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Teses_Monologos-->RACIONALISMO - A Ortodoxia nas Relações Internacionais -- 25/10/2003 - 00:03 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A emergência de uma abordagem Racionalista das Relações Internacionais pode ser retrospectivamente datada remontando ao debate teórico que envolveu as perspectivas mainstream da disciplina, a partir dos nos anos 70 do século passado. Uma vez consolidado o debate entre Realismo X Neoliberalismo (entre meados dos anos 1970 e os anos 1980), surgiram paulatinamente “pontos de aproximação” entre as perspectivas, acenando simultaneamente com possíveis compatibilização de seus pressupostos e superação de suas incompatibilidades para conformar uma abordagem única. Podemos apontar dentre as considerações sobre esses pontos comuns (bem como tentativas iniciais de síntese) os trabalhos de Arthur Stein (1990) e Oran Young (1989). Uma série de árduos debates se seguiria, mostrando que uma síntese não seria obtida sem diversas contradições, recuos e pontos em disputa. O debate/embate entre Joseph Grieco e Robert Keohane, no início da década de 1990, expôs muitas das “linhas de fratura” entre as perspectivas, mas, simultaneamente, acenou com a possibilidade de superação destas, na medida que os autores incorporaram argumentos um do outro, bem como ampliaram o escopo da problematização das questões-chave em jogo.

Todo esse complexo movimento de “aproximação-distanciamento” entre as perspectivas contribuiu para a conformação de uma abordagem Racionalista das Relações Internacionais, no fim daquele século – o artigo “International Organization and the Study of World Politics” (1998), escrito conjuntamente por Robert Keohane, Peter Katzenstein e Stephen Krasner, mais que simplesmente reconstituir todo o debate no seio do mainstream em seus momentos decisivos, constitui verdadeira “síntese-manifesto” da abordagem Racionalista, aprofundando as tentativas de síntese anteriores e superando as contradições então verificadas. Além de conter os principais elementos dessa abordagem, o artigo aponta algumas limitações da mesma, bem como prováveis caminhos para a superação destas – “abrindo portas”, inclusive, para futura colaboração com alguns autores (ditos “construtivistas”) capazes de contribuir para a solução das limitações teóricas do mainstream. Concomitantemente, Lisa Martin e Beth Simmons trariam, em seu artigo “Theories and Empirical Studies of International Institutions” uma contribuição original para a solução de alguns dos problemas levantados por Keohane-Katzenstein-Krasner, tornando-se, pois, uma das primeiras mostras do caráter promissor da abordagem Racionalista para o estudo das Relações Internacionais.

Vejamos, pois, como se deu esse processo de conformação de uma abordagem Racionalista nas Relações Internacionais. Em suma, trata-se de avaliar as contribuições de Stein, Young, Keohane e Grieco para conformação das bases conceituais de uma única abordagem mainstream das Relações Internacionais, no século XXI, sintetizadas e aprofundadas no artigo de Keohane-Katzenstein-Krasner, bem como a contribuição posterior de Simmons-Martin para operacionalizar tal abordagem.

Stein argumenta que realistas e neoliberais seriam duas faces da mesma moeda – o mundo, pois, não seria completamente abarcado por nenhuma das respectivas teorias isoladamente, dado que este comporta “mais conflito do que os liberais imaginam e mais cooperação do que os realistas vislumbram” (o argumento é, pois, embasado na empiria).

“Conflict and cooperation both attend the workings of International politics. In academia the scholars argue. They disagree about which predominates, about which constitutes the norm from which deviation must be explained…Scholars of both persuasions tend to concentrate their work on developing their presumptions about international politics and how these relate to patterns of either cooperation and conflict. Ironically, neither school focuses on explaining departures from the expected pattern. Rather, both schools emphasize what they perceive to be the norm” (STEIN, A.A (1990). Why Nations Cooperate: Circumstance and Choice in International Relations. Ithaca, Cornell University Press, p.3).

