BACK TO AFRICA – UM ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA
“Closer to God we Africans
Closer to God we can
In our hearts is Zion...”
(Steel Pulse – Worth its price in Gold, 1977)
INTRODUÇÃO / JUSTIFICATIVA
A disciplina Identidade e Cultura na América Latina tem como objetivos, segundo sua ementa, proporcionar aos alunos uma reflexão antropológica, contribuindo para uma melhor compreensão sobre os aspectos culturais e identidades da América Latina, tendo por “focos” os seguintes temas: os dilemas da identidade latino-americana; as relações entre a cidade e o campo; e o processo de urbanização na América Latina.
Este trabalho é uma tentativa de, partindo da análise da música popular de dois países latino-americanos (Jamaica e Trinidad-Tobago) durante período de tempo específico (décadas de 1960 e 70), estudar uma das possibilidades de construção de identidade na América Latina. O trabalho justifica-se pela estreita relação que seu objeto de estudo guarda com os “focos” da disciplina – os dilemas da identidade, as relações campo-cidade e o processo de urbanização. A música popular da Jamaica e de Trinidad-Tobago, emergindo de um processo acelerado de urbanização e êxodo rural que inchou as metrópoles daqueles dois países, cujo resultado foi o acirramento das tensões sociais, torna-se elemento revelador das complexidades associadas à construção da identidade na América Latina.
OBJETIVO
Objetivo Geral:
Estudar uma das possibilidades de construção de uma identidade latino-americana, a partir da análise da música popular em dois países – Jamaica e Trinidad-Tobago – lançando mão do método comparativo e utilizando o conceito de Mito visto durante as aulas da disciplina Identidade e Cultura na América Latina.
Objetivos específicos:
1. Discutir o conceito de Mito
1.1 Analisar as relações entre Mito e Identidade
2. Analisar o contexto histórico que resultou na formação dos países Jamaica e Trinidad-Tobago
3. Analisar o surgimento da música popular na Jamaica e em Trinidad-Tobago
3.1 Analisar a relação entre o contexto político e a emergência da música popular nesses dois países
4. Analisar exemplos de letras da música popular nesses dois países, enfatizando suas similaridades
4.1 Analisar o chamado “Mito Back to Africa”
5. Relacionar o “Mito Back to Africa” com a problemática da identidade latino-americana
MÉTODO
Este trabalho lançará mão do Método Comparativo, realizando, dessa forma, alguns “cortes” em seu objeto de estudo e buscando, no âmbito delimitado pelos “cortes”, similaridades e diferenças entre a música popular da Jamaica e de Trinidad, até que se alcance, num determinado “nível”, grau de generalização tal que seja possível delimitar com razoável precisão elementos comuns aos dois países e a toda a América Latina. Efetuaremos, dessa forma, um corte espacial – Jamaica e Trinidad-Tobago; um corte temporal – décadas de 1960 e 1970; e um corte “substancial”, correspondendo à análise da música popular nesses dois países (o Reggae na Jamaica e o Calypso em Trinidad-Tobago).
JAMAICA E TRINIDAD-TOBAGO: A HISTÓRIA
Descobertas por Cristóvão Colombo durante as Grandes Navegações de fins do século XVI, essas duas ilhas foram palco, em espaço reduzido de tempo, da quase dizimação de suas populações nativas (os aruaques de Jamaica e Trinidad seriam extintos em pouco mais de 50 anos, enquanto Tobago era uma ilha desabitada). Das mãos da Espanha os territórios (onde se cultivava a cana-de-açúcar com mão-de-obra escrava trazida da África a partir do século XVI) passaram ao controle inglês no século XVIII e permaneceriam nessa situação até a metade do século XX, quando seria-lhes concedida a independência (Jamaica em 1962 e Trinidad um pouco antes, em 1961). Nessa época, a indústria (do refino do açúcar em ambos os países e do petróleo em Trinidad) se tornava a principal atividade econômica, gerando um forte êxodo das populações rurais rumo às cidades. A situação precária de imensas massas humanas habitando os subúrbios das cidades de forma tão súbita fez com que as tensões sociais, já consideráveis desde o tempo dos colonizadores espanhóis, atingisse novo patamar de intensidade e gravidade a partir dos anos 60, atingindo seu auge durante a década de 70. Nesse contexto é que se consolidam os principais ritmos musicais populares nesses países – o Reggae na Jamaica e o Calypso em Trinidad.
