O ENIGMA DAS TRÊS CARTAS
-baseado na obra de Roberto Arlt-
elenco: (Sr. Perolet); menino(a) vendedor(a); Isadora Perolet); policial ;
Inspetor (); Detetive ()
CENA UM
[Perolet anda pela rua. Se sente seguido e se vira bruscamente. Mão no bolso verifica o revólver, com cuidado. Com temor ele se direciona ao local onde o vulto se escondeu. Alternadas imagens entre Perolet se aproximando e a coluna. Quando cruza a coluna não há mais vulto, apenas um menino(a) que vende qualquer coisa. O menino(a) entrega-lhe uma mensagem. Perolet a lê em off:
P: “Cruel Perolet, amanhã ou depois vou te matar”. [Assustado, um suor frio pelo rosto. Pega uma moeda do colete e dá para o(a) menino(a). Perolet olha para os lados procurando o autor e sai, rapidamente].
CENA DOIS
Perolet chega em casa. A mulher o recebe, arrumando o avental
IP: Chegou cedo hoje. [enquanto retira o capote] Aconteceu alguma coisa?
[Perolet vai ao armário e bebe qualquer negócio. Depois, abre uma gaveta e pega uma carta. A mulher lê:]
IP: Perolet, sabemos que você se dedica à espionagem. Vá embora para seu país ou matamos você. [ela fica assustada e fica sem fala. P pega a carta da mão dela amassa e joga no lixo. Detalhar o lixo. Encosta-se no armário, olha para ela e cruza os braços. Não sabe o que fazer].
CENA TRÊS
[P está no escritório. Mexe em algumas caixas cuidadosamente. Tocam a campainha, ele estremece, quase deixa cair uma. A mulher vem de lá de dentro e abre a porta, recebe uma carta. Se aproxima de P:]
IP: Olha!
[Ela entrega a carta. Ele a abre com certo cuidado]
P: Perolet. Sabemos que jogou nossa primeira carta no cesto de arame. Você está brincando com fogo. [se levanta] É a terceira carta. Não sei mais o que fazer. Não temos empregados. Como é que descobriram que eu joguei a carta no meu cesto do escritório? [a mulher está assustada] Estão me vigiando. E querem me matar.
CENA QUATRO
[Na Polícia. Plano geral: Conversa com um policial que faz anotações, em off. Plano americano. O policial sorri, divertido, enquanto anota.]
P: ...E digo para o senhor que eu desconfio até da polícia, eu confesso... até da polícia.
Pol: Tranquilize-se, senhor Perolet... fique calmo...
P: mas eu não sou um espião... nunca fui...
Pol: Tranqüilize-se... fica melhor para o senhor que se vá para casa. Descanse... tudo está anotado...
P: Mas o senhor tem que entender...
Pol: Não faça caso dessas peças de mau gosto... isso deve ser coisa de algum de seus concorrentes. [Perolet sai. O policial o olha sair e continua, divertido na sua escrita].
CENA CINCO
[Perolet e Isadora tomam um chá. Ela o serve]
P: Resolvi que vou me tranqüilizar. Assim querem os policiais.
IP: Mas o que é que eles disseram?
P: Disseram que tudo aquilo não era nada... com eles, não é mesmo... que pode ser coisa de algum comerciante velhaco.
IP: [balançando a cabeça, ansiosa] por que não você não volta para o Brasil? Eu ficaria aqui com meus pais e cuidaria dos negócios...
P: Ora, ora... tem medo desses valentões? [toca a campainha. Eles se olham. A porta. Nervosos. Isadora vai atender. Rosto apreensivo de P. Ela volta com um pacote. Ela vai para a cozinha. Grita. P corre para lá. Vê o pacote aberto. Um objeto metálico].
IP: É uma bomba! É uma bomba. [P sente um aperto no coração e cai no tapete].
CENA SEIS
Perolet está de cama e termina seu atendimento. IP entra apertando as mãos.
IP: Tudo bem com você?
P: Agora estou melhor.
IP: Os policiais levaram a tal bomba para análise...
P: Alguma novidade, alguma pista?
IP: Não se levante... Trouxeram o laudo enquanto você se recuperava.
P: Então...
IP: A bomba consta de um envoltório enegrecido, de lata, contendo...[cara de muxoxo]... contendo uma porção de musse de chocolate...
P: Musse de chocolate?
IP: ... o laudo continua...a bomba é totalmente comestível e, portanto, inócua. [P põe a mão no rosto]. Querido... no entanto, no seu interior tinha um bilhete...[ela passa o bilhete, enquanto P lê, ela fala]: Perolet, te prepara para receber uma de ferro e dinamite. [Fade].
CENA SETE
[Perolet recebe um inspetor. Aperto de mãos. O inspetor nota IP e de vez em quando lança um olhar no corpo da mulher]
P: Inspetor?
K: Kirino... Inspetor Kirino.
P: Essa é minha esposa... Isadora Perolet.
K: [batendo o calcanhar] Minha senhora.
P: Nessa grande cidade tem alguém que deseja me matar. [O inspetor anota] Já recebei três cartas. Parece que ele não está mais se contentando com as cartas.
K: Inimigos! O Sr. tem inimigos?
P: Não! Não acredito que tenha. Mas eu sei que eles querem me fazer mal e estão informados de todos os meus movimentos.
