Um paralelo da Física para a visão Budista das inter-relações entre o homem e o meio-ambiente
2ª. Parte
Porém, a própria investigação científica começaria a desestruturar muitas das nossas convicções no início do século XX. Aquela ciência que estava ao nosso serviço começou a ensaiar seus próprios passos. Notável foi a revolução do pensamento científico com os desenvolvimentos das teorias quântica e relativística. Em particular, na teoria quântica fomos levados a reconhecer a “probabilidade” como uma característica fundamental da realidade que governa os processos atômicos e mesmo a própria existência da matéria[15]. A “certeza da vida” sofreu aqui um golpe contundente. Essa “probabilidade” ou “incerteza” inerente à existência da matéria, e à ocorrência de todos os fenômenos, é tão bem conhecida dos Budistas através do SANTAI (Três Verdades – da transitoriedade ou existência temporária, da não-substância ou vacuidade, e do caminho-médio ou dualidade).
Diferente da “certeza da vida” e do “universo constituído de objetos observáveis e manipuláveis”, que são noções fundamentais da ciência analítica, o mundo atômico revelou-se ser constituído de partículas que não existem com “certeza” em pontos (lugares) definidos; mas, apresentam “tendências a existir”. De forma semelhante, os eventos atômicos não ocorrem com “certeza” em momentos definidos e de modo definido; mas, apresentam “tendências de ocorrer”[15].
As inter-relações de uma partícula no mundo atômico, nunca isoladamente, irão determinar o padrão de probabilidades que representa as suas tendências a se encontrar nas diversas regiões do mundo atômico. Se uma partícula elementar do átomo possui um Carma, este Carma é o seu padrão de probabilidades. O ponto importante é que o padrão todo (ou seja, o somatório de todas as probabilidades, que é igual a 1) é que representa a partícula e lhe dá uma identidade. A partícula, portanto, não pode existir fora daquele padrão de probabilidades.
Isto implica na inseparabilidade da identidade da partícula e do conjunto de relações que determinam o seu padrão de existência. A teoria quântica revela assim, um estado de interconexão essencial entre a partícula e seu mundo (o átomo). A teoria quântica mostra que não podemos decompor o mundo atômico em suas menores partes, capazes de existir independentemente, sem perda das suas propriedades e relações essenciais naquele mundo. Mais do que isso, a teoria quântica força-nos a encarar o Universo Atômico não sob a forma de um conjunto de objetos, mas, sob a forma de uma complexa rede de inter-relações das partes num todo harmonioso e unificado[15]. Isto é facilmente aceitável para nós porque, em relação ao mundo atômico, a nossa visão segue uma ordem de longo-alcance, ou seja, podemos perceber o todo.
Por outro lado, investigar, observar e realizar medidas no mundo dos átomos significa interferir nessa rede de inter-relações. O cientista, portanto, não pode ser visto como um mero “observador” distanciado do processo. Ele se envolve, participa e influencia nas propriedades e no comportamento dos objetos observados. Isto é tão importante que, recentemente, foi proposta na Física a substituição da palavra “observação” por “participação”. Essa idéia, entretanto, é antiga e familiar aos Budistas.
A noção de “participação” é assim fundamental na reformulação de conceitos e na determinação de uma nova atitude básica do homem com relação ao mundo exterior. O Budismo levou essa noção ao extremo em que o observador e o observável; ou seja, Sujeito(TI) e Objeto(KYO) são inseparáveis no princípio do ESHO-FUNI.
Em “Resposta a Shijo Kingo”, o Buda Mestre da Lei Nitiren Daishonin revela:
“... A verdadeira entidade manifestada em todos os fenômenos indica os dois Budas, Sakyamuni e Taho. Taho representa todos os fenômenos, e Sakyamuni a Verdadeira Entidade. Os dois Budas também indicam os dois princípios do Objeto(KYO) e o Sujeito(TI) ou a Realidade Objetiva e a Sabedoria Subjetiva. Buda Taho significa Objeto, e Sakyamuni, Sujeito. Embora sejam dois, estão unidos na Iluminação do Buda. Essa entidade nada mais é senão o Nam-Myoho-Rengue-Kyo”(1).
A teoria quântica aboliu a noção de objetos fundamentalmente separados, introduziu o conceito de participação ao invés de observação, e pode vir a considerar necessário incluir a consciência, ou a “vontade”, ou a “determinação” humana em sua descrição do mundo[15]. Conforme alguns investigadores científicos, existem partículas elementares (subatômicas) que, sujeitas ao “campo mental” de diferentes observadores, exibem diferentes comportamentos.
Aqui, para provarmos a Teoria Quântica na Prática Budista, basta estendermos o que já é amplamente aceito pela primeira no restrito campo da Física das Partículas para o macrocosmo ou o Universo de todos os fenômenos. Eho significa meio-ambiente; Shoho significa todos os fenômenos ou entidade da vida independente; Funi significa inseparáveis, daí a expressão Esho-Funi. Com toda certeza, essa noção de participação ao permear as relações do homem com a natureza e as relações deste na sociedade; forçará esse mesmo homem a rever as relações da sua mente para consigo mesmo, sua individualidade concreta, seu corpo. Essa verdadeira revolução humana, efeito e causa simultâneos de uma nova atitude básica do homem, como uma bola de neve, constituirá fonte inesgotável de soluções para os problemas que afligem a humanidade neste final do século XX.
John Lennon, numa de suas canções mais inspiradas dizia: “imaginem um mundo sem fronteiras...”. Não é difícil. Basta iniciar pela remoção da fronteira entre o indivíduo e seu próprio mundo (interior e exterior). O indivíduo só existe como uma fusão destes dois mundos. Como a entidade da vida poderá sobrexistir à destruição de qualquer um deles?