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Teses_Monologos-->10 anos de ordem internacional pós-Guerra Fria (1991-2001) -- 06/09/2003 - 00:12 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Com a dissolução da União Soviética em 1991, deixa de existir a ordem internacional vigente desde o final da Segunda Guerra Mundial (no período denominado “Guerra Fria”), uma ordem bipolar que tinha na sua base uma contradição ideológica: o socialismo real (União Soviética) em disputa com o capitalismo (capineado pelos Estados Unidos). A luta das duas superpotências por áreas de influência e pela hegemonia a nível de sistema acabou por abafar as demais tensões internacionais, “congelando” por 40 anos as Relações Internacionais e trazendo uma certa estabilidade ao sistema, ainda que as “batalhas” mais importantes da Guerra Fria tenham sido travadas não em território soviético ou norte-americano, mas em países das suas respectivas áreas de influência, manipulados por ambos os lados e, não raro, arcando com os ônus do conflito. À queda da superpotência soviética se seguiu um período de instabilidade e incerteza, de emergência de fenômenos globais geradores de tensão, fazendo com que diversos meios de informação julgassem que uma “desordem” internacional tivesse passado a vigorar. Na realidade, a inexistência de paz e igualdade não significa necessariamente a inexistência de ordem no sistema internacional. Pode significar que uma ordem internacional mais complexa se instaurou; é essa complexidade que deve ser compreendida.

A nova ordem internacional apresenta duas contradições principais: a rivalidade entre três pólos ou centros econômico-tecnológicos (Estados Unidos, Comunidade Européia e Japão) e a disparidade crescente entre países ricos (“Norte”) e pobres (“Sul”). Não há mais uma hierarquia rígida centrada num único eixo, como havia sido a bipolaridade na Guerra Fria. A nova ordem se apresenta como uma teia complexa de conflitos, contradições e tensões, muitas vezes sobrepostos. Tampouco existe mais a primazia de dois modelos de sociedade mutuamente excludentes. A oposição ideológica entre socialismo real e capitalismo já não é o princípio configurador da ordem internacional, não graças a um triunfo absoluto do capitalismo, mas graças ao esgotamento do socialismo real. O capitalismo pós-Guerra Fria não é triunfante e coeso, mas apresenta distorções e contradições inegáveis. Dessa forma, se encontram marcadas pelo conflito as mais diversas esferas: econômica, étnico-nacional, religiosa, ecológica, cultural, territorial.

A emergência dos pólos que atualmente se confrontam com os Estados Unidos, a Comunidade Européia e o Japão, data dos anos 70, porém só se torna concreta com o fim da Guerra Fria – que desvinculou em grande parte esses pólos da proteção militar e política dos Estados Unidos. Sem o “espectro” da União Soviética a ameaçá-lo, os Estados Unidos passam a se preocupar com seus aliados, agora competidores. A disputa se dá via mercados e tecnologia. Não há antagonismos radicais entre os três pólos, que inclusive se encontram fortemente dependentes uns dos outros (por exemplo, através da instalação de filiais de suas multinacionais), tendo grande número de interesses comuns – um deles é a perpetuação da situação de dependência dos países do Terceiro Mundo.

A clivagem desigual Norte-Sul já existia no período da Guerra Fria, tendo se agravado na década de 90, quando já não há as barreiras da “ameaça comunista” ou do “ataque imperialista” para silenciar as reivindicações do Terceiro Mundo. Os aliados dos Estados Unidos não mais se alinham automaticamente com esta potência e chegam mesmo a criticá-la abertamente em foros de discussão internacional. A nova ordem internacional é pouco benéfica para as nações do “Sul”, pois desvaloriza suas matérias-primas (cujos preços declinam continuamente, graças a avanços tecnológicos) e anula as vantagens comparativas que uma mão-de-obra barata possui ao privilegiar tecnologias poupadoras de mão-de-obra e o setor de serviços (que necessitam de um número limitado de trabalhadores, bem qualificados).

O próprio Terceiro Mundo é um emblema da nova ordem internacional, pois em seu seio coexistem países em estágios de desenvolvimento bastante desiguais, muitos deles, longe de se encontrar em situação de cooperação e ação conjunta, possuindo divergências e rivalidades sérias. Alguns, como os “primos pobres” da Comunidade Européia (Espanha, Grécia, Portugal), estão integrados ao Primeiro Mundo e cada vez mais dele se aproximam. Outros, como Brasil, Índia e Argentina, se encontram num estágio intermediário, já possuindo um grau inequívoco de desenvolvimento porém convivendo com problemas estruturais ainda por ser resolvidos. Os países restantes (a grande maioria) estão fadados, no curto prazo (talvez também no médio e longo) à pobreza e à dependência, como os países da África Negra e América Central. Esses últimos são os mais prejudicados pela desvalorização das suas matérias–primas e mão-de-obra barata.

