Diariamente somos atropelados pelos noticiários da mídia impressa e eletrônica (radiodifusão, televisão, internet, etc.). São escândalos envolvendo autoridades, violência em todos os graus e verdadeiras tragédias humanas; preconizando uma catástrofe iminente ou, como preferem alguns, o final dos tempos. Alguns dos protagonistas dessas histórias do cotidiano do nosso mundo agem por pura má fé; enquanto outros, a grande maioria, são vítimas dos primeiros que maquiavelicamente os manipulam para criar o ambiente propício para a sua progressão e perpetuação da sua ação maligna.
A banalização do sexo; do crime contra a pessoa; da violência de gênero, dos conflitos étnicos e religiosos; da agressão ao meio-ambiente; da má conduta social; e, finalmente, a banalização da própria vida parece estar transformando-nos em verdadeiros serviçais do demônio. Sim, a todos nós, inclusive aqueles que, atônitos diante do televisor, apenas assistem.
Não é assim. Participamos todos. Observem os anúncios e apelos comerciais entre uma má notícia e outra má notícia. Se fosse o contrário, convenhamos, seria absolutamente entediante uma seqüência interminável de boas notícias ou simplesmente informes de que tudo está em paz e as pessoas prosperam em suas vidas. Um noticiário deste tipo não venderia comprimidos, fechaduras, seguros, residências em condomínios fechados, comida para cães, convênios médicos, sorteios e bebidas alcoólicas; todos eles, veiculados subliminarmente antes, durante e após os noticiários.
Se você pensa em simplesmente desligar os aparelhos e tentar ignorar os fatos, lembre-se que a auto-exclusão social poderá transformá-lo na próxima notícia. A única solução é combater, uma vez que participamos de tudo isso. Mas, quem são nossos inimigos e por onde começar? Os incorrigíveis são distinguíveis daqueles que estão apenas doentes e são vítimas? Existe alguma diferença entre a corrupção da mente e a simples perda da consciência?
Positivamente existe. Por mais que as ações de uma e de outra se assemelhem, ou por mais que tais ações tenham a mesma conseqüência; a diferença está na índole da mente que as perpetram. Corrupção é sinônimo de falha, ausência, má formação ou degeneração; consequentemente, incorrigível. Por sua vez, a inconsciência está para um estado de letargia ou entorpecimento, podendo ser revertido através de estímulos externos. Até para dar consistência à realidade, esses dois tipos de mente precisam existir como partes essenciais da Verdade Última, ou seja, o Buda em estado de latência (inconsciente) e o Devadatta em estado potencial (o corrupto). Todavia, convém saber diferenciá-las mesmo quando agem em associação.
A mente corrupta precisa da mente inconsciente (ou doente) para manipular os atributos que ela não possui: a fé, a coragem e a sabedoria. A mente corrupta só pode desenvolver algum poder, emprestando das mentes inconscientes as virtudes que ela não possui.
Como vivemos numa época maléfica, profetizada pelo próprio Buda, época esta em que os três venenos da avareza, da ira e da estupidez penetraram profundamente nas vidas das pessoas, tornando-as inconscientes; numerosos são os exércitos e grande é a massa de manobra para os destituídos da fé, os covardes e indolentes que agem em seu próprio interesse.
A corrupção também pode surgir pelo envelhecimento, desagregação ou decomposição do caráter de um indivíduo. Neste caso, ela se manifesta da mais grotesca forma na figura do “velho sem vergonha”. Não deixa de ser maligna por ser grotesca; mas, diferente do corruptor que age freqüentemente manipulando as virtudes de outrem, o “velho sem vergonha” é corruptor de si mesmo, cai vitima de sua morte espiritual, perde a decência exalando o odor das suas intenções à distância. Felizmente, o potencial do “velho sem vergonha” para contagiar outras pessoas, mesmo os inconscientes, é menor porque ele torna-se repugnante. Embora menos perigoso, costuma instalar-se nas entranhas das instituições, passando muitas vezes despercebido na sua ação parasitária.
Como, de uma maneira geral, reconhecê-los? É sempre pela sua ação, e se não houvesse uma forma prática, essa seria uma luta inglória. Para esse efeito, lançaremos mão de dois registros insuspeitos, de épocas diferentes e que falam de uma mesma realidade. O primeiro registro é uma exclusão dos corruptos e o segundo uma advertência para os inconscientes. Aqui, uma vantagem oferecida somente pelo Budismo é que o teste pode ser feito em casa, não sendo necessário recorrer a nenhum intermediário entre a pessoa e o Ser Supremo.
O primeiro destaque é do Capítulo Juryo do Sutra de Lótus:
“... com a finalidade de salvar os povos,
deixei-os testemunharem o meu Nirvana.
Mas, na verdade, eu não morri.
Estou sempre aqui ensinando a Lei
Estou sempre aqui.
Mas, devido ao meu poder místico,
as pessoas de mentes corruptas não podem me ver,
mesmo quando estou perto”(3).
O segundo destaque é do romance de Ralph Ellison, “Homem Invisível”:
“Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assombravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de Hollywood. Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e líquidos – talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver”(9).
A distância das fontes é proposital, apenas para contrapor sabedoria e realidade, ainda que a primeira seja permanente e esta última transitória. Porém, por distantes que possam parecer, ambas se referem à angústia do Buda, por um lado, cujo inferno é o sofrimento de todos os povos e tem como objetivo conduzir as pessoas à iluminação e, por outro lado, à angústia de um jovem professor negro cujo inferno é o racismo norte-americano e tem como objetivo a conscientização da sociedade americana (brancos e negros) quanto à estupidez daquela segregação e discriminação. Nos dois casos a cegueira é a mesma: a da mente corrupta no primeiro caso, que não pode ver; e a da mente inconsciente e doentia do segundo caso, que se recusa a ver. A única diferença está em que a primeira é incorrigível e a segunda pode ser curada.
O teste segue de uma maneira muito simples. Observe se as ações do indivíduo se coadunam com as normas de boa conduta; se possuem algum sentido humanitário; se caracterizam uma intenção altruísta; se concorrem para o (re)estabelecimento da verdade e da justiça; se trazem uma mensagem de fé e esperança para os menos favorecidos; se, num sentido geral, são acolhedoras e benevolentes. Caso contrário, ponto a ponto, o corrupto denunciar-se-á através da improbidade (má conduta), da animalidade, do egoísmo, da mentira, da iniqüidade, da bajulação dos poderosos e da aversão aos menos favorecidos.
A aplicação do teste também não é difícil porque os corruptos ocupam todos os espaços de comunicação de massa para iludir e ludibriar os inconscientes, tão úteis para a sua progressão. Menos freqüentemente aparecem nas páginas policiais dos jornais, ou no imenso espaço reservado na mídia para noticiar crimes, porque ali geralmente encontram-se as suas vitimas. Não se deixe enganar. Não tenha também a ilusão de encontrar aqueles que verdadeiramente os combatem nesses espaços nobres da mídia, salvo por um exíguo tempo. Esta é uma luta silenciosa, que se desenrola a partir do despertar de cada pessoa. É um levantar-se só, combatendo-se primeiramente o poderoso inimigo interior e, depois, aquele que nos assedia quer seja no nosso circulo próximo, quer seja através dos meios de comunicação.