Desce à cidade a névoa. Os carros trespassam-na com luz e força. Um silêncio instala-se na rua... tudo parece calmo, mas todos sonham.
À medida que percorro a rua, furando a névoa com o cigarro, descubro que as formas estão cada vez mais apagadas... e não é só pela força da névoa... a cada passo, mais desconhecido descubro... penso para mim, que tudo isto é uma miragem, uma alucinação, mas a realidade desmente-me, levando-me à minha memória para reconhecer o espaço que percorro, num esforço para não me perder... recorro mais avidamente à minha memória para encontrar um rumo para porto seguro... não mais consigo identificar sequer o espaço pelo tempo que o percorri... estou sem linhas guias... não tenho memória... perco-me no meio do caminho que continuamente percorro... Apenas uma só frase permanece latente: “ Para a frente é o caminho...”
Parei.
Mesmo assim, sentia que ia mais à frente do que devia... resolvi voltar a trás, mas cada vez que dava um passo atrás, mais longe estava de onde eu estaria... parei, novamente.
Resolvi tomar o caminho que achei, primeiramente, erróneo...
E ali ia eu, mais à frente... via as minhas costas, como se fossem a ré de um navio que queria reconquistar.... por mais que aumentasse o passo, o navio enfunava mais uma vela... parecia que ouvia os marinheiros a gritar: “ Mais vento na proa!”
Decidi dar mais de mim... o ritmo das minhas pernas aumentaram, quase andava sobre as águas, mas mesmo assim, não conseguia sequer tocar no navio de mim...
Quase exausto, aumento ainda mais o ritmo, num último folgo... a quebra da passada dá-se... mais três largos passos à frente... e vejo as minhas costas a partirem à bolina, névoa dentro... decididas.
Paro, e recupero o folgo. De pé, com as mãos nos joelhos, fecho os olhos para sair de mim, e embarcar no meu eu decidido... nada feito... não era assim que conseguia voar.
Perdido na névoa, perdido de mim, sento-me naquilo que pensei ser a rua.
“ O silêncio circunda-nos.
Não consigo pensar direito.
Eu disse-o na esquina, e ninguém se importou!
Eu penso que deveria falar...
– Porque não falas comigo?!
Eu não consigo falar agora...
– Tu nunca falas comigo!
As minhas palavras são mal interpretadas
– Em que estás a pensar?
Sinto-me a afogar...
– O que estás a sentir?
Sinto-me fraco
– Porque não falas comigo?!
Não posso mostrar a minha fraqueza...
– Tu nunca falas comigo!
Eu às vezes pergunto-me...
– Em que estás a pensar?
para onde vamos daqui?
– O que estás a sentir?
– Porque não falas comigo?
Sinto a afogar-me
– Tu nunca falas comigo!
Eu consigo respirar, agora...
– Em que estás a pensar?
Nós vamos para nenhum lado!
– O que estás a sentir?
Nós não vamos para lado nenhum!
– Porque não falas comigo?
– Tu nunca falas comigo!
– Em que pensas?
– Para onde vamos daqui?”
Pink Floyd, Keep Talking;
– E vens, (in)vês, vamos juntos!
E tudo atordoa agora.... os pássaros não se cansam de dar à corda, o sol fulmina, as cores esporam-se no ar, o vento inventa aromas... tudo faz fechar os olhos... o meu todo quer ficar por lá, por dentro, onde o tempo faz de conta e o espaço prolonga-se... como quem desfaz o tempo do gesto, fazendo-o recuar ao ponto de uma partida sem fim sentido...
Por onde andas meu todo?
O que buscas?
O que intentas desmanchar?
Volta para mim para um último (pim).
E assim, comecei escrever-me para não me perder de vez.
Quando me encontrei era em bolina que me encontrava, numa velocidade doida, num crer que só me fazia sorrir... numa verdade de ser apenas crente, numa vontade única, numa pertença minha, que espero, enfim, conseguir esgrimir uns laivos dos reais traços, que a palavra merece.... e que sei que irei estar sempre aquém....
nunca tive queda para o traço.
Pela palavra tive o instrumento para desenhar... pelo sabor da mesma palavra soletrada tive o adivinhar do aroma... pelo seu cheiro a cor... sentida de cour...
mas há tanto para ler... tanto Tanto, que seria impossível sequer escrever com realidade e fecundidade.... toda e qualquer escrita será sempre estéril... por mais rica que seja... leva tempo deleitar todos os livros... leva tempo para nos fazerem sentido os livros... estaremos sempre aquém em relação ao passado... nem assim, conseguimos ser mais do que a nossa própria vida, finita, curta, afogada... no fundo, quase desajustada à realidade das coisas que interessam....
mas mesmo assim....
mesmo assim
vamos escrever o que o nosso traço da letra quer dizer .... pode ser que o seu eco seja o algo mais para os vindouros... que sejam eles os felizes.... têm todo o tempo do lado deles... nem sequer ainda existem...