Para você que sempre respirou normalmente, eu imagino que deve ser praticamente impossível imaginar como se sente um condenado. Com certeza. Você não é capaz de imaginar o que é fazer um esforço sobre-humano para arrancar oxigênio do ar que nos rodeia; minuto após minuto, hora após hora, dia após dia.
Lufar lenta e profundamente, escutando o chiado forte, úmido e borbulhante que vem lá do fundo do peito, das profundezas de minhas fossas abssais pulmonares — sempre cansadas e doloridas demais para que eu lhes dê atenção. Ou então, simplesmente interromper a respiração: deliberadamente esvaziar os pulmões — por trinta segundos ou mais — apenas para deixar o diafragma descansar. Este pobre músculo castigado pelo esforço. Dureza...
O pior são as tosses. Violentos e intermináveis acessos de tosse, que por mais absurdo que possa parecer, têm hora marcada para me atacar. Sempre no fim da tarde, mais ou menos no horário da Ave-Maria. Geralmente começam com uma chiadeira borbulhante, evoluindo para uma coceirinha sem-vergonha lá no fundo dos pulmões, passando depois a um comichão enfebrado que sobe pela traquéia até arrebentar diante das amígdalas sob a forma de um estrondo causticante — cof! — e de um leque de gotinhas cor de vinho-do-porto, como que lançadas por um borrifador de plantas.
Os sangramentos têm sido cada vez mais freqüentes. No começo eram apenas pequenos filetes de sangue em meio à secreção, quando eu escarrava mais forte, numa tentativa forçada de limpar os brônquios. Com o passar do tempo, foram se intensificando, como se alguma biela tivesse afrouxado lá dentro. Hoje atingiram um nível insuportável. Eu nem uso roupas brancas mais, pois é certo que irei manchá-las às seis horas da tarde, quando a tosse — sempre usando um motor mais veloz do que o meu — me alcançar novamente, para gotejar-me de pontos cor-de-vinho. Dinheiro mal gasto com lavanderia — eu ligo os pontos com esferográfica para formar belos desenhos.
Ultimamente não tenho escrito muito. Descobri que é difícil ter boas idéias sem uma boa oxigenação nos miolos. É como se tudo ficasse meio distante e opaco, meio embaçado. Os sons do mundo também ficam meio irreais, encobertos eternamente pelo som forçado e ofegante da minha respiração sofrida. É como se eu estivesse no fundo do mar...
Socorro!
Estou me afogando em meio ao mundo!