Monólogo do Preso
Dedicado a Anistia Internacional
A vida carcerária é desumana. Daí presume-se, que, qualquer idéia para quem está encarcerado é válida. Por isso quando recebem uma bíblia ou outra literatura sagrada, freqüentemente até com indiferença, pouco tempo depois, percebe que na sua leitura reside uma chance de aliviar a carga. Nesse caso, por falta de opção, a conversão é quase automática. É como se a custódia, de repente, se tornasse um seminário. Todo o mundo lendo e tentando interpretar a palavra dos mestres. É um fato inusitado, um cenário de comédia, um divertimento.
Apesar de já existir uma lei da tortura no Brasil, nada mudou nas prisões e nas ações dos maus policiais. Pois como os promotores não têm índole para controlar a polícia, por inaptidão, não conseguem êxito. Em dadas situações a atuação deles é tida pelos detentos como mais detestável do que a da polícia. Entre os primeiros existem os maníacos, mas, há os que trabalham a sério. Porém, raro se ouve um preso falar bem dos torturadores morais. E quando o acusado é inocente, a revolta é tão doída, que vivem rogando praga, à espera da justiça divina.
Recordação da Incerteza
– O governo quando sanciona uma lei como essa, contra a rotina da tortura, quer somente se isentar de culpa, atitude própria dos covardes. Na verdade, o nosso meio a cada dia se agrava mais. Os direitos humanos não funcionam porque ficam nas mãos de pessoas inexperientes e de “santos de pau oco”, que não se preocupam com pobres. Entre os policiais existe gente boa que enfrenta reações e tem coragem de se opor às barbaridades. Contudo, esses policiais compõem uma minoria esquecida, que não têm vez. Ela é colocada sempre em setores sem expressão. Eles se limitam em cumprir o seu dever sem tomar partido, porque sabem por tarimba pessoal, que nessa área acontece de tudo, e não têm a quem recorrer. Os outros os respeitam porque os conhecem, sabem que não são bobos nem conluiados com a podriqueira. Porém, o grupo partidário da violência, da arbitrariedade, da corrupção, da jogada suja, que se julga superior por estar continuamente no comando, se puder arrebenta com a vida deles. São policiais acossados que não podem cometer erros, do contrário, os urubus o comem vivo. Aos demais, é permitida toda sorte de abuso, e somente quando extrapolam, é que os chefes ficam receosos e são obrigados a tomar alguma providência, ainda que de forma tímida e negociada. Neste covil só aparece alguém dos direitos humanos, quando algum advogado de rico chama! Contudo, aquele que vem aqui, não sabe por onde começar. Às vezes uma polícia prende e leva para a outra recolher o preso. E todos os dias com a anuência dessa, manda buscá-lo para torturá-lo; isso durante semanas seguidas. Nestes lances imprevistos os representantes dos direitos humanos e os advogados são inúteis. Os presos ficam sabendo de tudo e gozam perguntando ao outro se gostou dos mergulhos na lama. Contudo, só ocorre essa rotina com os miseráveis! Esse coitado a quem fiz alusão enviou carta contendo denúncia para o Ministério da Justiça, Câmara dos Deputados, Anistia Internacional, Promotoria de Justiça e ninguém respondeu coisa alguma. Nunca recebeu sequer, uma visita de um funcionário subalterno das comissões... Acredito que os destinatários nem ao menos leram as suas queixas. Que talvez nem chegaram às mãos deles, devido ao zelo dos subordinados. Ele era um desvalido! A mulher já se achava presa em flagrante forjado; a filha de cinco anos de idade fora seqüestrada, e estava em poder da polícia para ser utilizada como arma para chantageá-lo; o advogado era um cafajeste pago por um delegado, chefe da quadrilha, para incriminá-lo; o desgraçado ficou num beco sem saída. Só faltou mandar carta para o presidente, outro que fecha os olhos para não ver as atrocidades. Para ele não restou opções. Na nossa atividade a coragem faz a diferença entre um policial ladrão e um bandido de raça. O primeiro, apesar de acobertado pela lei, só assalta com medo e na retaguarda. O marginal é ousado, arrisca-se; não chora quando é pego; enfrenta sem carteira a guerra na rua; cumpre seu papel. Outro caso que mostra a diferença de postura, são os exames realizados pelo IML que por vezes revelam os traços da personalidade pervertida de muitos médicos da polícia. O policial fora-da-lei chega são e salvo. Os demais, não obstante entrem triturados, sua integridade física é freqüentemente atestada como normal. A culpa é dos governantes; dos responsáveis pela elaboração das leis; dos marginais da segurança; todos são bandidos iguais a nós, por isso existe tanto ódio contra a população. O meio policial é uma lástima. Às vezes o sujeito é preso por um investigador conhecido do seu submundo porque pratica os mesmos crimes. Porém, ele não tem a quem denunciar. Muitas vezes o camarada é “macho”, sabe que vai apanhar muito, mas fala, encara até a morte se for preciso, mas não tem escolha, porque a podridão é geral. Na polícia a versão do delegado é a expressão da verdade. E essa prática só terá um fim, com a extinção do Inquérito Policial, reduto de falácias, de mentiras e fraudes. O “xadrez” é uma escola onde se vê e se aprende muitas coisas em pouco tempo. Aqui, até um policial, corre risco. Quando é chamado para depor, tem de mentir, em caso contrário, gera o sentimento de vingança corporativa. Essa é a realidade das prisões no Brasil e talvez no mundo. O entre-e-sai de presos na cadeia é o que gera dinheiro, é como uma mina de ouro. Por isso as leis são elaboradas com tanto cuidado, para não embaraçar a afluência de solturas. Quem está de fora não pensa no que acontece aqui dentro com a aprovação dos superiores, que são amigos intocáveis de advogados e juízes. Todos eles estão acima da lei e do controle dos poderes constituídos. Quando a polícia quer se livrar de um líder de presídio, ela coloca a coroa na cabeça de qualquer mané desses, e afirma que foi ele quem matou o parceiro, e pronto, ele aceita, sustenta até morrer. Depois, o caso sai publicado na televisão do jeito que a polícia conta: que foi uma briga entre quadrilhas. Em todo caso é a mesma história, ninguém duvida nem investiga nada. E se fosse apurar, seria a polícia, o resultado já podia ser previsto. Só se engana quem for bobo... Sempre tem outro motivo por trás da rixa. Nada acontece de graça. Neste antro a sujeira é dos dois lados. As autoridades se não estão fingindo, são patetas. Neste inferno não tem alternativa. A polícia é a lei. Para a sociedade, vida de bandido não tem valor, por isso o governo não manda construir presídios, para fomentar a matança nas rebeliões.