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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->A Caverna do Dragão -- 12/02/2003 - 17:20 (Ary Wolfenberg Jr.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PARTE I – O PROJETO CONQUISTA
KIM
Kong subiu em sua pedra.
Ali ficava mais alto que todo bando.
Deu seu grito de guerra.
O bando se reuniu em torno da pedra e ele os olhou, seu olhar era penetrante e hipnótico. Até que outro macho, mais forte e com tal poder de controle aparecesse, seu reinado não seria contestado.
Após aqueles minutos, fixos nos olhos de Kong, cada macho se aproximava e oferecia o traseiro em sinal de obediência, fugindo em seguida para os arredores.
Kong já estava com 15 anos e estava ficando velho.
Han era o seu alfa, aquele que na hierarquia do bando, no lugar de Kong, fertilizava as fêmeas e lutava nas disputas pelo poder contra o desafiante. Assim Han treinava, aumentando sua força e garantindo o seu futuro como líder. Quando algum jovem tentava tomar o poder desafiando Kong, era Han que lutava.
Kami era a fêmea superior na hierarquia e junto a ela outras três fêmeas disputavam a preferência de Kong. Essa hierarquia era estabelecida durante certo tempo pois a fêmea ascendente era aquela que Kong montava. Após essa monta e durante a gravidez ela seria a preferida. Como Kami era jovem e Kong já estivera com ela pela segunda vez, passou a ser a mais importante e afastava todas outras das proximidades de Kong, empurrando-as para perto de Han. Com Han montando-as o espaço e poder de Kami crescia, na medida em que ela sempre estaria disponível para Kong e as outras se empenhavam em cuidar de Han.
Antes de se instalar naquela região o bando vivia nas montanhas do sul e era liderado por Kha.
Na região das montanhas do sul esse bando migrava sempre ao longo das encostas. Nas encostas do monte do sul, com regatos permanentes, com flores, frutas e sementes em abundância aquele bando de primatas havia crescido muito.
Depois que tornaram-se bípedes e aprenderam a segurar paus e pedras, desenvolvendo habilidades manuais, as longas caminhadas tornaram-se mais fáceis e fartas.
No Sul uma grande seca forçou-os a migrar para o Norte.
Talvez o fato de andar em eretos tenha aberto um novo campo para sua visão, a visão do horizonte e, talvez tenha sido esse fato, que os direcionou as montanhas do Norte.
A longa marcha do grande bando liderada por Kha, com quase trinta primatas, foi difícil. Só sobreviveu a metade e entre eles os poucos que souberam acrescentar pequenos insetos a sua dieta.
Naquela época Kong era um jovem inferior e como tal tinha que deixar o chefe, o alfa e seus pares com as fêmeas do harém comer primeiro. Os inferiores apenas seguiram o bando e catavam o que podiam. A grande esperteza de Kong foi adaptar sua dieta. Comia de tudo, sementes que sobravam e pequenos insetos. Outros inferiores, famintos, acabaram acompanhando-o nessa dieta.
Quando Kha atingiu a região mais fértil do planalto, a maior parte do bando estava fraca, exceto o grupo de Kong.
Nessa hora, prevendo que Kha recuperaria suas forças logo, deu seu grito de desafio. Todo bando parou. De repente todo mundo ficou mudo, as fêmeas fugiram para o lado com seus filhotes e o bando dividiu-se em dois. De um lado Kha com seus guerreiros e do outro Kong com os seus. Kha, como tradição só lutaria com o macho desafiante se ele vencesse seu alfa. Procurou uma pedra para se portar majestaticamente durante a luta e subiu. Dessa vez, a regra do bando seria quebrada. Kong com seus companheiros, fortalecidos pela nova dieta e com fúria nunca vista partiram para cima do séquito do chefe.
Da feroz luta poucos restaram. Kong fora o vencedor e, ao invés de deixar Kha fugir, como sempre acontecia ao perdedor, matou-o. Os machos perdedores foram expulsos e as fêmeas absorvidas. Agora havia uma nova hierarquia e as fêmeas de Kong cresceram enquanto as de Kha foram rebaixadas a inferiores.
Kong conduziu o bando para as montanhas e uma nova era viu o bando crescer e deixar de ser nômade.
As montanhas, com fartura de alimento e clima ameno propiciou o sedentarismo. Essa nova era criou também novos hábitos no bando e o mais importante deles foi o de demarcar territórios. Outros primatas, autóctones da região, não traziam receio ao bando de Kong e em disputas eram sempre afastados ou mortos.
Kim era um macho inferior, filho de uma das fêmeas de Kha, quase não considerado no bando. Ele e outros machos eram considerados tão inferiores que mal podiam se aproximar da área central do território. Eram perseguidos agredidos e expulsos para a periferia sempre que algum macho superior via algum deles se aproximando do centro. As fêmeas da periferia serviam apenas para acalmar os apetites sexuais da classe intermediária na hierarquia e também não eram aceitas no centro.
Na época dos acasalamentos, Kim e seu grupo de inferiores eram expulsos do território e sua volta era tolerada apenas no final do período.
Foi numa época de acasalamento que Kim encontrou Sya, uma das fêmeas do harém de Kong e a predileta de Han. Sya estava fértil e quando Kim a assediou, não fugiu e foi montada. Han ouviu os guinchos de prazer da fêmea e os gritos de vitória de Kim. Partiu ferozmente contra Kim que, a princípio fugiu, seguido por Sya.
Han não conseguiu alcança-los e voltou ao centro do território. Pouco tempo depois Kim retornou com seu bando e desafiou Kong. Han e seus parceiros atacaram o grupo de Kim e após feroz luta afugentou-os. Derrotado, Kim com seu grupo, não poderiam voltar mais e começaram a vagar descendo a montanha.
A noite caiu e cansados deitaram.
Kim acordou com um forte clarão vindo de uma caverna. Com todo bando e assustados foram, aos poucos se aproximando daquela luz até sumirem dentro dela.
Algum tempo depois, o bando de Kong foi chacinado, por um grupo que desceu da montanha armado de grossos galhos a guisa de porretes e levou todas as fêmeas embora.

O CONSELHO DOS SÁBIOS
O Conselho só se reunia a cada três anos. Era nessa ocasião que todos os trabalhos dos cientistas e pesquisadores eram examinados, aprovados para continuação ou considerados para continuação. A consideração para confirmação percorria um longo caminho que levava três anos. Nesses três anos, o Conselho dos Grandes Sábios, analisava cada trabalho e o aprovava ou não.
O auditório estava cheio, pois, essa era a ocasião em que todos do mundo acadêmico apresentavam seus trabalhos e obtinham suas colações de grau.
Eu já era um Pequeno Doutor, abaixo de mim estavam os Neófitos e acima os Doutores e Mestres. Os Mestres ainda se dividiam em três graus hierárquicos, os Mestres, Sábios Mestres e Mestres Enciclopédicos. Só poderiam subir na hierarquia aqueles que apresentassem trabalhos.
Para apresentar um trabalho era preciso coordenar um grupo de pesquisa e o trabalho desse grupo apresentado a um supervisor que, após julgá-lo, apresentava-o ao Conselho. Sendo apreciado e aprovado no Conselho, os autores eram promovidos hierarquicamente.
Esse era meu caso. Eu estava apresentando um grande trabalho na minha especialização – ciências do comportamento social.
Durante muito tempo havia estudado alguns livros das ruínas de Paris. Esses livros eram textos de uma civilização perdida em eras históricas. Foram escritos numa linguagem desconhecida até para as grandes civilizações, dos períodos anteriores ao grande cataclisma.
Sob supervisão do Doutor Antenor Fitzord, eu desenvolvera a tese de que existiu uma grande civilização anterior a nossa, no período denominado pré-histórico da humanidade.
Os homens dessa civilização eram dotados de poderes mentais, capazes de criar grandes obras e de dominar povos inteiros por uma força psíquica que as enciclopédias denominavam carisma.
Para avançar em minhas pesquisas necessitava de subir na hierarquia e continuar o trabalho, com maiores dados, informações e recursos. Para isso era muito importante a aprovação das minhas teses.
Sentado na posição hierárquica, junto com meus companheiros, para disfarçar toda a ansiedade que tomava conta de mim, comecei a observar melhor o conselho. Nele tudo era grande e majestoso. A arquitetura de linhas retas formava um cubo, as paredes laterais eram pintadas de branco e decoradas com pinturas copiadas dos mestres pintores enciclopedistas. Ao fundo, no lugar onde sentava o Imperador, a parede era de cor azul celeste, que partindo do chão, atingia o teto formando uma abobada. Bem no centro dessa abóbada ficava o trono de nosso atual soberano Agniroc III e ao fundo, às suas costas, os bispos, a sua esquerda os sete Mestres Enciclopedistas e a sua direita os setes Mestres de Armas.
O mestre de cerimônias bateu três vezes com seu cajado no chão, pediu silêncio e anunciou, primeiro a entrada dos Mestres Enciclopédicos e a seguir a dos Mestres de Armas. Esse anúncio ainda continuava a ser o conflito do Conselho. Os Mestres de Armas se julgavam os mais importantes que os Enciclopédicos, queriam entrar primeiro, pois se consideravam os formadores e guardas do Império.
Para ser um Mestre de Armas era preciso comandar um Corpo de Exército e ter anexado, ao menos, um importante território ao Império. Esse território deveria ser povoado por sadios e ser capaz de ampliar nossas bases econômicas.
Tendo agregado todos os povos bárbaros conhecidos, o Império Europeu cresceu tanto que hoje ocupa toda Península Central, os Balcãs, a Rússia, as Terras Nórdicas, Península Ibérica e para o Oriente até a cadeia dos Urais.
Para ser um Mestre Enciclopédico era preciso percorrer a carreira acadêmica, de Neófito a Mestre, trabalhando em pesquisas Históricas, Geográficas ou Científicas. Somente se atingia o Grau de Mestre Enciclopédico quando o resultado das pesquisas tornava possível uma descoberta que aumentava o poder do Império ou permitia sua expansão. Foram os Mestres Enciclopédicos que recuperaram o saber das ciências antigas recriando a agricultura, pecuária, armas de fogo, aeronaves e outras descobertas que se realizaram no âmbito da geografia, da história, da medicina e das ciências sociais.
Os Mestres de Armas reconheciam que os enciclopédicos eram importantes, mas, consideravam-se superiores, pois, antes das descobertas das Enciclopédias, o Império cresceu graças às guerras de conquistas.
Os enciclopédicos nasceram posteriormente e como resultado dessas conquistas. Consideravam que, mesmo nascendo após as primeiras guerras, as Academias Enciclopédicas foram responsáveis por muitos avanços tecnológicos, como os da tecnologia de guerra. Foram esses avanços que, com o passar do tempo, tiraram das armas o antigo prestígio, principalmente agora que não há mais grandes conquistas a serem realizadas.
Com a entrada e posicionamento dos Mestres, as luzes do auditório diminuíram e as do fundo se acentuaram.
A abóbada sob a qual ficaria o Imperador tornou-se tão brilhante que me dava à sensação de que o sol iria nascer ali. Talvez fosse realmente essa a idéia, pois, era nessa hora que, ao som dos clarins, o Imperador entrava majestosamente.
Agniroc III era alto, grande e forte e sua majestade era realçada pela armadura cerimonial cinza com detalhes em ouro e pedras brilhantes. Sua coroa em forma de mitra, também de ouro entalhado, lhe conferia maior altura e brilho.
Ninguém em público poderia estar mais alto que o Imperador. Para que isso não acontecesse, seu pai, Suap que era baixo transformou o palco do auditório em uma pirâmide.
À direita e a esquerda onde ficavam os mestres, partindo da base havia sete plataformas ascendentes e no vértice o trono. Os degraus para se chegar até o Imperador eram tão estreitos que, qualquer homem para subi-los tinha que fazê-lo vagarosamente, para não tropeçar e cair, o que seria vergonhoso e para descer não poderia voltar às costas ao Imperador. Além disso, por ser baixo Suap começou a se vestir com túnicas longas para esconder as botas de salto alto. Por esse motivo, o palco passou de uma simples plataforma a uma obra de arte, cheia de conhecimentos esotéricos e teorias divinas fantásticas.
Após a sua entrada grandiosa, as luzes de fundo diminuíram e entraram os bispos sacerdotes, defensores da alma do Império, do Imperador e do saber divino. Também em números de sete, ficavam na plataforma que circundava o topo da pirâmide, formando um semicírculo ao seu redor e ao fundo, um pouco abaixo dele. O significado era que por trás dos Mestres e o Imperador, havia um poder divino e suas costas ficavam também protegidas por esse poder. Em qualquer cerimônia pública, ninguém fosse quem fosse, ficava às costas e próximo ao Imperador, a não ser o poder divino.
Com toda essa pompa era sempre aberta a reunião trienal do Conselho do Imperador e eu estava lá!
Nosso soberano começou o seu discurso que, como sempre, representaria a idéia do futuro e do que o Império esperava de nós. Sim, de nós, pois éramos a sua cabeça. Nesse discurso ele nos daria a diretriz que como uma grande idéia, nos a desenvolveríamos e ou realizaríamos.
Senhores! Falou.
Todos aqui reunidos sabem que este conselho é fundamental para o crescimento e expansão do nosso Império. É aqui que criamos as idéias que o nortearão nos próximos três anos. Qual é a nossa proposta; qual será nosso propósito?
Desde a fundação do primeiro Império por meu bisavô Agniroc I, com a sua vitória sobre os quatro reis, temos nos expandido graças ao poder das armas. No início enquanto usávamos apenas armas brancas, quase não crescemos. As batalhas eram sangrentas e demoradas. Nossa expansão era lenta. Foi somente após a batalha de Paris, com a descoberta das enciclopédias nas ruínas antigas que pudemos crescer mais.
E por que?
Porque o conhecimento antigo escrito e guardado nelas, permitiu que realizar o desenvolvimento daquilo que chamavam de técnica. Essa técnica voltou-se inicialmente para a produção de armas, tanto de ataque como defesa e mais tarde usada para o bem estar do povo. Pudemos redescobrir a pólvora, novas armas de fogo, o uso do vapor na indústria e no transporte, a eletricidade e com ela a iluminação, o rádio e a transmissão da voz, os gases que nos permitiram recriar os motores e os balões, enfim, as enciclopédias, esses tesouros do conhecimento dos antigos, aceleraram o nosso desenvolvimento científico. Com novas armas, máquinas e equipamentos, tornamos possível a expansão do Império, com guerras mais rápidas e menos sangrentas; foram elas que permitiram o nosso grande desenvolvimento social de bem estar.
Nos mapas antigos descobrimos novos povos e terras a conquistar. Sabemos que muitos dos volumes dessas enciclopédias foram perdidos, portanto parte desse conhecimento ainda não foi revelado. Se apenas com os poucos volumes achados já crescemos e nos desenvolvemos tanto, o que faremos então quando tivermos todos eles?
É nesse momento que eu ilumino para o futuro, onde estão os volumes que faltam? E os livros dos grandes mestres enciclopédicos do passado? Quem foi Jung?
Sabemos que, há dois triênios o Império não cresce, não sabemos o que temos para além das nossas fronteiras e não acrescentamos nada mais, mas, a descoberta de Jung nos mostra uma perspectiva nova, a da mente e, seu conhecimento poderá nos fazer crescer, não mais horizontalmente, mas para cima; o crescimento vertical do conhecimento.
Essa é a luz, esse é o caminho!
Ao término do discurso abriu a sessão para ouvir os avanços do triênio.
Numa jogada política, Karl Merlin, Grão Mestre dos Enciclopédicos, deixou o mestre das armas falar. Ele não tinha muito a dizer. Falou apenas da consolidação de terras ao oeste e leste, nada do que a Voz Oficial já não tivesse notificado. Suas palavras foram poucas.
Grande parte do auditório, aos cochichos não as ouviu, e assim foi até terminar.
Ao subir novamente no parlatório de frente para a assembléia, Merlin olhou para a platéia e um pesado silêncio caiu sobre ela. Nessa hora, a prestação de contas indicaria os que subiriam ou desceriam e assim começou:
- Augusto soberano, divinos mestres do conhecimento, mestre das armas, e guardiões da alma, vos saúdo.
Como sabem, as enciclopédias, tem sido a grande fonte do saber que os antigos nos legaram. Pouco se sabem sobre eles, mas eram tão avançados que, muitas das conquistas científicas que conseguimos foi estudando esse conhecimento.
No começo se voltou para os avanços das armas que bravamente conquistavam novos territórios, mais tarde na conquista do bem estar para o homem, e hoje?
Hoje sabemos que nossa mente é poderosa! O quanto é poderosa? -ainda não temos esse valor, mas tudo o que conhecemos sobre ela é pouco, quase nada e podemos afirmar isso graças à descoberta de livros sobre elas.
São textos muito antigos e de difícil interpretação, mais difícil ainda de entendimentos. Entre todos conseguimos acompanhar as idéias de Jung e seus seguidores. É sobre algo tão grande e complexo que parece blasfêmia, mas a mente é o mais poderoso bem que Deus nos deu e, talvez, o que mais nos aproxime e torne semelhante a Ele. As apresentações serão tão complexas que as dividimos em sessões ordinárias e apresentadas pelos coordenadores e supervisores de cada matéria.
A partir daí começou a citar os palestrantes, os coordenadores, as sessões e pude saber que o meu trabalho também seria apresentado pelo meu supervisor. Eu garantiria minha promoção hierárquica, mais fundos para pesquisas, melhor salário e futuramente um caminho para chegar a Mestre, caso ela fosse aprovada.
As seções ordinárias seriam realizadas nas escolas da academia.
Eu me dirigia para o local da minha apresentação e lutava internamente para me conter. Afinal eu apostara na minha idéia, no meu trabalho e hoje o Imperador nos mostrava o caminho, a luz. Mais do que a guerra e a conquista, o saber era o novo caminho e com ele o desenvolvimento da mente.
Já com a pouca modéstia, sentei-me como se fosse um novo mestre, bem junto a eles. Teriam que me olhar de outra forma, teriam que abrir espaço para eu passar. Acreditava que meus temas, carisma e hipnose no controle das massas, eram hoje tão importantes que meu lugar já estava garantido.
- Senhor Yra, queira dirigir-se ao seu nível de pequeno doutor. Censurou-me o Doutor Castro.
Fingi que não havia escutado-o.
- Talvez o senhor tenha se confundido na hierarquia. Insistiu.
- Não, Doutor Castro, hoje eu me sentarei aqui, o Doutor Fitzord já está sentado junto aos mestres, isso significa que a apreciação do meu trabalho teve sucesso.
Senhor Yra, o que um chefe ou superior faz não deve ser imitado, o senhor é muito jovem para entender os meandros da Academia. É possível que o senhor venha a sentar-se conosco ainda hoje, mas é também possível que não venha sentar-se nunca. Saia daqui, vá para o seu lugar e lembre-se: - a hierarquia é incontestável.
Abaixei a cabeça e saí daquele lugar; nunca fora tão humilhado em qualquer situação, ainda mais em público. Sob olhares constrangedores e sorrisos contidos dirigi-me ao meu nível.
O início das seções, agora, me parecia uma tortura. Nada começava, todos me olhavam e em sussurros me criticavam. Eu era o exemplo a não ser e a ser seguido. Não ser, pois me promovera antecipadamente e ser, pois era o exemplo vivo de que a quebra da hierarquia não seria nunca admitida.
Mesmo depois das seções iniciadas não consegui a conter minha ansiedade.
- Mestre Fitzord! apresente seu trabalho.
Essa chamada me despertou do torpor mental.
Mestre?! Isso significa que o Dr. Fitzord havia sido promovido e consequentemente eu também o seria. Eu me vingaria, lavaria minha honra.
O Dr. Fitzord fora promovido a Mestre, embora não me tivesse dito nada, o trabalho que supervisionara era o meu, logo eu estava certo; seria promovido também.
Fitzord subiu ao palco e começou:
As idéias aqui expostas são fruto de anos de trabalhos pacientes em pesquisas sobre o Grande Mestre da Mente, o Dr. Jung. Eu percebi que todos os trabalhos desse antigo mestre foram desenvolvidos com base na crença da memória coletiva. Essa memória preconcebia a existência de uma mentalidade coletiva dos povos e ou raças. Foi com a descoberta de alguns especiais, capazes de ler e ou entender textos mais antigos que, passei a acreditar que havia fundamentos nessa idéia. Designei como assistente o doutor Yra, aqui presente, a quem devo a execução e grande parte dos trabalhos, principalmente à execução de pesquisas junto aos especiais e lhe orientei na direção dessas pesquisas.
- Senhor Yra, muito obrigado continuou.
Minha hipótese inicial era que uma grande mente nos dirigia. Para o clero, era essa a idéia de Deus, mas havia muito mais. Aprofundando minha pesquisa concluí que essa grande mente é o todo da nossa, a razão de todos nós pensarmos e de termos algo em comum.Concluí que se assim fosse, poderíamos, acessá-la de alguma forma.
Assim, minha tese é que, a nossa mente coletiva, parte da Grande Mente de Deus, é responsável pelos fenômenos do hipnotismo, telepatia e outros que poderão ser usados para dirigir o pensamento comum. Antigos líderes do passado a usaram com o nome de carisma.
Não estava acreditando no que via e ouvia. Essa tese era minha!
Fui roubado! Gritei tão alto que todos se voltaram para mim. Fui roubado, essa tese é minha, o senhor me traiu.
Silêncio! Silêncio! Pedia o mestre de cerimônias, seguranças, favor retirar esse homem do auditório.
Quando os seguranças me agarraram, não esbocei nenhuma reação, calei-me e fui saindo.
Silêncio, silêncio, Mestre Fitzord continue sua tese.
Nada mais havia a fazer, eu estava irremediavelmente perdido por minha atitude.
Seria exonerado após um julgamento sumário e expulso da academia. Fim de carreira, pobreza e trabalhos forçados em algum lugar do Império, possivelmente bem longe.
Ao sair da academia, dirigi-me ao meu conjunto habitacional.
Tudo no Império era cúbico. Não havia grandes variações e idéias construtivas.
As casas eram cubos, os edifícios cubos e os conjuntos habitacionais mais cubos. As ruas largas e arborizadas não quebravam a monotonia dos cubos sucessivos e geminados em cor branca ou cinza. Essa paisagem sempre me oprimira, mas agora me esmagava. Fui a pé, não tomei o coche. Eu queria me distanciar da agonia que me esperava no apartamento.
Ao chegar, abri a garrafa de whisky que havia comprado para junto aos amigos festejar minha promoção e agora nada, nem promoção, nem amigos, só solidão e a companhia da garrafa. Abri e comecei a beber. Fiquei bebendo e remoendo tudo com ódio, um sentimento que não havia experimentado até agora.
Bebi até cair no sono.
O RECRUTAMENTO
O toque insistente da campainha me acordou.
Já vai, já vai, gritei. Ao tentar levantar o mundo rodou mais rápido e eu caí. Tudo estava rodando, a boca seca e com gosto azedo, a roupa suja e fedida, ainda com restos de vômito. Sentei-me à beira da cama e a campainha parecia uma corneta no meu ouvido. Caminhando lentamente, aproximei-me da porta e olhei pelo visor – era um militar.
- Abra rápido vamos, não tenho tempo.
Abri e o homem empurrou a porta fortemente, quase me derrubando; olhou-me com cara de nojo e mandou-me tomar banho.
- Vá rápido, não temos a manhã toda. O SIP poderá chegar ainda hoje.
Com o banho e após tomar um sal efervescente senti-me melhor.
- Quem é você e o que quer.
- Eu sou o Coronel Sorensen, do Serviço de Inteligência das Armas, o SIA, estou aqui para ajuda-lo a se livrar do Serviço de Inteligência Política, o SIP.
Abriu uma bolsa, retirou uma farda completa e mandou-me vesti-la.
Rápido, pois os agentes do SIP poderão chegar a qualquer momento para leva-lo.
Não, não vou sair daqui até saber o que está acontecendo; você acha que eu não sei qual a diferença entre o SIA e o SIP? Todos são iguais, são órgãos de repressão ao cidadão, portanto tanto faz você como os outros, meu fim já está selado, serei reestruturado e reeducado socialmente, ou não?
Em parte você tem razão, mas o SIA é diferente do SIP. Nós somos parte das armas, temos a função de detectar, controlar e abafar movimentos armados, reprimimos rebeliões de grupos preparados para a luta, o SIP não, eles reprimem o cidadão.
Senhor Yra, não estou aqui para discussões inócuas, vista-se já!
Enquanto falava olhava nervosamente pela janela.
- Chegaram!
- Correu para o quarto, revirou as gavetas e jogou papéis e livros no chão.
- Senhor Yra, o senhor está vestido como um tenente do SIA, vamos sair calmos. Coloque seus óculos escuros e ande atrás e a minha direita. Não fale e nem olhe nos olhos de ninguém. Olhe sempre para o estômago deles.
- O senhor já atirou alguma vez?
- Sim.
- Então, preste sempre atenção nos dois soldados que acompanham o capitão e, caso algum deles tente fazer alguma coisa com a arma, saque a sua e atire onde estava olhando. Não vacile.
- Mas coronel, eu só atirei em alvos, como posso pensar em matar alguém? E depois?
- Se quer ficar vivo faça o que eu disse e não vacile, o depois é o depois, nós resolveremos.
- Abriu a porta, saiu e eu saí atrás, ainda com uma forte dor de cabeça e com o coração disparado.
- No meio da escada encontramos o grupo do SIP subindo.
- Oh! Coronel Sorensen, veio ver o menino rebelde? Onde está ele?
- Não sei Capitão Kruger e, a não ser que o senhor tenha sido promovido acima da minha patente ou tenha um mandato eu não lhe devo satisfações.
- Os soldados se posicionaram ao lado do seu capitão; Sorensen pôs a mão na sua pistola e eu acompanhei o gesto.
- Capitão Kruger saia do meu caminho, vamos tenente. Falou e começou a descer em direção ao capitão que se afastou dando passagem. Podíamos sentir a sua respiração e seu ódio. Ao passarmos, falou: Coronel Sorensen, isso não ficará assim.
- Sorensen, parou e retrucou, claro quer não, virou as costas e continuou descendo. Ao sair das vistas deles apertou o passo.
No térreo, ao invés de sair pela frente tomou a porta dos fundos, onde um carro nos esperava. Entramos nele dirigindo vagarosamente e saímos do conjunto habitacional. Mais adiante saiu da estrada e tomou um atalho. No fim do atalho outros carros parados com alguns homens no lado de fora no aguardavam. Paramos ao lado, o coronel desceu , falou com os homens e voltou rapidamente.
Senhor Yra desça e vá com o capitão Galdino, eu voltarei com o tenente Supor para a estrada, sei que eles nos alcançarão e não quero que o senhor esteja em minha companhia.
Entrei no outro carro e seguimos durante horas por estradas de terra, até que finalmente chegamos a uma fortaleza. Com um piscar de faróis a porta se abriu.
Já no pátio, o comandante da guarda nos recebeu e entramos.
- Tudo bem? Não foram seguidos?
- Não senhor.
- Ótimo, o pessoal do SIP já se foi, mas deixaram um observador no morro do outro lado; siga para a garagem subterrânea.
- Após estacionar na garagem subterrânea, seguimos por um túnel e subindo uma escada saímos frente a uma parede. Após ele acionar um dispositivo escondido atrás de um tijolo a parede rodou, abrindo-se como uma porta e chegamos a uma sala. Dessa sala, passamos a outro salão onde já se encontrava o Coronel Sorensen com outros oficiais e alguns civis.
Bem vindo ao nosso grupo Sr. Yra, o senhor saiu-se muito bem durante a fuga. O SIP acredita que o ajudamos a fugir, mas como não podem provar nada, estão de mãos atadas. Chegue-se, sente-se que lhe explicaremos o que está acontecendo.
O CENTRO
O centro, como era conhecido aquela fortaleza, ficava nas montanhas, afastado da capital algumas horas e próxima aos regimentos de armas.
Os regimentos de armas estavam divididos em três grandes grupamentos, a infantaria a artilharia e o aerotransportado. A infantaria era a maior e mais poderosa força do Império e contava com os batalhões transportados tanto por veículos automotores como por tração animal. A artilharia, que ficava sempre na retaguarda, dando apoio a infantaria, era essencialmente transportada, seja por automotores como por animais. Os aerotransportados eram a força de elite e compunham-se do artilheiro e do infante com treinamento especial. Eram baseados em grandes balões de gás hélio, capazes de elevar um grupo tático até 1.300 m de altura e com autonomia para percorrer até 6.000km de distância. Embora lentos esses grandes balões eram quase invulneráveis às armas atuais. Além dos grandes balões, conhecidos como BIG outros menores eram usados nos ataques, os Falcons.
Um sargento me encaminhou aos aposentos onde ficaria aguardando uma reunião. Não sabia do que se tratava, pois os oficiais pareciam falar mais por olhares e gestos do que com a boca.
