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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->O PERU DE NATAL -- 25/02/2002 - 20:25 (Djalma Monteiro Pinto Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PERU DE NATAL
por Djalma Filho

Adaptação livre para TV do conto homônimo
de Mário de Andrade.




PERSONAGENS: JUCA, o "louco".
EMÍLIA, a mãe emotiva.
JUVENAL, o pai comum.
MARGARIDA, a irmã protetora.
ZUMIRA, a tia fofoqueira.
MARIA, paixão de infância.
VELHA, mãe de Maria.
ALFREDO, o irmão "certinho".
RAFAELA, a esposa do Deputado.
DEPUTADO, o tio mulherengo.
NOIVA, a do Alfredo.

FIGURANTES: CRIANÇAS, os primos.
IDOSOS GLUTÕES, convidados de festas.

AÇÃO: Cidade de São Paulo. Bairro proletário, situado em uma zona industrial.

ÉPOCA: Ano de 1942 - Plano do presente, nas vésperas do Natal.
Década de 30 - Plano da memória de Juca, o personagem principal.

CENÁRIO: Ambientação em uma casa modesta e - até - simplória.
Improvisação é a arte de viver desta família de recursos limitados. A sala de visitas muda, como em um passe de mágica, para sala de refeições. A cozinha tem ligação direta com a sala, assim como todos os outros cômodos (Quartos e banheiros).

EXTERNAS: Ruas do centro do bairro, ambientadas para o ano de 1942.

ILUMINAÇÃO: No plano entre o passado e a loucura de Juca, a iluminação é propositalmente opaca.

EFEITOS ESPECIAIS: No plano entre o passado e a loucura do Juca, devem ser usadas lentes especiais que deformem a imagem dos personagens.







O PERU DE NATAL
São Paulo, ano de 1942, vésperas do Natal.


CENA Nº 01 - RUA DE UM BAIRRO POBRE. EXT/DIA.

PAN - CÉU CINZENTO. NO HORIZONTE VÊ-SE CHAMINÉS DE FÁBRICAS FORMANDO DENSOS NEVOEIROS. DE CIMA PARA BAIXO, A CÂMARA FAZ UM VÔO RASANTE POR CIMA DO BAIRRO.

FECHANDO O PLANO - UMA RUA. PERSONAGENS SIMPLES SÃO DETALHADOS: O VERDUREIRO QUE PASSA MERCANDO, O LEITEIRO CARREGANDO VASILHAMES, O JORNALEIRO EXPONDO AS NOTÍCIAS DO DIA E ALGUNS MENDIGOS (POUCOS) NAS CALÇADAS.

CENA Nº 02 - CASA DE JUCA. EXT/DIA.

FRENTE. PINTURA AMARELADA E DESBOTADA. NÃO ESCONDE A NECESSIDADE DE UMA REFORMA. CINCO PESSOAS ENTRAM PELO PORTÃO.

CONTRA-REGRA - RANGIDO DO PORTÃO.

CENA Nº 03 - CASA DE JUCA. INT/DIA.

SALA. A PORTA PRINCIPAL SE ABRE. ENTRAM EMÍLIA, MARGARIDA, ALFREDO COM SUA NOIVA E JUCA. VESTIDA DE NEGRO, EMÍLIA TEM UM TERÇO NAS MÃOS, ALFREDO NÃO LARGA A MÃO DA SUA NOIVA E MARGARIDA VESTE UM VESTIDO COMPRIDO DEMAIS PARA A ÉPOCA. QUASE TODOS ESTÃO CABISBAIXOS, EXCETO O JUCA. ELE VAI ATÉ UMA CÔMODA, LIGA O RÁDIO E SE SENTA COM AS PERNAS SOBRE O SOFÁ.

CONTRA-REGRA - O RÁDIO TOCA UM HIT DA ÉPOCA.

ALFREDO - Desliga isso, ô Juca!

MARGARIDA SAI DO SEU QUARTO E DESLIGA O RÁDIO. DÁ UMA PALMADA CARINHOSA NAS PERNAS DO JUCA, TIRANDO-AS DE CIMA DO SOFÁ.

EMILIA - (REZANDO O TERÇO). É cedo para se comportar assim, filho. Seu pai hoje faz cinco meses de morto.
JUCA - E daí?
ALFREDO - Respeite os mortos, Juca!

ZUMIRA SAI DA COZINHA COM UMA BANDEJA DE CAFÉ. TODOS SE SERVEM, EXCETO JUCA.

JUCA - Não quero. Café dá insônia.

ZUMIRA BALANÇA OS OMBROS E RESOLVE SE SENTAR ENTRE O ALFREDO E A SUA NOIVA.

ZUMIRA - Como foi a missa?
MARGARIDA-Lá vem a tia...
EMÍLIA - Padre Santo fez um belo sermão.
MARGARIDA-Poucos amigos. A senhora sabe quanto o pai era introvertido.
ALFREDO - Mas o Chefe dele tava lá. Me deu até a caneta do pai!... Disse que, se eu me esforçar, em pouco tempo eu assumo o cargo que era dele.
JUCA - (PIGARREANDO) - Pois você se casa, tem filhos, fica velho e não vai passar da cadeira de aprendiz.
ALFREDO - Despeitado. Não é à toa que todos te chamam de "louco".
JUCA - Eu falo o que penso. Se isso é loucura, sou louco sim!
EMÍLIA - (TOM DE VOZ COMPLACENTE) - O que é isso, meninos!
JUCA - Aquele cargo fez do papai um homem triste... sem vontade de sorrir.

