Notável influência exerce o passado sobre os habitantes da região serrana fluminense. Passei boa parte de minha adolescência na região e cresci ouvindo as histórias das fazendas de café, dos escravos, dos barões, das riquezas e das tragédias que se abateram sobre aquela região. A história ainda recente está muito presente na região, quer seja no casario colonial, no barroco de suas igrejas, nos dormentes da antiga linha férrea, e nos pés de café que encontramos em suas matas. O contexto social histórico verifica-se a todo instante: nos descendentes de escravos, na população fazendeira ainda detentora do poder local, no pleito eleitoral marcadamente coronelista, nas clãs familiares, na alimentação, vestuário, na nomenclatura de suas praças e ruas,etc.
A possibilidade de aprofundar o conhecimento da história da região surgiu na década de setenta. Na Biblioteca Nacional realizei intensa pesquisa sobre o período 1800 -1900, onde foram analisados documentos, fotografias, quadros e objetos que pertenceram aos que viveram naquela época. Realizei muitas visitas às fazendas de café e constatei em algumas o abandono e o desprezo pela manutenção do bem histórico. Em outras, graças à iniciativa particular, o bem está preservado e a história está viva, podendo ser olhada, tocada, e ser objeto de estudo daqueles que se interessam pelo patrimônio de seu país.
Em ambos os casos vale a pesquisa histórica, ou seja, a investigação crítica dos fatos, desenvolvimentos e experiências do passado, com a cuidadosa consideração sobre as validades interna e externa da fontes de informação e a consequente interpretação das evidências obtidas. Vale a pena também, a pesquisa etnográfica para observar a cultura daquele grupamento social, ou seja, o estudo imersivo daquela cultura com vistas à interpretação dos resultados numa perspectiva cultural.
Conhecendo a região e particularmente as cidades citadas no projeto de pesquisa, posso afiançar que existe farto material para uma análise histórica: são arquivos contábeis de antigas fazendas, objetos do período escravista, ferramental utilizado no plantio de café, retratos à oleo, fotografias, a arquitetura regional, cemitérios particulares das fazendas, igrejas e capelas, entre outros.
Torna-se urgente o registro iconográfico de todo o material, pois o tempo é inexorável e o resultado é o desaparecimento e a ruína.
Por outro lado, verificamos que o tombamento de bens por si só não resolve a questão. Exemplos temos diversos: o sítio histórico de São João Marcos, a capela da fazenda da Grama, o caminho histórico de Mangaratiba a Rio Claro, as ruínas do antigo teatro em Mangaratiba, e tantos outros, que necessitam de urgente infraestrutura e verbas para sua manutenção.
Parece que temos vergonha de nosso passado histórico. O sul do país preserva o bem histórico, a Europa preserva uma simples pedra sob a alegação que é um marco histórico. Por que não fazermos o mesmo no Brasil?
Algumas instituições tem se manifestado, e o caminho para o vale do Paraíba, sem dúvida, é o do turismo. Turismo direcionado poderá alavancar a preservação do bem histórico, a criação de casas de cultura, o envolvimento das prefeituras e do povo da região.
Mas, o objetivo maior é o da compreensão através do estudo das causas e fatores que contribuiram, neste hiato de cem anos, para a estagnação econômica da micro-região analisada, e propiciar a inoculação do vírus saudável da preservação do bem histórico em todos, para que possamos efetivamente olhar para o passado e encontrarmos o passado.
Na divulgação de minha pesquisa na Internet em http://sbreves.cjb.net "História do Café no Brasil Imperial", coloquei na página principal duas citações:
"Interrogai o mais vil serviçal, coberto de andrajos, nutrido com pão-prêto, dormindo sobre a palha numa cabana entreaberta; perguntai-lhe se quer ser ESCRAVO, melhor nutrido, melhor vestido, melhor acomodado. Não somente responderá recuando horrorizado, mas haverá alguns a quem nem mesmo ousareis fazer a proposta.
