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Teses_Monologos-->Cangaço Novo -- 02/04/2002 - 10:19 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Devo admitir como todo mundo que o cangaço acabou com a morte de Lampião, e a derrocada do bando de Corisco?

As cabeças expostas em praça pública e depois no museu de Salvador devem forçar a dedução natural de que o movimento do cangaço acabou?

Que o fanatismo de Canudos, Contestado e Juazeiro teve finalmente um fim?

Devo acreditar que não deixaram herança alguma: Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco!? – “Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato/ Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zabelê...”.

Pode-se dizer que o cangaço iniciou com as revoltas populares de Canudos, Contestado e Juazeiro, mas tomou forma com as seguidas empreitadas de um vasto grupo de bandoleiros sanguinários desde o final do Século XIX, até o meio do século seguinte.

Todos cangaceiros deram o passo inicial em direção ao cangaço, depois de terem suas esperanças destroçadas, através do poderio desmedido de certos Coronéis, ou seus apadrinhados. Movidos pela injustiça e revolta, e resolvidos a se vingarem contra seus malfeitores, adentravam na caatinga em busca de vida fácil. Talvez você pode pensar que a vida no meio da caatinga deveria ser difícil, com todo aquele sol na moleira, a garganta seca, saliva nenhuma, e um suadeiro na testa. Diferente do que pensavam os próprios cangaceiros, que já estavam acostumados a tais condições, e que pelo excesso de dificuldades na vida, que achavam a vida no cangaço uma maravilha, e já até sabiam de onde retirar a água tão escassa nas caatingas – Dentro das batatas de Umbu, encontradas na terra, que ao serem espremidas, vertiam um líquido viscoso e branco que apesar do gosto, possui todas as propriedades da água. Não tinham a falta de dinheiro, e tão pouco de comida, roupa não faltava, liberdade menos ainda. A vida no mato era tudo que eles queriam, mas o ambiente em que viviam não lhes deixava em paz nos afazeres do campo. Nenhum foi pro cangaço por livre e espontânea vontade, foram todos impelidos pelas injustiças dos mais fortes.

Muitas richas entre famílias, originaram lutas desiguais, onde o lado mais fraco, e sempre injustiçado, seguia os rumos do cangaço. A única saída era o cangaço, ou a polícia, denominada volante, que também era muito temida pela semelhança dos métodos utilizados pelos cangaceiros. Caso os habitantes escapassem ilesos dos saques e pilhações dos cangaceiros, dificilmente escapariam das volantes, que geralmente seguiam os passos dos cangaceiros. Os cidadãos, já não mais sabiam o que era pior, o bando de cangaceiros, ou as volantes.

A princípio, nas terras D’além mar, em Portugal, também existiu um súdito revoltado, que juntou um bando e viveu de crimes, roubando o que podia, e vivendo do que adquiria. Assim como todos cangaceiros, Giraldo Giraldes desafiou com resistência, a força dos soldados do Rei. Em Canudos os Jagunços de Conselheiro remetiam aos cangaceiros, enquanto em Juazeiro, o próprio Padre Cícero teve influência primordial no último ciclo do cangaço, através da crença de Virgulino Ferreira, o Lampião.

É certo dizer que hoje em dia o cangaço acabou? Deixando de lado a velha crença de que cangaço é sinônimo de banditismo, alguns movimentos contemporâneos e atos isolados não se deixam de remeter aos tempos áureos do cangaço.

O cangaço pode ser dividido em três ciclos; Jesuíno Brilhante foi o grande cangaceiro do primeiro ciclo, juntamente com Cabeleira, que até pode ser considerado um dos precursores. Numa história tão recente, mas igualmente tão cheia de furos, este primeiro ciclo não teve a documentação necessária pra que fosse completamente estudado. Pode-se até remeter-se ao Rio Grande do Sul, na figura do Baiano Candinho, um negro nordestino, que exerceu forte resistência em pleno século XIX nas terras do sul, nos moldes do cangaço conhecido do nordeste.

O segundo ciclo do cangaço pôde ser conhecido através da figura de Antonio Silvino, mais divulgado através dos folhetos de cordel, existentes até hoje. Seguido por Sinhô Pereira, que pode se encontrar situado entre o segundo ciclo e o terceiro. Lampião é o patrono do terceiro ciclo do cangaço, e como iniciou-se no cangaço, através do bando de Sinhô Pereira, participou do final do segundo e foi o Rei do cangaço até o final do terceiro ciclo, nos anos 40, quando tombou em Angico.