REGGAE E CALYPSO – DUAS FACES DA MESMA MOEDA
Esses ritmos populares compartilham uma mesma raiz local – ritmos como o Mento, praticado pelos escravos já no século XVIII – e uma mesma influência externa, trazida pelas ondas curtas dos rádios norte-americanos e pelos colonizadores britânicos – o Blues, o Jazz, o Folk. Os “pais” do Reggae, o Ska e o Rock Steady, eram muito próximos do ritmo que sacudiu a América do Norte na Segunda metade da década de 50 – o Rock N’Roll – e, como este, tinham batidas intensas, rápidas e suas letras tratavam de festas, amores, prazeres. O Calypso, por sua vez, emergia fortemente ligado às festas de Carnaval em Trinidad-Tobago (fato que se mantém até os dias atuais); seu ritmo (diferenciado dos jamaicanos principalmente pela utilização dos “tambores de lata” – steel drums – “engordando” o som) era, da mesma forma, intenso e suas letras, festivas. Dois fatores tratariam de mudar essa situação na virada da década de 50 para a de 60 – a industrialização (e o consequente êxodo rural) e a influência do pensamento de Marcus Garvey.
MARCUS GARVEY – RASTAFARIANISMO
Marcus Garvey foi um jamaicano que emigrou para os Estados Unidos na década de 20. Nesse país ele realizou curiosa fusão entre as tradições africanas que haviam-lhe sido passadas por seus parentes e o Judaísmo. Surgia assim o Rastafarianismo (de Ras Tafari – Rei dos Reis), verdadeira adaptação do Judaísmo para a realidade dos descendentes de escravos que viviam na Jamaica. Para Garvey, os etíopes teriam descendido do Rei Davi (seriam, assim, uma das tribos de Israel). O surgimento de um Rei africano (e negro) seria, para Garvey, o sinal da vinda do “Ras Tafari” – similar ao Messias judaico. A África seria a “Terra Prometida” dos jamaicanos descendentes de escravos. Garvey adaptou a Bíblia judaica à realidade dos jamaicanos – a “Babilônia” corresponderia à própria Jamaica, terra do “exílio” dos descendentes de africanos, para aí trazidos como escravos de sua Terra Natal (Zion – a África), Terra da liberdade infinda, a eles prometida por Jah (Deus). Garvey não foi levado a sério em sua época e sua influencia limitou-se aos etíopes – o Imperador da Etiópia, Hailé Selassié, adotou para si os títulos de Ras Tafari e Leão de Judá ao subir ao trono em 1936, o que faria dele objeto de culto na Jamaica a partir dos anos 60. O próprio Garvey, no entanto, havia reconhecido que Selassié não era de fato o Messias.