EMÍLIA COLOCA O TERÇO JUNTO À BANDEJA DE CAFÉ. ATENTA NA CONVERSA, ZUMIRA TIRA AS XÍCARAS DE CIMA DA MESINHA, PARA NÃO SUJAR A TOALHA.

ZUMIRA - E da nossa família?... Garanto que todos foram à missa do Juvenal.
MARGARIDA-Muda de assunto, tia Zumira.
ZUMIRA - Já que não fui, quero saber, ora!
JUCA - Só foi a tia Velha. Gorda e gosmenta... um entojo só!
ZUMIRA - E a Rafaela, o Dinho, o Arnaldo, os meus sobrinhos?
ALFREDO - Deveriam estar ocupados.
ZUMIRA - A ponto de esquecer a missa do pai de vocês??!!!
JUCA - A tia Velha só foi por causa da quermesse. Êta gorda usurária! Na hora de dividir o dinheiro, metade vai para a paróquia e a outra para ela.
EMÍLIA - Não fale assim, filho. Quem te ouve dizendo essas coisas, vai pensar o que de nós?
JUCA - Nada. Mas vão pensar tudo da tia Velha.
ALFREDO - Despeitado!
JUCA - Me chamem logo de louco. Não me importo mesmo...

MARGARIDA SE LEVANTA E LEVA O RÁDIO PARA SEU QUARTO. ENQUANTO ZUMIRA SAI DA COZINHA COM UMA TOALHA DE MESA NAS MÃOS.

ZUMIRA - Fica feio assim, Juca. Onde já se viu fazer esse tipo de comentários dos seus próprios parentes? E logo eles... gostam tanto de você!
JUCA - Gostam, sim! Gostam tanto de mim quanto de vulgaridades. Já se esqueceu, tia Zumira, das humilhações que passei por causa deles?... Jeito estranho este de se gostar.

MARGARIDA SAI DO QUARTO E TENTA CONVENCER JUCA A ACOMPANHÁ-LA.

MARGARIDA-Vem cá pro quarto, Juca. Eu liguei o rádio pra nós.
JUCA - (HESITANTE E BAIXO) - Será que não vou desrespeitar o luto da mãe?
MARGARIDA-Vem, bobo. Ela não vai se importar. O volume está bem baixinho.

CLOSE EM JUCA. DE IRRITADO A SUA EXPRESSÃO FICA SERENA.

CENA Nº 04 - CASA DE JUCA. INT/DIA.

DÉCADA DE TRINTA. PLANO DA MEMÓRIA DO JUCA.
A MESMA SALA. AS CORES NAS PAREDES ESTÃO MAIS VIVAS E OS MÓVEIS EM MELHOR ESTADO DE CONSERVAÇÃO.
JUVENAL, O PAI DE JUCA, ESTÁ SENTADO NA POLTRONA LENDO UM JORNAL E VESTIDO EM UM PIJAMA CINZA. ALGUMAS CRIANÇAS ATRAVESSAM A SALA BRINCANDO, DEIXANDO-O VISIVELMENTE IRRITADO. JUVENAL TAPA OS OUVIDOS E SE LEVANTA PARA DESLIGAR O RÁDIO. DESISTE AO OUVIR ZUMIRA CANTAROLANDO UMA MÚSICA DA COZINHA.
A PORTA PRINCIPAL SE ABRE. POR ELA ENTRAM EMÍLIA, JUCA, MARGARIDA E ALFREDO (AINDA MENINOS).

JUVENAL - (PARA EMÍLIA) - Esses teus sobrinhos não estão me deixando ler em paz.
EMÍLIA - (PARA AS CRIANÇAS BAGUNCEIRAS) - Vão brincar lá no quintal, meninos!

MAIS UMA VEZ, OS MENINOS PASSAM PELA SALA AOS BERROS, DEIXANDO DOBRAS NO TAPETE E AS PAREDES SUJAS.

JUVENAL - (IRRITADO) - Arre !!!!

JUCA FICA ATENTO AO PAI PERTO DA SUA POLTRONA. ALFREDO É ATRAÍDO PELO CHEIRO QUE VEM DA COZINHA.

ALFREDO - Que cheiro gostoso é esse, tia Zumira?

DA PORTA, EMÍLIA FALA ALTO COM AS CRIANÇAS.


EMÍLIA - Cuidado com a cerca, meninos. É de arame farpado.


ZUMIRA SAI DA COZINHA COM UMA BANDEJA DE BOLINHOS. ALFREDO, PERTO DELA, SALTA TENTANDO ALCANÇAR ALGUNS. JUVENAL ENCOBRE AS VISTAS COM O JORNAL.


ZUMIRA - Bolinhos de batata.
JUCA - (COM CARINHO) - Só você mesmo, tia Zú!
JUVENAL - (ABAIXANDO O JORNAL) - Você não acha que está gastando demais, Zumira?
ZUMIRA - São as sobras do ensopado de ontem, seu unha-de-fome!
MARGARIDA-(EXPERIMENTANDO UM BOLINHO) - De1ícia!
ZUMIRA - Meu sonho é passar as minhas receitas pra você. Mas você não é chegada à cozinha...
EMÍLIA - (SENTANDO-SE NO SOFÁ) - Deixa ela, Zumira. Eu só quero ver quando ela precisar segurar o marido pelo estômago.
MARGARIDA-Casamento?... (BATENDO NA MADEIRA) - Isola!! Tô feliz assim... "solteirinha da silva".
EMÍLIA - Você não vai querer casar, filha? Constituir uma família... ter filhos !
JUVENAL - Era por isso que eu não queria rádio aqui em casa. São os maus exemplos que essas cantoras dão para a juventude. Umas devassas... tudo prostituta!
MARGARIDA-Papai !!

