-Virtual. A faísca quântica NORTON virtualizada no universo paralelo simulado, criado pela tecnologia ET, havia partido da estação orbital invisível, datada de um espectrômetro de referência de elétrons, plugado a um altímetro e a outro espectrômetro, este último de florescência de raios-X. Tecnologia da “sintonia quântica” via satélite.
— A TV magnetofenomênicaosmótica. Para NORTON fora preciso morrer para saber como a coisa toda funciona.
— As faíscas quânticas (almas) são similares aos hádrons monitorados por um modelo sensorial, um organizador biosensor. Elas se mantêm coesas e estáveis por serem ligadas aos quarks. O que mantém essa coesão interna é a “interação forte”, de um modo semelhante à interação dos átomos unidos pela força eletromagnética. As partículas em seus nanonichos têm numeração quântica semelhantes às do grupo de Poincaré JPC(m) J é o Spin, P a paridade C, a paridade C e “m” a massa...
(A emissão da voz que explica esses fenômenos científicos. Ela soa semelhante a do robô, computador sensorial Hall, (do filme de Stanley Kubrick 2001: Uma Odisséia No Espaço.)
— O satélite se realimenta a partir de um mapeador espectroestereoscópico acoplado a um radiômetro térmico de infravermelho e a outro espectrômetro. Este, de raios gama, articulado a um eixo de painéis, controlado por um radiômetro de microondas antenado em faixa média “SS” de ganho médio, e em faixa “S” de baixo ganho, tencionado em fontes coletoras parabólicas de energia, calor e luz solar...
217. EXTERIOR. DIA. HOSPEDARIA FRENTE À PRAIA DE JERICOACOARA. LITORAL DO CEARÁ
(O casal adâmico passeia pela paisagem da praia. Conversa descontraidamente.):
— As profecias se cumpriram. Aquele mundo iníquo acabou.
— Aquele mundo perverso dos gangsters políticos, dos membros decrépitos dos assessores jurídicos, dos discursos de palanque e intermináveis promessas que adiavam o amanhã para um futuro inexistente.
— Você lembra? Os parlamentares, os magistrados, os desembargadores e ministros? Olhando-nos com inveja e ira. Vaidosos, rancorosos, mentirosos, até o estertor.
— Até a última cardiopatia.
— Pareciam sombras inúteis, semoventes, a sustentar uma insustentável empáfia.
— Ao memorizá-los você não sente o odor que exalava de seus corpos?
— Sim! Ainda agora a memória auditiva, visual e olfativa os traz aqui (ela tosse e escarra como quem vai vomitar).
— A fétida memória da transpiração dos usuários dos produtos das clínicas dos “spas”: pílulas, sabonetes, desodorantes, “shampoos”, pasta de dentes, creme de barbear, loções cosméticas exalando enxofre.
— À base do suor antígeno dos “hots”. Eles se sentiam muito “chics” ao emanar esse odor.
— (Risos.)
— (Lágrimas.)
218. EXTERIOR. ENTARDECER. SOL DE OCASO. PRAIA DO COQUEIRO. LITORAL PIAUIENSE
(Sentados numa mesa de barraca frente ao quebra-mar, TAUIL e ROSSI conversam.)
— Sabes? Tenho de ficar colada em você todo tempo. Tenho a sensação de que se ficar longe de ti, se você sair de meu campo de visão, nunca mais te verei. Fico aterrorizada só de pensar ficar sozinha nesse mundo. Seria uma solidão insuportável. Um medo insuportável. Uma sensação invencível de desamparo. Abandono.
— Solidão não é estar sozinho. É estar inadequadamente acompanhado. Se estás sozinha contigo e gostas de ti e de tua companhia, então todos os seres do universo paralelo da memória te fazem companhia. Como poderias te sentir só?
— Sei, PERIMURICÁ está presente, sempre. Depois de todo esse tempo deve ter também morrido.
— Aquele CHE GUEVARA fim dos tempos (risos). Ele dizia que a vida tinha um propósito. Ele lutaria para libertar os “hots” aprisionados nas enxovias dos “pigs”. (Risos, gargalhadas.)
— “A matéria é feita de sonhos”, SHAKESPEARE tinha razão.
219. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. CHALÉ NA PRAIA DE ITATINGA. MARANHÃO
(Ao caminhar pela praia o casal adâmico não mais se incomoda com a companhia daquelas pessoas dos séculos XVIII e XIX, transeuntes fantasmais que cruzam com eles. Esse, afinal, é também o mundo deles. De alguma forma aqueles habitantes ainda estão por lá.)