A fortaleza era enorme. Construída na encosta da Serra do Portal, tinha a forma de uma pirâmide retangular em degraus, com quatro andares, que iam diminuindo em tamanho, formando cada um deles, um degrau. Eu estava no segundo andar, de frente para o poente e dali avistava os regimentos. Nessa vista o que mais me impressionava eram os grandes balões. Eram sem dúvida majestosos. Como avançáramos na tecnologia de guerra! Éramos capazes de voar para levar nosso poder a qualquer canto do continente.
Podíamos voar!
Meu aposento era simples. Uma cama, uma escrivaninha e um armário de tijolos, sem portas; todo pintado de branco tendo num canto uma cama e no teto uma única luminária. Aquela fortaleza era igual a tudo no Império e nada mudava, tudo era de uma monotonia depressiva; tudo era muito igual, cubos sobre cubos.
Somente nos pequenos palacetes dos nobres e dos grandes burgueses alguma coisa mudava, muito pouco, pois todos tinham medo de ser ostensivos.
Alguém bateu em minha porta.
- Entre!
- Senhor Yra, queira me acompanhar à sala de reunião.
Ajustei a roupa e segui um sargento pelo labirinto de corredores até chegarmos a um salão. Como no auditório da Academia ele também era semicircular, tendo ao fundo um palco. Pude observar que alguns militares estavam preparando o palco, enquanto outros, não mais que doze, sentavam-se na primeira fila. Foi para lá que o sargento me encaminhou.
Sorri e cumprimentei-os alguns rostos me pareciam familiares, não tinha certeza, mas pensava já tê-los visto.
Após algum tempo, oficiais do alto comando do SIA sentaram-se na fileira ao nosso lado. No palco, alguns outros tomaram lugar às mesas e em seguida o coronel Sorensen entrou.
As luzes do auditório foram apagadas ficando apenas as do palco acesas.
Bem senhores, começou o Coronel Sorensen, sabemos muito pouco sobre nossos antigos, mas as enciclopédias nos mostram que eles haviam atingido um grande desenvolvimento científico e social. Todo esse conhecimento lhes permitia voar sem balões e até transmitir mensagens junto com imagens por aquilo que chamavam de televisão. Dominavam a eletricidade, a química, a física e desenvolveram cérebros eletrônicos chamados de computador. É incrível pensar que esse avanço permitia que as pessoas comuns o tivessem em casa, até para crianças. Sabemos também que o grande terremoto que destruiu essa civilização teve origem no então denominado continente americano, possivelmente numa região chamada Califórnia. Esse terremoto que abriu uma enorme fenda na terra, permitiu ao magma afluir como um enorme vulcão. Isso mais os abalos sísmicos, criaram gigantescas ondas que varreram as costas marítimas de todos os continentes. Muitos desses povos antigos dominavam uma tecnologia que as enciclopédias chamam de atômica e foi essa tecnologia atômica, que com os desastres marítimos, contaminaram os mares, litorais e praias.
Nossos cientistas concluíram que houve uma grande irradiação de raios atômicos e como conseqüência disso o mundo deles se destruturou. Regiões onde havia grande desenvolvimento junto ao mar, ou desapareceram nos maremotos ou desapareceram expostas a essa irradiação atômica. É possível afirmar que as grandes cidades e áreas industriais, localizadas próximas às costas marítimas, devido ao intenso comércio que realizavam, foram completamente extintas.
A contaminação atômica criou aqueles que chamamos de impuros. Hoje as grandes comunidades dos impuros se espalham por todo nosso Império Europeu e sua proliferação é muito grande. Mesmo tendo a vida curta e padecendo de males e doenças acompanhados de terríveis chagas, proliferam-se de uma forma assustadora ao Império. Nos atacam nas fronteiras em busca de comida e mulheres causando-nos grandes prejuízos econômicos e sociais.
Nós das Armas temos combatido e promovido incursões de limpeza para amenizar o problema, mas com o passar do tempo já começamos a perder essa guerra. Acreditamos, durante muito tempo, que apenas controlar esses impuros, tinha duas vantagens; a primeira nos daria prestígio e poder e a segunda é que passaríamos muitos anos usufruindo desse prestígio e poder. Esse foi um grande erro. Nunca contamos com o fato dessas comunidades acabarem sendo maiores do que imaginávamos e que um dia elas começassem a se unir. Essa falta de visão acabou nos prejudicando chegando a ponto do nosso prestígio e poder político, ser hoje, o mais baixo de toda história do Império.
Nossas investigações secretas podem ser resumidas nas seguintes apreciações apresentadas ao Alto Comando das Armas que posso descrever resumidamente em três itens:
1o - Os estudos mais recentes nos mostram que a saída não se dará pelo controle do crescimento populacional usando-se das armas;
2o - Novas descobertas no campo da ciência da mente poderão ser aplicadas para o controle mental dessas populações;
3o - A criação de espaços geográficos para onde possamos levar essas populações confinando-as e mantendo-as sob controle físico, mental e religioso.
O primeiro é um fato atestado de que, já não conseguimos mais controlar o crescimento dessas populações pelas incursões de limpeza, pois com a fertilidade alta, as mulheres estão tendo cada vez mais filhos. Essa proliferação se deve ao fato da maioria dos impuros, não terem mais grandes quantidades de chagas, vivem mais e tem menor sofrimento. Essas populações, devido a sua alta fertilidade estão crescendo mais do que a nossa. Mesmo tendo sido aprovado no congresso e chancelado pelo Imperador, a liberação para que nossas famílias possam ter até dois filhos, só surtirá efeito populacional, daqui a vinte anos. Até lá, o Império terá que educar e ajudar a criar esse segundo filho. Serão mais despesas e desequilíbrio social.
Devemos levar em conta que a morte das nossas populações invadidas e dos nossos companheiros de armas em combate, virá dificultar a criação desse segundo filho. A redução pequena, mas constante, das nossas classes produtoras e dos nossos companheiros de armas, aliados ao crescimento daquelas populações marginais, terão como conseqüência o desmantelamento da nossa estrutura social e consequentemente do nosso Império.
Durante muitos anos usamos como o raciocínio a nossa força. Acreditávamos que o crescente desenvolvimento das nossas armas e equipamentos, nos dariam uma vantagem sempre maior. Mais ainda, que isso nos traria eficiência com menos riscos. A criação de armas semi-automáticas mais rápidas, novos equipamentos de combate, a criação do colete de proteção, o desenvolvimento dos balões e automotores mais armados, nos daria a vantagem de anos. Alguns poucos anos talvez, pois, no ataque rápido ainda levamos vantagem, mas na conquista e consolidação do terreno, já estamos perdendo e muito.
Os impuros nos atacam com técnicas de guerrilha, surpreendem, nos matam ou ferem e fogem, tudo com muita rapidez. Pior ainda, podem fugir para a área de contaminação, onde não podemos segui-los.
Outro fato que nos está assustando é o de que, suas comunidades estão se juntando e se organizando contra seu inimigo comum – o Império.
Podemos concluir que num tempo muito curto estaremos perdendo essa guerra e o Império irá fatalmente desmoronar.
A segunda conclusão já nos incomoda. Os acadêmicos estão desenvolvendo novas formas de controle do impuro que incluem a esterilização e a lobotomia. Corre uma proposta de que sejamos usados para capturar grupos de impuros para que esses grupos sejam castrados e lobotomizados e ou esterilizados quimicamente.
Nas primeiras experiências não conseguiram provar que essa era a melhor solução. As populações castradas e lobotomizados foram usadas como mão de obra complementar no campo e na construção de grandes obras, como estradas, barragens, minas e outras. Acontece, porém que essas populações acabam perdendo, com o tempo, a capacidade de trabalho, de reação aos castigos e entram num processo de depressão físico-mental que os leva à morte.
Os acadêmicos acreditam que essa é uma grande solução, cria a mão de obra temporária que pode, ao não ser mais produtiva, ser solta ou morta. Acham ainda que soltar é melhor, pois o homem acabará tendo outra mulher e não se reproduzirá. Enquanto os acadêmicos não encontrarem uma forma de esterilizar a mulher, não haverá como controlar essas populações. Todas as tentativas de esterilização feminina acabaram resultando em morte por infecção.
A terceira conclusão nos leva a crer que, do nosso ponto de vista político e social, é ela a mais viável.
O processo começará com a captura de populações que seriam transferidas para novas áreas, longe das nossas fronteiras e aí instaladas sob controle.
Sabemos que grupos rivais, quando estão disputando espaços geográficos, acabam lutando e o mais forte escravizando o mais fraco. Dessa forma estaremos apenas monitorando os mais fortes dando a eles pouco espaço de manobra. Como estarão em nova área, sem conhecimento do terreno, para plantar, criar e se locomover, a monitoração e controle desses grupos será mais fácil e economicamente viável ao Império.
Nessa proposta, também ficaremos sujeito ao comando dos acadêmicos pois, seremos apenas os caçadores e controladores dos impuros.
Essa proposta foi considerada a contragosto, mas aceita pelo Alto Comando das Armas e vinha sendo estudada a mais de um ano. Durante esse período, porém, um fato inusitado mudou o foco da proposta.
Com base nesse fato mudamos nosso ponto de vista e essa mudança resultou no dossiê que cada um de vocês receberá ao final da reunião.
Para os militares aqui presentes esta exposição será complementada com outras de caráter operacional e logístico.
Serão realizadas reuniões semanais entre os grupos civis e militares para aprofundamento das questões e elaboração de um plano operacional. O objetivo será a conquista do continente asiático: A conquista do Oriente!
Na segunda parte dessa reunião serão discutidos questões de ordem, hierarquia, procedimento e outros que só interessam ao grupo militar, portanto os civis presentes estão dispensados.
Enquanto saíamos da sala, um tenente entregava a cada um de nós, uma grossa pasta com capa cinza onde se destacava uma etiqueta branca com o título: Dossiê Conquista do Oriente.
Reuníamos no saguão quando o Coronel Sorensen aproximou-se e falou:
- Senhores, antes de continuarmos, gostaria de deixar claro o motivo da permanência em nossa fortaleza.
Cada um dos senhores é vítima e procurado pelo SIP. O motivo é o fato de terem tornado claro, algum tipo de revolta contra a hierarquia do Império.
Com os fatos que estão expostos no Dossiê Conquista, a algum tempo atrás, começamos a procurar, discretamente, ajuda na Academia. Os Doutores Schiffer e Heródoto, foram inicialmente aliciados sem a perseguição do SIP. No caso deles, algum vazamento na segurança fez com que fossem investigados. O caso foi arquivado mas o SIP passou a desconfiar e, apoiado pelos Mestres Acadêmicos, intensificaram as investigações, quase chegando a nós e aos nossos planos. Como era perigoso continuar daquela forma, resolvemos aliciar as inteligências que nos interessavam, dando cobertura e guarda. Todos aqui não existem mais como antes. Têm novos nomes, novos registros e, infelizmente, são prisioneiros nesta torre. O que lhes envolve ou envolverá futuramente não nos deixa saída. Ou continuarão no projeto ou realmente desaparecerão. Essa posição não deve alarma-los, pois sendo prisioneiros do SIP, estariam na mesma situação e pior, seriam cobaias de algum médico louco ou torturado por um sádico.
Assim sendo, caso o projeto “Conquista do Oriente” de certo, todos poderão voltar a ser um cidadão comum, com sua nova identidade ou como oficial do SIA. Não serão perseguidos e ainda mais, estarão trabalhando na sua área acadêmica. Somente a indisciplina e a quebra de hierarquia não serão toleradas, no mais, as exposições de idéias e debates abertos serão aceitos em reuniões especiais do grupo mas nunca em conjunto com os militares.
Senhores! Estão dispensados!
Há! Um momento; todos ficarão alojados no pátio norte em apartamentos conjugados. O tenente Apricot será o coordenador de suas atividades. Obrigado!
Nos retiramos quase sem nos conhecer melhor, digo quase sem que eu os conhecesse. Fiquei sabendo posteriormente que eu era o último a me integrar ao grupo. Eles estavam juntos trabalhando há quase dois anos.
A rotina que se seguiu no primeiro dia foi a mesma dos meses seguintes. Começava no alvorecer com o corneteiro despertando a todos, uma corrida pelo pátio em seguida um banho e o café da manhã. Na primeira parte do dia que ia das cinco da manhã às 14horas, havia um forte treinamento militar, estudos de atividades, táticas de guerra, combate e finalmente almoço. Após o almoço e um pequeno descanso, começava as discussões em torno da futura missão. Essas reuniões eram conduzidas pelo Coronel Sorensen e como eu estava atrasado em relação ao grupo havia muitas idas e vindas nos assuntos. Das 16horas até o final do tarde, novamente técnicas de combate corporal ou tiros no estande. A vida se arrastou assim durante um trimestre, até que me foi dada a segunda parte do dossiê, que era constituído pelos relatos do tenente Iwo Jimo, o Sargento Strong e o cabo Mendez.
Tenente Yra! – entre nós já havia uma forma de hierarquia militar. Todos nós éramos tenentes e prevalecia a hierarquia por ordem de chegada ao grupo, portanto eu era, na gíria deles, o “reco do grupo”.
Sim, Coronel Sorensen – o treinamento fazia seu efeito!
Aqui tem o dossiê na parte que conta as aventuras do grupo do tenente Jimo. Ele está intimamente ligado com as descobertas que estão sendo estudadas e das quais o senhor participará segunda feira. É importante que o senhor o leia durante o fim de semana, para na segunda, poder participar melhor dos debates que começaremos.
Sim senhor, Coronel!
Dispensado – Ah! Tenente hoje o senhor não precisará participar dos treinamentos da tarde.
Peguei a pasta e fui para meu quarto.
Durante esses três meses, não havia parado para pensar na mudança significativa que ocorrera em minha vida. Tudo parecia um sonho e pensava que quando acordasse o meu dia a dia voltaria.
Hoje eu achava que essa mudança era saudável, tinha uma vida regular e uma situação bastante confortável. Sentia-me seguro, pois, fazia parte de uma estrutura que me apoiava e tinha normas definidas. Diferentemente da vida civil, onde cada um era por si mesmo e o egoísmo era diretamente proporcional as necessidade de ascensão sócio-econômica, enquadrar-se era uma forma de tornar parte da superestrutura militar, com as normas escritas e os procedimentos treinados.
Para os militares, o espírito de corpo e equipe, são fundamentais para o sucesso da missão. Essa era outra particularidade que me abismava. Tudo era missão. Eles não sabiam pensar ou agir sem definir um objetivo para a missão. Era importante que esse objetivo fosse claro e bem definido. Era a partir dele que se escolhia o grupo de combate e se intensifica o treinamento.
E nós? Para que estávamos treinando? Qual o objetivo desse treinamento e qual seria a missão? Sentei-me à mesa, abri e comecei a ler o dossiê Iwo Jimo..
O DOSSIÊ IWO JIMO
Império Europeu, ano imperial 837.
Eu, tenente de infantaria Iwo Jimo liderei no dia 21 de abril do ano imperial 835, o Grupo de extermínio de impuros, com o objetivo de atingir a região dos montes Urais-Centrais. Fomos informados que surgira uma comunidade de impuros muita agressiva aos criadores na localidade de Sibay.
O grupo sob minha liderança era o típico grupo de combate de extermínio, tendo o sub comando do Sargento Strong e do cabo Mendez. Estava composto de dez combatentes armados de arcos e flechas, facão e espadim, mais cinco balestreiros e cinco fuzileiros. As informações colhidas pelo SIA, na área mostravam que essa colônia de impuros era pequena e armada apenas de espetos de madeira e paus. Embora agressiva e organizada, não participava de enfrentamentos e para evita-los fugiam. Durante seis meses essa situação foi sendo levada com grande prejuízo econômico, até que esse grupo começou a atacar matando os lavradores ou estuprando suas mulheres. Como é costume dessa região, as mulheres estupradas eram expulsas da comunidade e repudiadas pelos seus companheiros e filhos. Essa prática levou os agricultores casados ao desespero e o VIII Corpo de Infantaria destacou um grupo para formar um forte e proteger essas comunidades.
Sob o comando do Capitão Astor, foi deslocada uma companhia de combate de Infantaria que levantou o forte NE 45.
Dois grupos, um sob o comando do Capitão Astor e outro sob meu comando foram destacados para o NE 45. Ao amanhecer saímos do forte, e até atingir a área fomos montados em mulas. No povoado de Cachim pernoitamos e cedo partimos para a base dos montes, acampando próximo a um córrego. Durante três dias mandei patrulhas de observação às encostas dos montes, tentando contato com os impuros. No quarto dia, uma patrulha fez contato com o inimigo que após luta fugiram. A patrulha os perseguiu e descobriu um grande acampamento.
Desmontei o nosso e partimos para lá. Nossa surpresa foi a de não encontra-los mas, apenas as sobras do acampamento. Destaquei um batedor para seguir a trilha e fomos em frente. Com quase meio dia de vantagem a nossa frente, eles já deveriam ter alcançado a encosta oriental dos montes. Aceleramos para encontra-los o mais cedo possível, pois estávamos com ração seca para apenas seis dias. Água não era problema nessa região. Ao anoitecer já havíamos chegado próximo as encostas orientais e resolvi acampar ali. Durante a noite vimos ao longe as fogueiras que acenderam. Pus alguns homens de guarda e dormimos sossegados, apenas os mosquitos nos incomodavam. Ao amanhecer partimos com tudo para cima deles e próximo ao meio dia fizemos contato. Nos primeiros combates conseguimos exterminar quase todo um grupo com apenas uma baixa. Os que fugiram, entraram por um desfiladeiro, saindo numa região de pântanos contínuos. Com receio de ser emboscados nos desfiladeiros e nos pântanos mandei uma patrulha avançada. No retorno dela fui informado que os impuros estavam parados a nossa frente, pois, após os pântanos havia um perigoso despenhadeiro e eles não conseguiram descer. Segundo eles não havia mais ninguém que nos pudessem atacar.
Mesmo assim, seguindo a prudência dividi o grupo em três e avançamos. Não podia imaginar que cairíamos numa armadilha bem montada. Um grupo de impuros estava escondido à nossa retaguarda e quando já estávamos no meio de um brejo, nos atacou com flechas. O colete Klevar nos protegia na região do peito e das costas, os capacetes a cabeça, mas da cintura para baixo, estávamos expostos. Como não podíamos correr dentro do brejo, pois a lama e a água dificultavam a progressão, as flechas nos atingiam, sem que pudéssemos nem reagir. Ainda mais, agrupados na progressão ficamos sem defesa. Os balesteiros e os fuzileiros tentavam acerta-los, mas o cerco que eles empreenderam foi eficiente. Quando avançamos para o combate corpo a corpo é que percebi a armadilha. Eles nunca haviam mostrado suas forças e armas. Sabiam que assim atrairiam pequenos grupos armados, como o nosso, nos matariam e ficariam com nossas armas e equipamentos. Fora uma tática de mestre, nós caímos nela e nossas tropas voltariam a cair, até que o SIA percebesse essa tática.
Durante a batalha eles se mostraram preparados e fomos derrotados.
Desarmados e sem equipamentos, fomos amarrados com as mãos às costas, formando uma fila, sendo cada um, de nós amarrado por uma corda ao pescoço do outro. Apenas doze de nós foram feitos prisioneiros. Os demais, ou foram mortos em combate ou foram mortos, por estarem feridos gravemente.
Eu como os demais fui atingido por uma paulada de bastão e caí com o braço quebrado, mas fora isso estava inteiro, o sargento e o cabo desmaiaram por forte paulada na cabeça e os outros se entregaram, pois não havia como continuar lutando.
Pude observar que recolheram nossas armas e equipamentos e os colocaram numa carroça pequena. O que mais me espantou, foi o fato de que muitos daqueles guerreiros não eram homens. Eram mulheres!
Ao lado do despenhadeiro, seguiram por uma trilha, que descia a encosta da montanha e ao final dela outros grupos estavam acampados com pequenas carroças, com armas e prisioneiros. Era um caminho construído, parecendo leito de uma antiga estrada que descemos sem esforço. As carroças desceram atreladas às mulas que havíamos deixado no primeiro acampamento. Fora uma campanha bem planejada e essa armadilha voltaria a funcionar caso nosso exército não fosse avisado.
Após andar por quase dez dias chegamos a uma grande planície desértica. Nossa geografia conhecia até os montes Urais e poucos foram os que se aventuraram por aquele deserto. Como as expedições nunca voltaram o Império achou que nada mais existia além.
Durante quatro dias atravessamos com os carros. Meu braço entalado pelo sargento Strong parou de inchar e doer. Comíamos e bebíamos pouco. Aquele povo parecia conhecer bem a região e ser bem organizado. Ao final do décimo dia chegamos a um grande rio e do outro lado uma muralha escondia uma grande cidade. Atravessamos o rio a pé, pois embora largo era pouco profundo, não atingindo mais que a cintura.
Quando os portões se abriram fiquei estarrecido. Era sem dúvida uma grande cidade, com largas ruas, casas bem construídas e intenso comércio. Ishin como era conhecida, parecia um grande centro comercial, como os maiores da Europa.
Chegando ao palácio fomos encaminhados a uma prisão e ao passar fui notando que as guardas eram bem equipadas com armas brancas, todas feitas de bronze e ferro. Conheciam esses metais e o fundiam em armas, logo eram civilizados.
A prisão ficava no subterrâneo do palácio. Havia apenas uma porta de acesso a ela. Percorremos um longo corredor em forma de labirinto e ao chegarmos no que parecia a área central fomos colocados em celas individuais.
Depois de algum tempo uma velha acompanhada de duas jovens carregando um balde e toalhas parou a minha frente. Falou alguma coisa com os guardas e um deles se aproximou e abriu a porta. A velha e as moças entraram e ela falou em nossa língua, com forte sotaque desconhecido: deixa ver o braço.
Ainda espantado, estiquei o braço, ela olhou e falando com as jovens numa língua desconhecida começou a me tratar. Primeiro lavou meu braço, e em seguida enfaixou-o com um pano recoberto por ervas maceradas e finalmente passou por cima do pano uma camada de argila.
Eu sorri mas ela não esboçou nenhuma resposta.
- Não se mova até secar, disse e arrumou suas coisas e saiu.
Onde eu estava? Quem era esse povo? Essas foram perguntas que me fiz.
Deviam já ter passado três dias, mas na prisão, eu não tinha noção do tempo, pois não via a luz do sol e contava os dias pelas refeições que me davam.
Antes da refeição do quarto dia fomos levados para fora das celas a fim de tomarmos sol e exercitarmo-nos.
Saíamos num pátio bastante grande, com mais ou menos 100 metros por 100 metros e com uma piscina de água corrente ao centro.
Ao redor desse pátio havia um jardim muito bem elaborado com flores, folhagens e arbustos que isolavam o pátio aberto de outro coberto, em cima do qual havia outro jardim. A vegetação ao redor do pátio era diversificada formando um pequeno bosque, com irrigação, por pequenas canaletas, que percorriam pelo seu interior.
Pude observar que a finalidade desses jardins em degraus era produzir sombra e frescor ao prédio e ao mesmo tempo isolar o pátio das alas do palácio. Todas as alas que davam para o jardim tinham amplas janelas e terraços.
Algumas árvores eram frutíferas e outras produziam sementes comestíveis; em pequenos trechos plantavam-se hortaliças, batatas, tomates e outras que eu não conhecia. Por trás de um renque de árvores pude observar que muitas das frutas e sementes eram secadas numa espécie de estufa.
Nós não podíamos nos comunicar, éramos colocados em cantos separados. Era permitido exercitarmo-nos e tomar banho na piscina. Eu não podia fazer nada a não ser aguardar e observar, pois meu braço estava engessado.
O ritual repetia-se a cada quatro dias, e eu ia ficando cada vez melhor, pois com as ervas da velha o inchaço desaparecera.
No terceiro passeio pelo pátio, como éramos apenas escoltados por poucos guardas, o cabo Savion resolveu fugir. Atacou uma das guardas, tomou a arma de surpresa e feriu-a. Os homens que faziam parte da escolta não reagiram, mas a segunda guarda partiu para cima dele com rapidez e habilidade, nunca vista por mim, desarmou-o e matou-o. Fora um recado, não éramos importantes e nossa vida não valia nada; então porque estavam nos tratando com todo cuidado se a qualquer tentativa de reação nos matariam sem piedade?
Na quarta semana a velha voltou e com um martelo e um pequeno ponteiro, foi quebrando cuidadosamente a cerâmica que me engessava. Ao final as suas acompanhantes lavaram o meu braço e massagearam-no com óleo e ervas.
- Agora você pode começar a se exercitar, disse.
- Obrigado, agradeci e sorri para a velha.
- Hum! Resmungou, levantou e dirigiu-se à porta.
Comecei meu trabalho de recuperação agora mais leve e livre.
Da minha cela podia ver a do Sargento Strong mas não podia falar com ele a não ser gritando. Comecei a me comunicar pela nossa linguagem de sinais. Essa linguagem, obrigatória a todos os militares de carreira, era tão desenvolvida que podia ser usada para substituir a falada, com a vantagem de que não emitia som. Era ideal para o combate.
Agora com as mãos livres voltei a assumir o comando do grupo, ordenando que cada um me passasse as informações que puderam colher. Exigi calma e controle para que não perdêssemos mais nenhum homem, acreditando que nossas vidas não valiam nada para nossos captores. Devíamos aguardar com paciência o próximo passo deles, pois só assim conheceríamos melhor o inimigo.
Obriguei a todos horas de exercícios nas celas a fim de nos fortalecermos e ganharmos agilidade.
No pátio não nos comunicávamos, para não dar chance ao inimigo.
Passado dois meses fomos levados a uma grande biblioteca, onde um serviçal nos forneceu roupas água e frutas frescas.
Duas coisas ficaram claras, uma é que, conheciam nossa língua e outra é que o domínio e poder estava nas mãos das mulheres guerreiras. Iríamos ser apresentados para a nobreza e escolhidos como maridos por elas.
A sala do trono era ricamente construída e fortalecida, sentando a rainha acompanhada de suas nobres. Fomos levados ali para sermos escolhidos pela casa real e eu e meus companheiros divididos pelas nobres. Nossa função seria gerar filhos.
Durante algum tempo ficamos separados, mas acabamos nos encontrando no mesmo pátio. Agora durante algumas horas do dia podíamos conversar. Como estávamos sempre vigiados não podíamos dar andamento ao plano de fuga.
Eu consegui descobrir que cada quatro anos essas guerreiras atacavam uma de nossas cidades, ao longo das fronteiras dos montes Urais e capturavam nossos homens para serem reprodutores. Ao final do processo de reprodução os homens eram castrados e de acordo com suas possibilidades posteriores eram aproveitados. Muitos se deprimiam e morriam, outros que conseguiam manter a ereção tornavam-se amantes e iam para um harém, outros se tornavam administradores, mercadores e camponeses das casas reais e finalmente os que mantinham sua força e braveza formavam parte do exército mercenário. Muitos desses homens com o tempo tornavam-se homossexuais. Para muitos isso era uma realização para outros uma aceitação e outro tanto acabava morrendo de melancolia.
Ishin é uma próspera sociedade que comercia com os reinos de Chim e do Indus. O reino de Chim situa-se a nordeste da cordilheira do Himalaia, o reino do Indus fica ao sul dessa cordilheira e é hostil ao reino de Chin.
Separando ambos reinos do reino das guerreiras, também conhecido como dos Altai, fica um grande deserto conhecido como Gobi. O reino dos Altai compreende as terras dos montes Altai até o deserto de Gobi no sentido leste-oeste e dos montes Altai aos desertos Sulinos no sentido norte-sul. É um grande reino produzindo grãos, artefatos de guerra em bronze, ferro e cerâmica dura. A cerâmica delas é tão dura que não quebra ao cair no chão. Essa técnica pertence a alta casa nobre e é guardada secretamente. Em todo o reino, inclusive nos locais mais longínquos as mulheres dominam, mas não é em todas províncias que os homens são castrados.
Ishin é a sede do governo, e a província mais importante. É nela que se encontram as grandes fundições de bronze e ferro e é onde se produz a ração de guerra conhecida como Tijol. O Tijol é uma mistura de farinhas de cereais, folhas desidratadas e transformadas também em farinha, carne seca moída, sal e um caramelado doce de açúcar e outros segredos. Esse açúcar, diferente do nosso é feito de uma planta chamada Cana. O Tijol é preparado em pequenas barras de um palmo de comprimento e a grossura de um dedo. É embrulhado em uma folha e tem a consistência do nosso torrone. É guardado e comido com a própria folha que o envolve e num simples alforge cabem o suficiente para alimentar um homem durante vinte dias.
Um soldado se mantém, apenas alimentando-se com ele, longo tempo em campanha. Esse mesmo Tijol é feito em forma de farinha que se guarda em potes de cerâmica dura e é comido misturado com água, como mingau.
