A CONSAGRAÇÃO DO INSTANTE
NAS SINUOSIDADES DA POES Silvânia AlmeIA DE PAULINO VERGETTI
ida da Silva
RESUMO:
Este
trabalho tem como objetivo retratar a consagração do instante nas sinuosidades
das poesias de Paulino Vergetti. O autor consegue com seu estilo singular,
conduzir o leitor pelos meandros da história nascida de um encontro fortuito,
efêmero, mas que se transforma em um instante consagrado.
Palavras-chave: Poema. Consagração do instante. Paulino
Vergetti.
Poesia respira, joga
com pausas, alterna silêncios e frases (os versos). Poesia é bonito na página,
é festa tipográfica. Festa para os olhos. Ritmo visual que vira sonoro, quando
lemos o poema em voz alta. Imaginação e sabedoria combinadas numa certa
vertigem, a velocidade das estrofes. Linguagem concentrada que, no entanto,
pode distender-se, estender-se. Todos os cinco sentidos traduzidos, por meio da
palavra, em coisa mental. Coisa mental que se pode comunicar pela fala, guardar
na página ou na memória, que nem talismã.
(Ítalo Moriconi)
Observando a citação acima, de Ítalo
Moriconi, poderíamos transpô-la para definir a escrita poética do autor Paulino
Vergetti; um alagoano nascido na cidade de União dos Palmares, casado, dois
filhos e residente em Maceió. Médico oncologista renomado, que divide o seu
tempo entre a felicidade que a literatura lhe proporciona ao escrever e a alegria
de poder salvar vidas com sua profissão. Especialista em Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) possui
vários prêmios literários, além de várias comendas, o que tem alimentado o ritmo
frenético de sua produção literária. É também escritor de crônicas e contos
para “O Jornal” de Alagoas, e membro de
diversas instituições ligadas à cultura, como a Academia Alagoana de Letras,
Academia Alagoana de Cultura, Academia Maceioense de Letras, União Brasileira
dos Escritores, Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores, dentre outras.
Atualmente possui mais de trinta livros publicados, entre contos, crônicas, romances
e poesias.
Este trabalho tem como objetivo retratar
a consagração do instante nas sinuosidades das poesias de Paulino Vergetti. As
obras desse autor portam um significado externo, aparente, facilmente
observado, e outro interno, subjacente, implícito, transcendental, o qual não se
explica pela razão, aspecto este que lhe emprestaria seu maior valor, seu mais
profundo significado. O autor consegue
com seu estilo singular, conduzir o leitor pelos meandros da história nascida
de um encontro fortuito, efêmero, mas que se transforma em um instante
consagrado. Falando das limitações
humanas, do amor, da importância da verdadeira amizade, analisando sonhos,
palavras ditadas pelo inconsciente, tratando do homem ante a beleza e os
mistérios da natureza, Vergetti conduz seus leitores a grandes lições de vida.
Segundo Octávio Paz (1982) “a palavra poética é histórica em dois sentidos
complementares, inseparáveis e contraditórios: no sentido de construir um
produto social e no de ser uma condição prévia à existência de toda sociedade.”
(p.226)
Os poemas que compõem o corpus desta
análise fazem parte da obra Por amor à
vida (2004), composta por 108 poemas. São versos que traduzem o modo como o
autor percebe o cotidiano insípido, as vivências turbulentas, o amor e o desejo:
Separação
Se acaso o acaso me beijar
e a madrugada chegar-me triste,
o dia será louco enquanto existirmos
tu e eu separados.
Beijos e falas não nos aproximam mais.
Só a terra firme nos sustenta,
como as penas leves no redemoinho
que simplesmente passam.
Ainda vejo a estrada
empoeirada e fria
como nossos olhos baços
na moldura estragada e tão vazia,
antes de desarmarmos
nossas próprias almas.