220. INTERIOR/EXTERIOR. NOITE. CASARÃO EM ALCÂNTARA. MARANHÃO
(O casal adâmico está sentado ao redor de uma mesa antiga num casarão colonial de portas e janelas azuis. Um candeeiro ilumina a sala com suas sombras de antigamente. De repente, como se vindos de um universo paralelo, estavam apreciando cenas de um casamento do século XVIII. As pessoas com seus costumes de há três séculos, rodeavam-nos como se fazendo festa. A mostrar-lhes que ainda não haviam, de todo, abandonado aquele lugar fixo, quieto no tempo. Passado.)
221. EXTERIOR. ANOITECER. TERRAÇO TURÍSTICO. CRISTO REDENTOR. NOITE. RIO DE JANEIRO
(O casal adâmico, idoso, mas incrivelmente energizado, olha a paisagem do alto, a se descortinar frente à estátua onde aparecem, ao longe, o Pão de Açúcar e parte da baía da Guanabara. A desolação ao redor é simplesmente irreversível. A sensação de uma solidão sobrenatural irradia-se das cenas. Uma TV insiste em transmitir, via Ghost-Canal, imagens da ascensão e queda do III Reich, entremeadas com cenas dramáticas de prisioneiros dos campos de concentração.)
222. EXTERIOR. DIA. PRAIA DA TRINDADE. PORTAL DE TRINDADE. PARATY. ESTADO DO RIO
(O casal adâmico passeia pelas areias da praia. A câmara focaliza o local muito do alto, como se numa foto de satélite. Vai se aproximando aos poucos até tornar nítida a paisagem. Ao se avizinhar da praia, aos poucos focaliza em plano geral os passos do casal. ADRIANE sente os dedos de ROSSI a apalpar sua mão. O cabelo longo como se de um hippie. Ela veste um vestido comprido, meio transparente, com motivos florais.)
— Diga o que você quer, querido, diga.
— Que você prometa uma coisa. Por favor, diga que sim!
— Sim, claro que sim. O que ele poderá querer? E logo protesta. — Não, não prometo nada. Só faltava, ser a última mulher da Terra e fazer promessas!
— Porquê...
— O quê? Que você disse?
—...Uma única vezinha, umazinha, você não faz sem reclamar algo que é justo fazer?
— Diga, é só dizer, eu farei tudo, qualquer coisa... Prometo!
— Mesmo? Jura?
— Garanto. Qualquer coisa. O que é?
— Nunca fale com anjos!! Nunca mesmo!!! Não podemos nos arriscar a começar tudo de novo.
— Anjos! Ora!! Anjos!!! Anjos de natureza vegetal? Anjo lagarto, ave, serpente? Ela, uma idosa cheia de manias, defesas e narcisismos atávicos, estranha a rabugice do companheiro.
— Jure! Por favor!! Jure!!!
— “Nos dias de seus pais costumavam dizer das mulheres que sabiam contar até seis porque não havia fogão de sete bocas”.
— E eles riam disso. Riam disso. Riam.
— Não ouvi direito. Que você disse?
— “Se depreciavam as mulheres assim, imagina o resto do mundo”!
— Você está falando sozinho outra vez!
— Nunca fale com anjos. Você promete mesmo?
— Sim! Claro!! Prometo!!!
— Não aceite nada deles. Não faça promessas com eles!
— Nada mesmo! Nenhuma promessa!! Juro!!!
— Por Deus. Páre com isso, querido!
— Anjos!!! Ele está ficando bobo! Como se pudesse alguma coisa com anjos!! — Nunca vi nenhum anjo a vida inteira.
— Eles não virão dessa vez!
— Somos o último casal da Terra. Não precisas ficar caducando! Você não tem o direito de prescrever-se. — Ou tem?
— Quê?
— Querida, ser o último tudo bem, mas começar tudo de novo? Nunca! Tanto horror!!. Todo aquele horror!!! Não, não quero ser essa espécie de criminoso. Nunca mesmo!!!.
— Não haverá nada demais se aparecer um anjo. Eu descarto as pretensões dele. Acredite!!! Coisas da Bíblia. Ora essa! Quem sabe?
— Vocêeeeeeê hussushlksklçsjhfheum. Drysysykjshmsisdjkshosse.
