DO PECULATO NO DIREITO PENAL MILITAR
COMENTÁRIO AO ART. 303 DO CPM
2.1. PECULATO
Art. 303. Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de três a quinze anos.
§ 1º A pena aumenta-se de um terço, se o objeto da apropriação ou desvio é de valor superior a vinte vezes o salário mínimo.
§ 2º Aplica-se a mesma pena a quem, embora não tendo a posse ou detenção do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou contribui para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de militar ou de funcionário.
§ 3º Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outrem subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 4º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede a sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Vide: art. 166 do Código Penal da Armada, art. 229 do Código Penal Militar de 1944 e art. 312 do Código Penal Brasileiro.
2.1.1. Conceito.
Deve-se ao direito romano o surgimento do crime de peculato. Com efeito, “a subtração de coisas pertencentes ao Estado chamava-se peculatus ou depeculatus sendo este o nomen juris oriundo do tempo anterior à introdução da moeda, quando os bois e carneiros (pecus), destinados aos sacrifícios, constituíam a riqueza pública por excelência”1.
Inicialmente promovido a delito autônomo simplesmente em função da coisa subtraída ou desviada (res publicae ou res sacra), trata-se hoje de uma “modalidade especial de apropriação indébita cometida pelo funcionário público rattione officii”2.
Não obstante, em que pesem as semelhanças entre o peculato e a apropriação indébita, diferenças estruturais os distinguem, a saber: 1) qualidade do sujeito ativo; 2) título de posse; 3) pluralidade de condutas previstas no peculato3.
É certo, contudo, que constitui peculato a conduta do militar ou funcionário civil que se apropria ou desvia, em proveito próprio ou de terceiro, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção em razão de seu cargo ou comissão.
2.1.2. Objetividade jurídica.
No peculato convergem a violação do dever funcional e o dano patrimonial, que, nas palavras de Hungria, “são como corpo e alma, como esmeralda e cor verde, como fel e amargor. Sem esses dois elementos, que se conjugam incindivelmente, não pode haver o summatum opus do peculato”4.
Não obstante, inegável que a objetividade jurídica de maior relevo não é tanto a defesa do patrimônio público, senão o interesse da Administração Militar, genericamente considerado, no sentido de zelar pela probidade e fidelidade do agente administrativo.
O dano, mais do que material, é moral e político5.
2.1.3. Sujeitos.
O peculato é crime próprio, sendo indispensável que o agente detenha a condição de militar ou de funcionário civil da Administração Militar, tendo em vista que a apropriação ou desvio ocorre em razão do cargo ou da comissão.
Não obstante, é admissível a imputação, em concurso de pessoas, contra indivíduo estranho à Administração Militar (extraneus), isto porque, de acordo com a regra estabelecida pelo art. 53, § 1º, do CPM, as condições ou circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime, são comunicáveis. Porém, faz-se mister que o particular tenha ciência da condição do agente6.
Deve-se atentar para o fato de que o crime de peculato é contra a Administração Militar e não contra o patrimônio.
Portanto, mesmo quando o bem apropriado ou desviado pertencer a particular, o sujeito passivo principal é a Administração, até porque é “inegável que o fato ofende aos interesses estatais, referentes ao desenvolvimento normal – eficiente e probo – de sua atividade”7. Outrossim, em situações deste jaez (peculato-malversação), o particular também figura como sujeito passivo do delito, ainda que secundariamente.
2.1.5. Conduta.
No peculato próprio, isto é, na modalidade prevista no caput do artigo 303, as condutas típicas constituem-se em apropriação ou desvio.
Na primeira hipótese, o agente inverte o título de posse, passando a dispor do dinheiro, valor ou bem uti dominus, v. g., retendo, alienando, consumindo etc, agindo como se dono fosse do objeto material, acomodando-o aos seus desideratos, portando-se tal e qual o legítimo proprietário.
Merece destaque que a posse referida pela lei deve resultar do cargo ou da comissão e compreende a possibilidade de dispor da coisa, fora da esfera de vigilância de outrem, em conseqüência da função jurídica desempenhada pelo agente no âmbito da Administração Militar.
Se a entrega da coisa ao agente tiver se dado de forma viciada, fraudulenta ou através de erro ou violência, a posse será ilícita e, portanto, não se aperfeiçoará o peculato próprio.