MARGARIDA FICA OFENDIDA. ENTRA NO SEU QUARTO CHORANDO.

MARGARIDA-(SOLUÇANDO) - Você é mesmo um desmancha prazeres, papai!

CONTRA-REGRA - SOLUÇOS DE MARGARIDA.

JUVENAL VOLTA PASSIVAMENTE A LER O JORNAL. EMÍLIA SE APROXIMA COM CAUTELA E JUCA CONTINUA ATENTO.

JUVENAL - (PARA ZUMIRA) - O que seus sobrinhos vieram fazer aqui hoje?
ZUMIRA - (DE PÉ, COM A BANDEJA VAZIA NA MÃO) - Eu já te disse, homem-de-Deus.
JUVENAL - Não ouvi.
ZUMIRA - A Velha foi numa modista aqui perto.
JUVENAL - Gorda daquele jeito? (RI)... Não há vestido que lhe caiba.
EMÍLIA - A Rafaela foi ao correio apanhar uma encomenda do marido.
JUVENAL - Do Deputado? (RI)
ZUMIRA - Ele é o marido...
JUVENAL - ... Cheio de amantes.
EMÍLIA - (PERDENDO A PACIÊNCIA) - Sua filha tem toda razão. Você é mesmo um estraga prazeres, Juvenal!
JUVENAL - (ENCOBRE AS VISTAS COM O JORNAL) - Se eu tivesse dinheiro, montava uma creche pra você. Nunca vi gostar tanto de tomar conta dos filhos dos outros.

SILÊNCIO. QUASE TODOS DEIXAM JUVENAL SÓ. EXCETO JUCA. ESTE DÁ UMA LEVE PANCADA NO JORNAL PARA SE FAZER NOTADO.

JUCA - Pai.
JUVENAL - Diga, filho.
JUCA - Você tá de férias, não tá?
JUVENAL - Estou, sim.
JUCA - 0 senhor continua ganhando dinheiro?
JUVENAL - Claro.
JUCA - (PAUSA E PENSA ) - Quase todo mundo tem geladeira hoje em dia.
JUVENAL - E daí?
JUCA- Daí? ... Os doces iam ficar geladinhos..(OUTRA PAUSA)... e os salgados não iam se estragar!.
JUVENAL - Isto é alguma encomenda, filho?
JUCA - Não! Mas eu ouvi a mãe dizer que ia fazer um monte de encomendas pra fora. Se tivesse geladeira...
JUVENAL - Custa caro.
JUCA - Ela falou, que com o dinheiro das encomendas, a gente ia ter férias de verdade.
JUVENAL - Em uma "estação de águas".
JUCA - (COM INGENUIDADE) - O senhor ouviu também?
JUVENAL - Escuta aqui, filho, mesmo sem uma geladeira, aparece sempre um e outro para comer o que eu compro pra vocês, que são meus filhos! Imagine com um aparelho que conserva alimentos de um dia para o outro. Não iria sobrar nadica de nada.

CLOSE JUVENAL VISIVELMENTE COMOVIDO.

JUVENAL - Pode até não parecer, mas eu amo muito você e seus irmãos!

FECHA - OLHOS TRISTES DE JUCA

CENA Nº 5 - CASA DE JUCA. INT./DIA.

QUARTO DE MARGARIDA.

CLOSE - JUCA (ADULTO) CHORA.
ABRE O PLANO - MARGARIDA LHE FAZ CARINHO NA ALTURA DO PESCOÇO.

CONTRA-REGRA - OUVE-SE UMA MÚSICA DA ÉPOCA.

JUCA - Eu senti uma certa ternura nele. Uma única vez foi o suficiente!
MARGARIDA-(AUMENTA UM POUCO O VOLUME DO RÁDIO) - O papai era mesmo assim... imprevisível.
JUCA - (ANGUSTIADO) - Eu não chorei o pai... Eu não consegui chorar “meu pai!!”.

JUCA SE DEITA NO COLO DE MARGARIDA E CHORA SEM PARAR.

MARGARIDA-Que bobagem é essa, menino?
JUCA - Eu sou mesmo um merda. Brinco, sou irreverente, quero aparentar ser forte... Já imaginou se alguém me ver assim, chorando feito uma "Maria-mijona"?
MARGARIDA-Isso prova que você não é desprovido de sentimentos, como quer aparentar. Acho bonito.
JUCA - Os loucos não têm direito de ter sentimentos! O gesto mais sublime da loucura é o suicídio.
MARGARIDA-Me explica só uma coisa, Juca. Por que tanta mágoa? Por quê?
JUCA - (CONTRARIADO) - Não sei... Ou melhor, sei muito bem. O meu pai estava ali dentro daquele caixão em corpo e lembrança. E a minha única vontade era de dar umas boas pancadas na cara daqueles cínicos. Mas não podia.
MARGARIDA-Já passou...
JUCA - Quanta ingratidão!... (RISO NERVOSO) - O velho Juvenal era tão ausente... tão sem cor, que nem os falsos elogios foram ditos na hora da dor.
MARGARIDA-É... eles foram realistas demais.
JUCA - Foram o que sempre foram: uns chupins!... Teve uma hora que tive vontade de vomitar tudo na cara deles e falar: “Vocês só têm pose para aparentar ter posição. Esse velho que tá aí deitado não media esforços de botar comida em casa. Enquanto vocês se fartavam com o bem-bom, nós sempre ficávamos com as sobras!”
MARGARIDA-Deixa pra lá...
JUCA - E eu não chorei meu pai!!!
MARGARIDA-Foi bloqueio.
JUCA - No fundo, Margarida, eu queria que o pai fosse outra pessoa... tivesse outro temperamento. Que me acordasse com um sorriso... que parasse de usar aqueles pijamas cinzas...
MARGARIDA- Cada qual é, como é.
JUCA - Custava Deus ter dado uma mãozinha?... Talvez, por isso, eu não consegui chorá-lo. A falta de sua falta me incomoda muito!
MARGARIDA-(ENXUGANDO AS LÁGRIMAS DO JUCA) - Você já chorou demais por hoje.
JUCA - Todo morto deveria ser pranteado com lágrimas de honestidade!