Não fossem outras riquezas, apenas os segredos da cerâmica dura e do Tijol seriam os suficientes para compensar uma grande campanha de conquista, além da expansão imperial.
Conseguimos fugir com ajuda de algumas guerreiras e retornar trazendo algumas presas como um pote de cerâmica dura, alforges de Tijol, armas de bronze e ferro, roupas, tecidos e alguns dos manuscritos do Dr. Aliken e do Coronel Dorff.
Soubemos também que a captura do Dr. Aliken e da tropa de busca e resgate comandada pelo Coronel Dorff fora obra das guerreiras de Altais.
Nada mais tendo a acrescentar e sendo esse relatório, por mim escrito por hierarquia do posto de tenente e lido pelos meus companheiros de corpo, assinamos dando fé de verdade.
Fechei o relatório e comecei a pensar naquela aventura.
As imagens passavam na minha cabeça e me entonteciam. Era como um caleidoscópio onde formas inimagináveis sucediam-se, uma após outra, cada uma mais diferente e exótica. Nada fazia sentido, mas tudo parecia ter uma lógica.
Numa das reuniões o Coronel Sorensen me chamou ao lado.
Senhor Yra gostaria que o senhor lesse uma tradução do livro que o Tenente Jimo trouxe.
Essa tradução foi feita por um excepcional sob efeito de droga, que liberaram do seu cérebro o conhecimento daquela escrita antiga. Foi originalmente escrito em uma antiga língua chamada Sânscrita, por um monge oriental.
Porque o senhor está me dando esta oportunidade?
Foi a pedido do Doutor Heródoto, seu antigo professor, que brevemente encontrará.
- Peguei o livro e agradecendo pela oportunidade desci.
- Sentei-me, peguei o cachimbo e abri o livro.
O GUIA
Eu sou Abakuk, um antigo mestre, cronista único e verdadeiro de meu grande chefe guerreiro Akila dos Hisiung Nui.
Esta estória é a minha versão, a versão de quem viveu ao lado dele até sua gloriosa morte.
Escrevo esta saga para mostrar que as coisas nunca são como parecem ser. A forma de olhar um episódio da vida, pode ter vistas de grandeza e glórias, vistas de quem as coincidências o levaram a chegar aonde queria ou, vistas de como os acasos levam alguém para onde ele não queria. Cada visão depende do cronista, do autor, dependendo também dos interesses que o herói ou seus semelhantes, amigos ou povo, querem que tenha.
Eu acredito nas ocasionalidades que nos levam a um fim, só o caminho é que escolhemos. Sempre temos chance de optar por mais de uma solução e assim criamos o impasse e o caminho. Quero dizer que o ponto do impasse pede uma decisão e a decisão tomada cria um caminho novo que nos levará a outro impasse. É como uma estrada que nos leva ao norte, a cada trecho percorrido acabamos numa encruzilhada e, aí, temos que optar por um novo caminho. Nossa decisão para o novo trecho deverá ser bem tomada, pois, ao sair do rumo certo, poderemos nunca mais a ele retornar.
Eu acredito nisso, por essa crença escrevo e minha vida é a melhor testemunha.
Desde a mais tenra infância minha vida foi pautada por fatos ocasionais que aconteceram sem que, algumas vezes eu pudesse influir neles, e em outras acredito ter tomado a decisão certa.
Começou na minha infância, minha mãe muito doente quase não podia cuidar de mim. Fui amamentado por uma escrava e por ela criado até a morte da minha mãe. Quando tinha dois anos minha mãe morreu, meu pai, que era um rico comerciante da região dos desertos do Sul perto da Mesopotânia, comprou uma jovem escrava para cuidar de mim. Nessa ocasião meus irmãos já estavam homens formados e saiam para comerciar em caravanas.
Quando estava com sete anos, meu pai me colocou aos cuidados de um escravo, da região do Ganges, chamado Viruna. Ele havia sido um monge dos Himalaias capturado durante as guerras do Oriente e como era letrado, meu pai o comprou para me ensinar a ler, escrever e operar números. Meu pai em seguida casou com aquela jovem escrava e tempo depois teve com ela um filho.
Viruna cuidou de mim até os doze anos, quando uma terrível peste se espalhou por nossa região. Muitos da nossa região morreram e eu também acabei sendo acometido pela peste. Como era o costume, para evitar que a peste se espalhasse a outros membros da família ou da sociedade local, os doentes eram levados para o deserto com certa quantidade de comida e água. Se ao fim de um tempo sobrevivessem sem a doença poderiam voltar. Cabe relatar que nunca soube de ninguém que tivesse voltado, exceto eu.
Minha madrasta vendo aí, uma oportunidade de se livrar de mim, tornando seu filho o único herdeiro da riqueza de meu pai, exigiu o cumprimento da lei.
Meu pai tinha uma grande afeição por mim e para que eu não morresse pela peste ou devorado pelas hienas ou chacais, estava tentando evitar abandonar-me à minha própria sorte, mas não pôde fugir à lei.
Quando soube que eu seria abandonado no deserto, Viruna pediu ao meu pai para que pudesse me acompanhar e cuidar de mim.
Meu pai não só consentiu, como para mostrar sua gratidão, lhe concedeu a liberdade e uma carroça cheia de mantimentos.
Partimos numa manhã de primavera, fresca e úmida, na carroça e com mantimentos e água para alguns meses.
Viruna parava durante o dia e cuidava de mim e durante a noite seguíamos pelo deserto em direção as montanhas do oeste.
Ao final de quatro dias chegamos aos pés dos montes, próximo a um riacho seco e ele procurou uma caverna para nos abrigar. Encontrou uma grande caverna fresca, que durante algumas horas do dia recebia um pouco de sol, tendo ao fundo um poço de água límpida.
Viruna cuidou de mim durante muito tempo e antes que nossos mantimentos acabassem eu já estava recuperado.
Foi só então que ele começou a sair da caverna para conseguir alimentos.
Durante quase dois anos vivemos na caverna, próxima a um pequeno bosque onde catávamos e comíamos sementes que só ele conhecia. Ensinava-me coisas, falava-me de deuses e deusas que me eram estranhos , ensinou-me a língua dos vedas e dos lamas, ensinou-me a ler escrever nessas línguas e também as ciências dos números bem como astrologia. Eu aprendera muito e um dia mandou soltar nosso burro e preparar-me para voltar. Eu não queria mas era preciso.
- Se temos que voltar, porque soltar nosso burro; não podemos montar nele?
- Não, quero ensinar-lhe a caminhar pelo deserto pois isso é muito importante.
Saímos num entardecer, caminhávamos durante a noite e dormíamos durante o dia. Nessa época aprendi a comer pouco, beber pouco, achar comida e água e assim, depois de muito tempo chegamos ao povoado.
Como eu fora o único que sobrevivera ao deserto e a peste e logo me tornei um herói na comunidade.
Minha madrasta não se conformava com minha volta mas nada podia fazer. Meu pai deu como recompensa, a Viruna, uma bolsa com dez peças de ouro.
Como Viruna era livre, comunicou ao meu pai que iria partir.
Na partida, ao despedir-se de mim, disse:
- Eu voltarei, aguarde-me.
Os meses seguintes foram de constantes atritos entre eu, minha madrasta e meu pai. Tudo o que ela queria é que seu filho fosse o único herdeiro da nossa fortuna.
Meus irmãos que estavam homens formados haviam saído de casa, um no exército do rei e outro sumira pelo mundo a comerciar, sobrava eu, legítimo herdeiro pela nossa lei, de todos os bens de meu pai.
Quando eu estava com quinze anos Viruna apareceu e foi ter com meu pai. Queria que o pai me permitisse partir com ele para as grandes montanhas do oriente a fim de aprender a ser um monge e guerreiro da luz, como ele.
Meu pai pediu que eu decidisse se queria seguir com Viruna ou ficar. Optei por ir.
Depois de muita relutância e assediado pela jovem esposa, ele consentiu, garantindo que, quando eu atingisse a maioridade poderia voltar para reclamar minha parte da sua fortuna.
Partimos alguns dias depois e a despedida foi muito triste pois sentia que não voltaria a vê-lo e acredito que ele tinha a mesma sensação.
Cada um de nós num camelo, com mantimentos, água e uma bolsa peças de ouro, partimos em direção ao oriente. A jornada foi longa e levamos quase quatro meses para chegar nas encostas dos grandes montes. Paramos numa pequena aldeia onde Viruna vendeu os camelos e seguimos o resto da nossa jornada a pé.
Durante todo esse tempo, ele quase não falou comigo. Acreditava que era muito importante ficar calado. Quando falava o homem apenas usava uma parte do cérebro e toda língua. Quando ficava calado, usava todo cérebro. Ele apenas falava comigo quando era para ensinar alguma coisa e ensinava-me muita. Ensinou-me a colher sementes, flores e frutas comestíveis, sobreviver em qualquer tipo de ambiente; ensinou-me a observar as coisas, os seres vivos, a paisagem; a andar à noite no deserto, e na montanha, e mais, muito mais, a pensar, ter paciência e a querer. Pensar, querer e ter paciência, esse era o grande segredo da vida, o grande segredo da existência. Para ele a Grande Mente Cósmica pensou a alma, quis que ela existisse e aguarda com paciência para resgata-la.
Quando chegamos ao alto da Montanha dos Mestres, pude ver o Grande Mosteiro.
Ele ficava numa área plana, cortada por um rio raso formando um largo e fértil vale. O mosteiro era majestoso e eu nunca havia visto construção tão grande em toda minha vida.
O fértil vale era todo coberto de plantações e nele não se criavam animais nem mesmo para o transporte ou ajuda nas plantações.
O povo que aí vivia construiu suas casas e formou uma vila ao redor do mosteiro. Para poder ocupar o vale tinham que ter a permissão do Grande Lama e pagavam um tributo aos monges, que se criam, donos do vale.
Quanto mais me aproximava do portão maior o mosteiro ficava.
Passamos perto do portão, Viruna me levou às margens do rio e nos lavamos, num ritual que apenas ele conhecia. Vestiu uma túnica amarela e deu-me uma vermelha e fomos diretamente à entrada. Gritou alguma coisa numa língua desconhecida e o portão foi aberto. Aquela língua, que mais tarde aprenderia, era considerada a língua dos deuses e apenas alguns monges eram versados nela.
Ao cruzar aquele portão minha vida sofreu uma grande mudança.
Fui colocado junto a outros egressos e nos primeiros meses nada fazíamos a não ser, participar da aclamação do nascer do Sol, trabalhar na limpeza do mosteiro todos os dias e participar das aclamações do entardecer no poente.
A vida era dura, difícil e cansativa, não podíamos brincar, pois caso fizéssemos sofreríamos punições. Não eram punições de castigo físico; éramos colocados num salão, sentados bem no centro, e permanecíamos aí, sentados todo o dia, sem falar e comer.
Essa era a primeira lição, ficar sentado sem fazer nada era pior que trabalhar. Ao longo do dia trabalhávamos conversando, rindo e juntos. Aprendíamos que o trabalho era a essência da transformação e a cooperação a melhor forma de realiza-lo.
Após um ano, alguns de nós foram separados e integraram outros grupos.
Isso significava que éramos observados todo tempo e nossas habilidades qualificadas para a outra parte de nosso ensino.
Eu fui um dos últimos a ser qualificado e colocaram-me no grupo dos escribas. Eu sabia ler, escrever e falar, tudo o que Viruna me ensinara e isso passou a ser minha qualificação. Na realidade não queria ser escriba, queria ser guerreiro, mas, aprendi que minha vontade não existia. Era célula do corpo, como célula tinha realizar minha parte para que formasse um corpo sadio. O corpo era o mosteiro.
Assim foram correndo os anos e eu cada vez mais escrevia, lia e falava em outras línguas.
Um dia fui levado ao grande salão dos mestres e colocado no centro de um círculo formado por sete deles. Depois de um tempo calado um falou-me:
- Você deverá abrir sua mente sem pensar em nada, deverá olhar para o vazio e quando achar que deve falar alguma coisa, fale.
Foram horas calado e concentrado, algumas vezes achava que estava dormindo pois, acordava com um sobressalto, como quem acorda assustado e outras pensava sonhar vendo nitidamente o sonho com seus personagens.
Numa dessas ocasiões falei alguma coisa não entendi, numa língua estranha.
Os mestres se entreolharam, falaram entre si alguma coisa e depois me mandaram embora.
Alguns dias depois fui encaminhado à outra parte do castelo, onde apenas os mestres da luz ficavam. Nessa ocasião fui avisado que deveria me esforçar para aprender tudo pois eu era o escolhido para ser o Guia. Como não me respondessem o que queriam dizer com ser o Guia, comecei minha nova fase da vida na mais plena ignorância do futuro.
Aprendi muito com os sete mestres e minha atuação envolveu leitura, meditação, língua sagrada, meditação e meditação.
Quanto tempo passei aí não sei, só sei que já estava homem quando um dia fui levado à frente do Grande Mestre.
- Abakuk, você foi preparado para ser o Guia, sua educação está completa, vá! Falou apenas isso e com um gesto da sua mão mandou-me sair.
Do lado de fora, no pátio encontrei Viruna, que agora me parecia mais velho e cansado. Dirigi-me a ele e com largo e alegre sorriso me estendeu a mão, tocando meu ombro e dizendo:
- Não esperava ter a glória de conhecer o Guia; eu que andei pelo mundo desde os prostíbulos até os palácios procurando os jovens para essa missão, jamais esperei encontra-lo. Que grande honra, que vida feliz por ter conseguido.
- Viruna, que quer dizer ser o Guia?
- Você descobrirá sozinho. Agora você pegará suas coisas e sairá pelo mundo, peregrinará e na hora certa encontrará o filho dos deuses. Você irá guia-lo.
Acompanhou-me até o portão que foi aberto e disse:
Deverá seguir para o norte e antes de atravessar o deserto, parar em Xanty,aí passar pelos sábios iluminados para conhecer o Segredo Cósmico e depois voltar seguir para o Norte até encontrar seu destino.
Eram entardecer quando saí pelo mesmo portão que havia entrado a nove anos atrás. Desde aquela época, nunca havia saído daquele mosteiro para nada. Assustava-me o mundo. Era como se estivesse nascendo novamente.
Saí com uma túnica, uma sandália, um chapéu de palha e uma sacola contendo mantimentos para alguns dias.
Desci o monte pelos mesmos caminhos que subira quando jovem. Uma angústia na alma me entristecia; uma dúvida martelando o cérebro me assustava: o que era ser o Guia?
No final da descida, perguntei a um aldeão qual era o caminho para Xanty e segui para lá.
Ao chegar em Xanty pude conhecer o que era uma grande cidade. Havia de tudo, miséria, prostituição, riqueza, assaltos e mortes. Era uma cidade suja, onde os esgotos das casas corriam pelas ruas, lixo e sujeira se acumulavam nos cantos ou nos lugares descampados. Na região central, e na dos grandes armazéns, havia uma correria de escravos e comerciantes, com muita agitação e uma confusão de línguas tornava a gritaria quase ininteligível.
Ao entardecer as mulheres apareciam para vender seus corpos aos trabalhadores. Meninas e meninos eram vendidos por seus pais a quem pudesse pagar.
Tudo me enojava, mas era a vida correndo como um rio que passava e arrastava o que encontrava, com sua torrente caudalosa, sem se preocupar com o que destruía ou construía.
Ao me informar sobre o mosteiro de Xanty fui assediado por uma pequena jovem que abriu sua túnica na minha frente, mostrando aquelas formas redondas de uma quase menina que, sem pudor se oferecia a um monge, um homem sagrado. Para quem nunca teve mulher, aquela visão era devastadora. Meu corpo estremeceu, minhas pernas tremeram e eu, mais com medo do que qualquer outro sentimento, fugi. Perdido na noite, depois de tanto correr e tentando achar meu caminho, via homens, mulheres, moços e velhos se oferecendo às mais diferentes e perversas bizarrias do sexo e dos vícios. O que leva os seres humanos a isso?
Escondi-me num canto escuro e esperando a noite passar e sem conseguir dormir pude observar o animal homem em suas mais agressivas e perversas atividades, até que, sem perceber adormeci.
Acordei com o sol forte batendo em meu rosto e levantei-me, todo quebrado pela passagem da péssima noite.
Caminhando e me informando, cheguei ao mosteiro de Xanty ao entardecer.
Do alto do morro onde estava pude observar que era pequeno, bem construído e com belos jardins cercados por altos muros. Como todos outros nossos mosteiros, não sabíamos dizer quando fora construído. As lendas diziam que foram os deuses que os construíram para guardar os seus segredos. É verdade que, além dos mosteiros que existem hoje, outros estão desaparecidos em lugares que nem podemos imaginar.
Ao bater no alto portão fui atendido por um monge que me questionou quem era e o que queria, na linguagem secreta da ordem. Essa era a única maneira de saber se eu era um irmão ou não.
Entrando passamos pelo jardim, que não só era um espetáculo de cores, mas também de sons e odores. Pássaros cantavam e um pequeno regato passando entre pedras criava um som harmonioso. As flores, além de cores exalavam perfumes diversos que formavam um buquê inebriante.
Entramos no mosteiro e fui encaminhado a um salão onde em seguida, alguns jovens monges me serviram água e alimento.
Ao término da pequena refeição o mesmo monge voltou e pediu que o seguisse. Chegamos ao salão do Mestre da Ordem que, ao ver-me, sorriu e disse:
- Me informaram que você pode ser o Guia, mas, só teremos certeza após passar pela regressão. Ela deverá acontecer amanhã à noite e espero que você possa descansar para estar preparado. É importante que você saiba que muitos já tentaram e não regressaram, somente o Guia regressará.
Fez um gesto, abaixou a cabeça e saímos.
Fiquei curioso mas não tinha como perguntar e fui para os meus novos aposentos.
No dia seguinte sentei-me jardim do templo descansando e meditando sobre tudo que eu passara.
Durante todo dia fiquei, jejuando, meditando e sentindo as sensações da natureza; perfume, ar fresco e sons diversos. Era como se todo meu corpo sentisse a vida. Ao final do dia alguns monges me deram água e algum alimento e fui novamente levado à presença do Mestre da Ordem.
- Esta noite você fará a regressão, sua preparação começará agora e antes de faze-la, devo avisar que se você não for o guia sua alma não voltará mais ao seu corpo.
- Estou disposto, respondi e saí pensando como havia chegado até aqui e como me propunha a morrer, em nome de algo que nem sabia o que era.
- O salão sagrado era uma construção com a forma de um sino, tendo ao centro uma única mesa de pedra. No alto, na parte central da abobada havia um orifício tão pequeno, onde mal passaria a mão de uma criança. Quatro fios de ouro presos à parede seguravam um engaste, também de ouro, tendo nele um minúsculo cristal, do tamanho de um grão de arroz e com a forma de cone, com a ponta voltada para baixo.
Fui banhado em água com sais, untaram-me com óleos e esfregaram diversas ervas por todo meu corpo. Algumas horas antes do ritual tomei um chá que foi me deixando embotado.
Já era tarde da noite quando me levaram à mesa, deitei-me nú e ajeitaram meu corpo.
A luz da lua que entrava pelo orifício começou a iluminar-me com um fino e brilhante facho luminoso. Esse facho foi percorrendo-me desde o pé e subindo pelo meu corpo, tocando em cada um dos meus chakras.
Sob o efeito do chá minha consciência mudou, as cores eram mais fortes e brilhantes, as formas indefinidas e os monges me pareciam manchas luminosas, cada um de uma cor.
Pude ver o fino raio de luz, que atravessava o cristal do teto chegar a ponta do meu nariz e caminhando lentamente, tocar no chakra frontal. Nessa hora minha cabeça explodiu em pontos luminosos e um zumbido tomou conta dela.
Um segundo, foi o tempo que precisei para passar da dimensão da matéria para a do espaço, senti-me sair do corpo e pairando sobre a mesa.
Uma luz vermelha alaranjada tomou conta do salão, as figuras dos monges foram se distorcendo e perdendo as forma, tudo ia vagarosamente desaparecendo no meio daquela luz. De repente minha vida começou a aparecer; eu estava vendo-a passar para trás e cada vez que olhava a luz via-me numa fase dela, no mosteiro chegando com Viruna, minha madrasta me atormentando, na caverna com Viruna, minha mãe morrendo, eu só chorando no berço, minha mãe sentada e eu entrando pelo seu sexo, meu coração batendo e de novo a luz vermelha alaranjada até que tudo explodiu e uma sensação de vazio, frio e escuro tomou conta dos meus pensamentos.
Sentia-me atraído por não sei o que, uma terrível força que me arrastava, frio, escuro e dor, muita dor tomavam conta de mim.
Quando a força que me sugava parou, senti que a luz voltava, agora mais fraca, suave e variando entre amarelo e o vermelho forte. Pude então me perceber com forma, quase humana, com seis braços, vagando num espaço com outras formas semelhantes. Cada uma das minhas mãos segurava outras, num incessante dar de mãos e conforme a mão que eu segurava uma corrente de energia passava por esse meu novo corpo.
Consegui finalmente dar quase todas as mãos e num balé exótico eu e as outras formas começamos a nos movimentar no espaço. Nessa ocasião pude perceber que nós é que estávamos gerando a luz e como nós, em outros pontos do espaço havia também luzes em movimento. Parecia estar vendo um céu multicor num vigoroso balé de luzes e repleto de formas, cada uma mais exótica que a outra. Uma delas, muito velha e feia, com brilho fraco e sensação fria tocou na minha única mão solta, todos nós nos tornamos um ponto luminoso único e as formas desapareceram. Aquilo tudo que eu via desapareceu e passei a sentir, agora somente sentir. Pude sentir o vazio, a escuridão, o frio e nada mais.
Um ponto luminoso surgiu e minha consciência o reconheceu.
A consciência se movimentou em relação a ele, para o lado, para cima, para baixo, mais perto, mais longe. Correu pelo espaço em torno dele, mais rápido, mais lento. Entrou na luz e ficou ali, movimentando-se tomando cor e de repente se expandiu, foi crescendo e crescendo tomou todo o espaço que pode. Ao crescer nesse espaço tocou em coisas e com sua luz clareou-as. A luz começou a gerar calor, e para isso foi mudando de cor e cada vez ficando tão mais e tão quente que as novas formas que tocava iam se tornando reais e vivas.
Deu forma e cor a tudo que tocava e continuou a se expandir até sentir cada uma delas. Sentir uma nova ação, um novo pensamento, uma idéia e foi o sentir que a despertou.
Como uma criança com seu novo brinquedo, começou a brincar, deu movimento, raspou, quebrou, puxou, afastou e assim continuou.
Num tempo qualquer, uma imensa massa de sensações em forma de energia luminosa se deslocou do seu centro e começou a vagar pelo espaço. Era a luz da luz a energia da energia era um pensamento e eu estava nele sentindo-o todo.
Como na sua origem, começou a tocar cada uma das formas até que uma delas a capturou; envolveu-se toda em volta daquela massa e começou a molda-la. Um fio de luz dourada correndo pelo espaço, entrou na massa e me puxou de dentro dela.
Acordei como quem sai da água, todo molhado e sem fôlego. Meu coração batia tão forte que o sangue porejava por toda pele. Comecei a respirar fundo e fui voltando à calma. O sangue que porejava parou, a visão voltou e comecei a reconhecer meu corpo lentamente. Algumas horas depois eu já estava sentado e bebendo chá.
Antes do anoitecer fui levado a presença do mestre que disse: você realmente é o guia.
- E o que é ser o guia?
- Não se preocupe, saberá no momento certo, cumprirá sua missão e depois será um ser humano como outro qualquer, sem mais nada a fazer do que viver a vida. Entenda o seguinte: cada um de nós tem que cumprir uma missão que nada mais é do que uma idéia cósmica que deve se realizar, tornar-se viva, materializar-se. Quando ela se realiza, o ser torna-se humano pois sua função cósmica já se completou. Só não sabemos qual é essa idéia. Podemos passar a vida como monge, fugindo do pecado da carne e por isso não realizamos a idéia ou colocamos no mundo alguém que a realizando iria muda-lo. Pecar é isso, não realizar sua idéia cósmica.
- E qual é a minha, já que sou o guia?
Sabemos que você é o guia mas não sabemos o que deve fazer; descubra você mesmo e acredite, nenhum homem sabe nada sobre o outro, a não ser aquilo que os sentidos mostram. Ninguém, ninguém mesmo, sabe nada da alma do outro; apenas fingem que sabem, criam cultos; inventam deuses, ritos e coisas afins, nada disso é preciso, tudo é mentira, é ilusão.
Meditei durante dois dias sobre tudo o que passara, sentindo que deveria seguir para o norte, atravessar o deserto de Gobi e ir para Altai. É nesse caminho que cumpriria minha missão.
O LIVRO SAGRADO
Desci pelo Vale do Tarim até a região dos lagos nas bordas do deserto Takla-Maklan. Aí, antes de seguir pelo deserto parei para recuperar as forças no povoado de Olay.
Durante algum tempo juntei sementes, flores e frutos que sequei para preparar meu alimento. Eles eram secos à sombra e amassados para formar pequenos torrões.
Depois de alguns dias de descanso, já bem recuperado e alimentado, segui em direção ao primeiro oásis do Takla-Maklan e foi então que conheci Ashai.
Ashai era um monge de uma seita ou mosteiro que eu não conhecia.
Seguimos juntos durante longas e silenciosas caminhadas e só conversávamos algumas horas ao por do sol, quando não caminhávamos. Tínhamos o mesmo costume de caminhar durante a noite até o dia seguinte quando o sol ficava muito forte. Nessa hora, prendíamos o manto retangular no cajado que era fincado no chão. Sob a pequena tenda que se formava, sentávamos na posição de lotus e íamos diminuindo as funções vitais. Essa prática era freqüente entre os monges e permitia que pudéssemos atravessar as regiões desérticas e quentes com pouca água e alimento. Quando o sol perdia força despertávamos comíamos e bebíamos um grande gole de água antes de seguir a jornada.
Os oásis estavam distantes cada três ou quatro dias e no final de quase um mês havíamos atravessado o Takla-Maklan.
Na região próxima ao Gobi, um grande e terrível deserto com poucos oásis, paramos em Hami.
Hami era um povoado movimentado, era o ponto natural de parada das caravanas, pois ficava bem no meio do caminho dos dois desertos.
Resolvemos descansar por alguns dias e nos preparar com alimentos e água para atravessar o deserto.
Uma noite, antes da partida, Ashai me perguntou o que eu ia fazer no Gobi. Fui muito sincero e contei-lhe toda a minha experiência acrescentando que também não sabia porque estava seguindo aquela jornada. Ashai ficou calado e pensativo e começou a me contar a história dos grandes sábios, os Ajuwakawas, que se tornaram os únicos a terem contato direto com a Mente Cósmica, o grande pensamento da vida, o Baraka.
Contou-me sua história.
Em seu mosteiro teve uma visão de chamado. Nessa visão o caminho lhe fora revelado, menos que me encontraria. Estava nessa jornada para receber dos Ajuwakawas o poder de mudar as mentes dos homens e depois disso voltaria para Asoca onde se tornaria o iluminado que levantaria a mente do povo contra a opressão dos poderosos.
Como nossos caminhos coincidiam, tomei rumo ao Gobi com a companhia de Ashai.
Andamos em direção ao norte durante dez dias e de repente avistamos ao longe um oásis e seguimos em direção a ele.
Na planura branca amarelada do deserto, aqueles pontos verdes eram uma alegria aos olhos. Quanto mais caminhávamos, mais o oásis se afastava de nós. Parecia que nunca chegaríamos e, de repente, o oásis sumiu. Havíamos sido enganados por uma miragem e, esse engano, nos custou quase um dia sob o sol sem descanso.
Fora uma ilusão quase fatal. Ficamos com pouca água e muito desidratado sob o sol. A água que precisávamos faria com que perdêssemos uma noite a mais caminhando. Dessa forma perderíamos outro dia descansando sob o sol e assim quebrando nosso ritmo. Tínhamos água para mais um dia.
Seguindo pela noite adentro, no dia seguinte, sem avistarmos nenhum oásis e sem água resolvemos descansar.
O sol nasceu inclemente e cumpriu seu papel, fazendo com que entrássemos em torpor e a partir daí a única certeza era a morte, que chegava calma e lentamente, sem grandes aflições. Fechei os olhos e desfaleci.
Quando despertei, estava num quarto sem janelas, como se tivesse dentro de um cubo fechado, com uma luz tão brilhante quanto o sol. Não pude perceber de onde vinha aquele brilho.
Algum tempo depois, Ashai entrou no quarto com um homem alto, pele morena e muito jovem.
Perguntei-lhe onde estávamos. Ele respondeu que estávamos próximo à entrada do templo subterrâneo dos Ajuwakawas.
O templo não era mais que um labirinto de túneis que terminavam em grandes salões onde alguns velhos e poucos jovens nos esperavam.