[os três se olham. IP e P como que pedindo ajuda. K se levanta]
K: Prometo trabalhar nesse caso. [sai]
CENA OITO
[Perolet saindo do escritório topa com outro pacote, maior ainda. Olha para todos os lados. Tomadas do rosto. Leva o pacote para dentro. Fica na dúvida se abre ou não. Hesita em cortar os barbantes e no fim, nervoso joga o pacote pela janela. Do alto ele v~e que uma cobra sai de lá de dentro. Perolet parte para a rua. Vai pegando as cartas que tem no bolso e joga uma a uma para a rua. De repente para em uma. E abre atentamente. Imagem do panfleto: - A agência Juve oferece seus serviços aos senhor Perolet. Preços módicos. Discrição absoluta.
CENA NOVE
[Perolet batendo na porta com força. A porta se abre. Entra numa sala escura. O detetive está sentado com os braços sobre a mesa cheia de papéis. P o cumprimenta. Senta-se.
DET: Sou o diretor da Agência e faço minha propaganda através de circulares enviadas a comerciantes que figuram no guia telefônico. [Perolet olha em torno, inseguro] Não se surpreenda com nossas modestas instalações. O luxo exige despesas que sempre são pagas pelo cliente. O que o senhor prefere? Uma eficiente investigação ou uma empresa que debitaria seus móveis modernos na sua conta?
P: O senhor tem razão. Isso é lógico e honradamente comercial.
DET: Conte sua história.
[inclusão de passagem de tempo enquanto P conta, DET anota tudo, inclui aí a trilha sonora, até que o DET o interrompe]
DET: Essa bomba... não era uma caixinha com areia?
P: Não... estava cheia de musse de chocolate. Mas, como o senhor sabe que era uma bomba falsa?
DET: Se fosse verdadeira o senhor não estaria aqui. [Perolet faz um movimento em direção ao braço esquerdo, pensativo. O DET, que anota tudo, se eleva num rompante, mirando Perolet e apontando-lhe o dedo].
DET: O senhor é doente do coração.
P: [fgaguejando] Sim, sou doente. Como adivinhou?
DET: [sorrindo] A questão é simples. Não houve nesses atentados intenção direta de feri-lo ou matá-lo. Primeiro, as cartas anônimas, depois uma bomba de chocolate, depois ainda um serpente que, decerto, era uma cobra d’água. Enfim, seu caso pode ser definido como de “agressão indireta”. Contra quem se acomete uma “agressão indireta”? Contra quem está doente de algum órgão vital e pode morrer durante intensa comoção. [P se abate].
P: Simples e profundo!
DET: Quem seria beneficiado com a sua morte? Quem herdaria seus bens?
P: Minha esposa.
DET: Ela tem vinte anos a menos que o senhor. O homem que o seguiu, que escreveu a ameaça no tal papel era, certamente, o amante dela. Mas, é claro, isso tudo ainda é especulação de minha parte. Estou apenas jogando com os dados. Senhor Perolet, a investigação completa lhe custará dois mil francos. Mil à vista e mil na entrega do culpado à polícia.
[P está mal e aperta o peito]
P: [num sopro de voz, enquanto tira o talão do bolso] Não esperava isso de Isadora! [Preenche um cheque] Tem certeza? [enquanto dá o cheque o outro dá de ombros como quem diz: “Pode até ser, sei lá!”. Então, abre-se a porta e o Inspetor aparece com 3 policiais.
I: Finalmente pegamos você, Archibaldo Gomes. Agora você não escapa.
[DET não se assusta, dá de ombros outra vez e devolve ao assustado P].
I: [enquanto se efetua prisão] Senhor P, tenho a satisfação de comunicar que descobrimos seu misterioso inimigo e o golpe que estava tramando. Esse homem, Archibaldo Gomes, português de nascimento e vigarista internacional, esteve empregado, durante certo tempo, numa companhia de seguros, tendo a oportunidade de informar-se de todos os contratos recusados por motivo de doença cardíaca do proponente. Inventou então, o ardil de perseguição e da tal ”agressão indireta”, oferecendo seu serviços de detetive particular às mesmas pessoas depois de atemoriza-las com ameaças. As vítimas sempre acharam que esse homem era um extraordinário detetive devido às suas lógicas conclusões... tudo bandalheira.
P: [suspirando aliviado] Como descobriram?
I: Nada demais. Interceptamos algumas de suas cartas pelo Correio. A sua senhora nos deu mais detalhes sobre mensagens e bilhetes e foi ela que deu a pista definitiva: ela nos falou do oferecimento de serviços que a Agência Juve, desse nosso senhor Archibaldo, deu para o senhor. Tivemos, então, a certeza de estar na presença do autor da “agressão indireta”, procurado pela polícia internacional. Uma discreta vigilância fez o resto.
P: [entregando o cheque ao Inspetor] Senhor inspetor, se não morri até agora, com essas emoções, acredito que...
DET: Senhor Perolet, fique tranqüilo. Os homens de coração de cristal são aqueles que têm vida mais longa. [carregam o sujeito].
[P volta mais contente para a residência]
P: [depondo suas coisas na mesa] Isadora, pegaram o criminoso. O nosso amigo inspetor fez um trabalho excelente. Ele chegou na última hora e zás... pegou o pilantra [ao abrir a porta vê que Isadora está trepando, gemendo, com o policial do DP. Eles o olham. Ele olha o casal. Ela dá um sorriso. P começa a morrer, deslizando para o chão. Enquanto ela uiva cada vez mais. É necessário um toque perverso de obscenidade, por isso o fade out final deve terminar sobre as palavras e gemidos dela].