Nesse sentido, sua proposta de “análise de interações estratégicas” trabalha com pontos que ele vê comuns às duas perspectivas e, simultaneamente, amplia o escopo explicativo da análise que se ergue sobre esses pontos comuns (o suposto da anarquia sistêmica; a consideração dos Estados como atores principais das Relações Internacionais, racionais, egoístas, autônomos, maximizadores de seus interesses – dentre os quais a segurança do próprio estado). Lançando mão da Teoria dos Jogos, Stein afirma que, dependendo do contexto de interação, os estados tenderiam a cooperar ou a conflitar. Ainda digno de nota é o fato de que, em contextos específicos (relativos, por exemplo, a dilemas de interesses comuns e dilemas de aversões comuns), regimes internacionais (ou “arranjos mais ou menos institucionalizados para estruturar os relacionamentos internacionais em vários domínios” (Idem, p.25) são úteis aos estados, possibilitando ganhos derivados da cooperação ou impedindo o conflito através de tomada de decisão coletiva, sendo, pois, capazes de circunscrever o comportamento dos Estados e moldar as Relações Internacionais.

Oran Young aprofunda a consideração de Stein quanto à relevância dos regimes internacionais, inserindo-os na temática mais abrangente das instituições internacionais (daí em diante, o debate entre perspectivas seria marcado pela avaliação do papel das instituições no sistema internacional), entendidas como “práticas identificáveis consistindo de papéis reconhecidos, ligados por cadeias de regras ou convenções governando as relações entre os ocupantes de tais papéis” (YOUNG, O.R. (1989) International Cooperation: Building Regimes for Natural Resources and the Environment. Ithaca, Cornell University Press, p.5) estabelecidas no plano internacional. Young afirma a relevância do estudo das instituições internacionais como resposta a “problemas de ação coletiva”, aprofunda a discussão da dimensão normativa dos regimes, lançada mas não explorada a contento por Stein (que enfatizou, em contrapartida, a tomada de decisão conjunta), conferindo mais rigor ao conceito de “regimes” – “instituições sociais governando as ações daqueles envolvidos em atividades ou conjuntos de atividades especificáveis” (Idem, p.12) – via sua vinculação com instituições sociais (avançando, pois, em relação a Stein), além de conferir maior densidade ao termo via criação de um esboço de tipologia (regimes autogerados, espontâneos e impostos) com base em análises empíricas.

Dignas de nota são a associação feita por Young entre regimes e “...atividades bem definidas, recursos, áreas geográficas” (Idem, p.13), ao invés de simplesmente afirmar que estes podem ou não surgir em “contextos de interação”, como faz Stein, bem como as críticas que Young faz das considerações do Realismo sobre a cooperação fundada em instituições. Young afirma que o Realismo leva a cabo uma compreensão errônea sobre a natureza das instituições sociais, embasada numa rígida dicotomia entre as esferas doméstica e internacional, indicando, pois, como oportuno o fácil abandono de compromissos internacionais quando eles tornam-se inconvenientes em relação aos interesses de um Estado, uma vez que a obediência às regras é voluntária. Young tenta demonstrar que o abandono dos regimes por parte dos Estados não é tão simples, ressaltando os custos (monetários ou não) envolvidos no não-comprometimento com as regras internacionais, assim como as dificuldades de alteração das instituições para satisfazer os anseios estatais. Young admite que violações à regras e normas acordadas ocorrem de tempos em tempos, mas que os custos cumulativos da violação ao longo prazo são maiores que os benefícios imediatos; uma vez que “a reputação de ‘confiável’ é o bem mais valioso que um membro da sociedade internacional pode adquirir” (Idem, p.75).

Não obstante essas considerações, como Stein, Young mantém a caracterização do sistema internacional como anárquico e do estado como ator racional, egoísta, autônomo e maximizador dos seus interesses. E enfatiza o papel das instituições em “moldar” o comportamento dos atores (argumento retomado, em seguida, por Keohane em seu debate/embate com Grieco):

“...the members of international society will frequently experience powerful incentives to accept a variety of behavioural constraints in the interests of maximizing their own long-term gains, regardless of their attitudes towards the common good” (Idem, p.4).

