ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 06
CLIQUE [AQUI] PARA LER O CAPÍTULO ANTERIOR
6
Não dispúnhamos de muito tempo. O sol dava os primeiros sinais de desaparecer em breve. Mas tínhamos de encontrar alguma coisa, ou pelo menos tentar. Por isso sugeri a Marcela que subíssemos a correnteza do riacho para ver se achávamos uma lasca de pedra, uma lâmina esquecida por alguém que passara ali antes de nós, ou qualquer outra coisa que servisse para cortar.
Ela por sua vez concordou comigo. Era uma menina tímida, daquelas que se envergonham com facilidade e que, diante de situações embaraçosas, não sabem o que fazer. Eu havia percebido isso desde o momento em que a conheci. Não que eu tivesse intenção de me aproveitar de sua timidez, mas alguma coisa nela em atraía. Talvez fosse exatamente esse seu jeito tímido ou simplesmente sua beleza, pois não me restavam dúvidas de que ela era a mais bonita dentre as jovens que eu conhecia. Por isso insisti com minha prima para convidar sua amiga para passear de barco com a gente.
-- Encontrei alguma coisa – disse-me ela, abaixando-se sobre uma grande pedra.
-- Cadê? – perguntei, aproximando-se para olhar.
Era uma lasca de pedra. Não era grande, mas fina numa das extremidades. Se conseguisse arrancá-la com cuidado, poderia usá-la para cortar coisas que não fossem tão duras.
Tentei arrancá-la com as mãos, mas não se soltou. Então Marcela sugeriu o uso de outra pedra para quebrá-la. Foi o que fiz.
Logo em seguida a lasca se partiu e se soltou. Peguei-a na mão e examinei por algum tempo.
-- Se a gente der uma lixada nela, vai ficar ótima.
-- Vamos voltar que está começando a escurecer – disse Marcela. – As meninas devem estar preocupadas.
-- Claro, gatinha! – falei dando um sorriso malicioso.
Ela não disse nada, todavia pude reparar o rubor na sua face.
Enquanto retornávamos não pude deixar de escorregar os olhos por seu corpo. Também não fui capaz de evitar em pensar coisas que todo garoto da minha idade pensa ao ver uma jovem bonita e atraente caminhando à sua frente. Todavia, na situação em que nos encontrávamos, não era o momento adequado para ter tais pensamentos, embora nem sempre é possível evitar que aconteçam.
-- E aí, meninas? Cuidaram direitinho da fogueira? – perguntei assim que retornamos.
-- Ainda bem que vocês chegaram. Ela está quase se apagando. Não tem mais lenha. – disse Luciana, colocando os últimos gravetos no fogo. – É melhor você tratar de arrumar mais e bem rápido.
-- Encontraram alguma coisa? – quis saber Ana Paula.
-- Achei isso aqui – falei mostrando a lasca de pedra.
-- Com jeito, dá para cortar bastante coisa – disse Luciana, examinando a lasca de pedra em suas mãos após tomá-la das minhas.
-- Então vamos arrumar lenha – falei.
Adentramos na mata.
O sol começava a desaparecer.
É claro que aquela lasca de pedra não ajudou em muita coisa. Para obter uma quantidade razoável de lenha, tive que subir nas árvores e quebram com a mão os galhos secos. Todavia, depois de meia hora, tínhamos lenha suficiente para passar a noite.
-- Vamos ter que economizar lenha pra que ela dure até amanhã – falei.
-- E a cabana? – perguntou Ana Paula.
-- É mesmo! Vamos dormir ao relento? – Foi a vez de Luciana perguntar.
Durante alguns instantes houve silêncio. Parecia que ninguém tinha respostas, talvez porque não soubéssemos o que fazer.
-- É o jeito. Fazer o quê? – falei. – Num dá mais tempo pra fazer uma cabana. Já tá escurecendo.
-- Num sei se vou consegui dormir – disse Ana Paula.