Um dos velhos levantou-se e falou:
- Ashai, você se integrará a nossa colônia por algum tempo, antes de sair para cumprir sua missão.
- Abakuk conhecerá o livro sagrado e depois partirá para cumprir a sua.
O que me intrigou foi todo o conhecimento que tinham sobre mim.
Dirigi-me a sala do livro sagrado.
Era uma caverna circular e como no templo, em Shanty, as paredes iam tomando a forma de uma abóbada dando a impressão de estarmos dentro de um sino. O chão era escavado em degraus circulares aprofundando para o centro, sete ao todo e, no último, havia uma pedra em forma de um cubo. No teto havia um cristal claro em forma de cone com a ponta virada para baixo, que emanava um feixe de luz fino e muito branco. Esse feixe de luz tocava o centro do cubo de pedra.
Levaram-me até o centro do salão e sentei-me no último degrau de frente para o cubo.
Os monges foram sentando e dando as mãos ao meu redor, em grupos de nove para cada degrau.
Quando todos já estavam acomodados, um velho entrou com um cristal azul tão escuro que parecia quase negro. Ele tinha a forma de obelisco com a pirâmide quadrangular de um palmo de base e um de altura, terminando em outra pirâmide quadrangular menor. Esse obelisco foi colocado sobre o cubo de pedra de tal forma que a luz que emanava do teto tocasse o vértice da pirâmide superior.
Os monges pediram que Ashai sentasse à minha frente e disseram que não devíamos fazer nada, nada mesmo, apenas olhar a pirâmide.
Começaram então com mantras e sons guturais até entoar o HOM. Esse HOM era entoado de tal forma que terminando com rápidas aberturas dos lábios, tornava-se um som diferente do que eu ouvira e praticara. Era pronunciado tão sincronicamente que parecia uma única voz. Nesse momento pude perceber que a luz que era emitida pelo cone do teto começava a se movimentar enquanto a luminosidade do salão ia se enfraquecendo.
Num dado momento o salão ficou escuro e a luz do cone batendo na pirâmide parecia criar uma poeira que subia lentamente pela luz. Lembrou-me o tempo de criança, quando ia para os galpões dos depósitos de meu pai e ficava fascinado, vendo a poeira se movimentando nos fachos de luz, que entravam pelos furos das paredes.
Aquela poeira foi ficando bastante densa dentro do facho de luz e começou a tomar formas semi-humanas.
De repente, o facho de luz se expandiu, uma luz violeta tomou conta da sala e formas semi humanas começaram a se movimentar e a falar.
Eu estava vendo uma realidade ou uma ilusão? Todo aquele ambiente havia me enlouquecido?
Fui sugado para um outro salão onde via muitas formas amorfas, parecendo parte homem e parte indefinida, brilhando sempre, que pareciam não me ver. Percebi que estava lendo um livro que mais parecia uma peça de teatro, que acontecia, não nos meus olhos mas no meu cérebro. Eu não tinha a dimensão humana, entendia tudo e via tudo, mas não tinha como tocar, só podia ver, sentir e ouvir.
O local em que se encontravam era exatamente as cavernas em que nós estávamos e depois, muito mais tarde pude entender porque aquela era considerada a cidade sagrada.
Um grande ser, reuniu todos os outros no salão.
Naquele salão muitos seres estranhos, com formas e aparências bizarras e de cores diferentes, estavam reunidos.
Um grande ser, maior que todos, sem forma definida e com grande brilho apareceu no patamar superior do salão. Parou por algum tempo e depois começou a brilhar em cores diversas e a cada brilho e cor que tomava, outros presentes respondiam como se estivessem em sintonia com ele.
Aquela era uma forma de comunicação, assim como nós com a voz ou gestos, podiam se relacionar e eu comecei a entender o que o grande ser dizia.
Eu reuni todos aqui para que possamos pensar sobre nossa derrota. Não sei o que saiu errado, eu tinha tudo sobre controle, tudo tão bem arquitetado, que não poderia acontecer como aconteceu. Eu fui traído por algumas consciências e caí em minha própria armadilha. Ainda não sei quem são meus traidores mas logo saberei. Sem mim as consciências deles serão vazias e suas existências condenadas a ser nada mais que energia ou matéria. Perderão seu poder e sua luz.
Por que eu fiz o que fiz?
- No começo a grande mente cósmica teve como sua primeira consciência, a luz, que se transformou em idéia e posteriormente em sensação. Veio depois a matéria, outra nova idéia que poderia ser modelada e para sua modelagem criou os elementos como terra, fogo, ar e água e com isso brincou um longo tempo. Brincou com o dia, a noite, o calor e a chuva e modelou a terra com eles.
Daí uma nova idéia surgiu, criar a vida.
Criou o primeiro ser unicelular e usando a matéria foi criando mais um mais outro e a idéia da vida estava criada. Esses seres não faziam nada, eram apenas criaturas sem sentido, até que outra uma nova idéia surgiu, dar sensação às criaturas e poder senti-las através delas. Assim todos os seres foram mudados para terem sensações, quente, frio, claro e escuro. Os tempos se passaram até que outra nova idéia surgisse: agrupar os seres. Assim um único ser foi criado sentindo tudo. Surgiu depois dessa uma outra idéia, que os seres se reproduzissem e daí criou os vegetais até que o mundo passou a ser uma grande floresta.
Da sensação do movimento dos galhos, folhas caindo, pólen voando, a idéia seguinte foi o movimento das criaturas. Como os vegetais não podiam ter movimentos próprios criou então os animais, tendo órgãos sensores, com movimentos livres e reproduzindo-se; agora além de luz calor havia a nova sensação, o som, o odor e o tato. Os vegetais não precisavam deles, os animais sim.
As idéias com associações diversas foram sendo criadas e reproduzindo-se numa velocidade fantástica de tal forma que, a cada nova criação, a dispersão da grande mente ia aumentando. Grandes espaços vazios dentro dela iam se enchendo de vibrações provocadas pelas sensações dos seres existentes e dos novos seres criados. Como cada nova vida criada ou novo ser gerado pela reprodução absorvia parte da energia da grande mente, surgiu dentro dela uma forma de coordenar o todo – o pensar. As associações agora não eram mais idéias, mas conjuntos de idéias que formavam pensamentos. A mente cósmica pensava!
Com o tempo pensou que para continuar a vida, tinha que pensar todas as formas de vida e foi pensando interligando-as até chegar na natureza.
A natureza foi pensada como uma grande associação de idéias de animais, vegetais, água, terra, fogo e ar.
Pensar tudo isso começou a dispersar a energia da grande mente e a partir daí eu nasci. Nasci para ser um controlador, uma parte da grande mente e eu podia, também, pensar. Com a evolução da natureza e sua liberação, grandes árvores, aves, animais, peixes e tudo mais, eu também já não podia cuidar de tudo sozinho e outros foram surgindo. Fomos nos organizando numa lógica, numa filosofia, numa seqüência, dependentes um dos outros.
Houve um tempo que a natureza se organizou de tal forma sob nosso controle que parecia um grande organismo pensante, um grande e organizado organismo com vontade própria, vida própria, com ciclos de nascimento, crescimento e morte que resultava na liberação da energia vital. A morte era apenas o fim da matéria, pois a energia vital sempre voltava à grande mente. Era a transmigração da alma que voltava à mente e a enriquecia. A grande mente apenas pensava, reorganizava os pensamentos e sentia cada vez mais a vibração da vida que saía dela e voltava a ela.
Quando uma vida acabava, as energias liberadas voltavam à mente mãe e faziam parte de um novo processo de pensar e, dessa forma, cada novo pensamento tinha suas novas partes formadas pelas energias dos pensamentos anteriores.
Um dia, me comunicando com a grande mente pedi para poder pensar a vida, a natureza, ter sensações ser parte real daquele mundo e daquela natureza. A resposta nunca veio e percebi que não só eu, mas cada um de nós era apenas um mero reflexo naquela mente, uma ação coordenada, não passávamos disso e nunca seríamos nada mais. Até um pequeno sopro de vida era mais do que nós éramos.
Podíamos controlar a natureza organizados em grupos formando legiões, cada uma delas com o seu mentor, guardiões e elementais, todos sob o meu comando.
Num tempo qualquer eu percebi que a falta de comunicação da grande mente comigo era conseqüência da sua grande atividade ligada aos pensamentos, sensações e manipulações das energias da vida. Percebi mais, que durante a organização da natureza, embora eu não tivesse me afastado da grande mente, havia criado consciência própria.
O que era essa consciência?
Era o conhecimento de tudo e principalmente do meu eu em relação ao todo e aos pensamentos.
Eu?
Sim eu, a minha parte interior cheia de conhecimento e transformando a vida. O meu eu podia não só pensar, mas também, tornar meus pensamentos só meus.
Comecei então a pensar e descobri que apenas poderia fazer isso, mas eu queria mais, queria as sensações, as emoções, as vibrações e as energias dos pensamentos que se irradiavam do pensamento de toda natureza e dos seres que morriam.
Tempos depois descobri que podia me desligar da grande mente e realizar meu sonho. Todos nós éramos ligados a ela pelo fio do seu pensamento que nos criou. Dessa forma ela nos controlava e tudo que fazíamos era do seu conhecimento, tudo que um pensava os outros sabiam. A ação de um vibrava em todos outros e apenas podíamos modificar essa vibração, mas nunca desliga-la. Era como falar e ouvir todos e tudo ao mesmo tempo e para saber ou sentir mais bastava fixar-se em quem se desejava. A atenção e fixação realizava a comunicação e assim cada um podia ficar quase isolado dos outros; fixando-se apenas nos pensamentos que interessavam. Éramos uma rede mental, partes pensantes de uma grande idéia - A minha idéia!
Éramos a nova idéia da grande mente, uma forma de aprender, sentir, vivenciar sensações a partir das formas vivas por ela criada e sem que ela nos percebesse. Eu consegui fazer isso e embora não pudesse criar, podia vivenciar aquelas vidas. Mas ainda queria mais.
Como já podia dominar minhas energias, pensar e agir sem ser percebido, comecei a tentar criar como a grande mente. Não consegui mas, ao longo das tentativas, entendi que poderia realizar mutações. Foi assim que comecei com vocês e não parei até que estivéssemos prontos e todos vocês ligados à minha mente.
Criamos nossos subterrâneos com laboratórios mutacionais e neles começamos a agir. Conseguimos nos isolar num único e grande pensamento novo e partimos para mudar tudo nessa natureza boba e limitada criada pela mente cósmica.
Começamos com a vegetação e pequenos animais e quando estávamos avançados eu resolvi dar o grande golpe, eternizarmo-nos fora de nós mesmos. Para isso comecei a realizar a mutação do homem macaco. Ele era o melhor e mais bem equipado da natureza e mais, pensava. Fiz isso colocando-nos na sua semente. Com a sua procriação rápida, nossa semente se multiplicaria espalhando-se pela terra e começaria a domina-la.
O homem macaco tinha a nossa consciência, nossa inteligência com um eu, pessoal e indevassável. Esse eu tinha a finalidade de fazer com que essa espécie pensasse apenas em si mesmo sem ligar-se aos moldes da mente da natureza. No espaço vazio do seu cérebro coloquei pensamentos e formas de agir egocêntricas e conquistadoras mais o desejo insaciável de se reproduzir. Reproduzir significava transferir nossa semente e aumentar nosso poder.
Tudo ia bem, e essa proliferação foi tão grande que ao final de algumas gerações nós, através deles, já éramos a espécie dominante na face da terra e havíamos chegado a um número muito grande. A ânsia do domínio os fez espalharem-se por toda as parte do mundo e começamos a dominar pela força e pela guerra as demais espécies naturais da grande mente.
Foi aí que aparecemos.
Aparecer era nosso intuito, mas apenas quando tivéssemos o domínio total da terra e das espécies.
Todos aqui sabem o que aconteceu, a grande mente nos copiou, criou sua espécie também, formando suas legiões secretamente e nós não percebemos por causa do nosso eu. Quando estava forte desencadeou uma terrível guerra contra nós; espécie contra espécie e inteligência contra inteligência – Nós perdemos.
É por isso que estamos aqui, confinados e escondidos. Nossas energias pensantes e criadoras não poderão mais aflorar, estão confinadas a uma inconsciência subterrânea que, só aflorará através dos homens de nossa criação ou em tempos cósmicos favoráveis. Quando alguns dos nossos homens decifrarem o enigma da luz eles virão até nós.
A forma como criamos o homem macaco foi fundamental para nossa sobrevivência. Nós colocamos uma ligação da mente dele com a nossa e cada vez que ele procria e desenvolve, nossa energia vai aumentando e se integrando na sua natureza.
- Senhor, como sobreviveremos e o que ganharemos?
- Sobreviveremos da energia dos pensamentos deles. A ligação fará com que se agrupem formando legiões e recuperaremos a energia ou parte dela quando sentirem e quando morrerem.
- E o nosso futuro?
- Nosso futuro será dominar a terra pela inteligência, com sua transformação pela destruição das energias da natureza, por criação de novas espécies, com guerras, devastação e domínio. Enquanto não conseguirmos isso, não poderemos sair deste subterrâneo, não conseguiremos dominar e criar a nossa natureza, a nossa mente, a nossa terra.
- O que faremos?
Essa grande caverna subterrânea será a nossa morada.
Ficaremos aqui, ocultos e inatingíveis, agindo, dividindo nossas forças e mentes com nossa criação e sairemos de vez em quando para destruir, criar o terror e dominar a natureza. Isso faremos através da nossa espécie, aquela que criamos e conseguimos consolidar pela procriação. A grande energia cósmica e suas legiões terão que cuidar da terra, dos seres da natureza e ao longo dos tempos seu enfraquecimento será inevitável.
- Como eles tentarão nos suplantar?
- Através da sua espécie humana e da mente que criaram nela. Todos eles pensam na natureza, no bem coletivo agem como se fossem irmãos; para nos superarem e enfraquecer permitem-se cruzar com nossas espécies acreditando que assim nos neutralizarão. Ledo engano, estamos neles com nosso eu, com a consciência fechada e com a vontade que eles não possuem, a vontade de conquistar, dominar, criar; seremos o eu secreto neles.
- E se eles conseguirem nos neutralizar pela procriação; como teremos certeza que isso não acontecerá?
- Eu pensei que isso poderia acontecer e criei nos homens macacos uma energia secreta que se transformará na sua mente secreta com religiosidade, adoração ao poder, à conquista e ao domínio. Dessa forma sempre haverá um deles que entenderá os sinais e através de uma força mental poderosa reunirá os outros e partirá para a da conquista. O poder absoluto essa é a grande força que movimenta os nossos. A inteligência e o poder absoluto aplicados nas guerras de conquista, na política e nas religiões.
De geração em geração um deles reunirá todas as nossas características. Será o nosso eleito e então trazendo-o até aqui nós o ajudaremos na grande conquista.
- Como faremos isso se não podemos sair do desterro?
- Nossos homens serão iluminados, criarão religiões, sociedades secretas, sinais e símbolos e registrarão todas essas experiências; dessa forma a grande mente nunca poderá saber o que aconteceu porque o eu não deixo-a ler nossas mentes.
Através dos escrito conseguirão localizar nossa caverna e aí os atrairemos para cá, com a nossa luz e vibração, então daremos aos que aqui chegarem todo poder para que predominem sobre as mentes, seres, raças e espécies.
Todos os escritos das seitas e religiões tentarão ensinar ao homem o domínio universal. Nos tempos cósmicos favoráveis nossa energia vibrará mais forte, parte da humanidade entenderá os sinais e nossa vibração os agrupará. Nesse tempo dominaremos o mundo sempre através da guerra, do apocalipse, até retomarmos nosso poder e sermos a nova mente cósmica.
Nós seremos a luz do mundo e começou a iluminar-se.
Uma explosão de luz encerrou minha visão.
Quando despertei estava só, no meio do deserto de Gobi, sem meu companheiro de viagens. Parei para meditar e mentalizar todo acontecido, mas o sol escaldante e o calor abafado me deixaram tonto. Sem outra escolha deitei e dormi.
O frio da noite me acordou e mais forte pelo descanso comecei a caminhar em direção a Altai, me orientando pelas estrelas.
Já amanhecia quando percebi no horizonte um vulto cambaleante. A princípio achei que seria meu companheiro mas pelas vestes deduzi que era um guerreiro. Com cautela fui aproximando-me e vi que ele estava ferido.
Corri em seu socorro e quando me aproxime ele caiu. Em volta dele outros soldados estavam mortos.
Ao agarra-lo, tentando ajudar, ele falou:
- Eu estou morrendo, mas sabia que você iria aparecer. Vi-o em minhas visões e sei que é o guia.
- Abra minha cota, encontrará presa a ela um amuleto, guarde-o consigo. Você deve caminhar para o poente até encontrar meu primo. Mostre-lhe o amuleto e ele saberá que você é o guia. Ele o seguirá pois as profecias do nosso povo dizem que é o predestinado, aquele que verá o dragão e você o guiará até que essa profecia se realize.
- Eu lhe ajudarei a encontrar seu primo, disse.
- Não, eu vou morrer aqui, é meu destino, deixe-me e vá!
- Mesmo relutando acabei por deixa-lo e segui em frente.
A CAVERNA DO DRAGÃO
Eu já estava cansado de tudo aquilo e tomei uma decisão, seguiria para o poente.
Saíra de meu mosteiro com a vontade de conhecer o mundo e até agora só havia me metido naquilo que não queira.
Peguei água e mantimento dos soldados mortos e segui em frente.
Dois dias depois avistei vultos no horizonte, de longe pareciam uma tropa regular, mas de perto apenas um grupo de fugitivos que deveriam ter levado uma terrível surra dos soldados de T’chin. Quando me viram, tomaram das armas e me fizeram prisioneiro. Buscando ouro, alimento e água quase me desnudaram mas, ao verem o amuleto em volta de meu pescoço, afastaram-se assustados.
Amarrando minhas mãos às costas levaram-me a presença de seu chefe, num improvisado acampamento a alguns quilômetros de distância.
- Akila, fiz um monge prisioneiro.
- Um monge Berin, um monge?
- Sim, mas veja o que ele tem em seu pescoço, disse abrindo minha túnica.
- O Símbolo Sagrado, o talismã de nosso Deus! – Onde encontrou-o infeliz?
- Seu primo estava morrendo no deserto quando eu o encontrei, tentei salva-lo mas foi em vão, só que antes de morrer deu-me este talismã e pediu-me para procura-lo.
- Talvez seja verdade, mas esse talismã pertencia a nossa aldeia e ao nosso povo desde os tempos mais antigos. Segundo nosso Xamã, ele foi dado aos nosso ancestrais nos tempos em que os deuses caminhavam pela terra. Pode ser verdade o que você contou, mas eu não acredito.
- Espere, disse, eu sou o guia, recebi o talismã para tornar verdadeira a profecia de torna-lo o rei do mundo.
Nunca falara tanta besteira mas, no convento, ao longo de minhas leituras, pude concluir que todos os povos do oriente, sempre tinham uma lenda dessa. Todos esperavam um Imperador que dominasse os outros e criasse um grande Império, tudo isso sob a direção e proteção de algum deus, e orientado por um Xamã.
- Oh! Foi a grande exclamação de todos, que perplexos começaram a me saudar como verdadeiro enviado.
- Eu só acreditarei quando ver, disse; o que você acha Berin?
- Eu acho que devemos testa-lo, ele deve nos levar até a Caverna do Dragão na montanha da luz, como diz a lenda. Se não conseguir vamos mata-lo e guardar o talismã até encontrarmos o verdadeiro guia.
- O que você tem a dizer, monge?
- Eu sou o guia e os levarei à montanha da luz e lá vocês verão o dragão do poder.
- Muito bem, vamos segui-lo.
- A montanha da luz, onde havia lido sobre isso? Só me lembro que os tratados dos antigos falavam de uma cidade dos deuses e de uma montanha da luz. Onde ficava? Será que era onde eu havia estado? E onde eu havia estado se não lembrava de quase nada?
Eu havia falado demais para salvar minha vida, tentaria escapar mais tarde, mas agora era hora de inventar e fazer algo para não morrer.
- É monge, fale algo.
- Vamos para os Altai, lá estará a montanha da luz, mas é melhor descansar pois encontraremos os soldados de T’chin pelo caminho.
- É verdade, Akila repetiu, vamos descansar e partiremos amanhã cedo.
- Tudo bem, seguiremos o monge, disse.
- Após dois dias de marcha, um observador avançado voltou dizendo que um grande acampamento de soldados estava instalado no vale do Obey.
Akila decidiu ataca-los, seria matar ou morrer, mas eu propus outra estratégia. Deveríamos voltar com as carroças, pegar todos os cavalos e ir e voltar varias vezes para dar impressão de uma grande batalha e depois seguir pela trilha como se estivéssemos em fuga. Amarrando galhos aos cavalos e espantando-os, levantará uma grande nuvem de poeira que parecerá uma tropa em fuga.
Eu seguirei para o acampamento e relatarei a grande luta onde Akila foi ferido e está em fuga. Se os soldados acreditarem irão persegui-los pois pensarão que vocês estarão sem líder. Enquanto isso você dará a volta e descerá pelo vale atacando-os por trás e sem defesas alertas.
- Acho que dará certo, disse Akila.
Porque não atacar direto, teremos o elemento surpresa a nosso favor, disse um dos comandantes.
- Acho que o monge está certo, continuaremos ter o elemento surpresa e ainda os dividiremos. Eu farei isso – disse Berin.
- Berin tome cuidado, não quero perde-lo.
Amanhã ao amanhecer vamos ataca-los.
Seja como for, sorte ou tática, conseguimos derrota-los, Akila não queria fazer prisioneiros mas convenci-o do contrário, dizendo que era preciso e que o governador da província se assustaria quando visse seus homens voltando derrotados e nus.
Ele achou graça quando imaginou a humilhação perante o grande imperador.
O saque do acampamento nos fortaleceu, tínhamos cavalos, armas e mantimentos.
Akila me chamou, agora com respeito e disse-me:
Você é realmente o guia, tudo o que falou foi com sabedoria e vencemos com seu conselho. Leve-nos a montanha da luz.
Não sabia o que dizer, tudo acontecera tão rápido, mas uma coisa era certa, montanha é montanha e elas só existem nos Altai.
Vamos aos Altai, lá estará, afirmei.
Levantamos acampamento e partimos.
Depois de alguns dias atingimos as montanhas e comecei a ficar apreensivo. Todas as tardes subia nas elevações e ficava olhando o horizonte em busca de ver alguma luz.
Uma dessas tardes Akila chegou-se e perguntou:
- Quando chegaremos e o que faremos quando chegar?
- Falta pouco e quando chegarmos entraremos na Caverna do Dragão.
Eu já estive lá, mas acho que foi em sonho ou visões só não me lembro bem do caminho, por isso pareço perdido.
- Veja monge, na planície de onde viemos, parecem fogueiras de um grande acampamento.
É isso, pensei, eu havia vindo de lá, da cidade subterrânea que nada mais era do que uma grande caverna de luz!
- É lá que está a caverna do dragão, Akila.
- Mas você falou nas montanhas e não no deserto.
- Porque só daqui poderíamos vê-la, respondi sem grande convicção.
- Vamos, eu quero entrar lá.
- Espere, vamos levar alguns homens pois não estamos a salvo das tropas do imperador e nem do governador da província.
- Tudo bem.
Juntou um grupo e partimos em direção ao clarão de luz.
Depois de algumas horas chegamos a um patamar em frente a uma caverna que descia pelo solo, com uma luz tão forte como nunca havia visto.
- Eu vou na frente, disse e vocês venham atrás de mim.
Pensei que talvez fosse a hora de fugir e salvar minha vida que estava sempre ameaçada, mas uma grande curiosidade tomou conta de mim e finalmente fui o último a entrar.
O que aconteceu não sei como descrever, mas foi tão forte em todos nós que, à partir dali, tudo mudou.
Akila se tornou o conquistador sanguinário. Seu poder se tornou tão grande que conquistou quase todos os reinos do oriente e ameaçou e chantageou até o grande imperador do rei T’chin. Do oeste partiu para o leste atravessando os Urais e chegando aos pés da capital do Império do Leste. Embora tenha desistido de ataca-la e saquea-la, após as conversas com o grande chefe da religião deles. – assunto que nunca me contou, - continuou sua saga sanguinária.
Voltamos e ele seguiu com o Império do terror fazendo com que seus homens, sempre que conquistassem um território, estuprassem as mulheres para disseminar a semente do dragão.
Com a sua morte eu me retirei do palácio e consegui a minha verdadeira liberdade, pois tão tirano e cruel era, que nunca vivi um dia sem o medo de morrer. Morrer para ele era um ritual de terror e barbaridade.
Voltei para o meu mosteiro nas montanhas do Tibete e aqui dou meu sincero depoimento sobre uma idéia da vida.
PARTE II – A CAVERNA DO DRAGÃO
Ao amanhecer de Segunda feira não houve atividade militar para o nosso grupo.
Fomos levados a uma biblioteca. Era um grande salão subterrâneo, sem luz do sol, com uma mesa comprida, colocada bem no centro, onde caberiam mais de vinte pessoas confortavelmente. Sobre a mesa e na frente de cada cadeira havia uma pequena luminária.
A biblioteca guardava um dos mais preciosos tesouros do Império, grande parte da cultura dos nosso antepassados. Todos os livros estavam catalogados e distribuídos por assuntos em estantes e muitos deles eram escritos em línguas diferentes, muitas delas ainda desconhecidas.
O Coronel Sorensen entrou e disse:
- Senhores, os civis ficarão à esquerda e os militares à direita; a frente de cada cadeira está uma pasta com o nome de cada um, procurem seu lugar e sentem-se.
Ficou à cabeceira e começou.
O que vamos iniciar agora é o fruto de anos de trabalho do SIA. Começou a vinte e cinco anos, quando capturamos uma das mulheres guerreiras, numa incursão de limpeza. O fato me chamou a atenção mas a captura dessa guerreira não foi levada a sério. Foi feito um relatório e arquivado.
Durante muitos anos continuamos acreditando que apenas os impuros nos atacavam nas fronteiras e nunca tivemos motivos para pensar que esses ataques fossem planejados.
Anos depois comecei fazendo alguns estudos e mapeamento dessas ocorrências e pude seguir um caminho lógico para os acontecimentos. Observei que ao longo das fronteiras com as regiões litorâneas, os ataques eram aleatórios mas, ao longo das fronteiras com os montes Urais, havia uma periodicidade e uma lógica militar nesses ataques.
A cada dois anos e sempre entrando e saindo pelas trilhas das encostas havia um tipo de ataque intrigante; as mulheres e crianças não eram molestadas e apenas homens eram capturados. Uma vez um ataque acontecia ao norte e outra ao sul e os relatos mostraram que se repetiam a cada dois anos. Somente em alguns casos aconteciam estupros. Eu sabia que isso era comum e sempre acontecia nos ataques dos impuros.
Eu já era tenente do SIA e na ocasião apresentei o resultado dessas pesquisas numa reunião anual de avaliação.
Ninguém acreditou no meu trabalho pois a crença geral era de que, mesmo havendo povos ao norte e à leste dos Altais estes eram selvagens ou impuros. Não havia nada que comprovasse a existência de uma civilização.
Um ano depois, como as Armas nada tivessem a apresentar na reunião trienal do Conselho, pegaram o meu relatório e o tornaram num estudo oficial, concluindo que deveríamos considerar a possibilidade de haver um germe civilizatório além das fronteiras.
Houve na ocasião um grande protesto dos acadêmicos que afirmavam ser uma tolice acreditar que tanto nas estepes contaminadas como no deserto de Gobi, algum tipo de civilização poderia existir.
Tudo terminaria aí se alguém não tivesse lembrado da estória do Dr. Aliken
O Dr. Aliken havia pedido para analisar o documento arquivado pelo SIA.
Após as análises apresentou-se ao conselho econômico e pediu ajuda para uma excursão exploratória.
Com o desaparecimento da excursão dele o SIA organizou uma operação de resgate sob o comando do Coronel Dorff.
O grupo de resgate foi atacado e capturado mas o cabo Oslo conseguiu escapar estando ferido e fingindo-se de morto.
Ao seu relatório juntou algumas armas, peças de cerâmica e algumas barras de um alimento energético por nós desconhecido.
O mais incrível era o fato dele afirmar que os guerreiros eram mulheres.
Ligando esse relato ao da guerreira capturada o alto comando resolveu classificar esse relatório como secreto e começou dar razão ao meu trabalho.
O SIA passou a considerar a idéia de existir uma civilização no oriente e organizou o primeiro grupo de avaliação. Esse grupo decidiu que, melhor que buscar indícios, era partir para campo.