A VOZ DA TIA ZUMIRA É OUVIDA DO INTERIOR DO QUARTO.

ZUMIRA - O almoço está na mesa, meninos.

CENA Nº 6 - CASA DE JUCA - INT/DIA

A SALA DE VISITAS SE TRANSFORMA EM SALA DE REFEIÇÕES. MESA POSTA COM SIMPLICIDADE E BOM GOSTO, APESAR DA IMPROVISAÇÃO DO APARELHO.

ALFREDO E SUA NOIVA SAEM DO BANHEIRO COM UMA TOALHA NAS MÃOS, JUCA SAI DO QUARTO COM MARGARIDA, EMÍLIA E ZUMIRA SERVEM A MESA. CADA QUAL SABE AONDE SE SENTA, EXCETO A NOIVA DE ALFREDO.

DETALHE - AS PANELAS ESTÃO QUENTES. VÊ-SE UM PRATO COM POUCOS BIFES, OUTRO DE ARROZ MOLE E UMA PANELA DE FEIJÃO VISIVELMENTE AGUADO.

FECHA - LUGAR VAGO NA CABECEIRA DA MESA. ENTRETANTO, A PRESENÇA DE PRATOS, TALHERES E COPO INDICAM SER DE ALGUÉM. MESMO DEPOIS DE TODOS SE ACOMODAREM, O LUGAR PERMANECE VAZIO.

NOIVA - Onde eu me sento?
EMÍLIA - Em qualquer lugar, menos na cabeceira.
ZUMIRA - O seu pratinho está aqui, filha, bem juntinho do Alfredo.
JUCA - (AO SENTAR, FAZ BARULHO, ARRASTANDO PROPOSITALMENTE A CADEIRA)
MARGARIDA-(PIGARREIA E O OLHA COM CENSURA)
EMÍLIA - (SUSPIRANDO) - Ah, Juvenal!...
ALFREDO - Se ele estivesse vivo, eu me casaria no começo do ano que vem.
EMÍLIA - Paciência, filho. Paciência!

POR DEBAIXO DA MESA, ALFREDO ACARICIA AS COXAS DE SUA NOIVA. JUCA TIRA DOIS BIFES DA TRAVESSA.

ZUMIRA - (COM ESPANTO) - Dois !!
ALFREDO - (SEM GRAÇA) - Dois... dois o quê?

FECHA - SOB A MESA,ALFREDO TIRA RAPIDAMENTE AS MÃOS DAS PARTES ÍNTIMAS DE SUA NOIVA. ELA FECHA AS PERNAS.

EMÍLIA - Nós temos visitas, Juca.
ZUMIRA - Dois bifes, Juca!!
JUCA - E daí?
ALFREDO - É mesmo um louco.
MARGARIDA-(COLOCA UM BIFE NO PRATO DA NOIVA) - Você se importa?. (SERVINDO-A)
NOIVA - (SEM GRAÇA) Não...
ALFREDO - Os tios estavam certos. Tu é mesmo um idiota completo, Juca!
JUCA - (ENCARANDO ALFREDO) - Idiota, eu?... Louco, eu?!!

SEM A MENOR CERIMÔNIA, JUCA SE ABAIXA PARA OLHAR DEBAIXO DA MESA.

MARGARIDA-(CONTORNANDO O VEXAME) - Juca, me passa o arroz, por favor.

JUCA, COM UM SORRISO ENTRE OS LÁBIOS, SE RECOMPÕE NA MESA.

JUCA - Agora tá tudo em ordem. Você pediu o que mesmo, mana?
MARGARIDA-(ENVERGONHADA) - O arroz...

CLOSE - DA IRONIA À TRISTEZA. JUCA OLHA SÉRIO PARA A CABECEIRA DA MESA.

FECHA - NA CABECEIRA, O APARELHO CONTINUA INTACTO.

CENA Nº 7 - CASA DE JUCA - INT/DIA

UMA CEIA DE NATAL. PLANO DA MEMÓRIA DO JUCA.
DETALHE - CABECEIRA DA MESA. UM QUEBRA-NOZES SOBRE A TOALHA PINTADA COM MOTIVOS NATALINOS.

JUCA (MAIS JOVEM) APANHA O QUEBRA-NOZES E SE ESCONDE COM O ALFREDO E ALGUNS PRIMOS PARA COMEREM O QUE FOI ROUBADO DA MESA. NA CASA, OS ADULTOS BEBEM E COMEM FARTAMENTE, SEM SE PREOCUPAREM COM AS “BOAS MANEIRAS”. APESAR DE AFASTADO, JUCA ESTÁ ATENTO A TUDO O QUE ACONTECE NA MESA.

PONTO DE VISTA - (DO JUCA) - OS ROSTOS DOS PARENTES NÃO ESTÃO NÍTIDOS. AS IMAGENS FICAM DISTORCIDAS NO ACALORAMENTO DE CADA DISCUSSÃO. A ILUMINAÇÃO OPACA FAVORECE O BLOQUEIO DE IMAGENS.