O ÊXODO RURAL E A MÚSICA POPULAR
Enquanto a Jamaica e Trinidad-Tobago eram colônias com economias agro-exportadoras, a música desses países refletiu o gosto de suas incipientes classes médias – eram músicas para dançar e suas letras faziam jus a este propósito. No entanto, com a industrialização ocorrida em meados dos anos 50, a situação muda drasticamente. Imensas massas humanas são subitamente deslocadas para os centros urbanos, inchando subúrbios e “favelas” ( o distrito de Trenchtown em Kingston, capital da Jamaica, de triste fama, é um exemplo desse fenômeno). As tensões sociais atingem um ponto de extrema intensidade – violência, pobreza, crime, repressão policial, desemprego, tráfico de drogas e armas atingem patamares jamais vistos anteriormente, mesmo em sociedades já desiguais. A concessão de Independência por parte da Grã-Bretanha no início dos anos 60 não alterou esse quadro. A música popular, nessa época, é adotada pelos subúrbios e passa a assumir novas formas. O ritmo é desacelerado e as letras ganham tons de denúncia social e política. A influência de Marcus Garvey começa a ser sentida, fruto da imigração de etíopes rastafaris para a Jamaica e Trinidad-Tobago, ocorrida no início do “boom” industrial dos anos 50. O Ska e o Rock Steady logo dariam lugar, assim, a uma música mais cadenciada – o Reggae - cujas letras seriam veículo para a denúncia da condição indigna vivida pelos descendentes de africanos tanto no plano social quanto no espiritual – a “Babilônia” – e para expressão do desejo de retorno à liberdade – “Zion”. O Calypso, por sua vez, permaneceria ligado ao Carnaval (mantendo seu caráter de música “oficial” e festiva); alguns compositores, no entanto, desacelerariam o ritmo das batidas e adotariam letras de protesto e de cunho Rastafari como instrumento de denúncia. Mesmo marginalizados nos concursos oficiais do ritmo (ocorrem durante o Carnaval), esses compositores (como Arrow e David Rudder) passariam a ser considerados grandes inovadores do Calypso. A diferença que se verifica entre os efeitos da industrialização na música popular na Jamaica e em Trinidad-Tobago pode ser creditada à presença da indústria petrolífera nesse último país – possibilitando que este desenvolvesse um parque industrial um pouco mais sofisticado do que seus vizinhos e que diminuísse, de certa forma, seus desníveis sociais. Ainda, Trinidad-Tobago possuía uma população de origem indiana (imigrantes incentivados a ocupar a ilha pelos ingleses ainda no século XIX) que correspondia aproximadamente à população de descendência africana, enquanto que na Jamaica a proporção da população de origem africana superava os 90% do total.
“BACK TO AFRICA” – O MITO DO RETORNO
O mito, compreendido como narrativa atemporal, estabelecendo continuidade entre passado e presente, cuja função é a de criar e reproduzir modelos de comportamento social, exprime a essência mesma de uma cultura e, dessa forma, configura-se elemento fundamental para a construção da identidade. Podemos, a partir da análise de um mito, compreender os “nortes simbólicos” que orientaram a construção da identidade de uma nação, de um povo ou de um grupo. É tal a tarefa à qual procederemos nesse trabalho a partir desse ponto, buscando estruturar, a partir da análise de letras de músicas de Reggae e Calypso compostas nas décadas de 60 e 70, um mito que nos permitirá explicar uma das possibilidades de identidade latino-americana. Denominamos esse mito “Back To Africa”, pelas razões que serão expostas a seguir.
De acordo com Lévi-Strauss (1978, p. 69), o Mito e a Música encontram-se profundamente associados na cultura ocidental; para esse autor a emergência das formas musicais eruditas ocidentais nos séculos XVII a XIX correspondeu ao declínio do pensamento mítico no mesmo período. A Música passaria a assumir a “função social do Mito” – garantir a coesão de um grupo, povo ou mesmo cultura. Mesmo não tratando da tradição musical do Ocidente ou de música erudita, consideramos ser válida a analogia no caso da música popular na Jamaica e em Trinidad-Tobago. A transmissão oral da tradição, das histórias de fundação de um povo passaram a ser feitas via música, especialmente quando da ocorrência do êxodo rural dos anos 60. A disseminação de um “inconsciente coletivo” galvanizado pelo Rasfafarianismo de Marcus Garvey e pelas agudas contradições sociais daquele período permitiu a formação de uma nova forma de solidariedade entre as pessoas; estas passaram a ter novos referenciais simbólicos, adotando uma nova visão de mundo e passando a se comportar de forma diferente.