Uma tendência forte na década de 90 é a da constituição de blocos regionais. Trata-se de mercados supranacionais onde as barreiras alfandegárias progressivamente desaparecem, incentivando a união econômica dos países-membros. O objetivo dos blocos regionais é a ampliação do comércio externo dos estados, incrementando a produção e o consumo. São, portanto, um instrumento da internacionalização da economia. As diferenças entre os blocos são visíveis; na Comunidade Européia a unificação econômica foi acompanhada de uma crescente unificação política, fato que não ocorre nos outros exemplos de blocos (Mercosul, NAFTA, APEC etc). O grau de institucionalização dos blocos é também desigual, sendo alto na Comunidade Européia, pequeno no Mercosul e praticamente ausente nos demais.

Sobre os blocos há duas teses diferentes: a primeira sustenta que eles serão a preparação para a unificação econômica de todo o mundo. Essa tese, chamada de “economia-mundo”, sustenta que o mundo se tornará um espaço internacional extremamente unificado, mais importante do que os blocos regionais separados. Os mercados supranacionais, dessa forma, a princípio integram países vizinhos e, num segundo momento, nações distantes. A segunda tese afirma que os blocos serão a ponta-de-lança para a regionalização do poder, com diversos blocos regionais competindo entre si por mercados, havendo um fechamento ao redor de cada bloco (na idéia da competição entre os três “megablocos” estão embutidos conceitos como o Imperialismo leninista). O bloco americano seria liderado pelos Estados Unidos; o bloco europeu, pela Alemanha; e o bloco asiático, pelo Japão. As duas teses possuem elementos verdadeiros – ao mesmo tempo que a mundialização avança, avança também a formação de blocos regionais que muitas vezes têm interesses divergentes. Empiricamente, verifica-se que o avanço da mundialização é maior do que o fechamento dos blocos; um país pode fazer parte de mais de um bloco. Os estados, dessa forma, constituem blocos regionais que são importantes para suas economias, entretanto cada vez mais aumentam seu comércio com o resto do mundo. O provável surgimento de novas potências (como a China e a Rússia) indica igualmente que a tese dos três megablocos fechados em competição não tem, até o presente momento, muito fôlego.

A nova ordem internacional afetou o papel dos Estados-Nação, ao criar uma vasta rede de interdependências entre eles, através do comércio, investimentos externos, empréstimos, cooperação nas mais diversas áreas. A idéia do desenvolvimento autônomo passa a ser impraticável; o novo caminho passa pela integração no mercado mundializado, e isso requer uma reformulação do papel do Estado-Nação e um novo conceito de soberania, agora compartilhada. Um dos agentes mais importantes nesse processo de integração são as corporações que, para uns, são GLOBAIS (ainda que possuam filiais em todo o mundo, continuam tendo suas decisões tomadas em um país-sede) e, para outros, são TRANSNACIONAIS (já estando muito integradas ao mercado global, não mais possuem pátria). Essas empresas, geralmente com sede e origem nos países de Primeiro Mundo (ainda que não exclusivamente), são economicamente mais fortes do que a maioria dos países e, muitas vezes, têm diretrizes de “política externa” diferente dos países onde tem sede. Não são apenas firmas industriais, mas principalmente bancos, prestadoras de serviços, criadoras de software etc. Isso ocorre porque o poderio econômico, no capitalismo do pós-Guerra Fria, se transferiu do setor industrial para o de serviços (incluindo o setor financeiro), assim como no final do século XIX a indústria passou a ser a atividade econômica predominante em detrimento da agricultura. O capitalismo dos anos 90 deixa de se basear numa utilização intensiva de mão-de-obra para se tornar cada vez mais intensivo em capital, graças à tecnologia. O fenômeno do desemprego já não pode ser considerado conjuntural, mas sim estrutural. Essa passagem da supremacia da indústria para a supremacia dos serviços, nos países desenvolvidos, teve consequências como a robotização industrial, transferência de indústrias para países do Terceiro Mundo, desemprego estrutural amenizado pela explosão do setor de serviços. Os países que não podem investir grandes somas em tecnologia, com economias baseadas em mão-de-obra ou em matérias-primas, tendem a se empobrecer ou a aumentar seu grau de dependência.

