SUMÁRIO: Introdução. 1. O Direito Estatal. 2. A Crise do Monismo Estatal. 3. Pluralismo Jurídico como Alternativa. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é analisar o monismo e o pluralismo destacando as concepções doutrinárias para a sua estruturação, bem como a crise do monismo. A preocupação com esta temática surgiu a partir da leitura de capítulos extraídos dos livros do cientista Antônio Carlos Wolkmer. Pretende-se, agora, aprofundar o assunto, sobretudo pelo fato de que o monismo encontra-se em evidente crise, gerada pela insatisfação da sociedade com a figura centralizadora do Estado.
Fundamenta-se este trabalho nos estudos realizados por Wolkmer (1995, 2001) pois discorre sobre a evolução do monismo jurídico no Brasil.
Organiza-se este trabalho em quatro partes: a primeira trata do Direito estatal, a segunda procura demonstrar a crise do monismo jurídico e a terceira mostra a alternativa para a superação da crise e conclusão.
1 - O DIREITO ESTATAL
Surgida da necessidade do capitalismo, oriundo do grande poder de intervenção, dirigismo e responsabilidade administrativa o Estado criou os mitos-fundantes para justificar a sua ubiqüidade de todas as questões, sob o fundamento de que não há direito fora do Estado, somente dentro dele.
Trata-se evidentemente da consolidação da evolução das relações humanas, uma vez que o Estado nem sempre existiu, por isso, durante longos períodos proporcionou a vingança como meio de justiça, o exercício arbitrário das próprias razões era plenamente justificado pela justiça tribal.
O Código de Hamurabi já significou um avanço, sobretudo porque limitou o direito de vingança, sob o famoso ditado: olho por olho, dente por dente.
O Estado criação necessária do homem, consolida o poder centralizado, que por sua vez detém ou procura deter o monopólio do Direito.
Assim sendo, o monismo que nada mais é do que a coincidência entre Direito e Estado, tem os seus méritos, pois significa o ápice da ‘evolução’ do direito de punir, do direito de cobrar uma prestação a outrem de modo civilizado.
No entanto, WOLKMER dividiu o monismo em quatro fases .
A primeira fase para o referido cientista ocorreu nos Séculos XVI a XVII, quando os soberanos absolutistas assumiram a posição do Estado, representado pela frase do Rei da França Luis LIV, que dizia: “O ESTADO SOU EU”.
Para WOLKMER o filósofo daquela época THOMAS HOBBES é o principal teórico do monismo, posto que reduz o Direito ao Direito Político, salientando que aquele é uma criação do Estado, diante do que o Direito é igual ao Direito do Soberano, que por sua vez corresponde ao Direito Legislativo.
Na segunda fase, o monismo jurídico vai de 1789 até o final das Codificações do Século XIX, havendo uma restruturação do monismo, porque o Direito estatal não é mais a vontade exclusiva do soberano, trata-se agora de um produto dos seguintes fatores: as novas condições do capitalismo, da produção industrial, do liberalismo econômico, laissez fair laissez passer, da lei do mercado, e da ascensão da burguesia.
O sujeito de direito deixa de ser o soberano, e passa a ser a nação – soberana, há inevitavelmente a dogmatização do monismo jurídico, posto que a ideologia positivista, sendo o Direito explicado pela sua própria materialidade coercitiva e punitiva, diante do que a validade da imputação fundamenta-se na existência de um ente administrativo político-burocrático e hierarquizado, reduzindo, portanto, o Direito Estatal ao Direito Positivado, que é identificado como o verdadeiro direito, citando Ihering como grande contribuinte desse pensamento.
Ihering sustenta que não é concebível uma norma jurídica desprovida de coação jurídica, sendo assim, o Direito é um sistema de normas jurídicas imperativas, caracterizadas pela coação, cujo cumprimento é garantido pela força organizada do Estado. Este portanto, é o instrumento da força, sem normas impostas por Ele não há regras de Direito.
A terceira fase do monismo é representada pelo pensamento de HANS KELSEN através da Teoria Pura do Direito, salientando que Direito é o Estado, e o Estado é somente o Direito Positivo, fundindo-os de uma vez. Trata-se, pois, de um direito permamente cujos objetivos é a manutenção, coesão e regulamentação de força em uma formação social determinada.
A terceira fase se dá no período do entre guerras, quando o cenário internacional é marcado pela depressão econômica, em face da crise e ressurgimento do capitalismo, além das implementações tecnocráticas, bem como da forte intervenção estatal para controlar os efeitos devastadores da quebra da Bolsa de Nova Yorke.
A quarta fase ocorre nos anos 60/70 do século passado, sob a égide das necessidades de reordenamento e globalização do capitalismo, em virtude do enfraquecimento produtivo da crise fiscal além da falência do Estado do Bem-estar social.