Procedendo à análise de músicas dos anos 60 (para visualização das letras ver ANEXOS), como “Satta Massagana”, reggae de 1969 composto pelo grupo The Abyssinians (derivando seu nome da Abissínia, ou seja, da Etiópia), percebe-se como a estrutura dos versos, com estrofes que se repetem ad infinitum, como se fossem camadas sobrepostas de uma mesma substância, retornando sempre ao ponto de partida, configurando um efeito final algo mântrico, guardam semelhança com a estrutura dos mitos, que é igualmente “sobreposta” (composta de camadas da mesma substância) e também circular. “Inna Babylon”, Calypso surgido nos anos 60 (e cuja autoria permanece ignorada, devido ao teor ácido dos versos, verdadeiro escândalo na época) apresenta estrutura igualmente “sobreposta”, com cada verso sobrepondo-se ao anterior como uma metralhadora. Em ambos a força das imagens transmitidas pelos versos é patente, bem como a simbologia Rastafari é a mesma:
“Há uma terra muito, muito distante
Onde não há noite, apenas dia...” (Satta Massagana)
“ Somos escravos no sistema da Babilônia
Buscamos o bem navegando rumo a Zion” (Inna Babylon)
Outras músicas, como “Zion Chant” (Judy Mowatt, 1973) e “Worth Its Price in Gold” (Steel Pulse, 1977) são ainda mais explícitas em suas imagens, claramente influenciadas por Marcus Garvey e sua crença. Os “filhos da África” se ressentem de sua condição de “escravos”, privados de condições materiais e de sua liberdade original, que desejam retomar via “retorno à África”. Tal retorno, no entanto, é menos espacial do que simbólico – como explicitado na música do Steel Pulse, “...em nossos corações mora Zion” e “África – uma História, não mais um mistério”. Zion/África é, dessa forma, uma imagem, uma invenção, uma construção de seus “filhos”; eles jamais estiveram lá, mas é “como se tivessem estado”, já que ela fazia parte de um imaginário comum a todos os descendentes de africanos. Trata-se de uma África simbólica, que guarda algo do passado imemorial, coletivo – algo que essas pessoas acreditavam que tinha existido em algum momento no tempo, mas que, de fato, correspondia a uma tentativa dessas mesmas pessoas de dar sentido, unicidade a um conjunto de fragmentos, memórias, histórias por vezes desconexas. Conforme afirmado por Olga Valeska (1998, p. 58), “...o que percebemos, através dessas observações, é que tanto o modelo quanto a cópia constituem imagens idealizadas em níveis diferentes...”. A Jamaica e Trinidad-Tobago como “Babilônia” e a África como “Zion”, dessa forma, não são mais do que uma imagem de um modelo visto ao espelho – ambas, no entanto, são invenções em certo grau. O mito é o veículo da disseminação de um novo imaginário e da construção de uma nova “solidariedade” entre as pessoas – aqueles que se recusam a viver a realidade da “Babilônia” passam a constituir um grupo coeso, que sabe se “localizar” no mundo e se diferenciar dos demais. Esses “irmãos e irmãs” da letra de “Inna Babylon”, em suma, ao redor da idéia de “volta à África” constituem uma nova identidade.
O mito “Back To Africa” estrutura-se, dessa forma, a partir de 4 elementos:
· Filhos da África (ou de Zion): descendentes de escravos africanos trazidos para a Jamaica e Trinidad-Tobago. Encontram-se “exilados” na Babilônia. Apenas aqueles que decidem recusar essa condição (lutar contra o sistema da Babilônia) poderão alcançar Zion.
· Babilônia: a realidade social vivida pelos Filhos da África nos centros urbanos da Jamaica e Trinidad-Tobago – opressão, miséria, exclusão social, em suma “exílio” e “escravidão”.
· Zion: a “Terra sem Males”, a “Terra Prometida”. Corresponde à África, numa perspectiva simbólica – não a África geográfica, mas a África simbólica (reunião artificial de fragmentos, memórias, em suma uma “imagem”). O destino final daqueles que se recusam a viver o sistema da Babilônia e que alteram seu comportamento nesse sentido.
· O retorno a Zion: os Filhos da África, rompendo com a Babilônia (mudança social, via mudança religiosa, conscientização), lançam-se na reconstrução da África simbólica nos territórios que habitam, adotando novos padrões de comportamento e obtendo, dessa forma, a “liberdade” que havia lhes sido tomada.