VELHA - Eu conheço o mano, Rafaela. Essa história de reeleição é só pretexto para esconder as amantes.
RAFAELA - Cuida da tua vida, ô gorda maldosa!
ZUMIRA - Me disseram que a sua casa é linda, Rafaela. Me convida um dia?
JUVENAL - Feita com o dinheiro de muitos impostos.
RAFAELA - Ele subiu na vida por ser competente e inteligente. Não ficou feito você: um triste “João-ninguém” marcando passo!
VELHA - Que não dá a mínima para os filhos!...
JUVENAL - Vai cuidar do teu regime, ô língua-de-trapo!
MARGARIDA-(MOCINHA) - Tia Velha e papai! Nem o Natal une vocês dois?
RAFAELA - Deixa, filhinha, deixa. Mas você não acha que é muito nova para se meter em assuntos de gente grande?
MARGARIDA-Não sei
RAFAELA - Eu lavo as minhas mãos.
VELHA - O exemplo da Zumira tá aí para todo mundo ver: Pobre e solteirona!
ZUMIRA - Porque eu quis! E daí?
JUVENAL - Antes só e feliz, do que casada e alimentando poços de vaidades.
VELHA - Preguiçoso! Com essa mentalidade, sua filha não vai passar de “prendas domésticas”.
ZUMIRA - E você, Velha, por que se mete na vida dos meninos?
RAFAELA - Alguém tem que falar a verdade!
ZUMIRA - Não me obrigue a contar o que eu sei, Rafaela.
RAFAELA - Conte e assuma.
ZUMIRA - Se lembra daquele “pai-de-santo”? Você me levou dizendo que iria salvar a sua vida conjugal. Eu vi você fazer “trabalhos” brabos. Da encruzilhada ao bode preto. Tudo para o mano não ser eleito!
JUVENAL - (RINDO) - Agora mesmo é que eu vou votar no Deputado!
MARGARIDA-(MÃOS NOS OUVIDOS) - Parem com isso, por favor!!!
VELHA - Não tape os ouvidos não. Você se meteu em nossa conversa, agora, vai ter que ouvir!

CLOSE - EMÍLIA APARECE PROTETORA.

EMÍLIA - Não faça isso com a menina, Velha!!
RAFAELA & VELHA - (JUNTAS) - Emília!!!
EMÍLIA - A minha filha não necessita escolher o noivo ou namorado pelo sobrenome, Velha.
ZUMIRA - Um escândalo! A Maria desfez o romance com o namorado, só porque ele era um pobretão!
MARGARIDA-E agora, tá igual maçaneta de porta: todo mundo anda passando a mão.
VELHA - Vocês são duas despeitadas. Mentirosas!
EMÍLIA - A minha filha jamais será objeto de leilão.

NA IMAGINAÇÃO DE JUCA, O TIO DEPUTADO APARECE SORRINDO E CERCADO DE MULHERES SEMINUAS.

DEPUTADO - A Maria tá noiva do filho de um Senador da República! Ele está pagando até um médico de hormônios para Velha.

TODOS ENXERGAM A APARIÇÃO DO DEPUTADO.

VELHA - Olha lá seu marido, Rafaela! O safado anda cheio de amantes mesmo.
RAFAELA - Você não me mete medo algum, sua gorda insegura.
JUVENAL - (TRABALHANDO) - A gorda está sendo sustentada pelo futuro genro.
VELHA - Eu sabia que o meu irmão tinha picuinhas comigo. Mas é mentira, eu juro. Tudo mentira!
EMÍLIA - Deixa de arrotar doce, Velha. É tudo verdade. A Maria está em leilão, leva quem der mais!

JUCA DEIXA DE QUEBRAR NOZES E ENTRA NA CONVERSA.

JUCA - Vocês estão falando o que de Maria?
RAFAELA - (COM RAIVA) - Cala a boca, seu desequilibrado!
ZUMIRA - O menino só fez uma pergunta.

O DEPUTADO SE MATERIALIZA. SE LEVANTA DA POLTRONA, DEIXA PARA TRÁS AS MULHERES SEMINUAS, ABRAÇA O JUCA E SE SENTA COM ELE EM BAIXO DA ÁRVORE DE NATAL.

DEPUTADO - (PARA JUCA) - Vamos esquecê-las um pouco. Me empresta este quebra-nozes... tô morrendo de fome.

A DISCUSSÃO PROSSEGUE COMO SE NÃO HOUVESSE MAIS NINGUÉM ALI.

EMÍLIA - O Juca ainda é muito jovem...
VELHA - Além de louco, é tarado. Você sabe o que ele fez na Maria ainda quando meninos?

A CONFUSÃO SE GENERALIZA. ENQUANTO ISTO, JUCA E O DEPUTADO COMEM NOZES, FIGOS E AVELÃS EM BAIXO DA ÁRVORE DE NATAL.

PLANO ABERTO - A IMAGEM DO DEPUTADO SE DESMATERIALIZA. JUCA FICA OLHANDO PARA O ESPAÇO, COMO SE PROCURASSE UM FANTASMA.

CENA Nº 8 - CASA DE JUCA. INT/DIA

SALA DE REFEIÇÕES.
CLOSE - JUCA ESTÁ EM TRANSE.

JUCA - (SORRISO TERNO) - Ah... o Deputado ! (FICA SÉRIO) E a Maria?... Por que eu me irritava quando falavam assim dela?... Só hoje é que eu sei.