O zumbido soou nítido na tradução de seu significado na mente da mulher:
(““Não quero ser nenhum instrumento virtual de nenhum Deus “ex-machina” disposto a me usar para começar tudo de novo”.”)
223. EXTERIOR. DIA. SALÃO FECHADO DE HOTEL HÁ MUITO ABANDONADO. CIDADE DE PARINTINS. AMAZÔNIA
(O casal adâmico, sorrir de inexplicável felicidade. Estão contentes e se preparam para ingerir uma beberagem de vinho com alguma porção que eles puseram nas taças. Eles ingerem o conteúdo delas, e se abraçam com uma indescritível ternura.)
(Algum tempo depois a câmera começa a se afastar deles e a ganhar velocidade em direção ao horizonte. Vencendo distâncias num movimento de zoom, ultrapassa terras, rios, vales, pântanos, cidades, paisagens até ultrapassar a linha do horizonte planetário. Numa velocidade de escape, o foco evade-se do planeta, entra na esfera do sistema solar, afasta-se deste em direção ao vácuo, vencendo distâncias infinitas, passando por sistemas solares de beleza inusitadas, estrelas, galáxias. Sempre em direção alhures.)
224. INTERIOR/EXTERIOR. DIA. NOITE
(A Câmera exibe cenas do documentário ficcional “O Mundo Sem Ninguém”.)
225. INTERIOR/EXTERIOR NAVE. DIA. TARDE. NOITE. MADRUGADA.
Starnautas caminham para fora da starnave acompanhados por centenas de milhares de exemplares da espécie Homo sapiens/demens.
Os milhares de exemplares de indivíduos de ambos os gêneros são tangidos em direção à superfície selvagem do planeta. Entre eles estão militares das três armas, representantes dos Três Poderes vestidos à caráter. Roqueiros, concertistas famosos, tenistas, atores, cantores, atrizes, diretores de cinema, atores famosos da Broadway e de Hollywood, escritores, jornalistas, vê-se os principais atores e atrizes da série LOST, modistas, modelos, paparazzi, religiosos, homens, mulheres, crianças.
226. INTERIOR/EXTERIOR NAVE. DIA.
Todos desembarcam como se estivessem meio que drogados, desde que nenhum deles mostra resistência. Apenas caminham passivamente em direção aos redutos de rocha maciça onde se encontram milhares de cavernas desabitadas para as quais se dirigem como se elas fossem suas únicas possibilidades de abrigo. (Em “off” ouve-se a trilha musical da canção da banda Titãs denominada “Vossa Excelência”.)
227. EXTERIOR/NOITE. GRANDE ÁREA DE TERRA DE CAPIM BAIXO COMO SE DESTINADA À PASTAGEM. NOITE.
Uma adolescente vestida de noiva destaca-se do grande aglomerado de pessoas. Ao se vê sozinha agacha-se em meio à vegetação para fazer necessidades fisiológicas. Enquanto seu olhar fixa uma estrela muito brilhante próxima a uma das duas luas do planeta. A estrela brilha numa constelação até então desconhecida em meio a outras constelações. Nesse lugar e nesse céu completamente estranhos.
228. INTERIOR. CAVERNAS. MADRUGADA.
O tempo passou. As pessoas com suas vestes desgastadas pelo uso sem substituição, começam a disputar restos de caixas de biscoitos e sopas que aquecem primitivamente numa fogueira coletiva. O monte de lenha em chamas foi aceso com um isqueiro tirado do bolso de um senhor vestido à “Black-tie”. Mas o isqueiro não acende mais.
229. INTERIOR/EXTERIOR CAVERNAS. AMANHECER.
Um grupo de sobreviventes que regrediram à condição de hominídeos começa a grunhir em direção a outro grupo. Ambos os grupos parecem se hostilizar na disputa de um lugar próximo a uma fonte de água aonde se encontram a beber alguns animais primitivos. Eles não ousam se atacar mutuamente tementes de despertarem a atenção das feras que bebem água na lagoa pouco extensa. As pessoas agora parecem ter regredido à condição pré-histórica de habitantes de cavernas, com um nível tecnológico, social e mental próximo à condição original da humanidade.