DO MITO Á IDENTIDADE
É a partir da mudança de comportamento (ou seja, da adoção de novos referencias simbólicos por parte das pessoas) que torna-se possível associar o mito “Back to Africa” à construção de nova uma identidade na Jamaica e em Trinidad-Tobago. A resposta à pergunta “quem sou eu”, o sentido de unicidade e de pertencimento que são possibilitados pela adoção de novos modelos de comportamento são elementos que evidenciam uma identidade sendo gerada. Apenas através da recusa da “Babilônia” (ou da consciência de sua iminente queda, como explicitada na música de Bob Marley de 1971, “Rastaman Chant”) é possível a reconstrução da Zion que mora nos corações dos descendentes de escravos que adotam a mensagem de Garvey, do Reggae e de algumas letras de Calypso. Apenas a partir das mudança nos indivíduos (mudança comportamental e simbólica, um novo “estar no mundo”) torna-se possível sonhar com o “retorno a Zion”, “enraizando” o imaginário na realidade social dos que se recusam a viver o sistema da Babilônia. Zion/África é o novo modelo, em substituição ao colonizador europeu; a imagem muda mas o espelho permanece. A nova identidade parece ser mais vigorosa na Jamaica do que em Trinidad-Tobago, pelas razões expostas previamente – diferenças na composição da população e diferenças na estrutura econômica.
CONCLUSÃO – O MITO “BACK TO AFRICA” E A AMÉRICA LATINA
As letras de Reggae e Calypso analisadas acima evidenciam que o mito “Back to Africa” torna-se ponta-de-lança da construção de nova uma identidade na Jamaica e em Trinidad-Tobago – coincidindo com o momento da Independência desses dois países. Essa nova identidade rompe com o modelo do “espelho deformante”, adotado em outros países na América Latina, segundo o qual os latino-americanos têm a Europa como modelo e buscam integrar-se aos europeus numa posição periférica, configurando uma dinâmica “dominador-dominado” que, se por um lado torna-se uma opção cômoda para os latino-americanos, está longe de ser a mais favorável das formas de inserção. O rompimento com a “Babilônia” pode ser interpretado como uma não-aceitação da condição de subordinação imposta aos descendentes de escravos africanos pelos colonizadores europeus e seus descendentes; trata-se de negar uma identidade que, aos olhos dos “Filhos da África”, não corresponde ao seu “verdadeiro ser”. Dessa forma torna-se possível a construção de uma alternativa ao modelo do “espelho deformante” – uma alternativa que pode se revelar mais favorável para os “Filhos da África”, na medida que as imagens (Jamaica e Trinidad-Tobago) podem interagir com seu modelo (África) de forma mais favorável e numa posição não de subordinação, mas de coordenação. Mantem-se o caráter especular da identidade; o que muda é o referencial adotado. Tem-se, assim, uma nova alternativa de identidade passível de ser adotada pela América Latina como um todo – a mudança do referencial, da Europa para a “África simbólica” (que é uma construção, uma invenção, uma idealização deliberada), a ser construída em terras caribenhas.
Uma última reflexão, no entanto, nos permite perceber que a negação do referencial europeu não é completa, que o grau de aceitação da nova identidade não é uniforme em todos os lugares e que o referencial europeu poderia ser substituído não apenas pela “África simbólica”, mas por diversos outros referenciais. Em primeiro lugar, o próprio fato dos jamaicanos e dos nativos de Trinidad-Tobago utilizarem formas musicais grandemente influenciadas pela cultura anglo-saxã, portanto européia (Reggae e Calypso) e cantarem em inglês permite relativizar o grau de rompimento com a “Babilônia”. Em segundo lugar, as diferenças entre a aceitação da nova identidade na Jamaica e em Trinidad-Tobago são deveras significativas – as desigualdades sociais, muito mais pronunciadas numa Jamaica ainda dependente da agricultura de exportação (renda per capita inferior a 2000 dólares) do que em Trinidad-Tobago, onde a industrialização atingiu maior sofisticação e permitiu uma melhor distribuição da renda (renda per capita de 5000 dólares), a influência decisiva do jamaicano Marcus Garvey e a própria composição da população dos dois países faz com que o mito “Back To Africa” seja elemento central na conformação de uma identidade jamaicana e elemento apenas periférico na configuração de uma identidade em Trinidad-Tobago – explícita no próprio fato de que o Calypso continua ligado às cerimônias de Carnaval, nas quais as letras de protesto e de cunho Rastafari continuam banidas. Finalmente, torna-se perceptível o fato de que não apenas a “África imaginária” poderia servir como contraponto ao “espelho deformante” – os descendentes de indígenas dos países da América Latina poderiam, de forma similar, unificar os fragmentos, lembranças, memórias e histórias das civilizações pré-colombianas, criando assim um modelo capaz de se contrapor ao referencial europeu ainda dominante na atualidade – mesmo que estas civilizações estejam há muito extintas. Afinal, “...em nossos corações mora Zion”. O mito “Back to Africa”, dessa forma, tem muito a oferecer aos povos e países da América Latina no seu sentido mais geral – há mais de uma alternativa possível de ser adotada. O espelho continua o mesmo, mas os modelos mudam (e com eles, as imagens), o que faz, sim, muita diferença.