A segunda modalidade de conduta consiste no desvio da coisa. Desviar é desencaminhar, alterar o destino ou a aplicação. “Ao invés do destino certo e determinado do bem de que tem a posse, o agente lhe dá outro, no interesse próprio ou de terceiro”8, como na hipótese do desvio de mercadorias do aprovisionamento da Unidade, praticado por militar auxiliar-de-rancho, em proveito de civis comerciantes9.
O proveito próprio ou alheio de que trata a lei pode ser de ordem material ou moral, servindo até mesmo o desvio praticado para fins de obtenção de prestígio pessoal ou político10.
Objeto material do peculato é o dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular.
Dinheiro é a moeda circulante no país. Porém, a norma não excepcionou a moeda estrangeira, assim, v. g., o militar que se apodera de dólares recebidos rationi officii para o pagamento de diárias a estagiários em nações amigas, comete, em tese, o delito.
Valor é o título representativo de obrigação pecuniária ou de mercadoria (títulos da dívida pública, apólices, letras de câmbio, notas promissórias ...).
Bem móvel é a coisa capaz de ser apreendida e removida de loco ad locum.
2.1.6. Consumação e tentativa.
Consuma-se o delito, na modalidade peculato-apropriação, quando o militar ou funcionário inverte a titulação de posse, agindo como dono, sobre o dinheiro, valor ou bem que lhe foi entregue em razão do cargo11. No caso de peculato-desvio, verifica-se o crime quando o agente dá às coisas destino ou aplicação diversa da destinação ou aplicação certa e determinada, não sendo necessário que haja efetivo proveito próprio ou alheio.
Em que pese a respeitável opinião de festejados autores penalistas, dentre os quais destacamos Hungria, convencidos de que peculato consumado sem dano efetivo é tão absurdo quanto dizer-se que pode haver fumaça sem fogo, entendemos e nos unimos a Mirabete, que sendo o peculato um crime contra a Administração Militar e não contra o patrimônio, o dano necessário e suficiente para a sua integração é tão-somente aquele inerente à violação do dever de fidelidade para com a mesma Administração, quer associado, quer não, ao efetivo dano patrimonial12.
No que concerne à tentativa, é perfeitamente admissível.
2.1.7. Elemento subjetivo.
No peculato-apropriação, o elemento subjetivo é o dolo genérico de apropriação do dinheiro, valor ou bem móvel, com intenção de definitiva de não restituir a coisa (animus rem sibi habendi).
Tratando-se de peculato-desvio, além do dolo genérico de empregar a coisa em fim diverso àquele a que era destinado, é exigível a presença do dolo específico (elemento subjetivo do tipo) consistente na intenção de auferimento de proveito próprio ou de terceiro, excluído o animus rem sibi habendi.
2.1.8. Concurso de crimes.
O peculato pode concorrer com outros delitos, como ocorre quando, por exemplo, o encarregado do paiol falsifica os mapas de controle de munição, lançando como consumido material que foi desviado em proveito de terceiro; na hipótese o peculato concorre com a falsidade13.
2.1.9. Peculato agravado.
De acordo com o § 1º, a pena de peculato aumenta-se de um terço quando o objeto material sobre o qual recaiu a ação é de valor superior a vinte vezes o salário mínimo.
2.1.10. Peculato-furto.
Trata a lei no § 2º do artigo 303 do peculato-furto ou impróprio. Aqui, a contrário do caput, o militar ou funcionário não detém a posse do dinheiro, valor ou bem móvel, público ou particular, sendo que a conduta criminosa, ao invés de consistir em uma apropriação ou desvio, consubstancia-se na subtração da coisa.
Não obstante, é mister que o agente valha-se de sua condição de militar ou funcionário para a configuração do delito. Se tal não ocorrer, como, por exemplo, na situação em que o militar, mediante escalada e arrombamento, invade a tesouraria da unidade em que serve e subtrai grande quantidade de vales-transporte, estará praticando o crime de furto qualificado e não o de peculato-furto.
São duas as modalidades de conduta previstas na norma. Na primeira, o funcionário pratica diretamente a subtração; na segunda espécie, o militar ou funcionário, com consciência e vontade, concorre para que outrem (extraneus) subtraia o dinheiro, valor ou bem (p. ex.: o militar sentinela que permite a entrada de comparsa no quartel para que este subtraia um fuzil).
