O PROJETO DE LEI Nº 3.473-A DE 2.000
MENSAGEM DO PODER EXECUTIVO Nº 1.107/00
Não é recente a luta da sociedade para retirar de seu meio os criminosos. Mas uma coisa é certa, sempre se teve como base 1) a definição do ato tido como delituoso.; 2) a pena correspondente àquele ato.; 3) a forma de execução daquela pena. Esses três elementos sempre foram, e sempre serão, intrínsecos a qualquer espécie de Direito Penal, seja o repressivo ou, o mínimo ou, o simbólico ou qualquer outro que se pretenda definir e normatizar. É como o ar para os humanos.; é essencial, ainda que poluído. Por isso, de nada adianta buscar-se qualquer solução para os problemas criminais nacionais, se forem esquecidos os três elementos intrínsecos. Por certo que o Direito Penal, como várias outras ciências sociais, tem sua raiz na sociedade, valendo dizer estar enraizado na psicosociologia estrutural daquela. Assim, sociedades como a Inglesa, suprema em sua cultura indelével e cavalheresca, regida consuetudinariamente, possui, mesmo assim, os holigans, verdadeiros bárbaros em pleno século XXI, que não apenas destroem bens mas também vidas. Em reação àqueles, a Inglaterra e o mundo, adotou medidas drásticas dirigidas especificamente aos mesmos. Descomunal, aquele pequeno grupo, em número, mas grande em seu poder destruidor da estrutura social, passou a ser recebido em outros países Europeus e Asiáticos, com tropas e medidas especialíssimas, visando confina-los a um pequeno espaço físico, com direito a entrada e saída privativa, com segurança pessoal enfim, tudo para que fosse possível o total isolamento das demais pessoas. Esses últimos, torcedores normais, fanáticos, empolgados, depressivos, maníacos, arrogantes, humildes, enfim, torcedores simplesmente. Bem, os jogos continuam e os holigans também, e os torcedores também. O que mudou, afinal? Os holigans, os demais torcedores, os estádios.; o que? Talvez nada. Apenas cada estádio, em cada país que o time dos holigans jogue, adota medidas extremas e especiais àquela espécie de “torcedor”. Bem, mas nosso tema é Direito Penal, nada tendo a ver com time de futebol. Tem sim. E como exemplo mundial, pois são condutas como as dos holigans que obrigam a sociedade, por seus representantes, a criar os tipos penais e suas penas. É de acordo com as conseqüências que provocaram em cada estádio, de cada país, que se estabelece a pena e a forma de sua execução. Esse é o Direito Penal Vivo. Poderá ser mínimo, quando o fato tipificado na atualidade ou que venha a ser definido no futuro, seja também mínimo em sua representação psicosocial à sociedade a que se destina. Poderá ser descriminalisado, até, se a sua reprovabilidade social tornar-se de somenos. Poderá qualquer coisa, com qualquer teoria, desde que observada atentamente os anseios e as necessidades da sociedade em que irá servir. Esse é o ponto crucial do Direito Penal: a direcionalidade.; a sociedade. Não o crime ou o criminoso. Para esses haverá dispositivos legais a rege-los. Mas a sociedade, que é a maior detentora do poder de limitar ou não as formas de convivência, pois toda e qualquer forma de vida social interessa em primeiro plano à sociedade, sempre espera experimentar resultados mantenedores de sua estrutura organizada e segura. Por isso, não se pode pensar em mudança ou reforma no Direito Penal, sem se analisar o que efetivamente necessita a sociedade, para passar a ter a segurança de que tanto necessita. Afinal. O objetivo final da pena e sua execução é permitir à sociedade uma segurança, seja com a retirada do condenado do seu convívio, seja com a sua recuperação, seja da forma que for. Isso, aliás, é que leva determinadas sociedades à adoção da pena de morte: a segurança certa e absoluta, com a retirada definitiva daquele criminoso do seu meio. Pois bem, O Projeto de Alteração da Parte Geral do Código Penal, nº 3.473-A/2.000, traz em sua essência inovações descriminalizadoras e a inserção do Direito Penal Mínimo. Seu núcleo está centrado na idéia da menor intervenção estatal nas relações interpessoais, de cunho criminal, quando de somenos for o ato. Isso, num momento em que historicamente, nunca se buscou tanto, em nome da sociedade, uma segurança pública. Segurança pública no sentido genérico da palavra