A economia norte-americana, a maior em volume de produção e em nível de investimentos externos, passou por situações desiguais a partir dos anos 80. O governo Reagan (1980-88) foi um dos mais radicais na aplicação das políticas neoliberais, retirando o Estado da esfera econômica através de diminuição de gastos públicos, aumento de impostos (prejudicando os setores de menor renda) e vultuosos gastos militares, reaquecendo uma Guerra Fria que se encontrava então em processo de "hibernação" graças as dificuldades econômicas vividas pelos governos soviéticos do inicio da década (Brejnev, Andropov, Tchernenko). Com a ascensão de Gorbatchev a liderança da União Soviética em 1985, a corrida armamentista e arrefecida e Reagan pode se dedicar mais a "Guerra Comercial" com o Japão (a economia japonesa teve um crescimento tão vigoroso da década de 80 que ameaçou se tornar a maior do planeta, já sendo a mais avançada tecnologicamente). Após o "crash" da bolsa de Nova York em 1987 a batalha comercial foi efetivamente perdida – o Japão se tornou, senão a maior, a mais dinâmica economia do planeta, realizando volumosos investimentos nos Estados Unidos e se tornando credor dessa potência. A divida publica norte-americana, aumentada graças aos gastos militares e aumento de juros (com o objetivo de captação de recursos), cresce absurdamente. O sucessor de Reagan, Bush (1988-1992) pouco pode fazer para modificar essa situação, preferindo investir em aventuras militares (Guerra do Golfo) e desfrutar das glorias que se seguiram a dissolução da União Soviética. As políticas neoliberais, cujas conseqüências negativas foram sentidas durante toda a década de 80, fizeram com que Bush perdesse a eleição de 1992 para o democrata Clinton. Este, em sua primeira gestão, realizou grandes volumes de investimentos governamentais (principalmente em saúde e educação), saneou as finanças publicas (diminuindo o déficit das contas internas de 250 bilhões anuais em 1992 para 123 em 1995) e colheu os frutos dos lucros das multinacionais americanas no exterior e da estagnação da economia japonesa a partir de 1989, fazendo a economia norte-americana crescer vigorosamente a partir de 1992.Gracas igualmente a sucessos no plano externo (acordo de paz entre Israel e OLP, 1993), Clinton foi reeleito em 1996, mantendo a mesma linha básica de política econômica. Nem as crises do México em 1995 (fazendo os Estados Unidos realizarem empréstimos volumosos de emergência a seu vizinho e parceiro comercial) e da Ásia em 1997 impediram o continuo crescimento da economia dos Estados Unidos, sem paralelo nos países desenvolvidos nessa década. Inclusive o Fed (banco central norte-americano), preocupado com a possibilidade de uma recessão inflacionaria se seguir ao continuo crescimento da economia norte-americana, realiza constantes aumentos nas taxas de juros, objetivando controlar a inflação e o consumo, possibilitando a manutenção do crescimento.

Além da Economia, os avanços nas telecomunicações, nos transportes e na Informática permitiram que os hábitos e as culturas locais igualmente sofressem modificações, adquirindo elementos globais ou de sociedades distantes. Uma “civilização da imagem e da informação” se disseminou pelo planeta, fazendo dos eventos políticos e sociais muitas vezes um grande espetáculo de consumo. Ao mesmo tempo, surgem organizações internacionais, formadas pelos Estados-Nação, e organizações não-governamentais (ONGs), formadas por indivíduos de diversas partes do mundo, cujas ações (ou pressões), impondo normas comuns aos Estados, diminuem sua capacidade de agir. Ou seja, o Estado-Nação vê sua ação dificultada e seu poder, diminuído em algum grau. Já não consiste no agente único e privilegiado das Relações Internacionais, tendo que dividir espaço com organismos internacionais, corporações e ONGs.