BIBLIOGRAFIA
LÉVI-STRAUSS, Claude. MITO E SIGNIFICADO. São Paulo: Edições 70, 1978.
SAGRERA, M. MITOS Y SOCIEDAD. Barcelona: Labor S.A., 1967
VALESKA, Olga. MIRAGEM DE OLHARES: A PRESENÇA PERTURBADORA DO OUTRO (tese de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da UFMG). Belo Horizonte: 1998.
Enciclopédia do Mundo Contemporâneo. São Paulo: Publifolha, 2000.
Grande Enciclopédia Larrousse Cultural. São Paulo: Círculo do Livro, 1987
Sites na Internet
http://www.allmusic.com à All Music Guide (referencias sobre a formação do Reggae e Calypso)
http://hjem.get2net.dk/sbn/reggae.htm à Reggae Lyrics Archive
http://hem.passagen.se/selahis à Reggae Lyrics
http://www.tcreggae.com/archive.html à Twin City Reggae Lyrics
http://dooballoh.com à Dooballoh Reggae Lyrics
http://members.tripod.com/~raddy73/lyrics à Reggae Lyrics
http://reggaeexchange.com/lyrics_search à Reggae Lyrics Exchange
http://www.ilimit.com/calypso/lyrics1.htm à Dr. Calypso Lyrics
http://www.ilimit.com/calypso/lyrics0.htm à More Dr. Calypso Lyrics
http://www.yourmusiclink.com/styles/world à Calypso
ANEXOS
MÙSICA POPULAR ANTERIOR AOS ANOS 60
SLOW BOAT TO TRINIDAD (Calypso, 1955)
We re on a slow boat rockin , bound for Trinidad!
There s a warm wind blowin , bound for Trinidad!.
A shell of bad weed burnin , bound for Trinidad!
With a cool juice flowin , bound for Trinidad!
Now ders a party swingin , in the tropical heat,
I can see young girls dancin to the calypso beat.
Dem a-windin and skankin , shakin the coco trees,
Der bare feet hoppin anna
Jumpin , in the evenin breeze.
ROCK STEADY (Rock Steady – precursor do Reggae; Alton Ellis, 1959)
Better get ready
Come do rock steady, ooh
You got to do this new dance
Hope you re ready
You got to do it just like uncle Freddy
If you don t know
Just shake your head, rock your bodyline
Shake your shoulders, ev rything in time
Then see
Oh-oh-oh-oooh-oh-ooh
You got to shake your shoulders
Better get ready
Just to do rock steady, yeah
You got to do this new dance
Just like Freddy
You got to do it just like uncle Freddy
If you don t know it
Shake your head, rock your bodyline
Shake them shoulders, ev ry thing in time
Then see
Oh-oh-oh-oooh-oh-ooh
You got to shake your shoulders
Now you re ready
Let s do rock steady, yeah
You got to do this new dance
Now that you re ready
You got to do it just like uncle Freddy
Now that you know it
Shake your head, rock your bodyline
Shake your shoulders, ev rything is fine
Now see
Oh-oh-oh-oooh-oh-ooh
Ev ryone, oh dance
MÚSICA POPULAR NAS DÉCADAS DE 60 E 70
SATTA MASSAGANA (The Abyssinians, 1969)
There is a land far, far away
Where there s no night, there s only day
Look into the book of life and you will see
That there s a land far, far away
That there s a land far, far away.
/: The King of Kings and the Lord of Lords
Sits upon his throne and He rules us all
Look into the book of life and you will see
That He rules us all
That He rules us all. :/
There is a land...