230. INTERIOR/EXTERIOR CAVERNAS. ANOITECER.
Um grupo familiar primitivo mostra-se muito apreensivo ao ouvir os ruídos pesados dos pés e os sons guturais de gargantas ferozes que rondam o espaço exterior da caverna. Vestidos de tangas e precariamente encolhidos no colo de algumas mães, crianças sujas buscam se abrigar, os olhos arregalados de temor. Um homem peludo a quem outros chamam de Peluso, vai até um cantão da caverna onde começa a escavar com as mãos em busca de algo. Ele acha uma pistola moderna que havia trazido ao desembarcar da starnave. Ele a aponta em direção à entrada da caverna. Nela aparece a cabeça de um espécime que parece um Tiranossauro Rex. Ele aponta a arma e, assombrado com a aparição do animal, puxa o gatilho em sua direção. As poderosas mandíbulas com dentes aguçados de 18 cm numa cabeça com um metro e meio de comprimento não se abala em nada com os tiros. Estendendo o enorme pescoço a fera aproxima-se abrindo ameaçadoramente a bocarra diante do grupo indefeso de frente a essa ameaça tão poderosa.
231. EXTERIOR DA CAVERNA. AMANHECE. UM SOL DIVERSO INTENSO E “BLUE” CHAMEJA A RUTILAR NO HORIZONTE LUMINOSO E MUITO DISTANTE.
Um dos homens da caverna abre os braços e gira (PAN). A luminosidade solar do lugar incendeia o écran. O homem fala para si mesmo como se falasse através dele O Espírito:
“Pereçam os dias com seus reis burgueses, seus conselheiros criados e cativos em demasia. Todos escravos. Todos servos fieis, raça de cães construtores de necrópoles. Eu os criei para ser homens, mas vocês precisam ser servis. És Espírito e estou a falar contigo. Estás aqui comigo! Agora! Sempre! Sei que a jornada será novamente longa. Este fim...Outra vez... Origem. Esta, a minha escolha. A opção de quem não sabe o que faz. Este, meu livre arbítrio. Segundo Tua Vontade.”
232. EXTERIOR/INTERIOR. CAVERNA. ANOITECER.
Um hominídeo semi-nu, esfarrapado, parado na paisagem desolada do pleneta desonhecido, tendo o vento e a poeira como companhias próximas, vê um chapéu preto de abas largas levado pela ventania. O chapéu fica preso numa espécie de cacto espinhoso, com galhos torcidos em forma de coroa de espinhos. O vento ameaça levá-lo para longe. Ele pisa depressa na aba do largo chapeu preto. Levanta-o até a altura do umbigo e olha para dentro da copa onde está presa uma das coroas de espinho do cactus.
O mesmo hominídeo em franca regressão física (PSI) ajoelha-se de frente à Rocha da Caverna e parece orar. Enquanto ao redor da cabeça e em frente à testa descem, em linhas, gotas de sangue. Ele parece orar, dizendo (enquanto balança o tronco para a frente e para trás, num gesto a demonstrar certa patologia atávica).
— “Essa solidão e essa angústia de não me pertencer senão a mim. A dominação de meus desejos, enfim. Não me preciso culpar nem a ninguém por existir.” (Ele repete essas orações como se fossem as únicas que conhece).
(Em movimento de zoom-afastamento a câmera distancia-se do personagem agora em pé em suposta oração, a coluna vertebral deslocando-se para frente e para trás, a testa sangra quando, por vez, bate na parede de pedra da caverna. A câmara mais se distancia da entrada da rocha, mostrando em plano alto a imensa estrutura de pedra e suas aberturas de entrada. A desolação da paisagem é acentuada pelo vento e a poeira intermitentes. Até que, do alto, a paisagem planetária se perde entre a quantidade imensa e a luminosidade das estrelas).
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Ficha Técnica:
Coordenador Geral
Coordenador Operacional
Pesquisa Iconográfica
Projeto Gráfico
Sinopse
Argumento
Roteiro (Story-board)
Claquete
Enquadramento
Movimentos de câmera.
Decupagem
Editor Assistente
Assistente de Direção
Produtor
Assistente de Produção
Editoração (Montagem)
Digitalização
Efeitos Especiais
Elenco Nacional
Elenco Internacional
Participações Especiais
Índices para catálogo sistemático.
Dados internacionais de catalogação.
THE END
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GLOSSÁRIO:
TERMOS TÉCNICOS:
(CS) Câmera Subjetiva.
(PP) Primeiro Plano.
(PA) plano Aproximado.
(PG) Plano Geral.
(CA) Câmera Alta.
(AA) Ângulo Alto.
Close-Up.
Cut-Away Close-Up.
Cut-In Close-Up.
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