(VERGETTI NETO, p. 125)
A poesia Separação traduz a sensibilidade do eu poético, falando de um amor
infinito, combinando sabiamente às palavras para falar de um inconformismo que
brota do âmago da alma humana diante da separação de um amor. Como podemos
notar nos versos:
Se acaso o acaso me beijar
e a madrugada chegar-me triste,
o dia será louco enquanto existirmos
tu e eu separados.
Esse momento de reflexão propicia a
consagração de um instante em que “o acaso” beija e a madrugada é triste. A
imagem da separação segue-se a da dúvida, “Se acaso o acaso me beijar...” e
marca a interrogação da lucidez do eu diante da vida. O poeta exercita sua capacidade de doar
sentido e sentimentos capazes de provocar efeitos e inquietações no leitor, ao
mesmo tempo em que nos versos seguintes chama ao reencontro, as vias perdidas,
a recompor as forças:
Beijos e falas não nos aproximam mais.
Só a terra firme nos sustenta,
como as penas leves no redemoinho
que simplesmente passam.
O reconhecimento da inquietude real da
“separação” é absolutamente necessário para que possa, dessa maneira, estar
consigo mesmo; esse momento de introspecção permite ao sujeito lírico reavaliar
o que lhe parece estar errado em relação ao seu amor. Um chamamento à
realidade, com uma leveza poética, “penas ao redemoinho”, capaz de suscitar
emoções e reflexões em cada expectador. Nos últimos versos, o autor deixa
aflorar a sensibilidade e as emoções para falar de um instante privilegiado:
Ainda vejo a estrada
empoeirada e fria
como nossos olhos baços
na moldura estragada e tão vazia,
antes de desarmarmos
nossas próprias almas.
A consagração desse instante ocorre no
momento em que o homem procura eternizar um acontecimento, uma ação, um
sentimento, quando exala emoção decorrente da dor das almas separadas a vagar
pela “estrada fria”. A ausência da pessoa amada retoma momentos da vida que passaram
no espaço e no tempo, mas que continuam presentes através da memória. Segundo
Armino Trevisan (1993) a poesia é “uma forma de apalpar as coisas com o
coração” (p. 38); sendo assim, Vergetti toca, através da sua poesia, o que há
de mais íntimo na alma humana, traçando um fazer poético que representa a
totalidade do sentimento que lhe preenche a vida.
Não é o rebuscar das palavras que
qualifica um poema. A transcendência da palavra ocorre pela combinação entre o
sentido e o significado que a mensagem busca concretizar no poema. Neste
sentido, pode-se afirmar que o poeta Paulino Vergetti, está atento à
comunicabilidade e às sensações que o poema pode desencadear no leitor e,
assim, perpetuar a palavra poética na história.
Escritor de estilo intenso, claro e sem mistérios, combina beleza,
equilíbrio, sonoridade, ritmo e leveza. Como pode-se perceber nos versos de:
Minhas luas
Esta lua solitária no céu,
grande e gloriosa,
cintila só para mim.
Clareia um céu escuro,
mora em minha solidão,
gosta tanto da noite.
Faz-me estrela de um céu
enluarado e distante,
busca minhas ilusões
dentro dos pardos
de claras madrugadas
feita dos meus sentimentos.
Sou grande lua
viva só nos sonhos desabrochados
quando durmo para a realidade.
(VERGETTI NETO, p. 33)
Os versos iniciais do poema “Esta lua
solitária no céu, (...)” demarcam um momento único, no qual o sujeito lírico
entrega-se à contemplação, às delícias do sonho. E, imagina uma lua só sua,
capaz de aquietar um coração solitário. É nesse instante que o olhar contemplativo
desdobra-se par alcançar “a lua”, quando o eu poético se satisfaz. No trecho:
Faz-me estrela de um céu
enluarado e distante,
busca minhas ilusões
dentro dos pardos
de claras madrugadas
feita dos meus sentimentos.