Não só a Economia e a Cultura se mundializaram, mas igualmente os problemas foram projetados, via interdependência entre Estados, do nível nacional para o global. Sua solução não mais depende do voluntarismo de um ou vários Estados, mas da ação conjunta de todos os agentes do sistema, sejam estatais ou não. Questões como pobreza, lutas étnicas, fluxos migratórios, tráfico de entorpecentes, crime organizado, terrorismo, meio ambiente, armas nucleares e direitos humanos tendem a ser cada vez mais objeto de debate geral no sistema internacional. O problema ambiental e os armamentos nucleares, na medida em que ameaçam a própria sobrevivência da raça humana, adquirem destaque especial. Alguns afirmam que a existência de problemas comuns e o reforço das instâncias de cooperação no sistema indicam um futuro onde a Humanidade, desvinculada dos Estados, resolveria seus problemas através do diálogo. Indícios dessa “Assembléia Mundial” seriam as intervenções da ONU, como mediadora em conflitos ao redor do planeta, cada vez mais frequentes depois da dissolução da União Soviética (cujo poder de veto no Conselho de Segurança impedia diversas ações da entidade patrocinadas pelos Estados Unidos – estes, por sua vez, tomavam a mesma atitude com as iniciativas soviéticas).

Inúmeros focos de tensão irromperam com o fim da Guerra Fria, baseados em conflitos étnicos, nacionais, religiosos, territoriais, e mesmo em situações de desigualdade econômica ou social que geram fluxos migratórios (e repressão intensa desses movimentos), trazem instabilidade para o sistema internacional. Grande parte deles já existia no período anterior, estando inseridos no contexto do confronto das superpotências. Agora eles se voltam contra seus antigos patrocinadores – por exemplo, o tráfico de drogas na América do Sul, apoiado pelos Estados Unidos nos anos 60-70 com o pretexto de combater os guerrilheiros comunistas, hoje causa prejuízos volumosos à economia norte-americana e, ironia maior, se aliou às guerrilhas na Colômbia e no Peru, aumentando a força dessas organizações e multiplicando os níveis de tensão. Os conflitos étnicos sempre estiveram presentes na História, entretanto, na ordem bipolar, estiveram “espremidos” entre as duas superpotências em conflito, dependendo da sua ingerência, tendo assim pouca capacidade geradora de tensões. Livres das amarras ideológicas, das pressões militares e aproveitando o desabamento da União Soviética, nacionalismos reprimidos e fundamentalismo brotam por todo o Leste Europeu e países da ex-União Soviética. Na África e em parte da Ásia os conflitos desse tipo estão diretamente relacionados com o processo de colonização realizado pelas potências européias nos séculos XIX e XX (até 1945-65), que separou etnias afins e obrigou rivais históricos a viver num mesmo território. Após a descolonização os novos países foram afetados por guerras civis crônicas que só contribuíram para agravar sua situação de pobreza e dependência. Os conflitos religiosos têm no Islamismo (em suas versões mais radicais, que não separam Religião e Política), agindo através de grupos terroristas, a força mais presente, porém não exclusiva; os fundamentalismos hindu, judaico e cristão igualmente promovem tensões e conflitos onde a negociação, se existe, é tortuosa e muitas vezes frustrante. A “guerra santa”, independente de qual seja a religião abordada, é cada vez menos promovida por Estados (exceção feita, por exemplo, à Revolução Islâmica do Irã), cabendo a grupos sociais insatisfeitos de diversas formas com suas condições de vida levá-la a cabo. Os movimentos migratórios (de indivíduos dos países do “Sul” para os do “Norte”), cada vez em maior escala graças ao progresso dos transportes, são ferozmente combatidos pelos países do “Norte”, tendendo a agudizar as contradições entre países ricos e pobres. O problema nuclear, uma tecnologia restrita a um pequeno grupo de países, que possui potencial para simplesmente aniquilar o planeta diversas vezes, é com razão um dos temas mais graves e urgentes da nova ordem internacional, já que não existe mais o rígido controle de americanos e soviéticos sobre os arsenais dos demais países. A disseminação do armamento nuclear pelo Terceiro Mundo – onde, como já foi mencionado, existem rivalidades e divergências profundas, além de condições de vida inferiores e menor tradição democrática – pode tornar conflitos regionais uma ameaça ao sistema como um todo.

Tanta complexidade e variedade de problemas suscitaram, nos estudiosos, diferentes pontos de vista sobre o entendimento da nova ordem mundial. Para alguns, a nova ordem seria monopolar – com o desaparecimento da União Soviética só haveria agora uma superpotência, os Estados Unidos. Outros defendem a idéia de uma ordem multipolar, a já mencionada situação de três megablocos econômicos em competição. E outros, finalmente, crêem na existência de uma apolaridade, não havendo assim centros dominantes. Quanto ao caráter ideológico da mudança, uns enfatizam a derrocada do socialismo real, outros, a vitória da social-democracia e outros ainda, o triunfo do neoliberalismo. Ainda há a questão de quem teria sido o artífice da nova ordem, os estudiosos se dividem entre o ex-presidente norte-americano George Bush (que cunhou a frase “Nova Ordem Mundial” após a Guerra do Golfo de 1991) e o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchev. Essa questão tem importância muita vezes menos do que as duas anteriores, e sua resposta (se houver) interessa menos à compreensão da ordem internacional do que à defesa de interesses privados, ou à simplificações históricas pouco úteis.

