No início do Regime Militar a inflação chega a 80% ao ano, o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) é de apenas 1,6% ao ano e a taxa de investimentos é quase nula. Diante desse quadro, o governo adota uma política recessiva e monetarista, consolidada no Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg), elaborado pelos ministros da Fazenda, Roberto de Oliveira Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. Seus objetivos são sanear a economia e baixar a inflação para 10% ao ano, criar condições para que o PNB cresça 6% ao ano, equilibrar o balanço de pagamentos e diminuir as desigualdades regionais. Parte desses objetivos é alcançada. No entanto, em 1983, a inflação ultrapassa os 200% e a dívida externa supera os US$ 90 bilhões.
Para sanear a economia, o governo impõe uma política recessiva: diminui o ritmo das obras públicas, corta subsídios, principalmente ao petróleo e aos produtos da cesta básica, dificulta o crédito interno. Em pouco tempo aumenta o números de falências e concordatas. Paralelamente, para estimular o crescimento do PNB, oferece amplos incentivos fiscais, de crédito e cambiais aos setores exportadores. Garante ao capital estrangeiro uma flexível lei de remessas de lucro, mão-de-obra barata e sindicatos sob controle. Extingue a estabilidade no emprego e, em seu lugar, estabelece o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). No final do governo Castello Branco a inflação baixa para 23% anuais. A capacidade ociosa da indústria é grande, o custo de vida está mais alto, há grande número de desempregados, acentuada concentração de renda e da propriedade.
Para financiar o déficit público, o governo lança no mercado as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs). Estimula a construção civil criando o Banco Nacional de Habitação (BNH) para operar com os recursos captados pelo FGTS. Estabelece também a correção monetária como estímulo à captação de poupança num momento de inflação alta. Ao fazer isso, cria um mecanismo que, na prática, indexa a economia e perpetua a inflação.
A economia volta a crescer no governo Castello Branco. Os setores mais dinâmicos são as indústrias da construção civil e de bens de consumo duráveis voltados para classes de alta renda, como automóveis e eletrodomésticos. Expandem-se também a pecuária e os produtos agrícolas de exportação. Os bens de consumo não-duráveis, como calçados, vestuário, têxteis e produtos alimentícios destinados à população de baixa renda têm crescimento reduzido ou até negativo.
No campo das relações econômicas externas, procurou-se recuperar credibilidade junto aos organismos multilaterais de crédito, aos investidores estrangeiros e aos países industrializados - especialmente os Estados Unidos. Estimulou-se a entrada de capitais, com expectativas de que a Aliança para o Progresso se tornasse uma fonte de captação relevante. Ao mesmo tempo que se recuperava o apoio financeiro externo, o desempenho agrícola contribuiu para reequilibrar a balança comercial.
PRIMÓRDIOS
A partir de 1967, com a mudança de governo, o crescimento tornou-se a meta econômica primordial. Foi elaborado o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED) para o período de 1968 a 1970. O crescimento econômico foi impulsionado pelo bom desempenho nas indústrias de bens duráveis (automóveis e eletrodomésticos) e de construção civil. As indústrias de material elétrico, química, construção naval e de bens de capital também aumentaram sua produção. O demanda por bens duráveis aumentou em virtude dos consórcios e do fornecimento de crédito ao consumidor por empresas financeiras. O Sistema Financeiro da Habitação, o BNH e o FGTS estiveram por trás da expansão da construção civil, que passou a contratar mais. Com isso, cresceram o consumo agregado e a produção das indústrias metalúrgica e de minerais não-metálicos.