Satta Massagana Ahamlack, ulaghize
Massagana Ahamlack, ulaghize
Ulaghize (repeat & fade)
__________________________________________
"Satta Massagana Ahamlack, ulaghize" is Amharic,
meaning : "give thanks and praise to God continually"
INNA BABYLON (Anos 60 – v. Dr. Calypso)
I wanna say "stand up!".
Stand up and fight for the human rights
All over the world.
I wanna say "smash up!".
Smash up racism, corruption and political clowns.
I wanna say "fight dem!"
Fight for the Earth and the Sun, and the rain.
Fight for brothers and sisters,
And love to the rest if they don t wanna fight.
We wanna say these words:
Stand up, smash up and fight them!;
Stand up, smash up and fight them!;
Stand up, smash up and fight them all!.
We are slavery inna babylon system.
Living inna wicked place.
Searching for goodness inna boat to Zion.
Freedom and peace in our soul.
I will not speak on beauty,
I will not speak on love.
I will not speak on truth or peace,
I will speak on blood.
Only darkness every day, and always the same way.
Look at the blood that we have shed in Sun and rain.
In rain and in vain.
I only hear the cry of Jah Jah Jah children.
Zion Chant (Judy Mowatt, 1973)
In this world, there s pure confusion
people dying because of sufferation
but I know a place where there is no confusion
and here is your chance to make your decision
we re going home
whoa children
might even run leave your clothes
we re going home
cause we african children
heads of government, we re calling on you
to free jah people from captivity
the longer yuh take the worse it s gonna get
cause when jah chant from zion up
yuh lighning and thunder
run dem asunder
whoa children
moving on
gotta run leave your clothes
we re marching on cause we are african children
in this world there s pure confusion
people dying because of sufferation
but i know a place where there is no confusion
and here is your chance to make your decision
we re going home
whoa children
just get on board
might even gon leave your clothes
we are african children
we re going home
wah yoy wah yoy wah yoy
children
we don t, we don t, we don t need no baggage
going home, whoa
WORTH HIS WEIGHT
IN GOLD (Steel Pulse, 1977)
Rally round the flag
Rally round the red
Gold black and green
Marcus say sir Marcus say
Red for the blood
That flowed like the river
Marcus say sir Marcus say
Green for the land Africa
Marcus say
Yellow for the gold
That they stole
Marcus say
Black for the people
It was looted from
They took us away captivity captivity
Required from us a song
Right now man say repatriate repatriate
I and I patience have now long time gone
Father s mothers sons daughters every one
Four hundred million strong
Ethiopia stretch forth her hand
Closer to God we Africans
Closer to God we can
In our hearts is Zion
Now you know seek the Lion
How can we sing in a strange land
Don t want to sing in a strange land no
Liberation true democracy
One God one aim one destiny
Rally round the flag
Remember when we used to dress like kings
Conqueror of land conqueror of seas
Civilization far moved from caves
Oppressor man live deh
I curse that day
The day they made us slaves I say
How can we sing in a strange land
Don t want to sing in a strange land
Liberation true democracy
One God one aim one destiny
Rally round the flag
Red gold black and green
A bright shining star—Africa
Catch star liner right now—Africa
A history no more a mystery—Africa
Respect and authority—Africa
Climb ye the heights of humanity
Rally come rally rally come rally
RASTA MAN CHANT [Traditional; Bob Marley, Peter Tosh, Bunny Livingston, 1971]
Hear the words of the Rastaman say:
"Babylon, you throne gone down, gone down;
Babylon, you throne gone down."
Said I hear the words of the Jahman say:
"Babylon, you throne gone down, gone down;
Babylon, you throne gone down."
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/Short instrumental break/
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And I hear the angel with the seven seals say:
"Babylon throne gone down, gone down;
Babylon throne gone down."
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/Short instrumental break/
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I say fly away home to Zion (fly away home);
I say fly away home to Zion (fly away home).
One bright morning when my work is over,
Man will fly away home.
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/Short instrumental break/
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One bright morning when my work is over,
Man will fly away home.
One bright morning when my work is over,
Man will fly away home.
Say one bright morning when my work is over,
Man will fly away home.