A idéia de uma ordem monopolar se baseia em critérios militares, que, isolados, não são capazes de resolver os problemas do Pós-Guerra Fria, ainda que continuem sendo importantes. Se a capacidade militar caracterizasse uma potência na ordem atual, países como o Japão seriam poderes menores e países como a Ucrânia seriam potências, o que é absurdo. Os gastos bélicos, ao contrário, mostraram ser entraves ao desenvolvimento dos países (ainda que os Estados Unidos consigam equacionar gastos militares com crescimento econômico). E, mais importante, os Estados Unidos relutam em tomar atitudes que seriam esperadas de uma superpotência única, como intervenção ativa e contínua nos conflitos mundiais – tarefa que os norte-americanos não executaram com muita frequência após a Guerra do Golfo e, quando o fizeram, sempre estiveram acompanhados por dezenas de países aliados com engajamento equivalente ou superior. Tal “política de xerife do mundo”, ademais, arruinaria a economia norte-americana, diminuindo sua importância diante de europeus e japoneses, além de suscitar perigosos confrontos com a Rússia e a China. A composição multinacional das forças de “reforço da paz” da ONU, os esforços no sentido da construção de um sistema militar exclusivamente europeu, a redefinição da OTAN (com a entrada da países do Leste Europeu) e as tendência de aumentos dos gastos militares japoneses (ainda tímidos) confirmam que a tese da “monopolaridade” não é consistente. A teoria da apolaridade enfatiza o declínio do poder dos Estados-Nação e a ascensão dos demais agentes do sistema internacional. O que configuraria o sistema seriam relações e processos, geradores de interdependência e cooperação. Substituindo os Estados e suas economias nacionais teríamos as corporações, as organizações internacionais e as ONGs. Essa tese, ainda que seja confirmada em alguns pontos, subestima o papel dos Estados no sistema internacional e o caráter local da sua ação. Os lugares ainda não são todos iguais e ainda existem pólos econômico-tecnológicos e políticos-militares caracterizados como Estados. Na verdade, a ordem internacional atual é multipolar, cada vez se torna mais mundializada, com o crescimento da importância de agentes não-estatais ao mesmo tempo que alguns Estados exercem influência decisiva. Uma ordem, enfim, complexa.

Finalmente, quanto à questão ideológica, esta suscita uma discussão em grande parte desnecessária, porque baseada em princípios da ordem anterior (bipolaridade, oposição entre capitalismo e socialismo real). Apesar de haver fragmentos de verdade nas opiniões de defensores da derrocada do socialismo real, da vitória da social-democracia e do triunfo do neoliberalismo, nenhuma das opiniões está completamente com a razão. O socialismo real efetivamente se esgotou, porém tal fato não inviabiliza uma experiência socialista futura (no caso, não representando uma continuação da experiência do socialismo real, mas algo radicalmente novo). O capitalismo mundial não triunfou definitivamente, mas se vê às voltas com contradições internas e desafios globais agudos. A social-democracia e o neoliberalismo não foram triunfantes, pois na ordem atual não há um único modelo vitorioso. A social-democracia há décadas vinha se afundando em problemas como fuga de capitais e insuficiência de recursos públicos, até ser substituída na maior parte dos países europeus por governos de centro-esquerda que aplicam políticas econômicas neoliberais. O que não impede que a social-democracia possa ter seus problemas corrigidos, o que já ocorre em alguns lugares. A solução passa pela diminuição da intervenção estatal, substituída por maior participação popular. Quanto ao neoliberalismo, economicamente essa sistema se revelou falacioso, contribuindo para o pior desempenho do mundo desenvolvido nas últimas décadas. Seu fôlego revela-se mais uma consequência da queda do socialismo real do que resultado dos próprios méritos. As economias mais bem-sucedidas das últimas décadas (Japão, Alemanha, Tigres Asiáticos, China) são exemplos de um meio-termo, onde o Estado nem é o “empresário da nação” nem é mínimo, sendo o coordenador de políticas industriais, o garantidor da qualidade da força de trabalho. Essa constatação poderá evitar que as consequências graves das políticas neoliberais ou estatizantes se prolonguem pelas próximas décadas.


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