Liderados pelo coronel Ribben um grupo de comandos e fuzileiros, sob orientação do cabo Oslo, partiu para os Altai. Recolheram evidências do ataque, mais, armas e apetrechos de guerra. Não puderam localizar os corpos nem confirmar a afirmação de Oslo, de que eram mulheres guerreiras. Ribben seguiu adiante e Oslo retornou com os outros, trazendo mais provas.
Ribben nunca mais voltou.
Todos objetos trazidos foram analisados secretamente durante anos.
Com as novas provas formou-se um grupo da inteligência, para levar a frente um projeto de conquista. Bem, senhores, nós somos esse grupo.
E qual será nossa função?
Conquistar o Oriente!
Todos os que aqui estão tem uma razão para estar, portanto é muito importante nos entrosarmos e formarmos uma equipe coesa. E mais, nosso projeto é uma jogada secreta das armas para voltar ao seu lugar de destaque. Ninguém, ninguém mesmo, sabe desse plano e caso haja algum vazamento o SIA será responsabilizado e acusado de traição.
Uma acusação de traição acabaria com o prestígio das Armas, nos traria a desonra total e seu conseqüente castigo, a prisão ou campo de reeducação.
Cada um de nós olhou para o outro com medo e suspeita.
Sorensen continuou
Após o relatório do tenente Jimo e mais as provas que trouxe, acelerou-se o plano inicial de conquista. Para tal, durante os oito últimos meses fomos juntando tudo o que fosse necessário para a logística de uma campanha de conquista, sem despertar atenção do SIP ou de qualquer outro órgão do Império.
Para disfarçar nossa movimentação e impedir quaisquer investigações criamos um novo forte com um grupo de resgate e outro de limpeza e já os deslocamos para as fronteiras dos Urais.
Hoje começaremos o preparo da ação!
A PARTIDA
Eram cinco e meia da manhã. O dia amanhecia em grandes pinceladas dadas pelo sol que iam do amarelo ao vermelho. Era uma manhã fresca e clara.
Da janela do meu quarto podia ver toda a movimentação no pátio de manobras.
Os veículos carregando armas, munição e toda uma gama de equipamentos de combate e sobrevivência para longas campanhas, mostravam o avanço da nossa civilização na guerra.
Estávamos em plena revolução industrial; ferro, carvão, vapor, gás e atualmente petróleo.
Nossas máquinas e veículos ainda não tinham atingido a alta tecnologia da dos nossos antepassados, mas já possuíamos carros e caminhões movidos por motores a gás e alguns por um novo combustível retirado do petróleo. Esses ainda em desenvolvimento não apresentavam grande performance, mas com o aprimoramento do novo combustível espera-se o aparecimento de uma nova geração de motores.
Automóveis e caminhões ainda eram o aperfeiçoamento de coches e carroças. Nossas rodas, duras, sobre feixe de molas, davam grande desconforto em longas viagens. Outro problema era o combustível controlado pelo Império.
O controle imperial trazia problemas para o abastecimento dos veículos pois, hoje, um tanque de gás não permite percorrer mais de duzentos quilômetros e como fazer em grandes campanhas? Leva-los nos BIG!
Os BIG, grandes balões de hélio com motores a gás podiam carregar até 40 toneladas de peso. Percorriam grandes distâncias com pouco combustível mas eram lentos demais.
O desenvolvimento de novos equipamentos e máquinas movidos a eletricidade, barateou o custo do gás que agora já não era mais tão usado em máquinas ou iluminação. Logo o gás estaria disponível ao público a preço baixo, viabilizando os automotores populares
O rádio e o telefone popularizaram-se a partir do momento em que o Império começou a usa-los, como meio de difusão do poder central. Antes eram usados apenas pelas Armas.
Era sabido que apenas popularizando uma tecnologia ela se desenvolveria. Eu pensava que cada cidade poderia ter uma central de abastecimento de gás, para que, o cidadão pudesse ter um veículo. Esse veículo o levaria a percorrer todo Império, sem ter que andar nos desconfortáveis carroções ou nos lentos trens a vapor.
A meu ver, a concentração das indústrias nas mãos dos nobres e burgueses, vendendo para o império ou entre eles, não traria o desenvolvimento da técnica. Eu não acreditava apenas por acreditar, mas, fundamentado no desenvolvimento dos teares. Alguns anos atrás, uma família produzia em sua casa e com sua força de trabalho em teares manuais, apenas algumas dezenas de metros de tecido por mês. Com o advento do tear a vapor apenas um homem durante uma semana produz o equivalente. Só isso barateou o custo dos tecidos, estimulou o desenvolvimento de novas máquinas e melhorou a qualidade do tecido. O mesmo se deu com o rádio e hoje possuímos rádios e fonógrafos de excelente qualidade e os discos fonográficos já estão se popularizando de tal forma, que uma nova geração de músicos e cantores estão aparecendo diariamente.
As batidas na porta me trouxeram a realidade. Era a hora de partir, a hora de castigar o lombo.
Quatro dias depois chegamos ao forte NE45
Sorensen assumiu o comando da missão e reuniu os comandantes do grupo.
- Apresentando-se, tenente Kadoh, chefe do grupo de inteligência.
- Sente-se tenente e conte-me o que levantou.
- Senhor, fizemos o reconhecimento das encostas do monte Kubai, conforme indicações do Tenente Jimo. Bordejando a encosta com uma pequena nave de reconhecimento, conseguimos descobrir a trilha.
Fotografamos e mapeamos todo o percurso, como o senhor pode ver aqui. Abriu um mapa e um mosaico de fotos onde, podia-se ver um sulco descendo ao longo de toda encosta.
Por essa trilha não poderemos utilizar veículos, só podemos descer com mulas de transporte. Não dá para recupera-la ou refaze-la com as equipes de engenheiros, logo não temos como descer os carros de transporte e combate.
- Sargento Bols
- Sim, Senhor comandante
- Chame os tenentes Frank e Ernest da logística.
Alguns minutos depois chegaram os dois tenentes, Frank responsável pelas armas, equipamentos e mantimentos e Ernest responsável pela mobilização.
- Tenente Frank, qual sua solução para os problemas encontrados?
- Bem senhor, meu plano é de descer todos os equipamentos, armas, munições e mantimentos com o auxílio dos dois BIG de apoio. Antes desceremos um grupo fortemente armado que montará uma base de apoio e tomará conta do nosso material. Com eles ficariam duas naves de combate, revezando-se na observação avançada. Toda comunicação será feita por rádio e em caso de extrema necessidade acionamos os nossos BIG, que darão todo apoio aéreo.
Os BIG, descerão a seguir com as tropas de infantaria, enquanto a cavalaria de apoio descerá pela trilha, carregando o material em mulas de transporte.
- Se não temos veículos, como nos deslocaremos?
- O tenente Ernest adiantou-se e começou:
Nossos veículos não são adequados para essa travessia. Teríamos que deslocar grande quantidade de combustível o que nos tornaria lento. A solução foi reativar a idéia dos carroções puxados por mulas. Como o terreno na descida não permite o tráfego deles, a equipe de engenharia desenvolveu um modelo desmontável. Dessa forma, as próprias mulas que os descerão serão a força motora para o longo deslocamento.
Outro equipamento que desenvolvemos, a partir dos próprios carroções, foi a ponte encaixável. Cada carroções se encaixa no outro, pode ser ancorado ao fundo do rio por meio de ganchos e flutuará por meio de bóias laterais. Nossos testes permitiram formar uma ponte com até quarenta metros de comprimento. Podemos contar com até trinta e seis desses veículos, que transportarão homens e equipamentos com certo conforto.
Muito bem.
- Sargento Bols, chame o capitão Rubber e o Major Franz.
- O Major Franz e o Capitão Rubber eram os responsáveis pela mobilização ar-terra.
- Major, discuta com os tenentes Frank e Ernest o início da mobilização. Vamos partir amanhã ao alvorecer.
Tudo transcorreu em ordem e conforme o planejado e uma semana depois estávamos baseados aos pés do monte Kubai.
O Coronel Sorensen reuniu todo seu staf e organizou toda a operação.
Subimos no BIG-1 que elevou-se a 300 metros e com sua partida começou toda operação. Era dia primeiro de abril de 839 do ano da fundação do Império.
Mesmo não querendo, uma sensação de euforia e emoção tomou conta de mim. Eu estava descobrindo uma nova vida, conquistando novas terras e participando do que poderia ser a maior conquista do Império – o Oriente.
Embarcamos no BIG-1 em direção ao Oriente, acompanhando uma trilha antiga marcada no solo árido. Ao nosso lado acompanhava-nos o BIG-2 e cada um dos BIG era escoltado por quatro aeronaves menores – os Falcons.
Durante o trajeto, seguindo a trilha existente o deslocamento era lento e demorado e usamos o tempo para nos conhecer, e meditar sobre o futuro. Apenas a equipe de cartografia trabalhava algumas horas por dia, mapeando as novas terras.
A VIAGEM
O Major Franz reuniu-nos todos no BIG-1 onde o salão era parte do refeitório com algumas cadeiras e mesas.
O BIG-1 era um grande dirigível destinado ao transporte de tropas e equipamentos. Sua arquitetura era modular e simples. Compunha-se de um grande compartimento de três andares. No primeiro ficava o lastro composto por sacos de areia que, em muitas ocasiões, era usado como trincheira para o grupo de fuzileiros que o protegiam, quando ancorados. O segundo andar era o compartimento de carga e o terceiro o de pessoal. Nesse terceiro ficavam os alojamentos dos soldados, compartimento de carga, refeitório, sanitários, uma unidade médica e a ponte do comando.
Para a nossa viagem, tirando os alojamentos do pessoal envolvido no projeto conquista e o grupo de fuzileiros, todos os compartimentos dos BIG estavam levando carga estratégica para os guerreiros que nos seguiam por terra.
Pequenos grupos de combate eram transportados nos Falcons de ataque que faziam parte da esquadrilha de escolta.
No nosso BIG-1, o comandante Franz havia deixado parte do refeitório como sala de reuniões estratégicas, isolando-a do resto do refeitório para que nossas discussões não fossem ouvidas.
Essa era a nossa primeira reunião e a sua finalidade era de dividir comandos e operações. Na realidade era mais que isso, era a forma de cada um se impor e assumir o poder.
O major Franz tomou a palavra.
- É importante para todos entender como se dará a nossa viagem.
- O tempo previsto para a nossa chegada ao palco da ação será de dez dias. Estaremos navegando a uma velocidade de 30 nós a uma altura de 500 metros.
Durante esse período, estaremos navegando do amanhecer ao entardecer. No fim da tarde desceremos para preparar as defesas dos dirigíveis e para um pouco de exercício das tripulações. No acampamento noturno deverão permanecer os fuzileiros e a tripulação ativa, nos dirigíveis a tripulação de reserva para as eventuais operações de evacuação.
Os balões permanecerão ancorados na corda 30 m com as plataformas de resgate abaixadas.
Todos devem estar lembrados dos treinamentos de resgate e evacuação rápida, portanto não faremos nenhuma simulação durante o percurso.
- Outra coisa, aqueles que não estiverem a postos na hora da partida ficarão pois, não atrasaremos um minuto sequer, seja para quem for. Como esta é uma situação de combate, todos, sem exceção deverão estar com sua arma e um kit de sobrevivência.
- Senhores, está é uma operação de conquista e eu sou o comandante do ar, não existe a bordo das aeronaves nenhuma patente ou poder superior ao meu. No caso de combate eu decido o risco da utilização das naves.
- Coronel Sorensen, queira explicar melhor nossa operação.
Sorensen, tomou a frente e olhando-nos a todos, calado como era seu costume antes de qualquer palestra, começou:
- Senhores, esta é uma situação típica do plano de conquista. O major Franz, embora de menor patente que eu é o comandante de operações aéreas. Isso significa que, até atingirmos teatro de operações ele é a maior autoridade de comando. A partir daí eu assumirei o comando geral das operações e minha autoridade será de vida ou morte em qualquer situação. Os militares entendem esse procedimento mas os civis não, logo se tem que haver uma premissa do comando, essa será a primeira.
- A segunda é que, já que teremos que conviver em situações adversas e extremas; faremos reuniões para nos conhecer e entender melhor o nosso Projeto Conquista. Essas reuniões serão levadas a cabo após o nosso almoço já que estaremos isolados dos subordinados.
Durante quase duas horas ouvimos intercaladamente as palestras de Sorensen e Franz e entre eles uma velada disputa pelo poder. No final, já quase 17 horas dirigi-me a uma escotilha para ver o por do sol.
- Senhor Yra, nunca o vi tão maravilhado, o que lhe espanta? – perguntou o tenente Jimo aproximando-se.
- Esse por do sol, nunca vi tão lindo, nunca vemos algo assim na Europa.
- É verdade, a nossa querida Europa é tão fria em alguns os aspectos e tão sombria em outros que acho, muitas vezes, que morrer em combate seria uma benção.
- Tenente Jimo, o senhor não é muito jovem para tanto desânimo?
- Talvez, mas hoje eu estou arrependido de ter fugido e deixado meus amores, hoje eu estou ciente de que existe algo maior que as nossas formais relações do casamento europeu.
- Como assim?
Nesse momento o major Franz surgiu e Jimo calou-se.
- Vamos proceder a nossa primeira parada, quem quiser descer deverá dirigir-se a plataforma de desembarque e não esquecer das recomendações.
- Eu vou, o senhor não vai? – perguntou-me Jimo.
- Sim tenente vou também; o que me intrigava era a expressão melancólica do tenente ao afirmar a perda dos seus amores.
Segui-o sem falar nada, mas sabia que a partir daquele momento havíamos firmado um pacto de cumplicidade, algo nascia entre nós como um relacionamento amigável.
É interessante notar como as relações entre as pessoas acontecem sem que possamos interferir logicamente. Eu já havia notado isso nas diversas ocasiões em que, na academia, me relacionava com meus parceiros ou colegas. Pragmaticamente, não acreditava que houvesse uma energia que criasse esse envolvimento entre pessoas, mas no fundo eu acreditava que, além dela existir, deveríamos abrir espaço para que ela fluísse.
Acreditava nisso observando as crianças pois nelas essa energia fluía naturalmente. As crianças se relacionam sem preconceitos de cor, raça ou religião não estão envolvidas em disputas complexas pelo status. É a partir dos seis anos, mais ou menos que começam a mudar seu universo mental e são totalmente destruídas por uma educação que visa perpetuar os interesses dos grupos dominantes. Para isso nossa sociedade cria mecanismos de seleção e o mais importante é a escolaridade. Na realidade somos ainda positivistas como no passado, apenas mudamos a forma de encarar e disfarçar esse positivismo.
Chegou a vez do nosso grupo descer, Jimo seguiu á frente e eu fui na sua cola.
Ao desembarcarmos, Jimo me chamou.
- Senhor Yra, vamos até o alto daquele morro e o senhor verá um por do sol mais belo do que do dirigível.
- Subimos e fiquei mais maravilhado do que avistava.
- Calados; depois de algum tempo escurecera e começamos a voltar lentamente.
- Tenente, disse, o senhor é contraditório, um oficial de combate que deveria ser frio, assim como o major Franz ou o coronel Sorensen, parece perdido entre matar e amar.
- É verdade, eu sempre achei que uma rosa era uma flor, um órgão sexual, era apenas uma rosa, não era nada mais. Depois descobri que uma rosa é mais que isso, é perfume, cor, beleza, mais que um órgão sexual, é um símbolo de uma vida em que o perfume, a cor e os movimentos são mais do que podemos imaginar. É também amor, amor a natureza, amor que atrai a abelha, as abelhas amor que a ajudam se reproduzir. Uma rosa não é apenas uma flor, é também um símbolo, o símbolo que não aprendemos a ver em nossa cultura.
- O senhor parece que vai se transformar num poeta.
- Acho que não, mas vou lhe contar...
- Parou e ficou me olhando numa breve pausa e começou.
O GRANDE AMOR DE IWO JIMO
Bem, eu vou contar o que realmente aconteceu e não pude escrever no meu relatório oficial.
Depois de capturados, ao final de quase dois meses saímos da prisão e fomos levados para um aposento no palácio Aí nos banharam, trocaram de roupa e serviram farta refeição. Pudemos depois de quase dois meses falar e nos sentirmos bem. O treinamento e a linguagem dos sinais ajudaram a manter a disciplina, hierarquia e força e estávamos confiante como um grupo e coesos para o próximo passo, a fuga. Nela evitávamos falar pois sabíamos que conheciam nossa língua e um dos nossos havia sido morto na tentativa.
Almoçamos bem, descansamos e algum tempo depois fomos conduzidos a um salão parecido com um biblioteca, grande e com prateleiras pelas paredes, do chão até o teto, estavam repletas de livros e rolos de pergaminhos. Eu nunca vira uma assim.
- Alô queridos! A nossa rainha espera que estejam bem e não tenham queixas do tratamento. Ficar todo esse tempo na reclusão foi uma jogada para conhece-los melhor.
Bem, acho que devo uma explicação a todos, principalmente a você e dirigiu-se a mim: eu sou o cerimonial da corte e vocês nossos prisioneiros.
- Sentem-se, sentem-se e indicava as cadeiras em volta de uma mesa.
Sem nos dar tempo para responder continuou falando sem parar.
- Pois bem queridos, vocês devem ter percebido que nosso reino é dominado pelas mulheres guerreiras da rainha Aramud. Esse é um reino único desde nossa região até o grande Império Chin ou as planícies dos Ganges, que graças aos deuses ficam muito longe.
A nossa história é muito confusa e nebulosa e apenas a Moma a conhece; mas isso não lhes interessará, pois não sabemos ainda como ou se viverão.
- Pare, cale essa matraca, quem são vocês e porque nos mantém prisioneiros? perguntei.
- Ah! Sim, sim, você é o chefe deles; pudemos perceber isso enquanto os observamos na prisão. Bem, vocês não continuarão prisioneiros, vocês serão os consortes da rainha e das princesas. Elas escolherão os prediletos e os que não corresponderem irão para os serviços. Chegaram em boa época, a época dos casamentos. Daqui a algumas horas serão apresentados as suas senhoras, aquelas a quem satisfarão e fertilizarão para a continuidade das casas nobres. Passem ao outro salão e vistam-se adequadamente, eu lhes ensinarei o protocolo real e quem não segui-lo sairá da sala para nunca mais voltar.
Vestimo-nos com roupas leves, uma calça larga amarrada na cintura e nos tornozelos, uma blusa com a forma de um jaleco e sapatilhas de pano com sola de couro. Era uma roupa adequada àquele clima. Nós com as nossas sofríamos naquele verão.
O cerimonial nos colocou em fila comigo na frente e começou:
Vocês irão em fila para o salão do trono, ao chegar se alinharão lado a lado, menos você, o chefe, que ficará adiantando e farão uma reverência a rainha. Nunca falarão diretamente com ela, todos eu disse, ficarão de joelhos e nunca a olharão diretamente nos olhos, nem da rainha nem das princesas.
A rainha escolherá seu consorte e depois as princesas farão o mesmo. Daí cada um seguirá para os aposentos e aguardará as núpcias.
O soar de um gongo no salão ao lado foi seguido da abertura das grandes portas.
A sala do trono era simplesmente magnífica. Nada comparável a nossa arquitetura. Formava um grande círculo, com o teto abobadado. As paredes eram pintadas de branco e da base até numa certa altura decoradas com figuras geométricas parecidas com gregas. Acima dessas gregas começavam as pinturas com figuras representando mulheres caçando, lutando e em outras atividades, todas fina e detalhadamente pintadas. Rodeando o salão, acima das paredes pintadas, grandes vitrais coloridos com desenhos geométricos davam ao salão um colorido todo mágico. Acima dos vitrais, uma parede branca fechava-se em forma abobadada, terminado num grande círculo e coberto por vidros brancos. A luz do sol entrava por esse círculo e misturava-se á colorida, dando uma sensação mágica. Atrás do trono, do chão até o teto, a parede era pintada de cor púrpura e incrustadas com cristais e pedras preciosas.
O piso era de ladrilhos. Próximo a parede nele tinha desenhado as mesmas gregas e isso dava a sensação de que o chão e a parede eram uma coisa só. Os demais ladrilhos formavam círculos concêntricos, de diversas cores e acabavam num central, de cor branca, e bem abaixo da abóbada transparente. Esse de cor branca tinha ao centro pedestal cilíndrico e sobre ele um grande pedra preciosa de cor vermelha lapidado em mil facetas, que brilhava como se tivesse luz própria.
Aquela pedra era o símbolo da realeza e da rainha guerreira e era cobiçada não só por ladrões comuns como bandos guerreiros e até imperadores. Ficava ali a mostra como se estivesse dizendo: - venham e arrependam-se. Nunca era tirada dali, dia e noite.
Ninguém, sem ordem da rainha poderia ultrapassar aquele círculo.
Atrás de nós e ao lado da grande porta ficavam duas outras de acesso ao corpo de guardas.
Três princesas ficavam á esquerda da rainha e outras três á direita e atrás delas, guardas fortemente armados.
Toda a sala tinha um suave perfume de flores.
A sensação que tive foi entontecedora; parecia que estava drogado ou bêbado só com o efeito daquela profusão colorida e perfumada.
Quando consegui fixar meus olhos na figura da rainha, olhando-a profundamente nos olhos, não consegui mais me controlar. Meu coração disparou, a respiração se descontrolou e uma sensação totalmente desconhecida tomou conta de mim. De repente me vi caminhando hipnotizado em direção a ela e se não fosse o cerimonial poderia ter sido alvejado pelas flechas dos guardas do trono. Voltando ao meu lugar, não me ajoelhei nem consegui baixar meus olhos e ela mandou que me retirassem de volta a prisão.
Meus homens voltaram-se e saíram comigo; deu tudo errado, agira inconseqüentemente e o futuro agora era incerto.
Mais tarde, meus homens foram sendo retirados da prisão não voltando mais às celas. Eu fiquei preso durante muito tempo, até que o cerimonial veio pessoalmente me retirar.
- Você foi o escolhido de Aramud, sorte e azar. Sorte porque a rainha o quer, azar porque Shaila não aceitou sua conduta. Quer sua morte.
O cerimonial levou-me pelos corredores até uma antecâmara onde a bruxa velha me aguardava. Sorriu um sorriso desdentado mas honesto. Havia uma aura de bondade no seu olhar e naquele sorriso.
- Venha, venha, Aramud lhe espera, virou-se e começou a andar.
Segui-a e entramos nos aposentos da rainha. Quando ela me viu, corou, sorriu timidamente e disse-me:
- Eu nunca fui mulher, nunca tive qualquer relação com homens, mas chegou minha hora de continuar a dinastia da minha casa real. Eu escolhi você e quero que preste muita atenção no que acontecerá amanhã. Você será levado a nossa frente, deverá se ajoelhar e me pedir clemência. Eu darei mas, Shaila não permitirá e desafiará a rainha – é a tradição. Quando ela me desafiar o cerimonial me perguntará se aceito e, aceitarei. O desafio será decidido entre você e o campeão de Shaila. Vocês lutarão até a morte. Quem perder morre e quem vencer vive e não tem outra opção. Moma lhe preparará e dará os segredos para que vença – levantando a cabeça altivamente, que a tornava ainda mais linda, disse-me com firmeza – Vença, eu quero você! – retirem-se.
Moma saiu comigo e voltamos a cela.
Ao chegarmos minha cama já estava preparada e ao lado tinha uma caixa cheia de frascos.
- Deite-se.
Deitei-me e ela apanhava óleos dos frascos e passava por todo corpo, massageando cada parte dele. Aquelas massagens me fizeram dormir.
Ao amanhecer Moma me acordou, preparou e disse: vamos para a verdade e vença para que minha menina seja feliz.
- Bruxa, você gosta muito dela?
- Sim, desde que a mãe morreu em combate, quando tinha apenas seis anos, eu cuido dela. Eu escolhi você para ela e você vai vencer. Tome esta poção para fortalecer, é amarga mas lhe dará muita energia.
- Tomei e saímos.
Ao entrar no salão do trono, o cerimonial me olhou e piscou sorrindo.
- Rainha, aqui está o último dos prisioneiros.
- Adiante-se prisioneiro.
Adiantei-me, fiquei de joelhos e pedi clemência.
- Rainha, o prisioneiro pede clemência e jura obediência – disse o cerimonial.
- Aceito e digo mais, quero-o para meu consorte.
- Shaila levantou-se e jogando sua faca no chão desafiou a rainha.
- Aramud, meu campeão lutará contra o seu futuro consorte, até a morte. Quem vencer viverá!
Se meu campeão vencer, você não se casará e este será seu último ano no trono, abdicando a meu favor.
Descobri mais tarde que todo ódio de Shaila tinha uma única razão, ela era estéril e como não podia ter filhos havia sido destronada por Aramud.
Aramud aceitou e o campeão de Shaila apareceu. Ele era um moreno muito alto e forte, com uma armadura de couro cobrindo o peito e o estômago.
Pensei que ele seria quase invencível, pois seus pontos fracos estavam protegidos.
Shaila levantou-se e disse:
- Estamos prontos.
- Aramud pediu que me aproximasse e tirando uma pulseira colocou-a no meu pulso, dizendo:
- Vença por nós dois, senão não será apenas você que morrerá, eu também e ainda hoje.
Ele era mais forte e alto do que eu e também mais preparado naquele tipo de luta, o corpo a corpo.
A luta começou e eu fazia tudo para que ele não me agarrasse.
Nós aprendíamos nas armas o combate, uma luta que guardava a tradição das que os antigos chamavam de marciais.
Eu pulava, chutava e dava rasteiras, mas parecia não conseguir abala-lo. Apanhei muito e parecia que ele me venceria. Num dado momento jogou-me violentamente contra a parede e eu fiquei tonto. Arrogante aproximou-se, fazendo mensuras para a platéia, tecendo elogios a sua força e bajulando sua princesa, sua rainha!
Eu estava me recuperando e comecei a fingir que estava mal. Fingia que estava tonto, caindo pelo chão e com isso ganhava tempo para me recuperar. Quando me senti melhor, fingi ataca-lo golpeando o espaço ao seu redor e ele, caindo no meu engodo ria e continuava a se exibir. Pegou-me pelos cabelos e começou a acariciar como deboche meu rosto. Nesse momento, aproveitei-me da sua distração, dei um forte soco no seu pomo de Adão.
Ele engasgou, levantou as mãos e eu aproveitei para dar-lhe um soco no nariz, quebrando-o. Ainda tonto ele titubeou e eu pulei dando com o cutelo do pé outro golpe na sua garganta. Ele tossiu, gemeu e caiu morto. Nesse momento eu apanhei a faca de Shaila e entreguei a Aramud.
Ela levantou-se e disse: Esse é o meu consorte alguém mais quer desafiá-lo?
Shaila e suas companheiras saíram furibundas.
Nos casamos.
Tudo ia bem com Aramud e eu, nosso filho já estava com seis meses e Aramud pensava em ter outro, desta vez uma filha, uma herdeira. Nesse caso, quando a criança nascesse o menino seria entregue a uma ama de criação.
As noites de outono eram quentes e abafadas. O vento que vinha do oeste era seco e sufocante. Havia noite que, nem mesmo deitando no chão de pedra eu conseguia dormir direito. Aquele povo parecia não sentir tanto quanto nós pois a Europa era fria, temperada em quase todas estações e no inverno nevava. Aqui não! Nenhum verão em toda minha vida se assemelhou a este outono.
Eu havia acordado, estava irritado e fui para a sacada. O terreno plano mostrava ao longe uma fina e entrecortada cadeia de montanhas, os Altai, que pareciam uma serra com pontas desiguais, iluminados por uma lua de luz prateada.
Embora fraca iluminava todo o vale e ao fundo as árvores pareciam, em suas formas negras, monstros sem cor ou brilho. O silêncio e o calor davam, a impressão de que todos haviam morrido sufocados.
Me assustei quando Aramud tocou minhas costas.
- Sem sono?
- Sim, sem sono e pensando quanto tempo tudo durará.
- Aramud, acordei com o calor mas pensei ter ouvido movimento de cavalos e ao chegar no terraço pude ver ao longe uma certa movimentação. Tenho o pressentimento de que algo está errado, as coisas não se encaixam nos meus sentidos.
- É verdade Jimo, Shaila ainda não se conformou com os acontecimentos e segundo minhas espiãs está tramando algo.
- Parece que tudo segue em paz, claro que as diferenças sempre existirão, mas não sei se isso deva ser preocupante. Nosso filho estará bem, você está grávida pela segunda vez, se tudo der certo, terá uma herdeira para sua casa nobre e ainda ao se afastar poderá indicar alguém de confiança para o trono – o que poderá estar errado?
- É tudo o que parece certo que me dá a certeza de que algo vai mal. Shaila está tramando algo pois sabe que após minha segunda gravidez devo me afastar do trono e só poderei recupera-lo ao final da seqüência real.
- Como assim?
- Quando assumiu o trono, a nossa primeira rainha tinha problemas com as casas nobres que se formavam. Eram lutas intermináveis, não só pelo trono mas também por terras.