pública e não em seu sentido organizacional. Segurança pública no sentido de poder caminhar com relativa tranqüilidade pelas ruas das Capitais, das grandes cidades, médias, enfim, das cidades, pois a insegurança deixou as cercanias das metrópoles, para atingir a tudo e a todos. Segurança pública, no sentido de se poder estar dentro da casa ou apartamento, sem estar recebendo projéteis de arma de fogo, de qualquer calibre, sem que se tenha feito desafeto a esse ponto. E aí surge um clamor ensurdecedor da população, dirigido aos ecos do sistema, indistintamente. Não busca, nesses momentos, a população, verificar se essa aberração de convivência social deve ser debitada à polícia civil, ou à militar, ou ao Ministério Público, ou ao Judiciário, ao Estado, à União ou ao município. Busca, isso sim, escancarar seu grito de socorro.; um socorro não só individual, mas coletivo, de manutenção de sua estrutura violentamente abalada. Afinal, a correspondência será, certamente, à altura, ou seja, se os órgãos e as autoridades públicas não fazem, faremos nós. Como então admitir-se ser esse o momento ideal para a inclusão do Sistema de Direito Penal Mínimo, com a adoção do que se denominou “Regras de Tókio”, para ter-se penas privativas de liberdade apenas para casos especiais. Especiais, temos nós, são todos os casos que, em qualquer tempo e lugar, possam abalar a estrutura organizada e segura da sociedade. E se por acaso, uma tipificação delitiva vier a ter uma prática reiterada, teremos a prescrição já prevista. Mas, por outro lado, se aquele fato passar a ser de somenos, como pretende o Projeto, como somenos deverá ele ser tratado, inclusive com a pena a ser aplicada, que não a privativa, dentro da amplitude de livre convencimento do juiz, inovação também do Projeto. Porém, não se necessita extinguir as penas privativas de liberdade. Basta, como também prevê o Projeto, permitir-se a aplicação de pena não privativa de liberdade, ao alvitre fundamentado do juiz, com critérios já prescritos pelo art. 59. Tomo como exemplo um caso ocorrido conosco. Um jovem, trabalhador, de boa formação, primário, morador da zona rural, ia para a cidade no final de semana e se embriagava. Para ir para casa, repito, na zona rural, pegava a primeira bicicleta e seguia embora, embriagado. Teve sua primeira condenação sendo que, no decorrer daquela ação, cometeu novo delito semelhante. Finalmente, cometeu o terceiro delito, da mesma forma, e aí já era reincidente. À luz do art. 33, sua pena deveria ser cumprida no regime fechado. Entretanto, acreditamos que seria demais e, por isso, o apenamento foi no regime semi-aberto. O ministério Público recorreu e a decisão foi mantida, muito embora, como na sentença, houvesse o reconhecimento de se tratar de uma decisão que afrontava o texto legal, mas que era a mais justa. Pois bem, o delito de furto, com certeza, não haverá de sofrer alterações, quer pelo Direito Mínimo, quer pela consideração de crime de somenos. Mas o fato é que situações como essa são comuns, e muito, principalmente no interior. E então, a solução será a de se dar o tratamento a essa espécie de “infrator”, o mesmo a ser dado aos verdadeiros “criminosos”. É claro que não será justo. E a dosimetria da pena tem por norte, aquilo que seja necessário e suficiente para reprimir e prevenir o crime e recuperar o criminoso. Bem, se assim o é, alterações realmente necessitam ser feitas. Mas não se pode debitar os erros à Reforma de 84, que adotou o Direito Penal Simbólico. O erro está, em nossa modesta opinião, em dois pontos: A UM:- uma amplitude nos poderes do juiz, desde a fase investigatória, até e principalmente, a fixação da pena, com discricionariedade, formalidade e fundamentação convincente. Isto é, não ter apenas o Ministério Público ou a Defesa, até o julgamento, a representativa prática da sociedade ou da parte. Caberá, também e concorrentemente, ao juiz (ou tribunal), o poder e a obrigação, de ofício, de adotar toda e qualquer medida que seja de competência da parte, tal como a) concessão de fiança, independentemente de requerimento da parte (§ único, art. 322, CPP).; b) concessão de liberdade provisória, independentemente de ouvida do Ministério Público (art. 310 e §, CPP).; c) obrigatoriedade de