Ele era mesmo um preguiçoso!... Queria dormir sempre um pouquinho a mais...
E naquele dia, quando o chefe do bando dos periquitos deu o sinal, ele disse sonolento:
- Ahn!... Já vou...já vou!...
Mas cochilou um pouquinho, e quando percebeu, o bando já havia sumido. Das outras vezes que atrasara, descobrira para onde tinham ido, pelo barulho que os outros faziam. Mas dessa vez, dormira demais, e não ouvia nada que pudesse orientá-lo.
Ficou desesperado. Olhou de um lado para o outro, sem saber o que fazer, e resolveu sair voando a esmo. E voou até se cansar, sem encontrar sinal dos amigos.
Ao meio dia, sentiu fome. Voou um pouco mais, e viu uma goiabeira. Estava carregada de frutos maduros. Mas assim que pousou num galho, ouviu uma voz anazalada e ríspida:
- Êpa, êpa, êpa seu periquito!... Que é que o senhor quer cheirar no meu pé de goiabas?
Era o tucano que se dizia dono de tão grande riqueza.
- Estou perdido do meu grupo, e estou com fome, seu tucano – disse o periquito humildemente. – O senhor não viu algum dos nossos passando por aqui?
- Não vi, não quero ver, e nem quero saber de quem viu. E vá matar a sua fome noutro lugar, porque aqui, não é permitida a permanência de nenhum otário verde. Vai dando o fora... Vai dando o fora...
- Deixe que eu pegue pelo menos uma goiaba, seu tucano. Já estou fraco de tanta fome...
- Nem pensar!...Nem dez, nem cinco, nem duas, nem uma!... Essas goiabas são minhas e só minhas! – Disse o tucano já com os ânimos alterados, e enchendo periquitinho de bicadas.
A avezinha saiu chorando, voou, voou perguntando a um e outro, até que de longe ouviu o alarido numa mangueira. Por sorte era o seu bando, alegre, com os papos cheios. Tinham encontrado a árvore carregada de mangas, ainda no começo da estação das mangas. E já havia muitos frutos maduros.
Então, o chefe do bando disse a todos:
- Temos alimento por muitos dias. Não vamos nos dispersar. A estação dos frutos está ainda no começo, e depois desta, por certo encontraremos outros pés de mangas carregados. Não percam tempo procurando jabuticabas ou goiabas, porque não está mais no seu tempo.
Então o periquitinho preguiçoso disse:
- Eu vi um pé de goiabas carregado, ainda hoje. Como não é o tempo de goiabas?
- Não, amiguinho. Algumas frutas na verdade, podem ser produzidas fora de tempo. São chamadas as frutas temporãs. Mas logo apodrecem e acabam. Melhor é procurar os frutos da estação própria. Assim é que se assegura alimento por muito tempo.
- Eu estava perdido, e fui até uma goiabeira bem carregada naquela direção...
- Perdido de novo, pequeno? Nos conhecemos aquela goiabeira. Não é uma que tem um tucano cheio de confusão?
- É sim. Ele não deixou que eu pegasse uma goiabinha sequer...
- Mas as goiabas logo acabarão, e ele terá que se virar para encontrar comida...
Poucos dias depois, o bando de periquitos estava fazendo outra festa em uma nova mangueira, quando avistaram o tucano que se aproximava. Então combinaram fazer uma brincadeira, para dar-lhe uma lição.
Quando a ave pousou num galho, sem ver ainda os periquitos que ficaram calados escondidos pelo verde da folhagem, foi logo enfiando o bico num fruto maduro. Então todos gritaram ao mesmo tempo, imitando a sua voz anazalada.
- Êpa, êpa, êpa, seu tucano! Que é que o senhor quer cheirar no nosso pé de mangas?...
O tucano olhou assustado, e só então, percebeu os periquitos. Bem perto, estava o periquitinho que ele já conhecia, e sentiu-se envergonhado. E disse:
-Estou perdido do meu bando. Vocês não viram algum parente meu por aí?
-Não vimos, não queremos ver, e nem queremos saber de quem viu! E vá comer noutro lugar, porque por aqui, não é permitida a permanência de nenhum otário bicudo! Vá saindo, vá saindo, porque essa mangueira tem dono, e você pode ver que são muitos os donos.
- Estou com fome. Minhas goiabas deram bichos e apodreceram. Posso comer uma manga?
- Estou com fome. Posso comer uma manga?! – disseram todos com voz de tucano, e esticando os bicos, imitando seu jeito de falar. Caíram todos na risada, divertidos com o sucesso do que haviam ensaiado tão às presas.
Depois de rirem pra valer, o chefe do grupo fez um sinal, e todos se calaram. Então disse ao tucano:
-Estamos brincando com você. Pode comer à vontade. Não somos donos de nada. Tudo o que a natureza nos oferece, é de todos. E saiba, que a comida de hoje, não serve para amanhã. Mas o céu que hoje ampara as nossas asas nos dará o alimento todos os dias. E quando recebermos o alimento de graça, assim devemos repartir porque amanhã, o céu nos dará outro...
O tucano estava envergonhado. É por isso que os bicos deles são coloridos. Por causa da vergonha que passou nesse dia.
O tucano comeu calado, depois saiu à procura dos seus, para mostrar que nesse dia aprendeu uma grande lição.