A solução foi criar o governo temporário; cada casa real tinha direito a um período de governo no trono. O tempo era de quatro anos, ficando cada casa com o direito de indicar o seguinte, se durante o seu período tivesse uma herdeira. Aquela que não tivesse uma herdeira não poderia indicar a sucessora. Nesse caso um conselho decidia quem ficaria no trono. Foi o caso de Shaila. Ela não teve herdeira, mesmo com mais de três consortes não conseguiu ter filhos, o que indica que é estéril. É esse o motivo de tanto ódio contra nós, ela não terá herdeira e se adotar uma ela perderá o direito ao trono e mais, sua adotada não poderá ser alguém de fora de uma das casas reais. Assim aconteça o que acontecer ela não poderá mais ter direito ao trono e perderá sua casa real.
- Imagino que Shaila já percebeu que sua linhagem desaparecerá e por isso deverá tentar alguma coisa contra vocês.
- É, e mais, é uma ironia pois foi uma ancestral sua quem criou o sistema.
- Bem, você tem razão, algo não está certo porque tudo parece certo.
Na manhã seguinte saí a campo para fiscalizar a irrigação na várzea. O sistema de irrigação fora desenvolvido por mim o que dava agora, a Aramud, uma grande projeção. Funcionava com o princípio da roda d’água, que elevava as águas a um nível maior que o da várzea e a transportava por canaletas de argila dura até um ponto alto. A partir desse ponto a água descia por pequenos canais, por gravidade, irrigando toda várzea.
A irrigação permitiu o plantio e colheita durante o período seco, época que durava seis meses e era motivo de fome e agitação social na região.
Ao longe percebi um vulto esgueirando-se por trás das pedras e coloquei-me alerta.
Quando estava próximo, saltei disfarçadamente do cavalo e deixei-o andar na trilha. Esguerei-me por trás das pedras e saltei de surpresa sobre o homem que estava agachado.
- Pare tenente, sou eu Strong gritou o homem.
- Strong, o que faz por aqui?
- Vim avisar-lhe do perigo que estamos correndo.
- Fale.
- Bem, esta madrugada a princesa Shaila chegou e reuniu-se em seu castelo com outras princesas aliadas. Como o movimento foi grande, com a barulheira que fizeram na chegada, acordei e desci furtivamente pelos corredores até o salão de reunião. Conhecia algumas passagens secretas e consegui me esconder na parede de espionagem de Shaila. Ouvi que nos matariam e apoiariam Shaila, num golpe contra as princesas de Aramud.
- Precisamos voltar ao castelo para avisar Aramud.
- Eu não posso, pois fugi e você conhece a lei e a rainha terá que cumpri-la. Estou aguardando a chegada do cabo Mendez .
- Tudo bem, no fim desta trilha há um alojamento, aguarde-me lá.
Voltei ao castelo e contei a estória de Strong.
- Aramud chamou suas princesas e disse que se preparassem para a guerra.
- Fui para o quarto e quando ela chegou foi logo dizendo:
- Você tem que se unir ao seus amigos e fugir.
- Eu vou ficar e lutar ao seu lado mesmo porque tenho que defender nosso filho.
- Não, isso seria fatal para mim, o nosso Império não entenderia seu gesto e apoiaria Shaila, e mesmo que eu vença teria que mata-lo; eu não quero isso.
E nosso filho?
- Já providenciei e sua partida segura com a Moma, ela cuidará dele até que seja seguro voltar. Quanto a você, terá que partir.
- Eu prefiro ficar a fugir.
- Não se trata de “ficar ou fugir”, trata-se de uma luta pelo poder, cujas conseqüências são imprevisíveis. Eu tenho o maior e melhor exército, todos que são leais ao trono se unirão a mim, não a Aramud, mas a rainha, pois a minha derrota será a delas também.
Numa batalha, você sabe tão bem quanto eu, o vencedor, muitas vezes não é o melhor equipado ou o maior exército, mas sim o de melhor estratégia. Não sabemos como Shaila preparará a sua, mas tem sido excelente em combate.
O cerimonial entrou assustado avisando que três espiãs de Aramud haviam sido mortas e que não havia notícia de Shaila.
- Faça todos os movimentos com cuidado, é preciso que Shaila não perceba que já sabemos de seus movimentos e pense que a iniciativa está com ela, aconselhei..
- Tudo bem, sei o que fazer.
- Jimo, quero que você parta, seria bom tê-lo ao meu lado mas, você sabe minhas princesas poderiam não entender.
Apanhe camelos, armas e bastante ração seca e parta pela trilha do deserto. Vou indicar um guia de confiança pois essa trilha é perigosa e só alguns conhecem.
E foi assim que voltamos, dois anos já se passaram, eu não consegui esquecer Aramud e tampouco meu filho. Dois amores que perdi e se não perdi, perderei no meu retorno, pois estamos indo para conquistar.
Não poderei passear com minha família, não poderei ensinar meu filho a correr, jogar, nadar e lutar, não me deitarei mais com aquela mulher que tanto amor me deu.
Isso não é verdade, vamos tentar somar antes de conquistar, disse-lhe
- Senhor Yra, vê-se que o senhor não conhece bem ambas partes: nós somos conquistadores imperialistas e elas também. O antagonismo é que somos machista; as mulheres são para nós, meros objetos de procriação ou prazer, para elas os homens são a mesma coisa. No palco da guerra não teremos como somar.
- É a cultura e a tradição quem manda.
O CONTATO
Eram 14 horas quando tocou o rancho, essa palavra tão antiga ainda era usada pelos militares; rancho, como outras palavras que sobreviveram e até hoje eram usadas em toda Europa.
O rancho constituía-se de cereais cozidos com carne e legumes e conservados em lata; o gosto era ruim mas cumpria seu papel, alimentava.
Sorensen e Franz ficaram à mesa depois do rancho. Sentei-me junto a eles.
O coronel Sorensen acendendo seu cachimbo, comentou:
- O grande cataclisma; Mestre Heródoto o que veio a ser realmente o grande cataclisma?
- O senhor, um comandante da inteligência, não sabe? Respondeu sarcasticamente o mestre.
- Não, não sei e, ninguém aprendeu, em lugar nenhum, o que realmente foi o grande cataclisma. Os homens do poder usam-no como bandeira para consolidar seu poder e sair pelo mundo fazendo o que vamos fazer; os clérigos usam-no para dominar o povo com a idéia da ira de Deus sobre o homem e cada Imperador usa-o da forma que acha melhor.
Eu mesmo já ouvi que o grande cataclisma era uma depuração da raça; veio para que nossa raça da Europa Central fosse depurada e conquistasse o resto do mundo. Fomos os eleitos, todos demais povos deveriam submeterem-se
- Desculpe-me coronel, o senhor tem razão, ninguém realmente sabe, nem mesmo os historiadores da Academia de Estudos Ancestrais.
- Eu tive informações que o senhor tinha conhecimento de uma nova teoria que derrubaria por terra os conceitos do castigo divino, a depuração da raça ou o da raça guia.
- É verdade coronel, esse é o motivo pelo qual estou aqui. Essa teoria foi formulada por mim, alguns anos atrás, mas o Grande Mestre das Ciências Acadêmicas me proibiu de continuar na pesquisa. Na ocasião eu não entendi bem porque, mas ficou bem claro que não era um conselho ou pedido, mas sim uma ordem. Tentei argumentar mas foi em vão. Meu cargo no Centro Acadêmico da História Ancestral foi renomeado e eu perdi minha posição, passando a ser um simples pesquisador. Todo poder que eu tinha sobre as equipes de pesquisas históricas foi-me retirado.
- E mesmo assim o senhor continuou?
- Sim, com auxílio de Leinz, mestre em Geociências, o meu estudo foi-se aprofundando a ponto de ameaçar o status científico.
- E o mestre Leinz?
- Foi assassinado pelo SIP, embora na versão oficial ele tenha sofrido um ataque cardíaco.
- Qual era a teoria de Leinz?
- Baseado em livros antigos da Biblioteca Central do Bispado, Leinz conseguiu decifrar um texto geológico muito confiável. Esse texto descrevia a Teoria das Placas Tectônicas onde, a terra era composta por varias camadas como uma cebola, sendo o centro formado por metais de níquel e ferro em fusão, chamado de NIFE, outro com metais como o silício e o magnésio, também conhecido como SIMA, em permanente fusão que formavam o magma. Esse magma que era semi-sólido ia se consolidando a medida que resfriava e assim formando a crosta terrestre.
Diferentemente do que acreditamos a crosta terrestre não era uma camada endurecida e contínua, mas sim formada por placas de magma endurecida. Essas placas se justapunham, boiando sobre o magma. O ponto de contato entre elas sofria influência do magma em constante ebulição e uma placa podia deslizar para baixo da outra ou empurra-la frontalmente. Quando se movimentava criava os chamados movimentos tectônicos, resultando em terremotos ou vulcanismos.
Os senhores podem imaginar a repercussão de tal teoria; o vulcanismo não era obra de Satanás nem os terremotos castigo de Deus. Na realidade os antigos geólogos nem acreditavam que Deus teria alguma coisa a ver com os movimentos tectônicos.
Leinz me procurou um dia para contar suas brilhantes conclusões. Precisava a confirmação histórica de que essa teoria era fundamentada.
Com base na teoria das placas Leinz admitiu que o grande cataclisma havia sido provocado por um movimento anômalo dessas placas. Não tinha como prova-lo a não ser através da história.
Ele acreditava que a pesquisa das lendas em áreas mais antigas pudessem trazer novos fatos para comprovar suas teorias.
Eu, particularmente nunca havia pensado nisso. A história tem suas pré-concepções definidas pela academia e elas eram indiscutíveis. Tentar provar algo pelas lendas e folclore era inconcebível, fugia a toda ortodoxia e, quem o fizesse, perderia o crédito.
Ele me convenceu pois era a prova viva de que o pensamento ortodoxo já estava quebrado.
Como era algo terrivelmente subversivo, dentro dos moldes do pensamento acadêmico, começamos discretamente a estudar juntos e trouxemos para nosso lado um doutor em antropologia, o doutor Strauss.
Após um período de quase três anos havíamos reunido textos enciclopédicos e diversos documentos sobre o assunto. No começo havíamos sido prudente quanto ao encaminhamento e consultas da pesquisa mas, com o passar do tempo, nos descuidamos.
No SIP, algumas palavras são chaves ou gatilho para detonar uma investigação. Nós disparamos vários deles sem perceber e fomos acompanhados sigilosamente durante muito tempo.
Um dia quando retornava das compras, percebi o carro do SIP estacionado na esquina da quadra, onde morava. Como eles não haviam me visto, dei meia volta e fui procurar Leinz que morava algumas quadras abaixo. Passando discretamente por seu conjunto habitacional, percebi que, outro carro do SIP estava rondando por ali. Fugi, fugi assustado e covardemente, tentando salvar minha vida. Saí da cidade e fui para o campo procurar algumas pessoas que havia conhecido e sabia serem contra o sistema. Contei sobre minhas pesquisas e a perseguição e eles me acolheram e ajudaram.
Algum tempo depois, soube que Leinz e Strauss foram julgados e condenados por heresia acadêmica. Foram presos e encaminhados ao centro de recuperação social. Nunca mais soube tive notícias deles e tempos mais tarde soube que haviam morrido.
Eu, com ajuda de meus novos amigos, consegui sair da região central; me enfiei numa migração agrícola para a região dos Urais com o tempo me entrosei bem com a comunidade local.
Casado com uma mulher condescendente pude continuar minhas pesquisas e aí na região dos Urais, consegui descobrir grande quantidade de manuscritos. Tudo ia bem, até que o SIA montou o forte NE 45 e eu fui identificado. Bem, assim estou aqui.
- Eu acho tudo isso besteira, disse o major.
Sou um homem de crenças simples, acredito que o mundo foi feito e criado por Deus e que o castigo dado aos antigos foi merecido.
- Porque major?
- Não me interessa e levantou-se, saindo.
Ao chegar a porta virou-se e nos comunicou que não participaria mais das conversas após o jantar. Tudo isso não passa de conjectura de intelectual, pura bobagem sem nexo e até subversiva. Vocês são todos uns perdedores tentando provar algo para parecerem mais inteligentes que as pessoas comuns. É por isso que são o que são, proscritos, sem chance de voltarem a ser gente. saiu, batendo a porta.
Na noite seguinte, sem o major, nossa conversa ficou mais aberta.
- Mestre Heródoto, continue falando sobre suas pesquisas, a estória estava interessante até o nosso quadradão se aborrecer, pediu o coronel Sorensen.
Rimos da informalidade do coronel.
- Bem, continuou Heródoto, fui para o ostracismo afim de não ser reconhecido. Sabia que o SIP me perseguiria incansavelmente e jamais desistiria da minha captura. Fugitivos como eu, com importância política, quanto mais difícil de se encontrar, mais famoso ficava, não só o fugitivo como o investigador que o encontrasse.
- Os Urais - a beira do império - é uma terrível região de colonização. A princípio me foi muito difícil. Eu não estava acostumado com a lida do campo e aos quarenta anos as dificuldades aumentavam. Não podia fazer qualquer outra coisa, a não ser o cultivo da terra, para não chamar a atenção. Logo depois da minha posse da terra, casei-me com uma camponesa e cuidei da minha terra, como se fosse a única coisa que sabia fazer. Nos finais de semana ia à feira e assistia ao culto religioso. Nessas regiões os padres são os olhos e ouvidos do SIP, portanto, ser normal é muito importante para sobreviver.
No final de quatro anos, minha mulher morreu acometida da peste que assolou a região. Eu já havia aprendido a plantar batata, beterraba e cuidar do meu gado, que nada mais era que uma vaca e quatro cabras.
Nessa época eu já estava integrado à colônia e passado meio ano da morte da esposa havia baixado o luto. Para me manter sem chamar a atenção, teria que casar-me novamente. Como era considerado meio bobo pela comunidade, eu poderia escolher alguém que não tivesse muito destaque. Era o mais conveniente, para não aparecer.
Casei com uma mulher que era muito burra e fogosa. Eu nos meus quarenta anos tinha fraco desempenho sexual. Com o tempo ela começou a me trair e continuei no meu papel de bobo. Para a sociedade local eu era uma vergonha.
- Porque?
- Pelo costume, o homem traído no leito poderia matar a traidora e o desafeto, mas não queria faze-lo, primeiro porque nunca soube o que era matar e segundo essas mortes atrairiam a tenção de todos. Eu continuaria, ainda que a contragosto, sendo o bobão.
- Num verão, durante a estação de caça, resolvi me afastar para as montanhas como se fosse caçar. Estava certo que por ali encontraria alguns vestígios dos antigos, fosse por construções ou por objetos enterrados. Dei sorte e ao entrar em um soterramento e achei alguns manuscritos e muitos objetos completamente desconhecidos. Além deles, coisas que pareciam armas, como estranhos fuzis, facas, máquinas e equipamento como nunca tinha visto antes.
Ao final da estação voltei para casa e guardei cuidadosamente as facas e os manuscritos.
Durante o período que estive fora, o SIA estava construindo um forte perto de minhas terras. Um sargento, alto, forte e bonitão conquistara minha mulher e prometera-lhe, afim de garantir suas graças, leva-la quando voltasse à capital do império. Por muito tempo eu fingi não saber ou notar as escapadas dela mas, uma tarde, voltando para casa escutei os gemidos deles no meu quarto. Subi ao sótão onde guardava escondido os manuscritos e os objetos trazidos, peguei uma faca, que mais tarde soube ser aquilo que, antigamente chamavam de baioneta, entrei no quarto e matei o sargento. A repercussão vocês podem imaginar, mas o capitão e os soldados quando vieram me prender já não me encontraram mais. Fugi novamente e fui preso, três meses mais tarde. A baioneta foi entregue ao capitão que a enviou ao QG do SIA.
Bem, simplificando, o SIA me capturou e eu hoje estou aqui.
- Tudo bem, mas porque um historiador aqui?
Heródoto ia começar a contar quando um soldado pediu licença.
- Senhor coronel, o major lhe chama à ponte – Sorensen levantou-se e seguiu o soldado, dizendo: Volto logo, esperem-me.
Mudamos de assunto para conversas informais e o mesmo soldado voltou e pediu que o tenente Jimo o acompanhasse a ponte. Ficamos curiosos mas acreditamos não ser nada grave.
- Permissão para entrar, solicitou Jimo.
- Permissão concedida, respondeu o major Franz.
- Tenente, vá ao visor lateral e veja pelo binóculo de observação.
Ao olhar, Jimo se assustou; centenas de corpos espalhados pelo terreno indicavam que ali se realizara uma grande batalha. O tempo havia deteriorado os corpos.
Jimo reconheceu as armaduras usadas pelas guerreiras e mais, pelas casas reais de Aramud.
Sem retirar os olhos do binóculo, conteve-se para não demonstrar seus sentimentos mas, suas orelhas ficaram acesas. Sorensen percebeu e afastou Franz, dando tempo para Jimo se recompor. Ele sabia da saga de Jimo e seu amor por Aramud e mais, temeu pelo filho de seu tenente.
Jimo recomposto levantou-se e dirigindo-se ao major Franz informou que muitos daqueles corpos eram realmente das guerreiras de Aramud, que o aprisionaram, mas os corpos dos homens não sabia de onde eram. Suas roupas e armaduras eram desconhecidas.
- Franz, disse Sorensen, sugiro que façam uma incursão de reconhecimento para coletar armas e armaduras.
- Certo coronel, vou designar um grupo a partir dos Falcons de escolta.
Jimo pediu licença e desceu.
Contou aos outros o ocorrido e acreditava que algum inimigo desconhecido havia entrado em combate com as guerreiras.
- Quem poderia ser esse inimigo? – perguntou Sorensen que entrava no salão.
- Não imagino.
- Perdão coronel, disse Heródoto, eles podem ser a prova cruel de outras civilizações, gostaria de descer para observar e avaliar esses guerreiros.
- Muito bem, Jimo, desça com Heródoto. Vocês acompanharão um grupo de reconhecimento.
A descida foi feita pelo tradicional cesto baixado pelos guinchos mas para isso o BIG-1 teve que descer para os 50 m.
O cheiro dos corpos em decomposição era horrível, por isso descemos com roupas e máscaras contra gases.
Recolhemos tudo que nos interessava, reunimos em um canto e os desinfetamos antes de levar ao BIG-1.
O BIG-1 era uma aeronave capaz de enfrentar guerras químicas. Podia ser hermeticamente fechada contra o ar exterior e possuía tanques de oxigênio, capaz de mante-lo durante 72 horas sem contato como exterior.
Passamos pela câmara de descontaminação, tiramos as roupas e fomos para o salão examinar as armas e tudo mais que coletamos.
Jimo reconheceu as armaduras das casas reais das guerreiras. Contou que achava muito estranho parecia que muitas guerreiras tinham sido mortas pela próprias companheiras.
Mais ainda, pareciam estar agrupadas com os guerreiros desconhecidos, devido a localização de seus corpos. Para ele, algumas casas reais haviam se juntado aos guerreiros desconhecidos. O campo de batalha parecia o resultado de uma cilada, muito bem preparada pelos guerreiros.
- Quanto a armadura desses guerreiros? Perguntou Franz.
- Não conheço, nunca vi nada igual, a única coisa que identifico é a cerâmica dura, em forma de pequenas escamas que, como botões estavam costurados a um tecido grosso.
- Veja essas armas, nunca havia visto nenhuma igual, disse Sorensen.
Pela forma parecem fuzis, mas são menores e possuem um mecanismo de repetição diferente do nosso e usam cartuchos de bronze.
Mestre Heródoto aproximou-se e disse:
Conheço essas armaduras.
- Fale-nos sobre elas, solicitou Franz.
- As armaduras são reproduções das de uma raça de guerreiros denominados chineses, de um antigo império fundado pela dinastia Manchú, a mais de 3.000 anos atrás, quanto as armas, elas são características do século XX, onde a tecnologia de cápsulas para armas de repetição era avançada.
Levantando a arma falou gravemente:
- Senhores, descobrimos o oriente e cuidado, pois parece tão ou mais violento que nós!
Agora sabíamos o porque de um historiador entre nós, talvez fosse a fonte de informações mais qualificada para enfrentarmos o que viria a nossa frente.
Reunimo-nos no nosso salão onde Sorensen já colocara, todo material capturado sobre as mesas.
- Senhores, é preciso analisar tudo o que temos aqui, alguns objetos são conhecidos, outros não.
- Coronel, disse Shanty, eu não sou técnico ou guerreiro, o que tenho a ver com isso?
Eu também, retruquei, somos apenas estudiosos da mente.
- É verdade, mas os artefatos não são, em si, um resultado do pensamento? Como esse povo se estruturou com ele pensa, raciocina; não é o botão de uma camisa um resultado do conhecimento de um povo?
- O senhor tem razão, respondeu Shanty, mas precisamos primeiramente focar as estruturas formadoras do pensamento geral para depois, daí, analisar o pensamento técnico.
- Quando eu era estudante começou Sorensen, algumas vezes não conseguia resolver os problemas mais difíceis. Nos livros, ao final de cada capítulo, existia uma folha de respostas. Eu via a resposta e me perguntava, como chegar a seis? Partia da resposta e ia montando a solução, não era só eu quem fazia isso, muitos dos meus colegas também.
E o senhor sempre acertava? – perguntei.
- Não, nem sempre, mas eu já sabia que se não chegasse aquele resultado não tinha acertado.
Vocês querem tempo para pensar; tempo é bom, quando se tem para criar teorias e discuti-las com outros; mesmo que essas teorias partam de idéias que alguém teve. Não temo e me pergunto, não é melhor partir de um resultado concreto?
Uma vez, conversando com o mestre Heródoto, ele me contou uma coisa incrível. Há mais ou menos seis mil anos antes da nossa era, a cultura de alguns povos nasceu simultaneamente em diversos lugares. Na Mesopotânia, no vale do rio Nilo, nas planícies do Ganges e nas regiões do vale do rio Amarelo. Cada cultura era diferente uma das outras e cada povo tinha uma forma física. Em todas elas haviam utensílios iguais o que indicava uma estrutura mental e técnica comum mas, cada uma delas tinha algo tão particular que as diferenciava como escrita e artefatos.
- Mestre Heródoto, o senhor não quer continuar daqui?
- Sim!
- O coronel tem razão, cada uma tinha algo que as diferenciava, era o conhecimento técnico. Para muitos antropólogos e historiadores, esse conhecimento era fruto das ocasionalidades e só se desenvolvia quando alguém percebia o fato.
- Explique melhor, por favor, solicitei.
- Dessa forma, os homens só aprenderam a trabalhar o cobre, quando ocasionalmente, em uma região rica nesse minério, perceberam que ele se fundia nos restos da fogueira. Daí nascia toda uma cultura do cobre que se sofisticava a partir daquela ocasionalidade.
- É verdade que até hoje acreditamos nisso, contra argumentou Shanty, foi assim que recompusemos nossa cultura.
Parte do conhecimento dos antigos egípcios, por exemplo, ficou perdido e tudo porque sua sociedade era teocrática.
- O que é teocracia?
Pela primeira vez, em todo tempo da viagem, o tenente Hans abriu a boca para falar algo que não fosse uma ordem militar.
- Era a sociedade regida pelos sacerdotes, que interpretando os conhecimentos dos deuses regiam as chuvas, a colheita, as cheias, o poder até da vida ou da morte.
O conhecimento dos sacerdotes era passado aos outros e ele era o fruto da observação, que partia de um resultado. A cheia era o resultado e dele se chegava as chuvas.
- Se uma sociedade deixa um artefato, não podemos analisa-lo com a mente da nossa cultura. O exemplo seriam as grandes pirâmides. Acreditavam os historiadores antigos que elas foram construídas com uma técnica de quebrar pedras com tocos de madeira inchada com água; essas pedras eram transportadas com roletes de madeira até os navios no Nilo e navegando quilômetros até chegar no porto na área de construção, outra vez transportados com roletes até o ponto do assentamento e assim, simploriamente, acreditou-se que usando grande quantidade de mão de obra se construíram as pirâmides, apenas para ser o túmulo do faraó.
- Essa era a teoria histórica – afirmou Heródoto. Não seria prudente abandonar os fatos históricos mas, simplifica-los tanto é um absurdo. O mais prático frente a um artefato é analisa-lo como a resposta do problema e dele partir para a resolução de achar as premissas.
- E o que as pirâmides tem a ver com uma arma que encontramos? Voltou a perguntar Hans.
- Tudo, respondeu Sorensen, como não se encontrou melhor resposta, nunca ninguém se preocupou a resolver o problema sobre outra ótica. A cultura herdada pelos sacerdotes para resolver os problemas matemáticos, sociais, técnicos do empreendimento, alimentação e outros poderia ter sido herdada de outra cultura anterior, o conhecimento passou de geração em geração por aqueles que se denominaram sacerdotes e ficou oculto entre eles. Com a morte deles desapareceu.
- Entendi onde quer chegar, respondi, assim como nós herdamos o conhecimento das nossas enciclopédias que só estão a disposição dos acadêmicos, eles também poderiam ter as suas, que ficaram ocultas ou foram ocultadas; como na nossa civilização; ocultar o conhecimento pode significar poder!
- Isso, senhor Yra, e quero mais, quero que se analise cada uma das coisas aqui, como se fosse algo especial, sem levar em conta apenas o nosso conhecimento.
- Tem razão, argumentou Shanty, se unirmos nosso conhecimento histórico, tecnológico social e militar de forma aberta poderemos chegar mais perto do pensamento de uma sociedade e assim avalia-la melhor.
Nossos dias seguintes foram dedicados a analises e discussões em relação àquela civilização. O que nos deixava felizes era o fato de não termos um ortodoxia a seguir, contávamos com o nosso conhecimento e a liberdade para pensar. Eu era feliz pensando livre pois, para o livre pensar, basta apenas pensar sem restrição, sem modelo e sem censura política, social ou acadêmica.
De nossa discussões e análises deduzíamos o que o povo criador daqueles artefatos era altamente desenvolvido. Seu aço era mais duro que o nosso, haviam dominado a técnica do inox, seus projéteis eram de chumbo e cartuchos de metal o que dava mais eficiência às armas. Teríamos que enfrentar um terrível inimigo.
Ainda como nós usavam capacetes e armaduras mas a infantaria se utilizava de fuzís, arco e flecha, balestras garruchas de dois canos e espadas o que devia torna-los mais mortíferos. Teríamos que enfrentar um terrível inimigo.
O major Franz retomou o comando de operações militares para montar uma estratégia de parada. Estávamos quase na área do nosso objetivo, tínhamos um novo e formidável inimigo pela frente e o grosso da nossa tropa não havia chegado. Tudo dando certo chegariam em quinze dias.
Enquanto os militares preparavam suas ações nos restavam as discussões.
Um dia enquanto conversava com o mestre Heródoto, o tenente Hans se aproximou.
- Com licença senhor Yra, será que poderia fazer uma pergunta ao mestre Heródoto?
- A vontade.
- Mestre, o senhor estava nos contando sobre as placas terrestres, e o terrível incidente que destruiu a cultura dos antigos europeus, seria muito pedir-lhe que continuasse do ponto onde parou?
- Claro que não, basta o tenente ter algum tempo para escutar.
- Estou fora do meu turno, poderia ser agora?
- Sim, e começou Heródoto:
- Acredita-se que uma das placas tinha sido engolida pelo magma, no seu ponto de contato. Estudando as lendas e manuscritos que restaram concluí que isso aconteceu no continente americano e pelos dados das enciclopédias a mais famosa seria a de San Andrés. Se foi lá, não foi possível determinar com certeza, mas hoje estou convicto de que o fenômeno foi esse.
- Permita-me, na escola sempre aprendemos que o grande cataclisma era a vingança de Deus pois a antiga humanidade foi egoísta e pecadora. Mais ainda, por não aceitar Jesus foi cruelmente castigada principalmente depois do retorno do filho de Deus.
- É isso que atrasa o conhecimento tenente, isso é o que os religiosos inventaram para se perpetuar no poder e para que o poder não seja contestado.
- Como assim?
- Se o imperador é imperador por concessão divina, o homem não tem como contestar. Se Deus é o pai todo poderoso e quer assim, assim a humanidade tem que se sujeitar.
- O imperador não é imperador pela graça de Deus?
- Claro que não, cada um que toma o poder, o toma para si, com seus propósitos e a religião é a melhor e sempre foi, forma de consolidar isso. Veja, Agniroc I – o cruel, não foi o exterminador do leste europeu? Não foi ele que em nome do cristianismo realizou um horrível genocídio naquela região por discordância religiosa? O que dizer dos islâmicos, semitas, ciganos e outros grupos étnicos menores? Não foram quase exterminados e seus sobreviventes não vivem, até hoje escondidos. Estão se escondendo de qual Deus, do nosso ou do deles?