concessão de Habeas Corpus (e não faculdade) pelo juiz ou tribunal, quando flagrante a coação (art. 654, § 2º, CPP). A DOIS:- na fixação das penas, ter o julgador o poder de adequar a que seja mais ideal ao réu e à sociedade, de maneira não só fundamentada, mas também convincente.; isto é, ter o juiz a obrigação de dizer o porquê daquela decisão, como formação de um livre convencimento, de acordo com o que existir na lei e nos autos, em consonância entre si.; b) como já prescrito na Lei de Execução penal, criar-se os instrumentos e as instituições que ali são tidas por necessárias, para efetiva implementação da execução das penas. E aqui está, ao nosso ver, o maio vilão da falência da pena privativa de liberdade: um texto europeu valiosíssimo, mas paupérrimo quanto à sua aplicação. Numa regra matemática, o processo penal está para o direito penal, assim como o direito penal está para a execução da pena. Sim, por óbvio que a interligação entre os institutos são indiscutíveis e devem, como até agora estão, seguir de forma harmônica entre si. Mas não basta apenas a harmonia. É necessário que, na execução de cada uma, haja a correspondência efetiva e real. Isso é, de nada adianta um processo penal correto, a disciplinar a aplicação do direito penal se, quando de sua execução, muito embora a prescrição seja também correta, falta a necessária e exata correspondência. Apenar sem se ter o cumprimento correto da pena, pode ser muito mais prejudicial do que não apenar. A criminologia nos informa sobre criminosos irrecuperáveis, portadores de distúrbios irrecuperáveis, além de outros. A esses, como prescrito na Lei de Execução Penal, o ambiente adequado para o cumprimento da pena. Mas também nos aponta caminhos e tratamentos, ambulatoriais em sua maioria, até mesmo para os doentes mentais, obtendo a sua recuperação e reinserção na sociedade. Maior exemplo tem-se nos toxicômanos delinqüentes. E porque, com criminosos comuns (ou mesmo os de alta periculosidade), não se consegue o mesmo? Qual a razão para que aqueles sejam marginalizados desse universo de positividade na recuperação? Porquê o sistema de execução das penas, incluindo-se aí os estabelecimentos penais, são completamente falhos. Veja-se, por exemplo, ainda com os dependentes de substância tóxica ilegal, o que acontece quando a pena deva ser cumprida em regime fechado, por qualquer razão (v.g., reincidência) ou por outro crime a que foi condenado. A lei 6368 estabelece a obrigatoriedade de tratamento para esse dependente, no local em que tiver de cumprir a pena privativa. E o que acontece? Estará ele, ainda dependente da droga, cercado pelos mais promíscuos e delinqüentes, e tudo fará para ter sua porção da droga, para manter seu vício. Pois bem, agora retornamos ao nosso tema central: como regras de Direito Penal Mínimo irá alterar as condições que expusemos até agora? Como dizer-se que as leis vigentes, de uma forma em geral, estão erradas, e as futuras, como o Projeto mencionado e outras mais, assegurarão a exatidão e correção do que poderíamos denominar de “novos rumos do direito penal” (expressão nada inovadora ou inédita). É claro que não se está a reclamar a perfeição que utopicamente todos desejariam. Mas, concretamente, nenhuma lei ou norma irá alterar os rumos criminológicos sociais, enquanto o contexto global das regras criminais destoar, ainda que de uma pequena parte, da execução final e concreta das regras. É possível, até, a convivência com as regras do Direito Penal Mínimo, uma vez preparado o Estado e a sociedade (esta através do exemplo observado), para o cumprimento efetivo, integral e imaculado das execuções que daquele resultarem. Mas há que ser efetiva e segura, disciplinadora e repressiva, punitiva e preventiva, reeducadora e exemplar. Do contrário, a sociedade jamais entenderá como um réu condenado a cinco anos, por crime hediondo (tráfico ou seqüestro, v.g.), sendo primário (circunstância que a sociedade não conhecerá ou não entenderá), poderá estar nas ruas depois de apenas pouco mais de três anos. E se assim for, o risco de se regressar à primitiva fórmula da vingança pessoal ou, da lei de Talião, será plausível. Afinal, estaremos na atualidade tratando do vetusto estudo dos “novos rumos do Direito Penal”.