O debate entre Keohane e Grieco, no final dos anos 1980 e início dos 1990, foi responsável pela verticalização do debate e pelo emergir de questões que se provariam fundamentais nos anos subseqüentes. O teor do debate já é notado no título do artigo de Grieco (“Anarchy and the Limits of Cooperation: a Realist Critique of the Newest Liberal Institutionalism”, 1993). Neste artigo, Grieco aponta as clivagens entre Realismo e Neoliberalismo/Institucionalismo e vê os acontecimentos do plano internacional confirmarem um triunfo do Realismo a partir dos anos 70, aumentado pela “aceitação de colocações centrais do Realismo pelos neoliberais” (GRIECO, J.M. (1993). Anarchy and the Limits of Cooperation: a Realist Critique of the Newest Liberal Institutionalism. Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. D.A. Baldwin. New York, Columbia University Press, p. 117), tais como a anarquia sistêmica como limitadora da cooperação. No entanto, o Neoliberalismo ainda padeceria da “crença nas instituições” como promotoras da cooperação bem como de uma dupla subestimação: do problema dos ganhos relativos que o Realismo associa com a construção de instituições (ao contrário dos neoliberais, que só lidariam com ganhos absolutos e, pois, associariam as instituições a problemas com “cheating” apenas) e das conseqüências “ameaçadoras” da anarquia para a segurança dos estados (tornando-os atores “posicionais”, ao invés de “atomísticos”), ambos pontos capazes de tornar bastante menos provável a possibilidade de cooperação e, pois, inviabilizando a “ilusão cooperativa” neoliberal fundada nas instituições.

Keohane, por sua vez, toma para si a tarefa de promover maior aproximação entre as perspectivas no corpo de sua resposta a Grieco. Ele inicia sua resposta afirmando:

“At any given time, our ideas about international relations reflect conventional understandings of the subject: that is, how people in the past have thought about it, based on their observations, their understandings of causality, and their normative preoccupations. However, our views sometimes change. We make our own observations, and we may have different normative concerns or causal presuppositions from those of earlier thinkers. Changes in our views are typically prompted by inconsistencies between conventional understandings of world politics and what we observe going on around us, or by dissatisfaction with the normative implications of the actions we observe. Anomaly and dissatisfaction are friends of thought: complacency its enemy” (KEOHANE, R.O. (1993). Institutional Theory and The Realist Challenge After the Cold War in D.A. Baldwin, Obra Citada, p.269).

Em seguida, Keohane afirma explicitamente ser seu foco no artigo “um argumento institucionalista que empresta elementos do Liberalismo e do Realismo” (Idem, p.271). A ver, Keohane reafirma os pontos comuns entre as perspectivas já apontados anteriormente por Stein e Young – a anarquia sistêmica e o estado como ator central, racional etc (dessa forma, respondendo Grieco quanto à suposta incompatibilidade dos pressupostos realistas e neoliberais). Porém, mais importante, Keohane enfatiza, as instituições são capazes de “modificar as concepções de auto-interesse dos estados”.

Logo a seguir, Keohane basicamente reproduz Young quando discorre sobre “os persistentes incrementos no número e relevância dos regimes internacionais” fruto de crescente interdependência entre os estados da década de 1970 em diante (argumento que ele contrapõe à afirmação de Grieco sobre os anos 1970 terem confirmado a supremacia do Realismo; o mesmo argumento é colocado, de forma “provocativa”, face às análises realistas sobre o pós-Guerra Fria relativas ao futuro das instituições, em comparação com as análises institucionalistas).

A questão dos ganhos relativos vêm à tona na seqüência. Keohane, após reconhecer (fazendo um mea culpa que novamente traz à tona a busca pela aproximação entre as perspectivas) o mérito de Grieco em suscitar o debate sobre ganhos relativos (questão que teria passado algo despercebida pelos liberais), retoma o argumento de Stein sobre a relevância das instituições para prover soluções para dilemas de interesses comuns e dilemas de aversão comum. Dessa consideração, deriva a relevância das instituições do fato de que elas provêm informações e reduzem os custos transacionais, ainda que não sejam capazes de eliminar por completo a possibilidade do conflito. A eficiência das instituições seria condicional/contextual, como já afirmara dantes Stein (não haveria sentido, pois, na afirmação de Grieco referente à “crença sem limites nas instituições” que teriam os neoliberais). A incidência do problema dos ganhos relativos, igualmente, seria condicional e, de fato, pouco provável, somente ocorrendo quando ganhos num período traduzem-se em ganho evidente de poder (capaz de ser usado contra algum estado) num período subseqüente (Keohane utiliza nesse momento estudos de Robert Powell e Duncan Snidal para lastrear sua afirmação). Freqüente confusão, ainda, seria feita por Realistas entre barganhas num jogo fundado em ganhos absolutos (fato comum) e o problema dos ganhos relativos.

