DA CRIANÇA FERIDA AO ADULTO RUMO AO SEU INTERIOR-
I - INTEGRIDADE E DILIGÊNCIA*
“Faça o melhor!
Comporte-se!
Seja bom!
Esforce-se!”
E eu me esforçava - e como! -
Para seguir essas ordens
Sempre soando nos meus ouvidos.
Tornei-me uma criança-modelo
Bem modelada, bem certinha
Para as expectativas satisfazer
Para qualquer condenação evitar
Para o amor merecer.
Ter mau comportamento?
Jamais tal atrevimento!
Isso me parecia pecado
Isso era castigado.
Por dentro, o caldeirão da raiva fervia, me oprimia
Mas eu não a deixava escapar.
Como uma criança-modelo pode ter raiva?
Se tenho raiva, como alguém pode me amar?
Renunciei ao meu verdadeiro eu
Para fazer tudo correto, esmerado
Para segurar o perfeito, sujeito a mim
Às minhas percepções de certo/errado.
Na idade adulta, perseguia a perfeição:
Jamais violar as normas sociais
Jamais perder o autocontrole
Jamais fugir da verdade.
Cada vez que alcançava essa meta
Explodia em êxtase a alegria.
Muito responsável nos afazeres
Cumpria à risca meus deveres.
Pontual ao extremo
O relógio soava as horas na minha cabeça
Avisando que não era para relaxar
E que sempre havia algo a melhorar.
Minha autocrítica ficou impiedosa
Não me dava o direito de ter qualquer prazer...
Uma coisa horrorosa!
Impiedoso era também meu dedo
Que, vezes e vezes,em riste, apontava para o outro.
Com freqüência, um medo me assolava:
Tomar decisões importantes
Porque erros poderia cometer
E adeus à perfeição dizer.
Apenas conseguia vacilar, hesitar
E empacar no passado
Para me ocupar de erros antigos
Lembranças de culpas passadas...
Minha aceitação e a do outro era difícil aprender.
Julgamento? Difícil não cometer.
Apaixonar-me? Só por uma criatura perfeita.
Mas se o verniz começasse a descascar
Queria tal pessoa mudar.
A voz vinda da infância
- Meu crítico interior -
Ecoava acusação:
Você não consegue se esforçar!
Cadê a força para melhorar?!
Cadê a perfeição?!
Atualmente estou encarando as imperfeições
As minhas e também as do outro
Já consigo vê-las como dificuldades.
Dou mais corda ao meu lado idealista, amigo, leal...
Consigo rir de mim e não me levar tão a sério
Isto é fe-no-me-nal!!!
Continuo a trabalhar duro
Procuro fazer tudo com apuro
Mas sem me cobrar.
Estou demolindo melindres e rancores
Neutralizando projeções
Buscando a serenidade
Vendo a vida com mais cores
Para muito... muito festejar.
O amor pela natureza me faz bem
Porque vejo as coisas crescerem
E o que está em crescimento caminha
Assim como eu, não um ser perfeito
Mas um ser humano que está construindo seu caminho
Aceitando que cada um de nós
É perfeito do seu jeito
Mesmo tendo muitos nós.
*Segundo David Daniels e Virginia Price,na tipologia do Eneagrama, há nove padrões de pensamento, sentimento e ação formados na fase de desenvolvimento da nossa personalidade. O padrão de cada um de nós começa na infância, pois a criança, de alguma forma, foi ferida e encontrou um jeito de sobreviver, ou seja, inconscientemente adotou um dos nove padrões para se defender. Isso o adulto carrega, porém pode caminhar rumo ao seu interior e reverter ou amenizar a ferida.