A política monetária antiinflacionária de altas taxas de juros do período anterior tinha reduzido o consumo e o investimento agregados. Com o PIB abaixo de sua taxa natural, o objetivo do plano era estimular a demanda privada. Foram adotadas políticas monetária e fiscal expansionistas. A oferta de moeda e o crédito ao setor privado foram expandidos e os gastos do governo aumentaram. Aço e outros insumos básicos para a indústria automobilística foram barateados. Sob a gestão de Antônio Delfim Netto (1967-74), foram expandidos os investimentos de infra-estrutura, estendida a presença do Estado na economia e ampliado o segmento técnico-burocrático alocado em atividades de planejamento. Em 1972, foi lançado o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que reuniu um conjunto de metas de crescimento setorizadas, a serem alcançadas até 1974. O "modelo brasileiro" seria organizar o governo de modo a tornar a economia plenamente desenvolvida no espaço de uma geração. Os custos da indústria nacional seriam reduzidos pelo fornecimento governamental de insumos básicos mais baratos. As exportações, principalmente de produtos manufaturados, seriam diversificadas. Seriam feitos investimentos em educação, no desenvolvimento tecnológico e na agricultura. Surgia no Brasil uma "tecnocracia" e as empresas estatais dilatavam seu raio de ação com base na expansão de seu endividamento externo. Para complementar, foi ativada uma rede de programas de financiamento e investimento, gerenciados por agências públicas e bancos oficiais.
OS ANOS DO MILAGRE
Os anos de 1969 a 1973 foram o período de maior crescimento da história da economia brasileira. A disponibilidade externa de capital e a determinação dos governos militares de fazer do Brasil uma “potência emergente” viabilizam pesados investimentos em infra-estrutura (rodovias, ferrovias, telecomunicações, portos, usinas hidrelétricas, usinas nucleares), nas indústrias de base (mineração e siderurgia), de transformação (papel, cimento, alumínio, produtos químicos, fertilizantes), equipamentos (geradores, sistemas de telefonia, máquinas, motores, turbinas), bens duráveis (veículos e eletrodomésticos) e na agroindústria de alimentos (grãos, carnes, laticínios). O setor de bens de consumo duráveis foi o que mais se expandiu. O retorno ao crescimento foi facilitado pela existência de capacidade ociosa do período anterior, pela nova estrutura de financiamento montada no PAEG e pela disponibilidade de empréstimos estrangeiros. Na falta de poupança doméstica, a poupança externa foi a alternativa viável. Graças a um conjunto de incentivos governamentais, observou-se um importante crescimento e modernização da agricultura, que logo teve impacto sobre as exportações. As exportações aumentaram e o volume de empréstimos externos superou o montante utilizado para financiar o crescimento. Houve, então, grande acúmulo de reservas cambiais. Entre 1968 e 1973 a taxa média de crescimento do Produto Interno foi de 11,2%. Neste mesmo período, os índices de expansão da atividade industrial variaram, conforme o setor, entre 12 e 18 %. Este desempenho levou o período a ser conhecido no Brasil como "o milagre econômico". A economia atingiu o pleno emprego em 1970. A partir deste ano, investimentos foram destinados a ampliar a capacidade produtiva da economia. O auge do milagre econômico deu-se nos anos de 1972 e 1973.
O crescimento da atividade industrial foi acompanhado pelo aumento dos investimentos externos, com a presença de firmas norte-americanas, européias e japonesas. Estas empresas - incentivadas pela legislação local - contribuíram para a expansão das exportações de produtos manufaturados e para o avanço da tecnologia industrial no país. Em 1973, a entrada de capitais passou de 4,3 bilhões de dólares. Isto significava o dobro do patamar de 1971 e o triplo de 1970. De fato, o novo perfil industrial e agrícola brasileiro logo se refletiu nas relações econômicas externas do país. O peso do café no comércio exterior brasileiro reduziu-se sensivelmente, registrando-se entre 1955 e 1975 um declínio de 53% para 10,8%. O aumento e diversificação das exportações e de seus destinos foi acompanhado pelo crescimento das importações - especialmente de bens de capital e petróleo. Este processo foi estimulado pelo Conselho de Comércio Exterior (CONCEX), criado em 1968.
No campo financeiro, o Brasil iniciou um processo de crescente endividamento externo, no qual a participação de empréstimos privados tornou-se cada vez mais relevante. Nos anos 1968-73, a dívida externa do país saltou de US$ 3,780 para US$ 12,571 bilhões. A gama de operações de crédito contratadas direta ou indiretamente pelas empresas públicas foi beneficiada pela conjuntura de ampla liquidez do mercado financeiro internacional. O impacto deste endividamento foi neutralizado por confortáveis reservas e o positivo desempenho das exportações.