O terceiro ciclo também foi conhecido pela presença das mulheres no cangaço. Apesar de Jesuíno Brilhante também ter se embrenhado no cangaço, com toda a família a tira-colo, filhos cachorros, mulher, periquito e papagaio, o números de mulheres no cangaço cresceu apenas com o precedente de Lampião. Que ao trazer Maria Bonita pro cangaço, foi seguido por Corisco com Dada, Labareda com Mariquinha, Azulão com Maria, Virgínio com Durvalina, e Zé Baiano com Lídia, e este após a traição de sua mulher-rendeira, passou a marcar suas iniciais –JB – nos rostos das mulheres que encontrava pela frente. Pensar que as funções femininas no cangaço limitavam-se a cozinhar, lavar, passar, e render, é um equívoco. Os homens eram quem cozinhava, dentro das batatas de Umbu, encontradas na terra, de onde já haviam extraído a água, e após rasparem um buraco, depositavam a carane crua, jogando num buraco em brasas, até que cozinhasse o alimento. Alguns dizem que era uma maravilha, um manjar dos deuses, além de ser muito nutritivo.

60 anos depois, o cangaço ainda mostra força em movimentos populares, e ações isoladas de revoltosos contra o sistema, que os espremeu até transformarem-se em suco de laranja. O cangaço urbano está representado pelos movimentos organizados nas favelas e entornos das cidades grandes. Nos presídios tem um tal de PCC, e ainda o grupo de seqüestradores do Andino em são Paulo, mas tudo isso é considerado de banditismo, que não tem nada a ver com cangaço, mas pode até ser considerado uma forma de expressão, bastante similar ao cangaço em questão.

Notícias populares, veiculadas em jornais especializados, ou não, informam que o cangaço não acabou. Que Lampião ainda vive em Goiás, e foi visto no Maranhão. Corisco escapou ileso da emboscada pelo Zé Rufino, e viveu feliz até hoje escondido sob outro nome ao lado da companheira Dada. Tudo isso desmentido, tanto pela filha e neta de Lampião e Maria Bonita. Algumas informações, mais precisas, servem de demonstração que o cangaço ainda vive, e que no dias de hoje, seriam preciso um número muito grande de descontentes, que fizessem oposição às forças da lei.

A figura do cangaceiro está cada vez mais ao banditismo e ao tráfico de drogas. Vejamos o exemplo do agricultor Francisco José da Cruz de Pernambuco, que em decorrência à morte de um parente, e sua possível vingança, escondeu-se nas cavernas das cercanias de Belém do São Francisco. Mais uma vez, richas familiares depõem para a formação de mais um grupo de cangaceiros modernos. Por ser agricultor, Chico Benvindo como é conhecido, iniciou o cultivo de maconha para custear suas aventuras no sertão da caatinga, bem no centro do Polígono da maconha.

O Movimento dos Sem Terra, pode ser uma demonstração pacífica nos moldes do cangaço. E vez em quando, até mesmo podem ser registrados alguns casos de violência contra os cangaceiros futuristas. Que mesmo amparados nas leis da reforma agrária, escondendo uma profunda inocência, não podem fugir da injustiça de não terem com que dinheiro cultivar, colher, e concorrer contra os gigantes latifundiários, subsidiados pelo governo, com o dinheiro do próprio povo.

O cangaço continua vivo dentro de nós, porque representa uma forma de revolta contra o sistema... Tornemo-nos cangaceiros alumiados pelas luzes fosforecentes dos néons brilhantes da selva de torres de concreto, prata e latão.



Biografia:
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 9 ed. RJ. 1991.
FERREIRA, Vera e Antonio Amaury. De Virgulino a Lampião. SP. 1999.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História do Cangaço. 5 ed. SP. 1997.
FERREIRA, Fernando. Noite de Reis. RS. 1966.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 25 ed. RJ. 1957.


LEIVA, Ana Paula. Correio Brasiliense – História de Violência. Pág. 16. 03/12/2000.
RIBEIRO, Vitor Manuel. Dom Afonso (I) Henriques, O Conquistador. http://www.terravista.pt/PortoSanto/2138/afonsolt.htm


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