Discute-se a perda da eficácia e funcionalidade do modelo legalidade na prática, enquanto que bastam sem um modelo de substituição sobre a competência, certeza e segurança, diante disso conclui pela existência da crise do modelo da legalidade.
2- A CRISE DO MONISMO JURÍDICO
Para WOLKMER Justiça mostra os reflexos da crise contemporânea:
“A crise de identidade do Judiciário condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional, construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em procedimentos lógico-formais, e que, na retórica de sua "neutralidade", tem sido incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. Trata-se de uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura de poder dominante, como, sobretudo, de órgão burocrático do Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada de seus direitos. A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os "donos do poder" e falta de meios materiais e humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a própria falência de ordem jurídica estatal. O certo é que nos horizontes da cultura jurídica positivista e dogmática, predominante nas instituições políticas brasileiras, o Poder Judiciário, historicamente, não tem sido a instância marcada por uma postura independente, criativa e avançada em relação aos graves problemas de ordem política e social. Pelo contrário, trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, ocultado pelo "pseudoneutralismo" e pelo formalismo pomposo, age com demasiada submissão aos ditames da ordem dominante e move-se através de mecanismos burocrático-procedimentais onerosos, inviabilizando, pelos seus custos, o acesso da imensa maioria da população de baixa renda’.
A crise reside justamente nas fórmulas burocráticas, no comprometimento com os donos do poder, solução lenta e pseudoneutralista, justiça demasiadamente onerosa, inviabilizando o acesso a população de baixa renda, resumindo, para os amigos tudo, para os inimigos a lei.
Diante disso Antônio Carlos Wolkmer traça a Teoria Crítica, e preleciona:
“a teoria crítica é imprescindível para que o desenvolvimento científico seja capaz de identificar as questões e pensar alternativas concretas aos paradigmas vigentes. Não se trata de fazer crítica pela crítica, mas sim pensar criticamente para propor alternativas, inovar no sentido de buscar constantemente uma nova forma de conceber o social, o político e o jurídico (...) falar em teoria critica, critica jurídica ou pensamento crítico, no direito, implica o exercício efetivo de questionar o que está ordenado/legitimado em uma dada formação social, e de admitir a possibilidade de outras formas de prática no jurídico”.
E continua ,
“a teoria crítica, enquanto instrumental operante, expressa a idéia de razão vinculada ao processo histórico-social e à superação de uma realidade em constante transformação. De fato, a Teoria Crítica surge como uma teoria dinâmica, superando os limites naturais das teorias tradicionais, pois não se atém apenas a descrever o que está estabelecido ou a contemplar eqüidistantemente os fenômenos sociais e reais. Seus pressupostos de racionalidade são” críticos “na medida em que articulam, dialeticamente, a” teoria “com a” práxis “, o pensamento crítico revolucionário com a ação estratégica. (...) A intenção da Teoria Crítica consiste em definir um projeto que possibilite a mudança da sociedade em função de um novo tipo de” sujeito histórico “. Trata-se da emancipação do homem de sua condição de alienado, de sua reconciliação com a natureza não-repressora e com o processo histórico por ele moldado. A Teoria Crítica tem o mérito de demonstrar até que ponto os indivíduos estão coisificados e moldados pelos determinismos históricos, mas que nem sempre estão cientes das inculcações hegemônicas e das falácias ilusórias do mundo oficial. A Teoria Crítica provoca a autoconsciência dos atores sociais que estão em desvantagem e que sofrem as injustiças por parte dos setores dominantes, dos grupos ou das elites privilegiadas. Neste sentido, ideologicamente, a Teoria Crítica tem uma formalização positiva na medida em que se torna processo adequado ao esclarecimento e à emancipação, indo ao encontro dos anseios, dos interesses e das necessidades dos realmente oprimidos”.
A concepção de WOLKMER, depreende-se que seu papel para fins de criação de um novo modelo jurídico, em substituição ao monismo vigente.
Não se trata, portanto, de uma crítica pura e simples ao sistema vigente, mas, ao contrário, representa uma alternativa séria, científica para não só dar fim aos paradigmas vigentes, mas, também, construir um novo modelo.
3 - O PLURALISMO JURÍDICO COMO ALTERNATIVA
Trata-se de proposta ousada, cuja adoção está se operando, em face das múltiplas relações existentes na sociedade, nas comunidades, pode-se dizer que o pluralismo jurídico, “designa a existência de mais de uma realidade de múltiplas formas de ação prática e de diversidade de campos sociais com a particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si.” Este pluralismo é descentralizador e democrático, se caracteriza por formas alternativas de produção e aplicação do direito, e também, por “modalidades democráticas e emancipatórias de práticas sociais.