O ALMOÇO PROSSEGUE COM POUCO ASSUNTO. ZUMIRA FALA O QUE LHE VEM A CABEÇA.

ZUMIRA - Será Alfredo, que você vai se casar antes da Maria?
NOIVA - Maria?... Quem é Maria?
ALFREDO - Uma prima nossa.
ZUMIRA - Noiva do filho de um Senador da República!
EMÍLIA - (COM DEBOCHE) - Grandes coisas...
JUCA - (REPENTE) - Por que a senhora não aproveita o domingo e vai assistir uma fita no cinema?
EMÍLIA - Onde já se viu, filho, ir ao cinema de luto fechado?!!
ALFREDO - Falta de respeito com a mãe, Juca.
JUCA - A nossa casa também é lugar de respeito, Alfredo.
ALFREDO - E daí?
JUCA - Eu mantenho a dignidade em qualquer lugar onde eu entro. Seja em igrejas até a pernas de noivas!
ZUMIRA - (DISFARÇANDO) - Que tal um cafezinho?
ALFREDO - (SEM GRAÇA) - Bom.

ZUMIRA LEVA ALGUNS PRATOS PARA A COZINHA. INCLUSIVE OS DA CABECEIRA DA MESA.

EMÍLIA - (FALA ALTO) - Zumira, lave os pratos com cuidado, sim? O Juvenal detestava ver as bordas dos pratos quebradas.
JUCA - (OUTRO REPENTE) - Bom... Neste Natal, eu quero comer um peru recheado!

CONTRA-REGRA - BARULHO DE PRATOS QUEBRANDO NA COZINHA.

ZUMIRA - (FALANDO ALTO) - Que bom!!!
ALFREDO - Você sabe o quanto está custando um peru?
EMÍLIA - Olhe os pratos, Zumira !!!

ZUMIRA VOLTA DA COZINHA. CURIOSA, ELA SE SENTA NA MESA.

ZUMIRA - Maravilha !... Um peru só para nós?
EMÍLIA - Quantos pratos você quebrou?
ZUMIRA - Não foi o do finado.
EMÍLIA - (OFENDIDA) - Zumira !!!
ZUMIRA - O Juca falando da nossa ceia de Natal, e você fica aí pensando em pratos quebrados? Quanta bobagem !
MARGARIDA-Tô toda animada.
ZUMIRA - (TRISTE) - É... é uma pena!...
MARGARIDA-Pena? Por quê?
ZUMIRA - Estamos de luto. Não podemos convidar os nossos parentes.
JUCA - Espera aí, gente. O mundo não se acabou só porque o pai não tá aqui conosco, não!

ALFREDO SE LEVANTA E SE APOIA NA CADEIRA DE EMÍLIA.

ALFREDO - Eu estou com a mamãe. Sou contra!
MARGARIDA-Ela ainda não disse nada.
ZUMIRA - Eu não posso falar nada. Esta casa não é minha...
JUCA - Mas posso eu! Eu acho até sadio ter o papai sempre na lembrança, mas vocês estão passando dos limites. A dor do papai está virando uma obsessão doentia nesta casa, e isto é muito mau.
MARGARIDA-Eu concordo.
ZUMIRA - Continuo calada. Mas eu tô louca pelo peru.
JUCA - Até a saudade tem limites!
ALFREDO - (JUNTO DE EMÍLIA) - Você sabe quanto está custando um peru?
JUCA - Custa caro. Mas eu pago.
MARGARIDA-(ANIMADA) - Quem vai comprar sou eu, ouviu Zumira?
EMÍLIA (PASSIVA) - Eu não sei não... Peru é prato de festa.
JUCA - Nós merecemos esta festa. E vamos tê-la!

ALFREDO TIRA A NOIVA DA MESA. LANÇA UM OLHAR DE REPROVAÇÃO PARA JUCA.

CENA Nº 9 - CASA DE JUCA - INT/DIA

MEMÓRIA DO JUCA. ANIVERSÁRIO DE ALFREDO.
SALA. A MESA DA FESTA ESTÁ FARTA EM DOCES, FRIOS, REFRIGERANTES E UM PERU BASTANTE TOSTADO.
CORTA PARA A COZINHA. EMÍLIA E ZUMIRA ESTÃO CANSADAS DE TANTO TRABALHAREM.

CONTRA-REGRA - OUVE-SE O “PARABÉNS PRA VOCÊ”.

CORTA PARA A SALA. MAL ALFREDO ACABA DE RECEBER OS CUMPRIMENTOS DOS AMIGOS, VÁRIAS PESSOAS CERCAM A MESA COMENDO TUDO O QUE FOI PREPARADO.

DETALHE - AS SOBRAS DO PERU NA BANDEJA.

CENA Nº 10 - RUAS CENTRAIS DO BAIRRO. EXT/DIA

MARGARIDA SAI DE UMA “CASA DE AVES” COM UM EMBRULHO NAS MÃOS. AO PASSAR EM FRENTE AO CINEMA, ELA VÊ MARIA DE ABRAÇOS E BEIJOS COM O EX-NAMORADO.

CENA Nº 11 - CASA DE JUCA. INT/NOITE

VÉSPERAS DE NATAL DE 1942. COZINHA. EMÍLIA E ZUMIRA ESTÃO SENTADAS NA MESA (TAL QUAL A CENA Nº 9 ). JUCA ENTRA FALANDO ALTO.