... Puffendorf diz que a escravidão foi estabelecida "como um consentimento das partes e por um contrato para fazer a fim de receber". Só acreditarei em Puffendorf quando mostrar-me o primeiro contrato". (VOLTAIRE, Dicionário Filosófico - 1764)
Palavras que refletem a indignidade que foi a escravidão no País, a luta por direitos sociais e o direito das minorias. A monografia é uma excelente oportunidade para o aprofundamento e a reflexão dessas questões levantadas.
Com o fim da monocultura cafeeira que se alastrou pelo Vale do Paraíba no Brasil Imperial, vemos o renascimento econômico de antigas cidades. Passados mais de cem anos, Piraí, Rio Claro e cidades vizinhas vivem atualmente, um período de desenvolvimento social, econômico e político sem precedentes no contexto estadual. O ouro verde dos barões e comendadores migrou para outras regiões, onde a melhor técnica e terras mais propícias justificaram e justificam o investimento no plantio da coffea rubiácea, retorna agora sob a forma de indústrias e trabalho para a população. Outrora, cidades ricas com infraestrutura razoável para os padrões da época foram dizimadas economicamente neste século.
Em 1864, Agassiz o viajante e naturalista suíço, relata em sua Viagem ao Brasil:
"o imenso desenvolvimento desse ramo de produção e a rapidez de sua expansão, sobretudo num país em que os braços rareiam, acham-se entre os fenômenos econômicos mais notáveis do nosso século".
(AGASSIZ, 2000,33)
E adiante completa:
"Mais da metade do consumo mundial é de proveniência brasileira."
(AGASSIZ, 2000,33)
Taunay prefaciando a publicação das cartas de Zaluar em 1952, refere-se aos "Milagres do café, pura e simplesmente. Novos milagres do café.", frente ao entusiasmo do viajante português extasiado com o mar de cafezais em sua "Peregrinação pela província de São Paulo" em 1860-1861.
Alencastro referindo-se à escravidão em "História da vida privada no Brasil", ressalta a população africana no Brasil:
"Tamanho volume de escravos dá à corte as características de uma cidade quase negra e - na seqüência do boom do tráfico negreiro nos anos 1840 - de uma cidade meio africana".
(ALENCASTRO, 2000, p. 75).
O que realmente aconteceu com essas cidades que viviam exclusivamente da produção e comércio do café?
A pesquisa fundamenta-se na análise de importantes acontecimentos que foram determinantes para a decadência econômica da região:
· a construção da Estrada Imperial de Mangaratiba a Rio Claro;
· abolição da escravatura pela Lei Áurea;
· a dissolução da fortuna em terras e escravaria dos Sousa Breves e aparentados - "reis do café no Brasil Império";
· a implantação da linha férrea na região - Rede Sul Mineira em 1881;
· a empresa The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd., em 1905, de origem canadense com capitais ingleses e norte-americanos, construiu a Usina de Fontes, a primeira grande hidrelétrica, no município fluminense de Piraí.
São vetores progressistas a priori e geradores de fatos econômicos, mas não se configuraram, pelo menos nas décadas a serem analisadas, em alternativa econômico-social.
A Estrada Imperial que corta a serra do Piloto ligando Mangaratiba a Rio Claro, foi o grande escoadouro do café vindo do altiplano em direção ao mar;
A Lei Áurea pôs fim ao obscurantismo e livrou o País do tráfico negreiro, mas não contemplava: as políticas sociais para absorção da mão-de-obra, o que fazer com o café produzido, a substituição do trabalho escravo e uma nova política agrária;
· O desaparecimento do poder político-econômico e social dos Breves e aparentados. Maiores latifundiários e produtores de café na Corte;
· A linha férrea que é considerada um fator de integração sócio-econômico, foi retirada da região e substituída pela estrada de rodagem;
· E por fim, a grande companhia de energia e construtora da primeira hidrelétrica da região, que tornou-se prisioneira de seu próprio gigantismo ao desapropriar e alagar grandes quantidades de terra para a construção do reservatório, desalojando populações, gerando doenças e mortandade, e contribuindo muito pouco para o progresso da região.