Keohane finaliza sua resposta devolvendo o “desafio da empiria” lançado por Grieco a este, afirmando ser o necessário aprofundar de estudos empíricos condição sine qua non para o avanço da teorização de instituições em Relações Internacionais. A questão central não mais seria determinar “se” instituições fazem diferença, mas “como”. E, ainda, a seguinte colocação serve de culminância para o “movimento de aproximação” que Keohane toma para si, no curso do artigo, indicando o que estaria por vir na “seara do Racionalismo”:

“Perhaps in the next few years, analysts who are willing to synthesize elements of realism, liberalism, and arguments about domestic politics will be able to explain variations in the content and strength of international regimes” (Idem, p.296).

Keohane continuaria a promover o “diálogo da aproximação” não somente com Grieco, mas com outros teóricos realistas como John Mearsheimer, ao longo dos anos 90. Seus esforços, aliados a de outros teóricos de Relações Internacionais partícipes dos muitos debates no seio do mainstream da disciplina (Realistas, como Krasner etc), culminaria na empreitada conjunta de 1998, na qual a abordagem Racionalista tomaria corpo definitivamente com o artigo conjunto de Keohane, Krasner e Katzenstein em comemoração aos 50 anos da publicação International Organization – “International Organization and the Study of World Politics”.

Nesse momento (passada quase uma década do fim da Guerra Fria), as arestas do debate Realismo-Institucionalismo neoliberal ou estavam aparadas, ou já não eram tidas como os elementos mais relevantes em jogo. Os autores, após uma revisão minuciosa e admirável dos trabalhos publicados na revista desde sua fundação (um microcosmos de vários dos debates mais relevantes na disciplina na esteira desses 50 anos), fazem a colocação crucial do que pode ter sido o “momento decisivo” na consolidação da abordagem Racionalista, superando as querelas de até então.

Esse momento foi o fim da Guerra Fria (1989-1991), não-previsto tanto por Realistas quanto por Institucionalistas neoliberais. A balança do “sucesso relativo”, contudo, pende para o lado neoliberal, uma vez que o colapso da União Soviética constituiu desafio colossal à capacidade explicativa de uma perspectiva sistêmica como o Realismo, que desdenhava de explicações centradas nas unidades. O “drama” do relacionamento realista com o fim da Guerra Fria se estendeu às instituições (realistas previram seu desaparecimento, uma vez que havia substancialmente sido alteradas as “conformações do poder” sistêmicas). Nesse sentido, apontam os autores do artigo, a patente “vantagem comparativa” da perspectiva Neoliberal dificilmente poderia ser questionada. No entanto, quedou patente a incapacidade de ambas as perspectivas para prever um acontecimento de tal magnitude, algo particularmente perturbador para perspectivas de cunho positivista que buscavam explicar a realidade. Ao mesmo tempo, emergiam “perspectivas sociológicas e culturais, por vezes referidas como ‘construtivistas’” (KATZENSTEIN, P.J., KEOHANE, R.O., KRASNER, S. (1998). “International Organization and the Study of World Politics”. International Organization 52(4): p.670), num desafio claro ao predomínio das perspectivas centradas na anarquia sistêmica e nos estados como atores unitários, racionais, egoístas, autônomos, maximizadores de preferências. Não havia, contudo, unidade no seio dessas abordagens não-mainstream. Pelo menos três correntes podiam ser distinguidas: uma corrente dita “convencional” que, afirmam os autores, “insiste que perspectivas sociológicas podem oferecer uma perspectiva teórica geral e programas de pesquisa que podem rivalizar ou complementar o Racionalismo” (Idem, p.675); a corrente dos teóricos críticos, discípulos da Escola de Frankfurt; e os chamados “pós-modernos” ou radicais, para os quais não haveria um fundamento sólido para a construção do conhecimento e que se dedicaria a desnudar as relações de poder embutidas em teorias, discursos normativos etc.