O PREÇO DO MILAGRE
Este equilíbrio começou a romper-se no início dos anos setenta, quando se passou a sentir o peso do serviço da dívida (juros e amortizações). Novas dificuldades emergiram com a crise do petróleo de 1973, que provocou a drástica redução das reservas brasileiras. Nesta época, o petróleo representava aproximadamente 40% do total da energia básica consumida no Brasil. A estreita dependência brasileira deste insumo tornou difícil manter o ritmo prévio de crescimento econômico. A partir de 1973 o crescimento econômico começa a declinar. No final da década de 70 a inflação chega a 94,7% ao ano. Em 1980 bate em 110% e, em 1983, em 200%. Nesse ano, a dívida externa ultrapassa os US$ 90 bilhões e 90% da receita das exportações é utilizada para o pagamento dos juros da dívida. O Brasil mergulha em nova recessão e sua principal conseqüência é o desemprego. Em agosto de 1981 há 900 mil desempregados nas regiões metropolitanas do país e a situação se agrava nos anos seguintes.Nos anos 1973 / 74, o valor das importações brasileiras de combustíveis e lubrificantes saltou de US$ 169 para US$ 2.962. Ao mesmo tempo, aumentaram significativamente as compras externas de insumos e equipamentos.
O Milagre Econômico revelou seu "calcanhar de Aquiles" no campo social. O aumento da renda agregada não se distribuiu para todos e houve tendência à sua concentração. O crescimento rápido beneficiou a mão-de-obra especializada e o valor do salário mínimo real declinou consideravelmente ("O país vai bem e o povo vai mal", diria o General Médici em 1971). Em 1979, apenas 4% da população economicamente ativa do Rio de Janeiro e São Paulo ganha acima de dez salários mínimos. A maioria, 40%, recebe até três salários mínimos. Além disso, o valor real do salário mínimo cai drasticamente. Em 1959, um trabalhador que ganhasse salário mínimo precisava trabalhar 65 horas para comprar os alimentos necessários à sua família. No final da década de 70 o número de horas necessárias passa para 153. No campo, a maior parte dos trabalhadores não recebe sequer o salário mínimo.
Os indicadores de qualidade de vida da população despencam. A mortalidade infantil no Estado de São Paulo , o mais rico do país, salta de 70 por mil nascidos vivos em 1964 para 91,7 por mil em 1971. No mesmo ano, registra-se a existência de 600 mil menores abandonados na Grande São Paulo. Em 1972, de 3.950 municípios do país, apenas 2.638 têm abastecimento de água. Três anos depois um relatório do Banco Mundial mostra que 70 milhões de brasileiros são desnutridos, o equivalente a 65,4% da população, na época de 107 milhões de pessoas. O Brasil tem o 9o PNB do mundo, mas em desnutrição perde apenas para Índia , Indonésia , Bangladesh , Paquistão e Filipinas .
ANEXO
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDICADORES DE RENDA - O CASO BRASILEIRO
Desenvolvimento Humano nos Municípios: um estudo pioneiro
IDH-M e ICV: Metodologia
O estudo Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros, apresenta o cálculo de três índices sintéticos que mensuram o Desenvolvimento Humano: o IDH, o IDH-M e o ICV. Estes dois últimos, o IDH-M e o ICV, são calculados para todos os municípios brasileiros, nos anos censitários de 1970, 1980 e 1991. Até o surgimento do conceito de Desenvolvimento Humano, o indicador utilizado para se medir o desenvolvimento de uma cidade, região ou nação costumava ser a medida de PIB per capita. Para superar a limitação, e para garantir uma medida mais completa, o Índice de Desenvolvimento Humano foi criado, em 1990, pelos economistas Mahbub ul Haq e por Amartya Sen, laureado com um Prêmio Nobel.
O Índice de Desenvolvimento Humano procura espelhar, além da renda, mais duas características desejadas e esperadas do desenvolvimento humano: a longevidade de uma população (expressa pela sua esperança de vida ao nascer) e o grau de maturidade educacional (que é avaliado pela taxa de alfabetização de adultos e pela taxa combinada de matrícula nos três níveis de ensino). A renda é calculada através do PIB real per capita, expresso em dólares e ajustado para refletir a paridade do poder de compra entre os países.
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é semelhante ao IDH, mas não idêntico. Inclui as três dimensões mencionadas (renda, longevidade e educação, com pesos iguais), mas com algumas adaptações para adequar o índice (concebido para comparar países) à unidade de análise que é, neste caso, o município.