O estudo dos fatores sócio-econômicos que influenciaram e até hoje influenciam o desenvolvimento da região objeto da pesquisa, é importante para a compreensão da macroeconomia do Estado do Rio de Janeiro, que por ter abrigado a Corte Imperial, a Capital Federal da República, e ser por mais de cem anos o tambor ressonatório da política nacional, sofreu como nenhum outro estado todas as mazelas sociais e econômicas, refletindo-se no seu desempenho econômico. O desenvolvimento do interior do estado foi insignificante nesse período em contraponto com a região do Paraíba paulista, onde as medidas político-sociais e econômicos adotadas ensejaram uma economia mais próspera.
O baronato agrícola em São Paulo soube compreender os rumos que a economia tomava, bem como os rumos políticos da monarquia e logo em seguida da república, adotando um figurino econômico-social mais adequado aos novos tempos.
A conjunção de fatores sócio-econômicos e políticos exarcebados na província fluminense, não permitiu que a nova fase econômica aflorasse na região. Política é o nome do padrão adotado pela economia fluminense. Mas política para quem? Batia-se o tambor político aqui e ressonava-se em outros estados. Apesar do novo fluxo econômico, ainda estamos hoje, como estavam os negros enviados à força pelos fazendeiros como "voluntários da pátria na Guerra do Paraguai", aguardando no seu retorno, a mão estendida do governo que nunca chegou, para tristemente subirem aos morros e lá ficarem.
Vale a pena estudar e observar o comportamento dos ilhéus da Marambaia, paraíso idílico de restingas, praias e fauna preservadas?
Evidente que sim. Chateaubriand lá esteve em 1927 (O Jornal, 1927) e constatou a miséria de espírito e conformidade dos ex-escravos - pescando para comer, e só. Ainda estão assim os negros retirados da África, hoje ilhéus, sob a proteção da Marinha.
O período a ser tratado foi extremamente rico em fatos sociais, políticos e econômicos, com eventos de alta importância para o país, com reflexos em outros estados e no mundo. A micro-região constratava em poder e economia com a Côrte e República, através de seus barões "quase feudais", ou seja, sua influência na geração do fato econômico - o café; sua influência no fato político - as cidades, até então ricas, propiciaram grandes rebentos políticos; e o elemento externo - o negro, com sua cultura quebrando os paradigmas existentes.
Objetivos:
O projeto de pesquisa visa abordar as causas principais do declínio econômico-social das cidades do vale do Paraíba, com enfoque para a micro-região (Piraí, Rio Claro e São João Marcos) no período (1800-1920) e responder algumas questões sobre os fatores determinantes desse ocaso:
· A produção de café nas cidades de São João Marcos, Piraí, Passa-Três, São João do Príncipe, Pinheiral , Arrozal e Mangaratiba chegou a zero com a Lei Áurea.
· O impacto da construção do reservatório e represamento de Ribeirão das Lajes na vida dos habitantes da região;
· A substituição dos latifundiários de outrora pela poderosa Light & Power canadense gerando uma nova divisão de poder;
· O ramal ferroviário da RMV - Rede Mineira de Viação;
· A Educação através do primeiro estabelecimento agrícola da região: O patronato agrícola do Pinheiro, hoje Escola Agrícola Nilo Peçanha;
· Os barões do café: reis do interior em contraste com a Corte.
· O abandono da memória e patrimônio histórico: bens tombados ou não-tombados, bens existentes, fruto do restauro e dedicação de poucos.
· A desapropriação das terras da Marambaia pelo governo federal e a situação dos escravos-ilhéus.
Metodologia e Fontes:
População e Amostra
O universo da pesquisa abrange a região do médio Paraíba no Estado do Rio de Janeiro, com foco nas cidades/distritos de: Piraí, Pinheiral, Arrozal, Passa-Três, Rio Claro, Mangaratiba, e a Serra do Piloto onde se localizam as ruínas da cidade de São João Marcos.
Fontes de pesquisa
Para traçar um panorama do declínio econômico da região do Médio Paraíba fluminense, foram realizadas pesquisas em diversas obras de história, sociologia, economia, demografia, e depoimentos de viajantes estrangeiros no período.