- É verdade, bem, continue a história das placas.
- Com o delocamento dessa placa, que deve ter sido grande, terremotos e maremotos ocasionaram o desastre. Os antigos tinham descoberto a energia a partir de fusão nuclear do urânio. Era uma energia barata e boa mas de grande contaminação por radiação – a radiação atômica. Suas usinas, eram localizadas no litoral. Os maremotos, com grandes ondas destruíram as usinas em todo mundo e a radiação atômica liberada contaminou os oceanos, litorais e áreas costeiras. Todo o povo que não morreu na catástrofe foi contaminada. Apenas uma região não sofreu diretamente a destruição pela contaminação, a Europa central, alta e cercada de montanhas, mas sofreu a degradação pois também foi atingida não só pelos terremotos como pela contaminação aérea.
- Mas, será que isso não foi mesmo castigo?
Tenente Hans, apresente-se à ponte – soou o alto falante.
Hans levantou-se e SAIu apressadamente.
- Esse Hans me parece suspeito, disse Heródoto está sempre escondido atrás de uma ordem, um burocrata e parece que tem medo ou esconde algo.
- É verdade, respondeu Shanty, pelas minhas condições ele esconde algo grande que o atemoriza e mais o major Franz sabe disso e se aproveita.
- Franz, esse é o homem que tem algo em que não dá para confiar afirmou o tenente Jimo. Hans é apenas seu serviçal.
- Porque acha tenente?
- Não sei, embora seja do SIA, esteja conosco, parece-me que alguma coisa está fora do lugar em relação a ele.

A CONQUISTA
As naves começaram as manobras de descida para o desembarque.
Enquanto o BIG-1 manobrava para descer, as de combate patrulhavam a área, cada uma num raio de ação.
Quando estávamos nos aproximando do solo as cordas de amarração foram lançadas e uma equipe desceu por elas. Os equipamentos e máquinas de armação foram baixados e instalados.
Quando tudo estava pronto chegou a nossa vez de descer.
O acampamento ficava numa garupa, a quase 40 m acima do terreno plano. Essa localização permitia uma visão de 180o do horizonte e com quase 2.000 m de varredura.
A movimentação da montagem era intensa e a pressa era para que, ao entardecer, tudo estivesse concluído.
A agitação era toda coordenada pelo coronel Sorensen e admirei essa operacionalidade. Cada um sabia o que fazer, cada um era um porta peça pois tinha sua peça para montar no período estabelecido. Os militares tinham suas idiossincrasias mas também sua eficiência. As vezes me passava a sensação de que a ciência não trabalhava para o homem comum, mas sim para a guerra.
Ao entardecer tudo estava pronto.
Ficamos instalados junto ao posto de comando.
Éramos sete civis, cada qual especialista numa área acadêmica; Shanty e eu em ciências da mente, Heródoto em História e Champolion em línguas antigas, Mesmer em hipnotismo, Chaceroux em alquimia e Agostinho em metalurgia. Nossa barraca constava de sete camas que ficavam próximas a lona tendo ao centro uma mesa grande que serviria para refeições e estudos. Ao fundo uma prateleira com espaço para cada um colocar sua muda de roupa e seus pertences.
Mesmo não sendo militar, cada um de nós teve, na sede do SIA, treinamento em armas e sobrevivência.
A princípio não estávamos levando muito a sério a hierarquia mas, naquele acampamento não poderíamos despreza-la. Mestre Shanty tinha recebido a incumbência de nos coordenar na ausência do coronel Sorensen e tinha recebido a patente de capitão. Nós a de tenente em hierarquias diversas.
- Senhores, Sorensen entrou – estamos dando o segundo passo para a conquista do Oriente. Todos vocês farão parte da história, como os homens que levaram o império ao outro lado do mundo. Nós conquistaremos mas vocês serão aqueles que descobrirão a tecnologia para uma Europa melhor!.
- Coronel, o senhor não está sendo otimista demais? – perguntou Heródoto.
- Não, se não acreditasse nisso não teria apostado minha vida; já estamos aqui!
Bem, senhores, a partir de agora terão que se conduzirem como militares. Não podemos discutir ordens nem hierarquias; todas as conversas e assuntos da conquista serão sigilosas e não serão discutidas a não ser comigo ou a quem eu indicar.
Todos estarão sob meu comando direto e não responderão a mais ninguém a não ser a mim.
- Permissão senhor.
- Sim soldado.
- Os equipamentos e livros, senhor.
- Pode colocar onde o capitão Shanty mandar, senhores, com licença deu meia volta e retirou-se.
- Agora tínhamos um outro coronel Sorensen, nosso comandante e sobre isso fizemos algumas graças mas acabamos nos enquadrando à idéia. Ele era o guerreiro e sabia como se conduzir nessa situação e no palco da guerra.
Como medida de segurança foram criados dois acampamentos, o nosso e o da equipe de dirigíveis, distantes um do outro de quase 100m. Os dirigíveis ficavam no ar, aos 30 m de altura com um grupo de prontidão sempre alerta para ação.
Nosso acampamento ficava separado do deles por um vale onde um pequeno e límpido regato nos abastecia de água fresca.
O entardecer era maravilhoso, sempre havia um por do sol, tão cheio de cores que mais parecia uma fantasia do que uma realidade. Estávamos no fim do outono e logo chegaria o inverno.
Às encostas dos Altai e a frente do Gobi! – eu estava maravilhado, não poderia pensar que um dia eu estaria aqui!
Ao final do quarto dia, quando tudo mostrava calma e paz, apareceu no horizonte um grupo montado.
Soou o alarme e todos se colocaram em prontidão. Nós e eles ficamos nos observando mutuamente. Pelo binóculo pudemos ver um grupo de quase vinte homens, fortemente armado e montados em camelos e cavalos.
Depois de algum tempo de observação, também com binóculos, deram meia volta e partiram.
Sorensen ordenou uma patrulha sob o comando do tenente Jimo para observação avançada. Essa patrulha voltou dois dias depois com alguns prisioneiros.
Fomos chamados para participar do interrogatório. Eram quatro, um de pele negra e cabelos lisos e os outros três com feições orientais. Embora soubéssemos da existência dos povos orientais e isso ficava claro quando olhávamos para o tenente Jimo, não acreditávamos que essa civilização ainda existisse ou tivesse sobrevivido. Era comum ao europeu acreditar que, a dele, era a única civilização existente.
O primeiro e mais difícil contato era a língua. Nenhum deles falava europeu. Versado em línguas antigas o doutor Champolion não conseguira entender nada do que falavam. Foi o de pele escura que deu ao doutor Champolion a chave para decifra-la e nos reuniu para explicar.
Havia passado uma semana quando Champolion nos comunicou que poderia entender em parte o que o de pele escura falava com os outros.
Cada um tinha uma linguagem própria, talvez do seu povo ou etnia mas entre eles falavam uma outra completamente diferente. Essa linguagem comum era parecida com o europeu e tinha muitas palavras coincidentes, o que as diferenciava era a pronúncia. Assim, tendo a pronúncia sido decifrada, a linguagem passou a ser entendida.
Tudo o que soubemos é que eles eram um grupo de guerreiros da frente avançada de Jakal Khan.
Jimo quis saber sobre o império de Aramud mas eles se calaram. Mesmer hipnotizou um deles que contou uma incrível história.
Haviam conquistado Ishin sob a chefia de Jakal Khan o conquistador e com ajuda de mulheres guerreiras. Umas morreram outras foram escravizadas e levadas para Taxila, no reino dos hindus
O que o senhor pode nos dizer Doutor Heródoto?
Bem, os mapas antigos mostram Taxila como uma grande cidade da região do Hindu. Esse guerreiro moreno deve ser de lá, os outros devem ser descendentes dos chineses. É possível e agora acredito que impérios deles se reestruturou como o nosso. Tendo em vista que antes do grande cataclisma o a língua inglesa era falado em todo o mundo, não me surpreende que haja muita semelhança entre a língua deles e a nossa.
Após os interrogatórios fomos todos dormir.
Eu fiquei pensando em como fora difícil o ressurgimento da civilização européia. Haviam tantas etnias na Europa que parecia impossível consolida-las numa única. O vínculo comum era o cristianismo, que se deturpou na forma como era apresentado mas não na sua essência.
Trezentos anos após o grande cataclisma os povos se comunicavam e comerciavam e viviam em relativa paz até que Agniroc o cruel começou uma guerra de conquista.
Partindo do centro da Europa com um pequeno mas bem treinado e armado exército, iniciou a guerra de conquista. Essa guerra se estendeu por todo território europeu durante 15 anos. Com grande rapidez, em menos de dez anos a Europa Central estava subjugada as religiões do norte. Os demais cinco anos foram os mais sangrentos, pois os povos subjugados se rebelaram e Agniroc os reprimiu duramente.
Além do cristianismo, outro fator de sucesso foi a liberação do lucro e das taxas de proteção. O lucro era visto como resultado do pecado da ambição e as taxas de proteção eram cobradas por todos que possuíam terras. Os chamados barões assaltantes, saqueavam as caravanas mercantis que passavam por suas estradas. Como Agniroc abolira as taxas e pedágios, prendera os barões assaltantes e expurgara os povos ateus, coube a igreja renegociar a idéia do lucro. Ora, não sendo pecado o lucro, o comércio e as artes e ofícios se consolidaram. Os mais difíceis de se submeterem foram os povos não cristãos. Esses foram quase exterminados.
Cento e vinte anos depois, com a Europa em crescimento comercial e todos povos, pacificados, outro fato ajudou o nosso desenvolvimento – a descoberta das enciclopédias.
Elas foram descobertas primeiramente na antiga região de Paris. Estudadas e traduzidas por diversos monges, foram a base da descoberta de quase toda a nossa ciência e tecnologia.
A igreja só liberou as traduções após acordos que envolviam domínio e posse de terras, bem como maior prestígio político. Foi no Governo de Diderot I que as nascentes escolas acadêmicas receberam essas traduções.
A partir da criação da Academia Enciclopédica as ciências prosperaram rapidamente, tanto que, em menos de 50 anos, já tínhamos desenvolvido técnicas de construção civil, mecânica e eletrônica. Com o advento do motor a gás e a consolidação do vapor como tração, ferrovias e rodovias foram criadas, e já se podia andar 200 km em meio dia. Todo esse desenvolvimento consolidou a Europa como um estado poderoso e avançado.
Despertei com ruídos de tiros.
O primeiro combate durou duas horas, nossos sentinelas foram pegos de surpresa e os inimigos quase chegaram ao nosso acampamento. Não eram mais que vinte porém lutavam como se fossem cem. O tenente Jimo conseguiu com um grupo de combate cerca-los e fazer alguns prisioneiros.
O doutor Mesmer assumiu então, o interrogatório. Usava da hipnose, ou por indução mental ou, por indução química, dependendo da resistência do prisioneiro.
Depois de algumas horas de interrogatório sob hipnose, eles não puderam revelar nada. Eram peões num jogo maior e nada sabiam. Eram apenas guerreiros, matar ou morrer era sua vida.
A única informação que deram é que foram liderados por Jakal Khan, o que já sabíamos e que não eram mais de cem em Ishin; que Jakal partira para seu reino e Taklan seu irmão comandava o novo império.
Sorensen reuniu os comandos e passou para o tenente Jimo as incumbências de liderar, um grupo de assalto levando também os que haviam sobrevivido do grupo do tenente Albuino.
Albuino e mais seis estavam nos postos de vigilância e se descuidaram; pagaram com a vida.
Ordenou a Franz que organizasse dois grupos de apoio aéreo para desembarque e assalto
Duas naves de combate Falcons partiram uma hora antes do amanhecer carregando bombas para apoio a infantaria aerotransportada. Suas metralhadoras foram carregadas e os artilheiros a postos para combate.
O grupo de infantaria que era liderado pelo tenente Jimo era formado por um de assalto e um pelotão de petrechos pesados contando com dois morteiros e um canhão.
Chegaram antes do amanhecer às proximidades de Ishin e desembarcaram a infantaria. Os Falcons avançaram sobre as muralhas da cidade e começaram o bombardeio com bombas de amônia e enxofre explosivo. Atacaram rápido e fugiram dando a volta. As bombas de amônia e enxofre explosivos eram usados para criar confusão e pânico. Tinham efeito moral e criavam um ar sufocante, irritando muito os olhos.
Com a saída dos Falcons sobre a cidade o grupo de morteiros e canhão passou a bombardear, concentrando seu fogo no portão principal e muralhas frontais. O inimigo, pego de surpresa e sufocado custou para se reagrupar e, antes que conseguisse faze-lo a artilharia suspendeu o fogo de terra e os Falcons voltaram, agora despejando suas cargas de bombas mortíferas acompanhadas do fogo de metralhadoras.
Os inimigos mal tinham se reagrupado e esse ataque aéreo permitiu o avanço da infantaria sem nenhuma reação.
Jimo com seu grupo chegou ao portão e colocou-o abaixo com uma carga de explosivos. O portão caiu e os soldados entraram atirando com tudo.
Em menos de duas horas a cidade estava tomada, muitos dos inimigos foram mortos e outros capturados.
Ishin estava conquistada e Jimo mandou avisar o comando por rádio.
Algumas horas mais tarde os prisioneiros foram concentrados na praça da cidade e Sorensen entrava triunfante.
Os prisioneiros foram interrogados sob hipnose revelando quem eram os seus comandantes. Eram quatro chefes de grupos de combate mais Taklan o irmão de Jakal Khan que os comandava. Estavam disfarçados como soldados. Eles e mais alguns soldados de etnias diferentes foram selecionados e isolados para serem estudados.
Numa das dependências do palácio, os prisioneiros foram algemados, em volta de um pilar.
Comandante, o que vamos fazer com os demais, perguntou Franz.
Vamos solta-los, damos um cantil para cada um e os largamos a alguns quilômetros daqui. É melhor leva-los em carroça e solta-los a um dia de viagem.
- Não era melhor aprisiona-los?
- Não, assim não teremos que nos preocupar em cuidar deles ou alimenta-los.
- Mas e as informações?
- Tiraremos dos chefes depois os soltaremos, acharemos alguma forma de humilhá-los e neutraliza-los.
- Tudo bem, mas eu quero acompanhar o processo, disse Franz.
Certo, manter-lo-ei informado.
- Ok Franz! Agora me deixe reorganizar a cidadela.
Há!, é sempre melhor deixar-mos uma reserva estratégica afastada daqui e isso inclui o BIG-2 e dois Falcons. Os outros dois ficarão aqui para nossa proteção.
- Eu quero me instalar aqui, onde ficarei?
- É melhor ficar na sua base como reserva.
Franz não gostou e se recusou a deixar a cidade.
Sorensen ponderou:
Olhe Franz, você é o segundo no comando, na pior das hipóteses, caso aconteça algo por aqui se você não estiver presente, poderá assumir o comando. Caso esteja periga morrermos juntos ou um de nós perder o seu segundo.
- Posso deixar Hans tomando conta da reserva, contestou Franz.
- Tudo bem, acho que não é agradável viver num balão todo tempo, aqui terá mais conforto e mordomias, talvez, mas não posso me arriscar a perder o empreendimento por vaidades pessoais. Eu peço que você permaneça o mais possível com o grupo de reserva e venha acompanhar o andamento junto a nós.
- Eu acredito que possa dirigir meu grupo daqui, sem estar perto dele, coronel, pois meu comando é separado do seu.
- Agora não é mais, ou você me obedece ou será afastado do seu comando.
- Franz ficou vermelho de raiva e gritou, - tudo bem não concordo mas farei seu jogo, só que, quando eu não estiver aqui presente, o capitão Hans assumirá meu lugar, eu relatarei tudo ao comando geral do SIA.
- De acordo, relatar é um direito seu; agora retire-se que estou ocupado.
- Franz saiu batendo a porta com toda força, seguido de perto por Hans.
- Heródoto que estava ao lado sorriu discretamente e comentou: - agora temos mais um inimigo.
Quando Jimo entrou cruzando com Franz viu que saia furioso.
- Senhor, pelo jeito do major algo de ruim aconteceu?
- Sim, tenente, com ele; o que deseja?
Já colocamos todos os prisioneiros nas carroças, vestidos com túnicas de párias e para cada um uma cabaça de água. Podemos leva-los embora?
- Sim, deixe-os a mais de um dia daqui, depois volte. Leve com você o sargento Strong e vá mapeando os caminhos e armadilhas, ele é bom nisso.
- Sim senhor!
- Jimo, o que é paria?
- É, para a cultura deles, a mais desprezível forma de vida. Para eles, vestir-se como pária é a mais humilhante forma de castigo. Eu disse que era essa roupa ou nú e como eles sabem onde vou solta-los, alguns se humilharam.
- Onde vai solta-los tenente?
- No Gobi, um terrível deserto.
- Acha que conseguirão chegar a sua base?
- Sim, apenas alguns, aqueles que forem mais fortes; esses matarão seus companheiros pela água, comerão vermes e insetos e se tudo der certo, chegarão.
- Quanto tempo acha que levarão?
Não sei, talvez um mês, ou talvez nem cheguem.
- Como soube dessa base?
- Não sei muito, apenas que a quase um mês daqui existe uma fortaleza muito grande e poderosa, é uma das fortalezas de Jakal Khan. Fica longe da sua cidade imperial e foi colocada ali, estrategicamente. Jakal Khan é um poderoso chefe guerreiro que intimida os reis do norte e do sul.
- Tenente, pode partir, quando retornar voltaremos a conversar.
- Permissão para me retirar.
- Permissão concedida.
Durante a viagem, Jimo pôde pensar novamente em Aramud. Até agora todos combates conquistas, prisioneiros; é isso, os prisioneiros das masmorras do palácio, lá poderia ter notícias sobre ela e seu filho.
Olhou aqueles homens que desciam a frente do deserto, alguns mais reticentes ficaram nus, outros vestiram-se com a túnica. Logo que fossem libertos lutariam até a morte pela água do outro. Tornar-se-iam selvagens, sem amigos. Apenas pensando em sobreviver, tudo que aprenderam para serem um grupo desapareceria.
- Desçam todos, carroças meia volta, vamos voltar! Alguns nos olhavam com ódio, outros suplicavam por clemência. Dei meia volta e retornamos. Já era quase noite quando paramos a algumas horas daquele lugar.
- Sargento Strong.
- Sim, tenente.
Mapeou nossa trilha?
- Sim tenente, até onde a visão pode observar elaborei um croquí muito preciso em informações; mas tenente, o grupo aéreo não vai fotografar e mapear também?
- Sim sargento, mas do jeito deles, até que acabem levará tempo e pode ser que não tenhamos tanto tempo. Amanhã iremos ver os prisioneiros.
- Senhor, encontraremos nossas mulheres?
- Não creio, Jakal Khan é terrível e seu irmão, por ser menor na hierarquia deve ser pior, mais cruel, apenas para aparecer.
- Amanhã ao invés de irmos direto a Ishin por esse caminho, faremos um grande arco para mapear a região próxima as montanhas.
- Sim tenente, é sempre bom flanquear o inimigo, não?
- Acertou, sargento.
- Durante a noite Jimo dormiu pouco, olhou a posição das estrelas e lembrou-se de Aramud. Fazia quase dois anos que a deixara e sentiu um aperto no peito – que saudades!
Quase ao meio dia chegara, à cidadela. Os prisioneiros de Taklan haviam sido soltos e colocados na praça central da vila.
Parecia uma multidão de mendigos, nem de perto lembravam aqueles que foram um dia os conquistadores. Deveria ser horrível, homens e mulheres, nobreza e vassalagem misturados como uma massa só.
Jimo apresentou-se a Sorensen.
- Senhor, missão cumprida.
- Tenente, faça uma triagem nos prisioneiros de Taklan, os que nos interessarem ficam na vila, os demais ficarão fora das muralhas e se virarão como puderem.
- Sim senhor, permissão para se retirar.
- Vá!
Jimo chamou Strong e foram para a praça.
A multidão não passava de uma centena de prisioneiros, muitos mutilados por cruel tortura. Reconheceu o afeminado cerimonial, todo machucado severamente pela tortura. Nada nele, agora, lembrava o orgulhoso e vaidoso cerimonial do palácio.
- Sargento, traga-me aquele homem, lembra-se dele?
- Sim, Ramu, o cerimonial do palácio.
Embora no império europeu o homossexualismo fosse crime e toda cultura o condenasse, tanto Jimo com Strong, no tempo de consortes, aprenderam a gostar de Ramu.
Strong ajudou Ramu a caminhar até a carroça que estava na saída da praça e com Jimo foram para o hospital de campanha.
- Doutor, esse é Ramu, foi importante no tempo do império e poderá nos ajudar muito, cuide bem dele, voltarei mais tarde para interroga-lo.
Quando chegaram ao QG, Sorensen iniciou uma reunião para discutir a forma de ação seguinte.
- Senhores, conseguimos nossa primeira posição avançada, já informei ao QG do SIA nosso progresso e estou preocupado com a demora das nossas tropas de terra. Deveriam ter chegado ontem, não fizeram e hoje pela manhã mandei um grupo de observação ao seu encontro. Acreditava que estivessem próximos mas não foram encontrados. Amanhã o cabo Asdrubal irá com um grupo de combate avançar em direção a eles até encontra-los. Irá com rádio para podermos acompanhar sua progressão.
- Senhor, perguntou o capitão Alvarez, o que faremos com nossos prisioneiros?
- Eu solicitei ao mestre Shanty que o interrogasse, mas tivemos pouco sucesso, mesmo sob hipnose química não revelaram quase nada de interessante.
- Senhor, eu tenho um conhecido que resgatei do meio dos prisioneiros, se me der permissão usarei o conhecimento dele para interrogar Taklan, disse Jimo.
- Tudo bem, de acordo, mas que o mestre Shanty e o doutor Yra o acompanhe.
No dia seguinte fomos, Jimo, Strong, Shanty e eu visitar Ramu no hospital.
Estava bem melhor, com uma boa aparência.
- Meu príncipe, falou dirigindo-se a Jimo, tenho más notícias desta vez.
- Sim Ramu, conte-me tudo, desde o começo!
O senhor lembra-se da briga entre Shayla e Aramud?
Pois bem, as espiãs de Aramud descobriram que Shayla iria seqüestra-lo para torna-lo seu prisioneiro e transforma-lo em amante ou escravo.
- Tentariam na noite em que o senhor acordou com o barulho dos cavalos. A guarda de Aramud as surpreendeu e elas fugiram.
Temendo pela sua segurança, Aramud mandou o senhor partir e achou que com a notícia da sua fuga teria a paz de volta. O que ela não sabia é que Shayla já havia feito um acordo secreto com Jakal Khan para assumir o poder e o seu seqüestro seria o fato que desencadearia toda trama. Com a sua fuga, Shayla ao invés de persegui-lo mudou de planos. Simulou uma invasão e para que parecesse real permitiu que suas terras fossem invadidas e parte do seu povo chacinado. Era uma armadilha que havia montado com Jakal Khan.
Aramud quando soube da invasão e sem saber da armadilha, partiu a frente do exército imperial para defender seu reino. Ao avançar pelo vale Pratius, foi emboscada por Taklan e atacada por Shayla na retaguarda.
Não sei muito mais, só sei que Taklan e Shayla entraram na nossa cidade e aprisionaram todos ligados a Aramud.
- E as princesas de Aramud?
- Foram entregues aos soldados, junto com todos nós e depois mantidas prisioneiras. Na prisão nos estupraram e torturaram. Eu consegui sobreviver mas elas e muitos outros não.
- Aramud também?
- Não, Aramud foi entregue a Jakal Khan e não soube mais dela.
Nossas casas imperiais e terras foram arrasadas e saqueadas, nosso povo espalhado como parias.
Ramu tremia e começou a chorar dizendo coisas desconexas, quando Shanty interviu hipnotizando-o para acalma-lo.
- Acho que tem razão, tenente, Ramu poderá nos ser muito útil, até porque nos dará mais informações sobre como o inimigo pensa, do que os prisioneiros.
Voltando ao QG se apresentou a Sorensen, pediu que deixasse os prisioneiros e os interrogatórios sob sua responsabilidade e o coronel consentiu.
Com a melhora de Ramu resolveu começar o interrogatório.
- Quero que traga os prisioneiros acorrentados nos pés, nas mãos e no pescoço.
Os prisioneiros chegaram, altivos e arrogantes, acreditando que não tivessem sido torturados por medo das represálias. Jimo saiu com eles, acompanhado de um guarda, levou-os à praça principal e acorrentou-os um aos outros formando um círculo em torno do pilar do palácio.
- Quero todos bem juntos, um bem perto do outro, todos voltados para o pilar e o maior desconforto possível; só beberão água e só comerão o lixo que o povo atirar neles; amanhã voltamos
Quando saiu a multidão atirava desde pedra até merda e a guarda apenas olhava a vingança. Valia tudo, cuspir, urinar, puxar cabelo, só não podiam bater ou ferir os prisioneiros.
Ao anoitecer a arrogância de Taklan já não era tão grande como na masmorra.
De longe, Jimo olhando o humilhado guerreiro disse:
- Strong, o senhor Yra tinha razão, a humilhação é mais forte que a tortura.
- É verdade tenente.
Dois dias depois, ainda machucado, mas bem recuperado Ramu saiu do hospital disposto a ajudar Jimo.
- Meu príncipe, o senhor nunca soube mas eu era o chefe da rede de espionagem de Aramud. Me sinto culpado por não ter sabido dos fatos que causaram a queda da nossa soberana e começou a chorar.
- Tudo bem, mas se você não parar de chorar não serve para nada.
Ramu parou e prosseguiu:
- Durante minha estada na prisão soube que Aramud tinha sido entregue a Jakal Khan e Shayla e suas princesas foram depois assassinadas por Taklan.
Eu tenho uma sala secreta, nos porões atrás das celas; lembra-se como entrava para vê-lo?
- Sim, é verdade, muitas vezes me perguntava como aparecia e desaparecia tão fácil, queria descobrir para fugir.
- Bem, continuou, eu tenho essa sala secreta e nela mapas e livros que serão muito úteis, principalmente da cidadela e arredores da fortaleza de Jakal.
- Vamos, antes quero interrogar Taklan.
- Meu príncipe, deixe-me chuta-lo primeiro?
- Sim.
Ao nos aproximarmos, Ramu se acercou de Taklan e com um largo sorriso, cuspiu e o chutou.
Taklan ficou furioso, parecia que iria explodir de tanta raiva.
Depois de horas sem nada ter conseguido, Jimo e Ramu conversaram e num dado momento ao ouvir Ramu dirigir-se a Jimo, como meu príncipe, Taklan levantou-se e falou na mesma língua de Ramu.
- Você e seu príncipe morrerão a pior das mortes que eu puder dar.
- Você nos entende cão!
- Sim principezinho e começou a gargalhar.
- Há! Há! Há! O principezinho, nem sabe da sua rainha, eu a venci, amarrei numa cama com as pernas abertas e mandei para o meu irmão. Jakal Khan deve ter desfrutado daquela coisinha gostosa e depois jogado fora.
Jimo puxou o punhal e quando avançou para Taklan foi segurado por Strong – Meu tenente, ele quer isso, o senhor lembra do que o doutor Yra nos disse.
É verdade, se eu mata-lo agora ele vira herói, sofrer, ser torturado ou morrer é honra, humilhação não.
Ei, principezinho, venha aqui que vou contar como estuprei as outras princesas.
Dessa vez foi Strong que perdeu a razão e chutou Taklan.
Calma, Strong, ele não nos serve para mais nada, disse Ramu, eu tenho e posso fornecer mais informações que ele; acho que podemos mata-lo agora ou depois.
Não, disse Jimo, vou castra-lo. Nessa hora Taklan perdeu o controle e começou a berrar.
Guardas, levem-nos ao calabouço.
No calabouço, Jimo aqueceu o ferro de castrar até ficar em brasa e chegando perto de Taklan começou a gargalhar.
- Assim, você também está de pernas abertas, e abrindo o bico do castrador arrancou os órgãos sexuais de Taklan, que com um grito de dor desmaiou.
- Strong faça o mesmo com os outros.
Depois de castrados raspe a cabeça deles, e vista-os como párias e jogue-os nas celas e alimente-os bem.
- Eles vão ficar como prisioneiros?
- Não, vamos dar a eles o mesmo fim que demos aos outros; a única coisa que quero é que estejam bem para se lembrarem do que são agora – esse será o castigo deles.
Strong, quero que você se reuna conosco ao anoitecer, vou com Ramu ver todas as informações e, outra coisa, não fale com ninguém sobre nossa reunião, agora nós somos os vingadores.
Conte comigo tenente.
Os gritos dos prisioneiros ecoaram por quase toda tarde; Strong cumpria feliz aquelas ordens.
TRAIÇÃO
Sorensen havia marcado uma reunião para as 14horas. Nesse horário haveria um ensaio operacional para as equipes aéreas e dessa forma o major Franz não poderia comparecer.