JUCA - Onde está o nosso peru?
ZUMIRA - A Margarida foi comprar.
EMÍLIA - Essa brincadeira deve estar saindo caro pra você, não, filho?
JUCA - Bom... Se eu imaginar o peru em cima da mesa da sala, recheado com uma farofa gorda... Ah, que delícia! Vai me sair até bem baratinho.
ZUMIRA - (COM AS MÃOS NO QUEIXO) - Já imaginou, Emília... um peru só para nós!
JUCA - Depois da farofa com bastante manteiga, junta-se ameixa preta, nozes e um cálice de xerez! Não posso nem imaginá-lo. Foi assim que eu aprendi em casa de Ro...
EMÍLIA - ... Da Rose, não foi?

MARGARIDA ENTRA NA COZINHA COM UM EMBRULHO NAS MÃOS. APRESSADA, ELA NEM NOTA A PRESENÇA DO JUCA.

MARGARIDA-Vocês não sabem quem eu vi na porta do cinema abraçada com o pobretão do ex-namorado.
ZUMIRA - Quem?
MARGARIDA-A prima Maria.
ZUMIRA - Ah, se a Velha visse isso!
MARGARIDA-A biscate está é mesmo atrás do dinheiro do filho do Senador.

EMÍLIA FAZ GESTOS PARA QUE MARGARIDA NOTE A PRESENÇA DE JUCA.
MARGARIDA E ZUMIRA DESEMBRULHAM O PERU. SENTADA NA MESA, EMÍLIA CONTINUA FAZENDO SINAIS. JUCA CONTÉM AS MÃOS DE SUA MÃE.

MARGARIDA-A Maria também não fica só de “santinha” nessa história, não. Bem que ela deve estar gostando e...(MARGARIDA PERCEBE JUCA E PERDE A GRAÇA).
JUCA - Continue. Só quero confirmar o que eu já sabia.
MARGARIDA-Me desculpe, Juca. Você escutou tudo?
JUCA - Não sou surdo.
EMÍLIA - (LEVANTANDO-SE DA CADEIRA) - Vamos cuidar do nosso peru, linguarudas.

JUCA PERMANECE SENTADO.

FECHA - NOS SEUS CABELOS. OS DEDOS ENCARACOLANDO-OS.

CENA Nº 12 - CASA DA TIA VELHA. INT/NOITE

PLANO DE MEMÓRIA DO JUCA. (DEZ ANOS ATRÁS)
QUARTO DE DISPENSA. JUCA E MARIA AINDA CRIANÇAS. OS PRIMOS ESTÃO DEITADOS EM UM COLCHÃO.

DETALHE - MARIA FAZ CACHOS NOS CABELOS DE JUCA.

MARIA - Vamos fingir de dormir?
JUCA - (NERVOSO) - Fingir de quê?
MARIA - Somos marido e mulher, não somos? (PAUSA) - Então, podemos dormir juntos! Eu me viro pra esse lado e você fica tomando conta de mim.
JUCA - (CHEIRANDO OS SEUS CABELOS) - Eu?
MARIA - Claro. Você é o dono da casa.

MARIA OLHA PARA CIMA. SE LEVANTA RAPIDAMENTE DO COLCHÃO PARA FECHAR AS VENEZIANAS. VOLTA A SE DEITAR COM CUIDADO PARA NÃO AMARROTAR O VESTIDO.

JUCA - Seus cabelos cheiram tão bem...
MARIA - Eu gosto quando você respira neles. (DEITADA) - Vem, Juca. Chega mais pertinho de mim!

OS CORPOS DE JUCA E MARIA SE TOCAM. ELE CHEIRA O CABELO DE MARIA E LHE VEM UMA VONTADE IMEDIATA DE ESPIRRAR.

MARIA - Não espirra alto não, Juca. Senão, todos vão saber lá embaixo que você tá aqui.

A BOCA DE MARIA FALA SENSUAL PERTO DA DE JUCA. CONFUSO, ELE NÃO RESISTE, E BEIJA MARIA COM CERTA INGENUIDADE.

DETALHE - A PORTA DO QUARTO SE ABRE LENTAMENTE.
CONTRA-REGRA - OUVE-SE O RANGER DA PORTA.
CLOSE - JUCA E MARIA SE ASSUSTAM. INTERROMPEM O BEIJO.
PONTO DE VISTA - (DAS CRIANÇAS) - A TIA VELHA É VISTA DE BAIXO PARA CIMA,BEM EM FRENTE AO COLCHÃO.

VELHA - Levantem-se!... Vou contar pra sua mãe, Juca.

MARIA FICA SENTADA. JUCA FICA DIANTE DE VELHA.

JUCA - (COM INGENUIDADE) - Me dá um doce, tia Velha?
VELHA - (IRRITADA) - Vamos! Saiam já desse quarto.
MARIA - (COM INDIFERENÇA) - Tô indo.

VELHA APANHA ALGUNS PRATOS DE DOCE. ACOMPANHA A SAÍDA DE JUCA E MARIA DO QUARTO/DISPENSA.

CENA Nº 13 - CASA DE JUCA. INT/DIA

COZINHA. ZUMIRA E MARGARIDA TIRAM O PERU ASSADO DO FORNO.
CLOSE - JUCA FICA PENSATIVO. DESPERTA COM ZUMIRA.

ZUMIRA - Eis o nosso peru!

MARGARIDA E ZUMIRA COMEMORAM. FELIZ, EMÍLIA APOIA JUCA.

CENA Nº 14 - CASA DE JUCA. INT/NOITE

DIA DO NATAL. A SALA ESTÁ ORNADA COM ENFEITES NATALINOS. NA MESA, HÁ ARRANJOS DE BOM GOSTO, ALGUNS PRATOS NOVOS E VELAS PARA O INSTANTE DA CEIA.