Vergetti cria imagens “suaves” para
revelar um desejo de voltar à totalidade, retomar seus verdadeiros anseios,
tornar próximo o que já se vê distante, estabelecendo a ligação entre o Efêmero
e o Eterno. E “esse instante é ungido com uma luz especial: foi consagrado pela
poesia, no melhor sentido da palavra consagração.” (PAZ, 1982, p.227) Diante
disso, poderíamos afirmar que a obra artística tem o poder de retratar um
instante e, ao mesmo tempo eternizá-lo. Assim como no poema:
Perfume gasto...
Retratos de infância
Pensando, reli;
Escrevendo, guardei;
sentindo-os, chorei
ainda apaixonado pela vida.
É tudo o que tenho
guardado no peito
manchado de medo
desnudos segredos
um dia vivi.
Hoje, já velha madura
a foto rasgada,
flor murcha doída
triste e despetalada
um velho choroso que ri.
Retratos de infância que o vento levou
dão-me ainda a saudade
que o tempo gastou.
Sou alma, sou corpo, sou fino perfume
que o tempo gastou.
(VERGETTI NETO, p. 153)
Na leitura do poema Perfume gasto, o sujeito lírico descreve suas lembranças de
infância, perpetuadas em um momento nostálgico:
Retratos de infância
Pensando, reli;
Escrevendo, guardei;
sentindo-os, chorei
ainda apaixonado pela vida.
Nos verbos reli, guardei, chorei, a
idéia de passado e memória é intensificada e sugere a passagem de um tempo que não
volta mais, “retratos de infância.” A melancolia do eu lírico, ao fazer esta
constatação, é percebida também no trecho seguinte:
É tudo o que tenho
guardado no peito
manchado de medo
desnudos segredos
um dia vivi.
A transitoriedade da vida demarcada em
um tom quase imperceptível, calmo e triste; a brevidade de momentos eternizados
no tempo e guardados no coração. O peito aparece como metáfora para dizer dos
sentimentos escondidos que um dia viveu. E, agora, vê seus “segredos desnudos”
por lembranças que latejam, reafirmando que o instante é pleno: a emoção de pertença, a emergência de contrapoderes que
ambicionam limitar os caprichos do tempo. Em um outro trecho o autor
demarca, claramente, a passagem desse tempo:
Hoje, já velha madura
a foto rasgada,
flor murcha doída
triste e despetalada
um velho choroso que ri.
Nessa passagem, o eu lírico percebe e
assume que mudou fisicamente e interiormente. Mais uma vez nos fala dessa
“passagem”, da fugacidade da vida, “um
velho choroso que ri”, uma mistura de melancolia e felicidade. A saudade do que
um dia viveu e a alegria de poder ter vivido:
Retratos de infância que o vento levou
dão-me ainda a saudade
que o tempo gastou.
Sou alma, sou corpo, sou fino perfume
que o tempo gastou.
A
apreensão do fugidio busca no ar o momento em que o passado se faz presente, aquele
presente impossível de capturar que quando se torna matéria da memória se torna
coisa perpétua. É o instante fugaz que se torna rio perene da memória; que traz
um aroma de perfume capaz de permanecer exalando no ar, embora já tenha se passado muito tempo. O instante
puro, materializado em fala, em dança, em gesto, em letra, em risco, em cor; acordando
lembranças, aguçando desejos, consagrando instantes: “um tempo que é sempre
presente, um presente potencial, que não pode realmente se realizar a não ser
fazendo presente de uma maneira concreta num aqui e num agora determinado.” (PAZ,
1982, p.228) Dessa forma, a poesia de Paulino Vergetti procura deixar
apreendido o instante, o momento transcorrido; o passado surge como
acontecimentos que permanecem no tempo, eternizados; instantes que são
consagrados nas sinuosidades da poesia.
REFERÊNCIAS
PAZ,
Octávio. O arco e a lira. Rio de
Janeiro: Nova fronteira, 1982, p. 225- 240.
TREVESAN,
Armino. Reflexões sobre a poesia. Porto Alegre: Jupaess, 1993, p. 38-41.
VERGETTI
NETO, Paulino. Por amor à vida. São
Paulo: RG Editores, 2004.
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