Todos haviam chegado pontualmente e a curiosidade era grande. Especulava-se sobre as companhias de terra não terem chegado.
- Senhores, começou Sorensen, as companhias de terra já deveriam ter chegado. Dois dias atrás mandei um grupo de observação contata-los. Até agora não tive notícias e já se passam uma semana da data prevista. Hoje após, o término das operações aéreas, mandarei um grupo Falcon para descobrir o que houve. Já acertei com o major Franz essa operação que ele liderará pessoalmente. Assim sendo, o capitão Hans aqui presente assumirá o comando do outro grupo aéreo.
- Tenente Jimo
- Senhor!
- O senhor comandará uma companhia do combate avançado que deverá ter duas funções, uma guardar nossos flancos e outra de reconhecimento. Para tanto deverá montar dois postos avançados, um a nordeste e outro a sudeste.
- Como serão essas operações?
- No último combate pude perceber que esses flancos, que usamos adequadamente, são na verdade as fraquezas desta cidade, portanto vou fortalecê-los. O senhor por ser nosso oficial mais graduado comandará todas operações avançadas.
- Capitão Hans
- Senhor!
- Embora o tenente Jimo tenha menor patente que o senhor, está assumindo o grupo de operações avançadas, como sub comando de campo e dessa forma sua palavra será equivalente a sub comandante operacional.
Hans fez uma cara de decepção mas não retrucou.
O senhor, continuou, na ausência dele, assumirá.
- Os grupos das portas estarão sob o comando do sargento Strong e Sargento Fuller. Estaremos levando além do nosso armamento o capturado e o alimento Tijol.
- O capitão Hans assumirá a logística e o transporte do pessoal e equipamentos para as áreas selecionadas cada uma delas está a quase treze quilômetros daqui, portanto deverão apressar as operações para que já estejam nas áreas antes do anoitecer. Além disso permanecerá em alerta máximo para dar apoio em caso de combate.
- Capitão Hans assuma o comando das operações de partida; tenente Jimo, quero discutir as operações terra com o senhor.
Toda logística montada por Hans, tanto para operações de terra como aérea previam que as bases avançadas teriam autonomia de um mês, mesmo sob combate.
A logística foi tão bem montada que as 18 horas cada um dos Falcons já estava a postos com as equipes de terra baseadas.
Os dias passavam sossegados e o calor aumentava com as proximidades do verão.
A estação chuvosa traria alguns problemas pois os longos períodos de chuva obrigaria os homens a um sedentarismo irritante.
Jimo conversava com Strong quando uma pequena figura ondulante apareceu no horizonte.
Todos ficaram em alerta e a medida que foi se aproximando podia-se ver um camelo com seu condutor e outro na garupa.
Pelo binóculo Jimo viu que eram Ramu e Yra.
Quando o camelo chegou, os dois estavam apavorados e exaustos.
Desandaram a falar em conjunto o que os tornara ininteligíveis.
- Calma, um de cada vez ordenou Jimo.
- Fale, Yra
- O comandante Franz atacou conjuntamente com as tropas de terra e assumiu o comando geral das operações em Ishin.
- E Sorensen?
- Foi aprisionado junto com todos os que reagiram.
- E vocês?
- Estávamos na biblioteca de Ramu, quando ouvimos os tiros, saímos para ver, Sorensen nos chamou e pediu para que fugíssemos para avisa-lo. Ficamos escondidos até o fim dos combates, na noite passada conseguimos fugir e como não sabíamos onde vocês estavam ficamos andando em círculos até vermos o Falcon.
- O que faremos, perguntou Strong.
- Vamos chamar Hans e pedir que ele nos informe como se nada soubéssemos.
Hans desceu e seguiu Jimo e Strong até a ponte do comando.
- Capitão Hans, o que está acontecendo em Ishin?
- Não sei tenente, a única coisa é que meus rádios estão mudos e não consigo falar com o QG.
- Sabe alguma coisa sobre as operações de Franz?
- Até onde sei, iria buscar as tropas de terra.
- Tudo bem, pode retirar-se.
- Antes de sair, posso falar-lhe em particular?
- Strong, deixe-nos a sós.
Depois que Strong saiu, Hans começou:
- Sei que não pareço confiável, sempre fui conhecido como o corvo de Franz. Dei motivos para isso, fui algumas vezes o delator e não me orgulho disso. Nunca tive muita coragem para enfrentar as conseqüências de minha condição pessoal e por isso cedi a chantagem do major, agora já não estou agüentando mais.
Jimo fora pego de surpresa e não estava entendendo nada.
- Conte-me tudo desde o começo, pois não estou entendendo.
- Eu sou homossexual e o senhor sabe como os militares homossexuais são tratados - com a morte.
A quase dez anos atrás eu fui apadrinhado pelo major pois havia criado uma nova idéia para as logísticas de embarque e desembarque. As minha idéias acabaram sendo aprovadas e eu fui promovido. O major não gostou pois achava que ele, como meu superior, deveria apresenta-las. Resumindo, eu fui vigiado por ele e caí numa armadilha.
- Como assim?
- Vivia com um soldado que dizia ser meu primo, fato que nunca fora contestado. Sempre foi muito comum militares dividirem apartamentos ou alojamentos, mas eram sempre de patentes próximas e eu vivia com um soldado.
Acabei sendo descoberto pelo major que ao invés de me denunciar promoveu-me a seu ajudante de ordens. Daí, nunca mais pude ter idéias próprias e acabei ajudando-o em seus jogos sujos no comando. Ao soldado que vivia comigo foi dado um cargo burocrático e afastado da capital. Franz permitia que eu saísse uma vez por mês sem vigilância, para encontra-lo, até que alguns meses antes dessa operação o soldado foi assassinado e as provas estão contra mim.
- Foi você?
- Não, foi armação do Franz e eu tive que me sujeitar.
- O que lhe fez mudar de idéias?
Dia e noite, durante anos não pude ser eu mesmo. A escravidão mental é a pior forma de escravidão, pior que a física pois não nos deixa sonhar, sem poder sonhar a vida não tem realizações e a tortura é contínua. É viver só por viver, sem ter nada para sorrir e sem sorrir a vida não tem sentido. O tenente não pode imaginar como foram terríveis esses anos todos.
- Sim, talvez possa, não sei, mas gostaria de saber o que está acontecendo.
- Talvez o senhor não saiba que todos ligados a Sorensen serão considerados traidores e conduzidos à corte marcial.
- Por que?
- Franz queria a chefia da operação e não conseguiu, passou a informar ao SIP todos nossos passos e progressos. Quando tomamos Ishin o comando do SIP levou o segredo das nossas operações ao imperador que se sentiu traído e mandou o SIP assumir o comando do SIA.
- Por isso Franz andava calado e criou um falso exercício de operações e de encontro com a tropa?
- Sim, para encontrar a tropa que já estava acampada a dois dias de nós; assumiria o comando do Coronel Sorensen e declararia todos traidores, inclusive o senhor.
- Porque ainda não nos atacou?
- Eles tem medo de suas bases avançadas. Quando soube da idéia das bases instruiu-me para ataca-las e aprisiona-los. A ordem foi dada hoje pela madrugada mas eu disse-lhe estar em operação longe da base, e que só poderia ataca-los à tarde.
- E porque não o fez?
- Me cansei disso, ia falar-lhe, estava esperando para saber onde estavam as tropas de terra e como neutralizar os Falcons com Franz.
- Com sabe que se aliando a nós não estará cometendo o erro de avaliar mal; podemos também estar fazendo o jogo de Franz?
- Não sei, mas não acredito.
- Strong, entre
- Sim senhor
O sargento entrou com a pistola engatilhada.
- Escutou tudo?
- Sim, senhor
- O que acha?
- Acho que precisamos do capitão Hans do nosso lado.
- Você topa Hans?
- Sim, eu quero acabar de vez com essa escravidão.
E o pessoal da sua escolta de Falcons?
Todos que estão aqui ficarão ao nosso lado, deixe-me falar com eles e contar da traição do Major Franz com o SIP. Acredito que sendo do SIA nos apoiarão, afinal somos todos da mesma corporação. Mostrarei a eles que o verdadeiro inimigo é o SIP.
- Tudo bem, vamos montar um plano, chame Ramu e Yra.
O RESGATE
A noite estava escura, sem a lua para iluminar as trilhas e ao longe a claridade das fogueiras e lampiões marcavam o horizonte.
Ramu ia na frente conduzindo o grupo de Jimo.
Só ele sabia a entrada do túnel secreto que os levaria ao salão lateral dentro do palácio. Aquela era uma rota de fuga que só as princesas conheciam, mas Aramud havia ensinado a ele e a Moma. Ela confiava muito neles e sabia que esconderiam o segredo sem nunca revela-lo a ninguém.
- Aqui, meu príncipe, basta rolar estas pedras e cavar a areia que a saída aparecerá.
- Vocês dois, cavem.
- Alguns minutos depois apareceu no solo uma porta de madeira grossa que não abria por fora.
- Como abriremos perguntou um dos soldados.
- Não sei, acho que se quebrarmos a parede ao lado...
- Espere disse Ramu, há uma alça que pode ser pega pelo espaço entre a parede e a porta e dizendo enfiou a mão puxando-a.
A grande porta foi aberta e Jimo acendeu a lanterna; descendo as escadas do poço chegou ao túnel que ia em direção ao castelo. Eram mais de trezentos metros e o estreito túnel era sufocante, com espaço apenas para uma pessoa caminhar e todos seguiram em fila.
Saíram em outro poço e Jimo mandou que Ramu subisse e abrisse a porta.
Já dentro do salão ficaram aguardando o momento em que Hans e Fuller, agora juntos, atacassem.
Quando atacassem pelo ar e por terra, abatendo os Falcons de Franz, o grupo de Fuller tomaria de assalto a base aérea destruindo e os depósitos de combustível.
Os estrondos do combustível explodindo sinalizavam a hora de atacar. Um grupo ficou como retaguarda e Jimo com outro seguiu Ramu pelo labirinto do castelo até a masmorra.
Aberta a passagem para a masmorra os dois guardas foram abatidos com as setas da balestra que lhes atravessaram a garganta.
Jimo entrou tomou as chaves e começou a abrir as celas.
- Jimo! Gritou Sorensen, você é louco?
- Todos somos.
- Vão ser punidos com a corte marcial como traidores.
- Vamos coronel, senão todos iremos mesmo.
- Todos os prisioneiros foram soltos.
Saíram rapidamente pelos túneis e mais adiante no deserto.
- Vamos, vamos, não temos tempo, daqui a pouco os Falcons vão voltar, temos que chegar a nossa base antes do amanhecer.
- Vocês dois fecham a entrada e deixem como estava.
Quando amanhecia três Falcons e um BIG retornaram.
- Como foi Hans?
- Tudo bem Jimo, conseguimos destruir um BIG e um Falcon, deixando-os sem apoio aéreo.
- Não iríamos pegar o BIG?
- Sim mas achei que os dois BIG nos trariam problemas, por serem lentos enquanto mais um Falcon nos daria agilidade de combate.
- Bem pensado.
- Agora Hans sentia-se gente novamente e já era quase outro homem.
- Que bom que retornou são e salvo capitão, disse Ramu para Hans. Hans olhou e sorriu para Ramu – obrigado.
Jimo percebeu e Sorensen também, mas apenas sorriam.
O BIG embarcou a tropa e os equipamentos da base de Jimo enquanto os Falcons partiram para a base de Fuller para resgatar os soldados e equipamentos que ficaram. Tudo teria que ser feito rapidamente e antes do amanhecer, para que o grosso da tropa de Franz não pudesse alcança-los.
Partiram para um ponto de encontro atrás do monte Kush.
Com atracamento do BIG iniciou-se a operação para montagem de uma base mais permanente e o comando seria montado no próprio BIG.
O local escolhido era conhecido de Ramu. Segundo ele, aquela plataforma natural ficava próxima a área de um antigo refúgio de Aramud.
Quando estabeleceram a base, uma sonda brilhante foi lançada para avisar os Falcon que ficaram para trás com o resgate de Fuller.
Os Falcons atacaram ao amanhecer.
No dia seguinte Sorensen reuniu todos e começou:
- Todos aqui sabemos qual o nosso destino, não somos mais que quarenta e quatro homens contra um exército equipado e bem treinado. Mesmo sem apoio aéreo eles ainda são melhores e muito mais numerosos que nós. Só temos algo melhor que eles, mobilidade, mas mesmo assim essa vantagem não é grande.
Não temos outra opção a não ser lutar, para isso fomos treinados e outra coisa não sabemos fazer, portanto temos que pensar bem nossas ações.
- Obrigado, continuou, eu e os outros que fomos resgatados da prisão agradecemos a vocês e jamais esqueceremos.
- Viva o tenente Jimo, viva o coronel Sorensen ! alguém gritou.
- Viva!
- Viva os comandos SIA
- Viva
- Viva a nós os renegados
- Viva
- Soldados, vamos nos preparar para derrubar o SIP, gritou Jimo.
- Viva a nós, morte ao SIP responderam.
- Vamos todos cumprir nossas funções – debandar, ordenou Jimo.
- Tenente, vamos nos reunir para preparar uma estratégia de combate e sobrevivência.
Reunidos uma hora depois, no salão do BIG-1, estávamos Sorensen, Jimo, Hans, Ramu, Alvarez, Strong, Fuller, Shanty e eu.
Sorensen começou avaliar a situação e a reunião continuou por horas seguidas. Ao anoitecer havíamos concluído que éramos poucos para recuperar o palácio, logo teríamos que contar com a ajuda de Jakal Khan. Não que fossemos pedir a ele, mas acreditávamos que se ele estivesse disposto a vingar o irmão, atacariam Ishin.
Enquanto isso não acontecia nos prepararíamos para o combate final, fosse com Jakal, fosse com Franz.
Na segunda noite, o calor e os mosquitos estavam me torturando e levantei para dar um passeio. Ao chegar a borda da plataforma vi ao longe uma forte luz azulada brilhante. Achei estranho não te-la visto antes.
- Tenente Jimo, venha ver algo.
Jimo acordou e me seguiu; vendo a claridade admirou-se não te-la visto também. Chamou Sorensen e todos nós concluímos que a luz não estava lá na noite anterior.
Amanhã vamos averiguar.
A CAVERNA DO DRAGÃO
Era a segunda noite que a luz brilhava, parecia estar longe.
Eu e Jimo estávamos conjeturando sobre o que seria, quando Sorensen aproximou-se.
- Agora não há mais motivos para segredos entre nós, aquela luz é a razão da nossa empreitada.
- Como assim Coronel?
- O senhor Yra deve lembrar-se da estória do livro de Abakuk traduzido por Dorff?
- Sim lembro-me. Dorff que soubemos pelo tenente Jimo foi pai de Shayla.
Ele saiu para resgatar o Doutor Levingston, o primeiro a acreditar na existência de povos civilizados além dos Urais.
- Como ele tornou-se pai de Shayla?
- Quando passou pelos Urais, alguns dias depois foi emboscado pelas mulheres guerreiras, comandadas pela mãe de Shayla, a rainha Tamara. Como no seu caso Tamara tomou-o como consorte. Tempo depois, sem ter nada para fazer, ele começou a estudar línguas antigas.
- Foi ele quem organizou a biblioteca secreta, continuou Ramu que se juntara ao grupo, eu soube que traduziu obras antigas escritas em ariano e sânscrito. Essas obras eram testemunho de civilizações que existiram em eras passadas.
- É verdade, continuei. Essas civilizações existiram num passado que pode remontar a mais de 10.000 anos antes da nossa.
- Como sabemos disso? Perguntou Hans, que também se juntara a nós perguntou.
- Pelo testemunho escrito. A tradição escrita que gerou documentos em argila, couro, pedra, papiro e papel, deixou vestígios históricos. Outras formas de herança cultural como pinturas, templos ou construções eram também formas pictóricas de escrita.
- E aquela lenda da máquina pensante?
- A civilização anterior a nossa, segundo as lendas e as enciclopédias, dizem, possuía uma máquina chamada computador, funcionando com eletricidade e impulsos eletrônicos, que era capaz de tomada, até de, decisões lógicas. Tinham um sistema chamado Web que permitia às pessoas se comunicarem por todo mundo.
- Incrível! Espantou-se Jimo, parece lenda.
- É verdade tenente, essas informações estão severamente guardadas e só quem tem autorização pode vê-las. Muitos dos que as viram sem a devida permissão morreram misteriosamente.
- Essa é a maldição dos escritos! – exclamou Hans.
- Não, nada tem com a maldição ou castigo.
- E o que aconteceu com essas máquinas? Perguntou Jimo.
- Foi a eletricidade que as fez viver e morrer.
- Como assim?
- Os nossos ancestrais, tinham avançado tanto em tecnologia baseada na eletricidade e por causa do cataclisma, ficaram sem nada.
- A eletricidade foi a energia que os fez crescer e morrer.
- Entendo disse Sorensen, essa dependência deveria ser tanta e a sofisticação da tecnologia tal que, do dia para noite ficaram sem água, luz e comida e regrediram pois já não podiam mais contar com ela.
- Isso, regrediram ao ponto de quase voltar a barbárie, apenas armas brancas sobraram e tivemos que começar tudo outra vez.
- Quando já éramos um Império consolidado, descobriram-se as enciclopédias e a partir delas pudemos recuperar parte daquela tecnologia e hoje já atingimos a nova era da eletricidade.
- Porque não conseguimos recuperar aquelas máquinas pensantes, perguntou Hans.
- Porque, além de estarmos engatinhando no conhecimento, não sabemos por exemplo o que é CD, o que é CHIP, o que é HD, não sabemos com que materiais foram feitos; dizer que foi em acrílico, foi com Germânio nada significa pois nem sabemos o que é isso.
- E mais, continuou Sorensen, a cultura chamada computacional nada nos diz, pois sua lógica e sua estrutura não existem em nossa cultura.
- E o que aquela luz tem a ver com a nossa missão?
- Sorensen continuou: - quando o coronel tentou se rebelar contra Tamara, ele e os escravos foram derrotados em alguns meses. Antes de sair do castelo para liderar a rebelião, levou consigo os estudos e traduções que havia feito. Esses estudos foram trazidos a nós por um de seus companheiros. Eles foram a base para acreditarmos que havia outra civilização e que em algum lugar havia uma central de poder inteligente. Achamos que essa central de poder e inteligência estava gerando conhecimento tecnológico nos povos daqui e se assim fosse poderíamos perder nossa hegemonia imperial, isto é, seríamos conquistados e não conquistadores.
- É verdade, continuei, os estudos dos Mestres Mesmer e Shanty com base nos escritos que recebemos indicava, que mais que fonte de conhecimento, essa luz era a fonte de um poder mental irresistível.
Descobrimos que esse poder mental fora chamado de carisma e o estudo do carisma nos levou a história de líderes dominadores incríveis e terríveis nas civilizações anteriores a nossa.
- O SIA, explicava Sorensen, é o organismo de inteligência das armas, cujo ministério é de responsabilidade de Risha o irmão de Agniroc. Quando ele soube do livro, me chamou para criar um grupo de estudos. Achava que esse poder teria que ser roubado para nós. Daí surgiu toda a nossa estória e o nosso grupo.
- Que livro é esse e o que ele continha de tão fascinante?
- Era chamado de o livro de Abakuk. Nós soubemos que ele era o primeiro de três, os outros dois estariam aqui, portanto aqui seria o ponto de partida. Além de contar a estória do monge Abakuk , contava parcialmente a estória de Akila, um guerreiro que dominou o mundo com o poder dado pela montanha da luz ou como diz o povo de Ramu, a Caverna do Dragão.
Esse poder deveria ser descoberto e dado a Agniroc II, mas sempre acreditei que era Risha quem o desejava para tornar-se o senhor do mundo como o tal Akila.
- Esse Akila viveu quando?
- Aí é que está outra incógnita continuei, não sabemos medir esse tempo mas acredito que era numa época até 10.000 anos antes do nosso. Acreditamos que este já foi o território que dominou o mundo dos homens e animais, numa era chamada Mú. O continente Mú sofreu um cataclisma e os povos se dispersaram; outra cultura surgiu deles e era chamada Atlante. Ela também sofreu um cataclisma e os povos dispersos da Atlântida criaram a Europa, do último cataclisma surgimos nós, uma ressurreição da Europa destruída.
Eu fui encarregado pelo alto Comando das Armas de montar esta operação, e chegamos até aqui, agora fora do controle. É como se uma força nos fosse atraindo e criando situações para que acontecesse o que ela queria e não o que nós queríamos.
- Senhor, porque não vamos averiguar o que é aquela luz; já estamos aqui a dois dias, sem ação e só falando e olhando.
- Tem razão Jimo – Hans, tem como nos levar até ela?
- Sim senhor, vamos determinar o rumo e a distância e partir.
Sorensen pegou um megafone e reuniu os homens
Atenção companhia, vamos deixar o acampamento montado e embarcar nas aeronaves. Peguem apenas armas, água e a ração
Dispensar para embarque.
Os homens seguiram rapidamente para o BIG-1 e embarcaram, as equipes dos Falcons partiram para assumir as posições de comboio.
Hans ordenou os cálculos de rumo distância e velocidade.
- Tenente Jimo, chamou Sorensen, quanto somos?
- Apenas quarenta e quatro, contando com Ramu.
- Acho que seremos um bando de proscritos, não sei como faremos para sobreviver.
- Senhor, somos um grupo coeso pela força do treinamento e sob sua coordenação sairemos bem.
- Veja Jimo, até agora eu sabia o que estava fazendo, tinha um objetivo a alcançar, criei todas as diretrizes, procurei as pessoas certas, os acontecimentos me trouxeram a certeza de que meu planejamento e organização me levariam a atingi-lo.
- E o que mudou?
- Tudo Jimo, a organização desapareceu, o sentido do objetivo desviou-se, o controle das operações me fugiu, eu estou desnorteado só porque meu planejamento fracassou.
- Senhor...
- Não me chame de senhor, apenas de Sorensen, David é o meu nome.
- Senhor, desculpe, ainda me acostumarei, isso não é verdade, ainda estamos aqui, juntos e o senhor nos comanda.
- Eu acho que será por pouco tempo, quando descobrirem que eu não sei o que fazer, como improvisar. Agora eu é que preciso de um guia, um comandante.
- Não se sinta fraco Sorensen, você nos agrupou, formou um corpo, nos trouxe até aqui, agora cabe a nós ajuda-lo a superar essa fase.
- Obrigado Jimo, você é como um filho que eu não tive e um amigo que eu não tive tempo de conhecer melhor.
- Assim as coisas acontecem muitas vezes, eu sempre admirei a sua capacidade de conduzir, coordenar e organizar e acho que o Doutor Yra tinha razão sobre o senhor.
Razão do que?
Que o senhor nunca se deixou sonhar, porque o estado não lhe permitiu isso, acho que agora poderá faze-lo.
- Tem razão, acho que me falta sonhar, não os sonhos programados pelo estado, pela sociedade ou pelo status, apenas sonhar livremente e sem restrições.
Jimo saiu e deixou Sorensen só.
Chegamos ao local duas horas depois da partida. Fomos todos pois não havia motivo para deixar ninguém tomando conta do nosso acampamento.
Ao chegarmos perto pude observar que as luzes mudaram de cor, suas combinações pareciam dizer algo, alguma coisa queria se comunicar conosco.
Por medida de prudência Hans resolveu dar uma volta pela região formando um círculo de aproximação. De repente um tremor sacudiu a nossa nave e Hans perdeu seu controle.
O rádio começou a chamar:
- Comando BIG-1, aqui Falcon 1 estamos sem controle;
- Comando BIG-1, aqui Falcon 2 estamos sem controle;
- Comando BIG-1, aqui Falcon 3 estamos sem controle;
As comunicações mostravam que uma poderosa energia capturara e controlava as naves, éramos prisioneiros pois não tínhamos como fugir, mas, não sentíamos medo. Percebi que não havia medo nem pânico mesmo naquela situação.
As naves foram pousadas suavemente e saímos em meio àquela claridade.
Novamente as luzes mudavam de cor de forma ordenada e pareciam nos penetrar, não apenas pelos olhos, mas também por toda pele, abaixo de nossas roupas.
As luzes começaram a ficar densas, era como estivessem se transformando em matéria, algo como um fluído.
As cores agora pareciam tomar conta dos nossos sentidos e cada um de nós podia ler a mente dos outros. Estávamos sendo abertos em nossa consciência, éramos uma grande mente e podíamos entender as luzes como uma forma de comunicação.
- Ela falava conosco sem voz ou som diretamente no cérebro – incrível!
Ao longo dessa envolvência não estávamos mais sendo donos dos nosso corpos, que agora flutuavam, das nossas mentes, que agora se misturavam, dos nossos pensamentos que agora eram dominados pelas luzes.
A luz começou a puxar um a um nossos homens para dentro da caverna.
Quando chegou minha vez, senti-me levitar.
Fui passando por todos e pude perceber, a medida que entrava que a caverna era um grande túnel, que terminava numa semi-esfera. As paredes eram lisas e luminosas, as cores diversas pelas quais passava pareciam pessoas, disformes. Ouvia sons via cidades novas, gente diferente e estranha, guerra...parecia estar louco e tendo delírios. Eu olhava para mim mesmo, via-me em muitos, cada um, de uma cor e de uma forma, alguns nem se pareciam comigo, mas eu sabia que eram eu. Passava-me agora a sensação que estávamos sendo divididos e agrupados de outra forma, cada um de nós não seria aquele que entrou. Parei em frente a grande câmara e vi Jimo, que passou flutuando.
Todas as cores do túnel tornaram-se numa só, um azul violeta profundo, com um brilho diferente para cada grupo de nós que a luz juntou.
Jimo foi flutuando até o centro da câmara semi esférica e aí parou. Começou a girar lentamente em torno de um eixo imaginário e as luzes começaram a turbilhonar a sua volta. Ficou assim um tempo com explosões de cores e formas ao seu redor até que parou quando a câmara atingiu um vermelho intenso. Esse vermelho foi saindo lentamente e nos envolvendo.
Eu podia ler na minha mente, como se estivesse ouvindo, o que a luz nos dizia.
Eu sou Lúcifer, a luz do mundo. Eu sou a energia que pensa, que deu consciência e sabedoria ao mundo; eu sou o rebelde da escuridão e estou dentro da natureza, dentro de cada um dos homens; sou a luz reclusa, o saber oculto, o bem e o mal, deus e diabo.
Fui confinado aqui, na caverna, condenado a não ter forma, corpo, ou matéria, eu preciso da matéria para não desaparecer, apagar, para não voltar a ser trevas.
Eu preciso da matéria de vocês para ser vivo, sentir, vibrar, eu preciso delas para existir.
Vocês serão a matéria para dar vida a um novo ciclo meu; dei o saber e o poder ilimitado a cada um e cada um já é parte disso; nós vamos criar outro ciclo de luz, de ciência, de civilização.
Todos já somos um único corpo, um único pensamento.
Vamos sair pelo mundo, lutando, conquistando, possuindo todas as mulheres que pudermos para plantar nossa semente. Na guerra seremos implacáveis, mataremos os machos e possuiremos fêmeas, criaremos daí a nossa geração; só ela me interessa. Se a grande mente não me quer, não quer minha luz, eu vou possuí-la através de vocês. Vou sentir e realizar desejos, sensações, criar, evoluir e vocês serão minha semente eu sou a luz eu sou Lúcifer.
De repente as cores foram se juntando, um grande clarão branco tomou-nos e perdi a consciência.
Acordei deitado no chão, vendo uma estrela brilhante com uma luz incrível e notei que não havia mais caverna nem luz nenhuma no platô onde estávamos.
Fomos acordando lentamente como de um sonho, ainda tontos vimos Jimo subir numa pedra; parecia emanar dele uma energia tão poderosa que fomos sem perceber formando um círculo a sua volta.
De punhos cerrados, com o braço erguido gritou:
- Eu sou o guerreiro, eu sou o dominador, eu serei o Khan desses povos estúpidos e covardes, eu os conquistarei.
- Guerreiros, à luta, vamos conquistar o oriente, vamos para Ishin derrotar Jakal, eu sou o Khan!
Todos começamos a gritar:
Jimo Khan, Jimo Khan.
Vamos tomar Ishin, morra Jakal!
Corremos para as naves e partimos em direção a Ishin.
Só o que parecia um pequeno ponto brilhante, numa montanha próxima, foi testemunha da nossa partida. Eu por um momento tive a sensação que aquele ponto era real.
Fiquei olhando até sumir da minha visão, parecia querer me dizer algo, não sei, talvez algum dia descubra o que é, talvez possa até escrever, como Abakuk, para as gerações que virão.
Uma coisa tive certeza, o mundo não seria mais igual depois de nós.
Os balões deslizavam velozes para nossa próxima aventura.
A primeira delas – Conquistar Ishin.


ARY WOLFENBERG JR.
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