Preleciona o multi-referido autor que ‘a percepção deste novo pluralismo - no âmbito da produção das normas e da resolução dos conflitos - passa, obrigatoriamente, pela redefinição das relações entre o poder centralizador de regulamentação do Estado e o esforço desafiador de auto-regulação dos movimentos sociais, grupos voluntários e associações profissionais’.
De modo que o pluralismo contempla uma ampla gama de manifestações de normatividade paralela, institucionalizadas ou não, de cunho legislativo ou jurisdicional, "dentro" e "fora" do sistema estatal positivo.
Há de se sublinhar a especificidade do pluralismo como projeção de um paradigma interdisciplinar do político e do jurídico. Com efeito, a compreensão mais abrangente e atualizada do pluralismo como um "sistema de decisão complexa" envolve hoje, no dizer de André-Jean Arnaud, um "cruzamento interdisciplinar" entre a normatividade (Direito) e o poder social (Sociedade), considerando obviamente a interação do "jurídico" com outros campos do conhecimento.
Uma visão interdisciplinar revela que a inter-relação fragmentada do legal não mais é observada como desordenada e que é perfeitamente possível viver num mundo de juridicidade policêntrica.
Diante do que, Wolkmer cita vários exemplos desta juridicidade policentrica, seja pela resolução de conflitos pela mediação, conciliação ou juízos arbitrais, juizados de pequenas causas, juizes de paz, assim como as convenções coletivas de trabalho e as ações coletivas que seriam um instrumento normativo não estatal, que cuidaria de casos específicos, com maior poder de concentração em face das situações concretas.
Além da resoluções dos conflitos por via não institucionalizadas, citando os núcleos jurídicos integrantes das Faculdades de Direito, convenções coletivas de novo tipo, acordos setorias de interesse dentre outras alternativas, que serviria para regular situações concretas.
4 - CONCLUSÃO
De todo o exposto, os conceitos fundamentais e os caracteres da “crise do modelo jurídico atual”.; da “teoria crítica do direito”, considerada em sua função.; do “pluralismo jurídico”, sob o contexto de alternativa racional e científica para a solução do dilema suscitado.
A situação de crise do monismo jurídico, que o modelo jurídico monista atual, não mais se presta a dar soluções eficazes para as demandas e anseios desta “nova sociedade” emergente.
Como conseqüência desta crise monista, tem-se a inoperância e a ineficácia do estado em dar proteção efetiva e de resultados à diversa gama de conflitos que se apresentam no seio da nossa sociedade.
Admitida a crise do modelo monista liberal, há uma forte e crescente doutrina que envida estudos no desenvolvimento da chamada teoria crítica do direito. Esta teoria trata de um estudo científico e, por conseguinte racional, para a identificação dos pontos específicos de inoperância e ineficácia da atual teoria do direito, com vistas a apontar soluções efetivas para tal.
Dentre as soluções surgidas dos estudos da teoria crítica, emerge o pluralismo jurídico, sob uma nova concepção progressista e democrática, que sugere uma profunda mudança nos atuais paradigmas da teoria atual do direito, no sentido de “quebrar” o modelo jurídico atual, em cujo monopólio do direito está centrado exclusivamente no estado, como única fonte de produção da norma jurídica positiva. Não visa este pluralismo a retirar totalmente do estado a produção da norma, mas sim em reconhece-lo como um dos vários entes capazes de dizerem o direito, sem detrimento de outros organismos democráticos que venham a surgir.
Consiste o pluralismo, em descentralizar o direito do estado, criando núcleos de aplicação de direito na sociedade organizada, nos diferentes focos, para atendimentos de diferentes anseios sociais, sob uma nova ótica paradigmática racional e obviamente científica.
A Crise esta verificada no cotidiano dos operadores de direito, em que o mais alheio dos profissionais da área já se faz sentir atingido. Constatada a crise monística, por óbvio, surge a necessidade da criação de mecanismos para seu controle e restabelecimento da eficácia da teoria jurídica. Como solução apontada pelos estudos da doutrina da teoria crítica, o pluralismo jurídico progressista surge como uma forte bandeira e como um alternativismo aparentemente lógico e científico.
No entanto salienta WOLKMER é preciso se criar uma cultura jurídica nova para se romper com a tradicional cultura monista.
A cultura jurídica predominante se mostra bitolada nos preceitos do monismo jurídico, que, mesmo percebendo a crise desta teoria jurídica esgotada, sente-se presa aos seus princípios ideológicos (unicidade, racionalidade, estabilidade e positividade).
BIBLIOGRAFIA
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RIBEIRO, Emmanuel Pedro. Internet. Tese de Mestrado: Do Pluralismo Jurídico à Pluralidade de Direitos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2000.
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