Realizei ainda pesquisa nos acervos locais, preservados pelos órgãos públicos municipais, prefeituras das cidades, fazendas, etc., e no Rio de Janeiro foram consultados os acervos da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Foram consultados jornais, relatórios, correspondências, literatura produzida pelos viajantes estrangeiros que passaram pela região sul fluminense nos séculos XVIII e XIX, relatórios da província e do estado do Rio de Janeiro e obras gerais de referência. É importante mencionar os registros já existentes, de escritores locais sobre a região. Destaco as obras de Luis Ascendino Dantas, político nascido e criado em São João Marcos, que deixou uma vasta obra sobre a região.
Outra fonte importante foi a dissertação da historiadora Dilma Andrade de Paula, Doutoranda em História pelo Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense e Mestra em História Social , pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Internet - o site "História do Café no Brasil Imperial"
Outro fato interessante sobre essa pesquisa é o acolhimento da página pelo público internauta. São mais de 35.000 acessos desde 4 de dezembro de 1998, quando implantei uma estatística para acompanhamento, refletindo uma média mensal de 1.500 acessos/mês.
A surpresa é que o interesse por História é crescente no País. Na Internet existem centenas de iniciativas e o público que acesssa estas páginas cresce a cada dia.
Também realizei uma análise da correspondência recebida, via email para traçar um perfil do usuário que se interessa pela história. O público que freqüenta a página "História do Café no Brasil Imperial" é execelente, pela sua diversidade: faixa etária, local de origem, nível escolar e assunto. Estes quatro ítens foram mapeados e analisados e farão parte da página na forma de dados estatísticos.
Fundamentação Teórica
Para tratar do declínio econômico da microregião em tela, na literatura pesquisada encontramos subsídios suficientes para a elaboração monográfica. Praticamente não existe conflito de teses apresentadas, uma vez que, atualmente, o tema está na mídia em face dos 500 anos festejados pelo país, e têm sido objeto de discussão intensiva pelo meio acadêmico. Parece até que o Brasil foi redescoberto!
Alvíssaras! pois a produção literária só tende a crescer e a história oficial está sendo revista, com olhos mais argutos e clareza de opiniões, propiciando a todos amplo acesso ao conhecimento.
O confronto de estilo entre os fazendeiros da época: noveau e vieux style. Como por exemplo o Barão de Nova Friburgo, proprietário do belíssimo palácio do Catete e Joaquim Breves , o comendador marcense, intitulado por muitos "o rei do café no Brasil Imperial". Nova Friburgo é o novo estilo e Joaquim o antigo. Sabemos que mesmo com a Abolição, Joaquim continuava a traficar escravos (segundo registros em Mangaratiba).
O ufanismo à causa escravocrata e o landlordismo dos fazendeiros, são teorias facilmente verificadas na literatura. Taunay, Griecco entre outros partilham e adotam a expressão "gentleman rural", entendendo que a medida libertária da princesa Redentora, carecia de melhor cuidado político, tendo em vista a derrocada econômica que veio logo depois. Os ufanistas e perpétuos defensores da "nação livre" bebiam na fonte francesa e americana e lutaram arduamente pressionando o governo imperial.
A abordagem será feita sob o enfoque econômico, ou das políticas econômicas implantadas e seus efeitos. Inicialmente farei uma pequena retrospectiva histórica da produção do café e seus efeitos na região. Sua origem, disseminação pelo país, seus maiores produtores e seu ciclo econômico.
Extraído de Monografia do autor: Aloysio Clemente Maria Infante de Jesus Breves Beiler
Monografia do Curso de Pós-Graduação "Lato Sensu" em Gestão da Excelência Empresarial do Núcleo de Pós-Graduação, Especialização e Extensão - NUPEE do CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA - UNIFOA - Fundação MUDES. Rio de Janeiro 2001.
Título:
"Cidades Mortas: Declínio econômico das cidades do médio Paraíba na província do Rio de Janeiro no ciclo café. Aspectos econômicos, históricos e sociais das cidades de Piraí, São João Marcos e Rio Claro no período de 1860 - 1900".