Consuma-se o delito com a inversão de posse do objeto material, sendo possível a tentativa.
Elemento subjetivo é o dolo de subtrair ou concorrer na subtração da coisa, aliado à intenção de proveito próprio ou alheio, abrangendo, destarte, a consciência da facilidade que a condição de funcionário ou militar proporciona ao agente.
2.1.11. Peculato culposo.
Considera-se peculato culposo a conduta do agente público (militar ou funcionário civil), violadora do dever de cuidado (imprudência, negligência ou inépcia), que torna possível a outrem, funcionário ou não, subtrair, apropriar-se ou desviar dinheiro, valor ou bem sob a custódia da Administração Militar.
Trata-se de concurso não intencional em que o agente desatento responde por peculato culposo e o terceiro pelo título criminoso que incidir (peculato-apropriação, peculato-desvio, peculato-furto, furto ou roubo14 etc.).
Imagine-se o seguinte exemplo: o tesoureiro da unidade, ao final do expediente, deixa o local de trabalho esquecendo-se, por pura desatenção e falta de cuidado, de fechar a sala e guardar no cofre o numerário que detinha. Ao cair da noite, o soldado encarregado da faxina, verificando que a sala estava aberta, entra no recinto e vendo o dinheiro, o subtrai. Na situação, o tesoureiro pratica peculato culposo e o soldado peculato-furto. Se, porém, o faxineiro fosse um terceiro estranho ao serviço administrativo militar, incidiria nas penas do delito de furto, não havendo, contudo, nenhuma alteração na incriminação da conduta negligente do tesoureiro.
Em resumo, para a verificação do peculato culposo são necessárias duas condições, a saber: 1ª) que a culpa do militar ou funcionário civil sirva para que o terceiro aja dolosamente aproveitando-se do descuido ou negligência; 2ª) que não exista acordo entre o agente descurado e o terceiro15.
De acordo como § 4º do art. 303, nos casos de peculato culposo, a reparação do dano anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória extingue a punibilidade16, sendo posterior, reduz da metade a pena imposta17. Nos dois casos, no entanto, a reparação há de ser total e não exclui a imposição da reprimenda administrativa remanescente.
A reparação do dano pode efetuar-se “mediante a restituição do objeto material ou pela indenização do valor correspondente. Pode ser promovida pelo sujeito ativo do peculato ou por terceiro em seu nome”18.
De qualquer sorte, a extinção da punibilidade pela reparação do dano somente se aplica ao peculatário culposo.
2.1.12. Jurisprudência.
Falta de fiscalização. Recebimento de horas extras não devidas. Peculato culposo caracterizado – TFR: “Peculato culposo. Pratica o funcionário público incumbido de fiscalizar o serviço, que falta ao seu dever, propiciando que seu subordinado aumente o número de horas extras a que tem direito e se aproprie da diferença” (AP. 5.450).
Peculato culposo – STM: “A entrega antecipada de parcela de verba, dentro de sua destinação orçamentária, para quem prestaria o serviço posteriormente, assume a dimensão culposa, pelo que se impõe a desclassificação para essa modalidade (peculato culposo)” (AC n 0474048). “Em matéria penal é fundamental que fique comprovado que foi a omissão dos agentes a causa do evento lesivo à Fazenda Nacional, mediante o desaparecimento do bem” (AC nº 0450211).
Peculato e estelionato. Distinção do dolo – TJDF: “No peculato, o agente (Funcionário Público) se apropria ou desvia o bem (público ou particular) que se encontra em seu poder, em razão do cargo. Assim, o dolo é subsequente à posse. Já não estelionato, o dolo existe desde o início, consistindo-se na vontade livre e consciente de obter vantagem ilícita mediante fraude, em prejuízo alheio. No caso em julgamento, a conduta se amolda à figura do estelionato, eis que não foi praticada em razão do cargo; não houve apropriação de dinheiro que estivesse em poder do agente, mas sim obtenção de uma vantagem ilícita, mediante a execução de um plano adredemente preparado” (EINAPR 0013879).