-- Vai sim. Na hora que bater o sono, você dorme até em cima de uma cama de espinhos – retruquei, rindo.
-- Estou ficando com fome – asseverou Marcela. – Não é melhor a gente procurar alguma coisa para comer?
-- Também acho – falou Ana Paula. – Deveríamos ter procurado comida antes. Será que vamos ter que comer coco e banana de novo?
-- Se vamos comer alguma coisa, é bom a gente correr logo atrás, antes que fique escuro de vez. – disse Luciana.
-- Sílvio, você viu aquelas bananeiras, quando a gente estava procurando a lasca de pedra? – interveio Marcela. Ela mantinha-se quieta a maioria do tempo, mas quando abria a boca, era para apresentar alguma solução. -- Não tivemos ali ainda.
-- Vi. Mas tava tão concentrado na procura que nem prestei atenção.
-- Parece que tinha bananas madura lá. Ia te falar na hora, mas acabei esquecendo.
-- Vamos então lá pegar – disse Ana Paula, eufórica.
-- Calma gente! – Vai eu e mais uma, as outras duas ficam esperando aqui. -- falei.
-- Eu vou! – Ofereceu-se Ana Paula.
-- Não. Você fica. Quem vai sou eu. Agora é a minha vez de ir. – disse Luciana.
-- Nada disso! Agora é a minha vez – retrucou Ana Paula. -- Sílvio é meu primo, portanto tenho mais direito de ir com ele do que você.
-- E eu sou a mais velha. Você não passa de uma pirralhinha – volveu a outra.
-- Meninas! Chega de discussão. A Marcela vai comigo. Foi ela que achou elas, portanto tem mais direito de ir do que vocês duas. Da próxima vez, eu te levo comigo, Ana Paula -- Na verdade aquilo foi só uma desculpa para manter Marcela em minha companhia. Levá-la comigo seria uma oportunidade a mais de conversar com ela, ser atencioso, prestativo sem a intromissão das outras duas, as quais poderiam atrapalhar meus planos.
Ana Paula aceitou contrariada a derrota para Marcela, mas certamente não a teria aceitado para Luciana. Era visível o quanto estava furiosa com a prima apesar de não haver motivos para tanto. Mas fazer o quê? Eu não a deixaria por nada desse mundo. De mais a mais, desde o começo, eu estava interessado nela e não em Luciana ou minha prima, portanto Marcela sempre seria favorecida em tudo. Por mais justo que uma pessoa possa ser, há sempre alguma parcialidade na justiça, principalmente quando envolve sentimentos.
Saímos correndo os dois pela praia. Em dado momento, Marcela começou a ficar para trás. Então esperei por ela, peguei em sua mão e a ajudei a correr até o bananal.
Tenho que admitir que correr ao lado dela, segurando em suas mãos, causou-me uma satisfação muito grande. Em dado momento, cheguei mesmo a pensar em parar por algum instante diante dela, tomá-la nos braços e beijá-la. Contudo, achei por bem não ir com tanta sede ao pote. Certamente teria outras oportunidades para isso.
Ela estava certa. Havia dois cachos de banana maduros. Um outro já estava começando a madurar. E outros ainda verdes. Desses dois que estavam maduros, um os passarinhos já tinham furado algumas das bananas.
O difícil foi cortar os cachos. Primeiro tivemos que empurrar a bananeira até que ela quebrasse. Depois, usando a lasca de pedra, cortei-os. Apesar de não ser um material duro, mesmo assim, tive dificuldades para cortá-los com aquele instrumento de pedra. Pelo menos descobrimos que a “faca” era resistente e realmente servia para cortar alguma coisa, embora seu uso era bastante restrito.
Não tardamos em retornar, mas quando voltamos, já havia escurecido bastante, tanto que só conseguimos distinguir à distância a fogueira.
ÚLTIMOS TEXTOS PUBLICADOS |