Poder econômico, falta de racionalidade nos códigos brasileiros e ineficiência do Judiciário entravam a justiça no país
Claudio Weber Abramo é diretor executivo da Transparência Brasil, entidade voltada para o combate à corrupção no país, www.transparencia.org.br. Mantém o blog crwa.zip.net. O artigo foi publicado originalmente na edição de julho da revista Cult e reproduzida com autorização do autor.
Publicado no site do jornal O POVO, dia 12 de agosto de 2006
O fator predominante no resultado da aplicação da justiça no Brasil é o poder econômico das partes. Qualquer que seja o ângulo com que a questão seja analisada, o resultado é sempre um favorecimento brutal de quem tem mais dinheiro.
Os códigos processuais brasileiros propiciam um número imenso de oportunidades para que partes interponham recursos e atravanquem processos. De acordo com um levantamento feito há alguns anos pelo jornal carioca O Globo, um processo que corra do começo ao fim, percorrendo todas as instâncias da justiça estadual, chegando talvez a alguma instância federal, admite mais de 80 diferentes maneiras de interromper o curso processual.
É claro que diversas dessas maneiras são perfeitamente razoáveis e exigíveis em qualquer sistema jurídico. Grande parte, porém, é de formalidades facilmente contornáveis caso o princípio predominante fosse o da racionalidade. Racionalidade é a última coisa que se detecta nos códigos brasileiros. Não é de se admirar, pois eles foram escritos por advogados de defesa.
Para conduzir um processo de forma entrecortada e cheia das firulas totalmente kafkianas que testemunhamos, é necessário pagar advogados. Quanto mais detalhes recônditos o advogado é capaz de explorar, mais tempo ele conseguirá ganhar para seu cliente.
Advogados assim custam caro. Quem pode pagá-los é a classe dominante. Em particular, corruptos que são levados à Justiça (o que já é raro) costumam ter bastante dinheiro para isso. Em processos criminais, a idéia é procrastinar até que o crime prescreva. Em processos cíveis, até que a parte contrária se esgote. É por isso que processos chegam a se arrastar por décadas.
Já o sujeito que cometeu uma infração menor, como furtar uma peça de automóvel ou algo assim, não pode pagar esses advogados. Ele vai para a cadeia em um piscar de olhos. Prova-o o fato de que uma grande parte dos processos que correm em primeira instância nos Tribunais de Justiça não tem a decisão contestada e não vai à segunda instância porque os réus não têm como pagar.
Outro fator importante que responde pela ineficiência do Judiciário é a quase completa opacidade administrativa atrás da qual ele se protege. Em sua quase totalidade, os Tribunais de Justiça e as cortes superiores não se dão ao trabalho de medir minimamente seu próprio desempenho.
Como não coletam sistematicamente informações a respeito de tempos médios de tramitação de processos (para ficar só com isso de uma lista que poderia estender-se), não se consegue estabelecer comparações entre varas ou entre magistrados.
Um ministro de tribunal superior pede vistas a um processo e senta-se sobre ele por anos. Onde está a lista desses processos? Se existe, é mantida escondida.
É claro que isso só alimenta as suspeitas de que ministros enrolam porque são comprometidos com algum interesse, político ou econômico. A melhor maneira de provar que não é assim seria medir indicadores de desempenho e torná-los públicos. Se não o fazem, é porque têm motivos para isso, dando assim liberdade para que conjecturamos o que quisermos.
Fazer justiça não é exatamente o ponto principal da Justiça brasileira.