Da mesma forma, este trabalho produziu outro índice - o ICV, Índice de Condições de Vida nos municípios, que inclui 20 indicadores básicos, agrupados em cinco dimensões: renda (com cinco indicadores), educação (com cinco indicadores), infância (quatro indicadores), habitação (quatro indicadores) e longevidade (dois indicadores).
Evolução do Desenvolvimento Humano no Brasil
O livro Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros é um dos resultados da parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 1996, o Brasil aumentou para 0,830 o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O avanço brasileiro ocorreu nas três dimensões que compõem o indicador sintético. Foi mais acentuado, entretanto, de 1995 para 1996, na dimensão renda (passou de 0,923 para 0,954), seguida da educação (de 0,815 para 0,825) e da longevidade (0,705 para 0,710).
Nesse período a renda contribuiu com 67% do incremento do IDH, a educação com 22%, e a longevidade com 11%. Já no período de 91 a 95, o crescimento se deve principalmente à educação, que foi responsável por 63% do aumento do índice, seguida pela longevidade com 25% e pela renda com 12%. Os estados com os índices mais altos de desenvolvimento humano praticamente não mudaram na década de 90: em 1991 e 1995 eram São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, nessa ordem, e em 1996 passaram a ser o Rio Grande do Sul, o Distrito Federal e São Paulo. Nesse ano também figuravam no ranking de alto desenvolvimento os estados de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, a Minas Gerais, Rondônia e Roraima.
A evolução do IDHM mostra que, em 1970, mais de 90% dos municípios brasileiros situavam-se no patamar do baixo desenvolvimento humano, e nenhum município atingia o alto índice. No nível médio estavam 361 municípios, com 38% da população total do país. Não havia nesse ano, nem em 1980, nenhum município na faixa do alto desenvolvimento humano.
Já em 1991, 80 municípios do Sul e Sudeste, além do Distrito Federal, situavam-se no patamar do alto IDHM. Neles, viviam cerca de 20% da população brasileira. A porcentagem da população brasileira em municípios de baixo IDHM (inferior a 0,500) caiu de 62%, em 1970, para 22% em 1991. Já a porcentagem de municípios com baixo IDHM passou de 91% em 1970 para 40% em 1991.
Destaques do livro:
· O aumento relativo no IDH brasileiro foi maior no período 1970-1980- a chamada "década do milagre econômico", quando o índice teve um crescimento de 48,5%, devido quase que totalmente ao incremento do índice do PIB per capita, que foi de 115%. Os índices de longevidade e de educação tiveram um desempenho fraco, aumentando apenas 33 e 15%, respectivamente.
· Entre 1980 e 1991- a "década perdida"- o IDH do Brasil aumentou apenas 7,3%, mas, ao contrário do período anterior, esse aumento se deveu quase exclusivamente às dimensões educação e longevidade, que cresceram 8,7 e 11,8, respectivamente, enquanto a dimensão renda ficou praticamente estagnada, crescendo só 2,9% nesses onze anos.
· Esses resultados ajudam a colocar em perspectiva alguns mitos da história brasileira recente, ficando bem claro, mais uma vez, que o "milagre" foi exclusivamente econômico, e passou bem longe das dimensões sociais. Por outro lado, a "década perdida" só foi inteiramente perdida no plano econômico, pois houve espaço para algum avanço nas dimensões sociais.
· Isto está perfeitamente alinhado com a principal lição legada pelos criadores do paradigma do desenvolvimento humano, que é exatamente o fato de que o crescimento econômico não gera automaticamente as condições para o desenvolvimento social, e que mesmo em situações de baixo crescimento econômico é possível avançar em outras dimensões do desenvolvimento humano.
· Já no período entre 1991 e 1996, o IDH do Brasil cresceu 5,4% e seus três componentes aumentaram de forma bem mais equilibrada, com aumentos de 3,5% no índice de longevidade, 4,5% no índice de renda e 8,1% no índice de educação.
BIBLIOGRAFIA
Apogeu e Crise da Regulação Estatal. Da Vigorosa Estatização no Milagre. Silva, Carlos Alberto B. Novos Estudos Cebrap, N. 34, 1992, pgs.: 215- 227 (355)