Os autores, então, afirmam estar postas diante dos teóricos do mainstream duas tarefas. A primeira, definitivamente deixar para trás as querelas de menor âmbito entre institucionalistas neoliberais e realistas (ou seja, todos passariam a trabalhar no marco de uma única abordagem – cujos pontos centrais os autores definirão em seguida). A segunda, trabalhar o problema da formação das preferências/interesses dos atores, bem como a interação entre estas e as normas e regras que acompanham a criação de instituições. Se necessário, criando “pontes” para uma colaboração com os teóricos do “construtivismo convencional”.
Quanto aos pontos centrais do Racionalismo, os autores (embebidos das contribuições dos debates dos anos 80 e 90, sistematizando-os e transcendendo-os) apontam como sendo os seguintes (Idem, p.678-780):

· Adoção da anarquia sistêmica e do estado racional, autônomo, egoísta e maximizador de preferências como ator privilegiado das Relações Internacionais (conquanto não seja o único), como pressupostos;
· Racionalidade instrumental provêm a ligação entre o ambiente (poder, regras e normas das instituições, interesses) e os atores;
· A Teoria dos Jogos é uma “linguagem geral” útil para a abordagem Racionalista (conquanto haja uma vertente em que sua importância é menor);
· Os atores, para interagir, devem ter uma mesma “visão do jogo” (conhecimento comum) – se não a tiverem, a interação continuada no seio do jogo prover-lhes-á tal informação;
· Dadas preferências, probabilidades e pontos de escolha, derivam daí inúmeras estratégias e “pontos de equilíbrio” no jogo;
· Racionalistas não oferecem uma forma de compreender o conhecimento comum;
· Conceitos mais trabalhados: preferências, informação, estratégia, conhecimento comum.
· Como nas contribuições anteriores, a empiria reveste-se de particular importância na tarefa de continuamente aperfeiçoar (e prover comparações entre) as perspectivas abrigadas sob o guarda-chuva do Racionalismo.

Quando à questão da informação, haveria duas vertentes racionalistas. A primeira, privilegiando “uma visão materialista de como abordar a Economia Política Internacional”,adota como preferência central dos atores a maximização de riqueza e infere as estratégias da “posição competitiva” dos atores na ordem econômica mundial, minimizando o papel da informação (Idem, p.679). Outra vertente, diretamente ligada à Teoria dos Jogos, enfatizam o papel da interação estratégica e da informação (conquanto imperfeita) de que dispõe os atores (Ibidem).

Em contraposição aos racionalistas, os construtivistas enfatizam “o primado das estruturas intersubjetivas que dão sentido ao mundo”, sendo que tais estruturas permitem desvelar os interesses que motivam a ação dos atores (cultura, conhecimento, identidade, normas). Se os racionalistas não conseguem explicar o conhecimento comum, os construtivistas o fazem (mas, por outro lado, não conseguem explicar estratégias).

Os autores, então, estabelecem uma comparação sistemática entre Racionalismo e Construtivismo (convencional) partindo da premissa de que os construtivistas convencionais, com seu entendimento do conhecimento comum, poderiam complementar a empreitada racionalista, visando enfim tecer explicações satisfatórias para a formação e mudança das preferências dos atores, usando a Teoria dos Jogos como um ponto de partida e fazendo necessária alusão ao fato de que tal colaboração poderia ser estabelecida no marco de uma abordagem construtivista previamente ao exercício da racionalidade instrumental. Daí colocações como as de que a diferença na análise da informação nessas abordagens reproduz a dicotomia entre as tradições da análise sociológica (abordagem ideográfica dos construtivistas) e da análise econômica (abordagem nomotética dos racionalistas), chegando à conclusão, próxima de final de que “construtivistas lidam com a formação do conhecimento e racionalistas, com sua influência nas estratégias” (Idem, p.682). A conclusão final, que pode ser tomada como corolário da intensa participação dos autores do artigo nos debates em Relações Internacionais nas últimas décadas – é uma constatação de que a internacionalização/globalização é uma era de “crescente atividade através das fronteiras” e que os prospectos de sucesso da abordagem Racionalista estão relacionados com a capacidade de seus teóricos em lidar com esse fato (de resto, já “detectado” pelo menos desde os anos 1970).

Lisa Martin & Beth Simmons, na mesma edição da revista International Organization contendo o seminal artigo de Keohane, Katzenstein e Krasner, trazem uma contribuição original para a abordagem Racionalista em seu artigo “Theories and Empirical Studies of International Institutions”. Elas propõem determinada abordagem para estudar Instituições Internacionais visando fornecer “moldura analítica” mais adequada a um “empreendimento comparativo sistemático” que “avance” o conhecimento no campo, no sentido empírico do termo, no processo respondendo a duas das colocações feitas por Keohane previamente: necessidade de dizer “como” e não “se” instituições internacionais importam; proceder a uma síntese de argumentos realistas, liberais e de política doméstica para estudar instituições internacionais.

