Ela...
Tudo aqui parece com ela...
Tudo aqui tem aquele espírito dela...
Por um momento a vejo assim suspensa no meu pensamento como se não tivesse um ponto de apoio nem de equilíbrio. E a sua presença enche tudo e porque não dizer que também sou preenchido pela sua personalidade forte...
Dela...
Tudo aqui vem dela...
Tudo aqui tem o cheiro dela...
Tudo aqui tem o seu jeito gracioso de andar pra lá e pra cá, e até me vejo levantando disfarçadamente os olhos do texto que leio...
Tudo aqui é ela...
Ela vive aqui, ainda quando não está...
Lembro-me bem que no último dia que aqui esteve, passou várias vezes pra lá e pra cá, e eu lia. Cantarolava e ainda ouço a sua voz como se fosse uma melodia eterna a ressoar como eco em meus ouvidos.
“Que é que você lê?” perguntou. Mas antes que eu desse uma resposta desapareceu novamente pela porta, e ouvi que arrumava as coisas na sala ao lado. Ainda bem que não precisei responder, pois era ela a quem eu lia. Teria que responder isso se tivesse que ser sincero na reposta... Eu não conseguia ver o que lia do texto, porque a sua presença é maior que a presença de todas as imagens evocadas pelo encanto das palavras. E isso é tão evidente, que hoje, quando ela nem mais está aqui, a sua presença de espírito ainda ofusca as palavras que tento ler, e elas não me entram na mente, e só posso pensar nela ainda a cantarolar e passar pra lá e pra cá nesse vai e vem na passarela do meu pensamento...
Alguém disse que o homem que ama é fraco...
Também ouvi que a mulher que ama é forte...
Talvez tenha sido eu mesmo que num estado de loucura tenha descrito a mim mesmo, para justificar que um coração que ama não consegue se concentrar bem nas palavras, e elas passam a ter um outro sentido, e tomam rumos diferentes dos que a maioria dos homens fortes lhes dão... E como é que um homem que ama pode escrever a não ser na descrição do amor?...
Talvez tenha sido eu mesmo o louco que não pudesse admitir que uma mulher é muito valente sim quando acaricia com os dedos mágicos do seu coração. Porque a mulher quando ama domina o ambiente que ama, e os carinhos de sua alma parecem proteger o objeto do seu amor, seja lá quem for, com a mágica proteção de quem recosta ao peito a criança que adormece amamentando... É diante dessa proteção que o homem é fraco. E é por precisar todos os dias desse colo que ele ainda que negue, suspira e anseia. São essas mesmas mãos que dobraram de reis a camponeses, de presidentes a feirantes, de jovens a velhos por todos os tempos no desfilar dos séculos...
Mas no confirmar da loucura que sinto, não vejo fraqueza nenhuma nos homens que se aconchegam a esse regaço. Vejo fraqueza sim, naqueles que tentando se mostrar fortes numa exibição desesperada de se auto-afirmar, negam que por um instante se tornaram dóceis, como se esse ato em si, fizesse deles um pouco menos masculinos. E como se não fossem perfeitos os machos que pela beleza de se completarem exibam esse lado sem o qual a natureza não seria bela.
Tudo aqui vem dela...
Inclusive eu que a amo...
Tudo aqui é o amor...
Dela...