A PORTA DA ENTRADA SE ABRE. EMÍLIA, JUCA, MARGARIDA E ZUMIRA ENTRAM FALANDO A RESPEITO DA “MISSA DO GALO”.

EMÍLIA - Já sei, gostaram dos sermões do Pe. Santo.
JUCA - Poderiam ser melhores. Se ele tomasse umas boas aulas de dicção.
ZUMIRA - Posso tirar a nossa ceia?
MARGARIDA-Finalmente!... Um peru só para nós.

ZUMIRA VEM DA COZINHA. COLOCA A TRAVESSA COM O PERU SOBRE A MESA.

ZUMIRA - Pena!... Nós somos tão poucos.
JUCA - (COM CARINHO) - Este é o tamanho da nossa família. Entendeu agora, tia Zu?
EMÍLIA - Onde será que o Alfredo se meteu?

ALFREDO ENTRA NA SALA APRESSADO. ESTÁ SÓ. DESCANSA UM POUCO.

JUCA - (CRÍTICO) - Sem parentes nem aderentes! (RI)

TODOS ESTÃO SE SENTANDO NA MESA.

DETALHE - CABECEIRA DA MESA AINDA VAZIA.

JUCA - Mãe! Hoje a senhora se senta aqui.

JUCA PUXA A CADEIRA PARA EMÍLIA NA CABECEIRA DA MESA. ELA SE SENTA MEIO SEM JEITO.

MARGARIDA-O Juca foi quem me passou a receita.
JUCA - Mentirosa! O mérito é das grandes mulheres que conviveram conosco ao longo do tempo.
EMÍLIA - (ALEGRE) - Mas foi a Rose quem te deu a idéia.
JUCA - (ORGULHOSO) - Lá isso foi!
ZUMIRA - Rose?... Quem é essa tal de Rose?
MARGARIDA-Uma namorada do Juca. Só a mamãe era quem sabia. Sabe... me deu até um certo ciúme.
ALFREDO - (DE BOM HUMOR) - E a Violeta?
MARGARIDA-Eu, se fosse o Juca, já poderia até montar uma floricultura. Rose... Violeta...
JUCA - (RINDO) - Só está faltando uma coisa.

JUCA VAI ATÉ A COZINHA E TRAZ O XEREZ COM ELE.

MARGARIDA-Que tal: “THE GARDNER”?
JUCA - E que tal bebermos este xerez?
EMÍLIA - Eu preferia uma cerveja doce.

ZUMIRA SE LEVANTA E VAI APANHAR ALGUMAS CERVEJAS NA COZINHA.

ZUMIRA - E quem disse que eu não comprei? (FALA COM EMÍLIA) - A preta é sua, e esta de casco escuro é a minha.
JUCA - E quem é que vai nos servir?

AMBIENTE DE MUITA FELICIDADE. AS BEBIDAS SÃO SERVIDAS. EMÍLIA COMEÇA A CORTAR O PERU EM FINAS FATIAS, DEIXANDO UMA BOA PARTE NA TRAVESSA.

JUCA - Não senhora! Corte-o inteiro. Só eu como o que ficou na travessa.
EMÍLIA - Deus me perdoe, filho... No mundo há tantos necessitados!...
ALFREDO - Eu estou com muita fome.
JUCA - Nós também somos carentes.

JUCA SE LEVANTA E COLOCA O PEDAÇO MAIS RECHEADO DO PERU NO PRATO DE EMÍLIA.

MARGARIDA-É um louco mesmo!

EMÍLIA SE EMOCIONA E COMEÇA A CHORAR. COMO SE EM UMA REAÇÃO EM CADEIA, MARGARIDA E ZUMIRA TAMBÉM CHEGAM ÀS LÁGRIMAS.

JUCA - (SEGURANDO O CHORO) - Diabo de família besta! Todo mundo chorando em volta de um peru... (CHORA)

A CEIA SEGUE EM SILÊNCIO. OUVE-SE APENAS O BARULHO DOS TALHERES E DOS SOLUÇOS.

EMÍLIA - Só está faltando mesmo o teu pai.
JUCA - De onde ele estiver, deve estar injuriado. Sei que ele daria tudo para estar conosco nesta mesma cena.

CENA Nº 15 - CASA DE JUCA. INT/MADRUGADA.

SALA NA PENUMBRA. JUCA DESCE AS ESCADAS. ANDA NA DIREÇÃO DA PORTA COM CUIDADO PARA NÃO FAZER NENHUM BARULHO.

A LUZ DO ABAJUR ACENDE. EMÍLIA ESTÁ SENTADA NA POLTRONA.

EMÍLIA - Vai sair, filho?
JUCA - Vou. Quer dizer... Tenho!
EMÍLIA - Vai ver a Rose.
JUCA - Ela está me esperando.
EMÍLIA - Vá!... Mas só se case por amor.
JUCA - Por quê isso agora?
EMÍLIA - Porque você ama Maria.
JUCA - A senhora fala pouco, mas pressente tudo!

JUCA VAI ATÉ A POLTRONA E DÁ UM LONGO BEIJO NA FACE DE EMÍLIA.

EMÍLIA - Para que Deus criou as mães?

JUCA ANDA NA DIREÇÃO DA PORTA.

JUCA - Já estou atrasado.
EMÍLIA - Obrigada, filho! Você provou que o espaço físico não está no tamanho da casa, está sim, no grande vazio do nosso coração!
JUCA - E... para que servem os filhos?

JUCA SAI DE CASA E FECHA A PORTA. A LUZ DO ABAJUR SE APAGA.




FIM

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