As autoras almejam “trazer de volta a Política Doméstica para o estudo das Instituições Internacionais” (MARTIN, L.S. & SIMMONS, B.A. (1998), “Theories and Empirical Studies of International Institutions”. International Organization 52(4): p.747), construindo “teorias interativas de Política Doméstica e Instituições Internacionais” (Idem, p.749), trabalhando as interações entre Instituições Internacionais e o sistema político internacional, afastando-se da pergunta “Instituições Internacionais importam?” em prol de “Como Instituições Internacionais importam?” ou “Como pensar mecanismos através dos quais os efeitos das Instituições Internacionais sejam percebidos?” (pergunta que remontava a Keohane). Assim, as autoras trabalham “dentro” e “fora” das Instituições Internacionais – mais do que simplesmente “abrir sua caixa-preta” com o instrumental de análise da Política Doméstica – desvelando a formação de “coalizões transgovernamentais” nas quais atores (estados, atores dentro dos estados) “acessam” o plano internacional para produzir efeitos no plano doméstico. Tal abordagem incorporaria três considerações atingidas pelas autoras após efetuarem “revisão teórica do desenvolvimento dos estudos das Instituições Internacionais” (Idem, p.732):

1) “A Natureza do sistema político internacional condiciona a efetividade das Instituições Internacionais”;
2) “Necessidade de investigações empíricas, para avaliar a efetividade das Instituições Internacionais”;
3) “Limitações visíveis das abordagens que enfatizam aspectos ‘formais’ das Instituições Internacionais”.

As autoras frisam: sua abordagem difere das abordagens “behaviouralistas” que “aplicaram modelos institucionalistas desenvolvidos para a análise da Política Doméstica para analisar Política Internacional” (Idem, p.747), pois estes efetuaram uma mera transposição, de resto descuidada, sem atentar para as particularidades de cada “esfera política”. Aproveitando o ensejo da colocação de Keohane-Katzenstein-Krasner sobre a “crescente atividade através das fronteiras” característica do contexto internacional hodierno, as autoras “abriram a caixa-preta” do estado, considerando a participação de atores intra-estatais (grupos de pressão, burocracias) na interação Instituições Internacionais-sistema político internacional. Nesse sentido, as autoras buscaram estabelecer os efeitos das Instituições Internacionais sobre o comportamento estatal. As autoras afirmam, então, ser Instituições Internacionais “causa e efeito da ação estratégica dos estados” (Idem, p.743), em conformidade com o Racionalismo. Uma vez criadas para resolver determinados problemas, elas constrangerão, moldarão o comportamento dos estados, mesmo constantemente desafiadas e reformadas pelos mesmos (Ibidem). Nesse sentido, as autoras proveriam uma resposta para a pergunta “como Instituições Internacionais importam”. Digno de nota, porém, é o fato de que as autoras têm que recorrer ao Construtivismo (convencional) para superar os “limites de uma abordagem Racionalista para ensejar explicação endógena das preferências dos atores” (Ibidem). Nesse sentido, o desafio da construção da “ponte” entre Racionalismo e Construtivismo, cuja importância o artigo de Keohane-Katzenstein-Krasner deixou clara, visando solucionar o problema das explicações endógenas das preferências – possivelmente fundamental para o aprofundamento dos estudos de Instituições Internacionais – continua de pé.

BIBLIOGRAFIA

GRIECO, J. M. (1993). Anarchy and the Limits of Cooperation: A Realist Critique of the Newest Liberal Institutionalism. Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. D. A. Baldwin. New York, Columbia University Press: 116-142.
KATZENSTEIN, P.J., KEOHANE, R.O, KRASNER, S. (1998). “International Organization and the Study of World Politics”. International Organization 52(4): 645-686.
KEOHANE, R. O. (1993). Institutional Theory and the /realist Challenge After the Cold War. Neorealism and Neoliberalism: the Contemporary Debate. D. A. Baldwin. New York, Columbia University Press: 269-300.
MARTIN, L. L. and B. A. SIMMONS (1998). “Theories and Empirical Studies of International Institutions”. International Organization 52(4): 729-757.
STEIN, A. A. (1990). Why Nations Cooperate: Circumstance and Choice in International Relations. Ithaca, Cornell University Press, caps. 1-2.
YOUNG, O. R. (1989). International Cooperation: Building Regimes for Natural Resources and the Environment. Ithaca, Cornell University Press, caps. 1-4.

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