Passar as noites e os dias, um após o outro, vendo o corpo perecer e sentindo verdadeira ânsia por comunicação, é algo muito, muito estranho. Principalmente para alguém como eu, que foi criado em casa alegre, cheia de visitas e de crianças. Devo confessar que mexeu muito com a minha cabeça, passar semanas sem conversar com alguém. Mas não pense que mexeu de maneira negativa não...
A falta de alguém para conversar fez com que eu me voltasse mais para mim, enxergasse mais francamente as coisas que acontecem aqui dentro, atrás dos meus belos olhos azuis. A solidão da madrugada, ensinou-me a ouvir a gostosa melodia do meu coração batendo quente dentro do peito; minha respiração — agora com este doloroso chiado borbulhante — me fez pensar que nem mesmo eu sou eterno.
Acho que, de certa forma, posso dizer que compreendo um pouco como se sentem os religiosos da Cartuxa, que fazem voto de silêncio e isolamento absolutos. O silêncio e o isolamento aproximam-nos de Deus. Posso dizer isso por experiência própria. Deus tem sido a minha companhia e o meu apoio nestes tempos de tosse, solidão e nuvens vermelhas exaladas na respiração. Se não fose Ele, eu nem sei a besteira que eu já teria feito...
Deus é a energia que faz com que o meu coração bata morno em meu peito; Deus é a força inexplicável que faz com que eu sangre a cada expiração — fazendo-me lembrar que estou irremediavelmente vivo. E se for vontade d Ele que eu morra aos pouquinhos, esvaindo-me a cada lufada, então eu resignadamente aceitarei o meu destino. Porque Ele sempre esteve aqui comigo, dentro de mim. Eu é que vivia ocupado demais para percebê-Lo; ocupado demais com os outros ao meu redor para dar uma boa olhada em meu interior.
Deus está em todos os lugares, porque Ele está dentro da gente. Vai onde a gente vai. Não conseguimos nos separar de nós mesmos, não conseguimos nos separar de Deus. No silêncio podemos ouví-Lo; na solidão podemos sentí-Lo.
A doença leva a mente aonde mentes não podem ir.
A doença nos torna mais humildes.