Peculato. Caracterização – STM: “Comete o primeiro destes delitos (peculato) o oficial que lança mão, para uso pessoal, de importância destinada ao pagamento do décimo terceiro salário aos praças de sua unidade” (AC nº 0457658). TJSP: “Comete peculato o oficial que, no cumprimento de seu dever funcional, apreende o dinheiro do crime e dele se apropria, desviando, assim, em proveito próprio aquilo que detinha em nome da Administração Pública” (RT 503/310). TJMMG: “Comete o crime de peculato o policial militar que, em razão de sua função, apreende objetos de valor e deixa de fazer a devolução de um aparelho de ‘vídeo-cassete’, do qual se apropria” (apelação nº 1912).
Peculato. Objetividade jurídica – TJSP: “O crime de peculato é contra a Administração Pública e não contra o patrimônio. O dano, na espécie, necessário e suficiente para a sua integração, é o inerente à violação do dever de fidelidade para a mesma administração. E o animus restituendi é irrelevante para o peculato doloso, influindo a reposição tão-somente nos casos de apropriação indébita e de peculato culposo” (RJTJSP 68/405).
Peculato. Reparação do dano – STM: “O ressarcimento do dano não alcança o peculato doloso (...) O ressarcimento do dano dó extingue a punibilidade em se tratando de peculato culposo” (AC nº 0463011). “No crime de peculato culposo, comprovada a integral reparação do dano, antes de sentenciado o feito, há de se ter como extinta a punibilidade do agente, a teor dos arts. 123. inc. VI e 3030, § 4º, tudo do CPM” (AC nº 0330011). TJSP: “Nos crimes de peculato doloso, não há como falar-se em ausência de prejuízo, embora reembolsada a vítima, uma vez que a infração é principalmente dirigida à Administração Pública. Somente nos casos de peculato culposo a lei expressamente considera extinta a punibilidade pela reparação do dano” (RJTJSP 6/402).
Peculato-furto – STM: “Caracteriza-se o peculato-furto quando o agente, embora não tenha a posse ou detenção da res furtiva, vale-se, para a subtração, da facilidade proporcionada pela condição de militar. In casu, o livre acesso à reserva de armamentos, para receber e devolver armas, já propiciado por tal condição, foi ainda mais facilitado pela circunstância de o agente estar designado para missão fora do quartel que o autorizava a receber arma” (AC nº 0445846). “Militar em conluio com civil que, usando o primeiro, da facilidade que lhe é proporcionada, embora não tendo a posse, nem a detenção, subtrai bem da fazenda nacional, em proveito próprio e alheio” (AC nº 0435816). “Praticam o crime capitulado no art. 303, § 2º, do CPM os militares que, valendo-se das facilidades inerentes à tal qualidade, vem a se apropriar de armamento e munição de uso privativo do Exército, transacionando-os com civis traficantes de drogas, inclusive com membros de reconhecidas quadrilhas cuja atuação foi largamente denunciada pelos veículos de comunicação a nível nacional” (AC nº 0454527).
Peculato-furto e furto – STM: “O furto e o peculato-furto são crimes que, apesar de terem pontos comuns em suas conceituações, distingue-os o bem jurídico tutelado. Enquanto aquele é delito contra o patrimônio, este o é contra a Administração Pública. Por outro lado, o furto tipifica-se pela subtração de coisa alheia em proveito próprio ou de outrem. Já o peculato-furto, embora também tenha como núcleo o verbo subtrair, nada mais é do que um furto praticado por funcionário público, ‘valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário’. Portanto, é um crime funcional” (AC nº 0467572).
Policial que apreende arma para posteriormente vendê-la – TJDF: “Se o réu, na qualidade de policial, apropriou-se de arma apreendida para vendê-la, o crime por ele praticado é realmente o de peculato” (APR 006312).
Tentativa. Caracterização – TJDF: “Servidor que é surpreendido ao tentar sair da repartição com materiais a ela pertencentes pratica o crime do art. 312, do CPB, em sua forma tentada” (APR 0015732).
2.2. PECULATO MEDIANTE APROVEITAMENTO DO ERRO DE OUTREM
Art. 304. Apropriar-se de dinheiro ou qualquer outra utilidade que, no exercício do cargo ou comissão, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de dois a sete anos.
Vide: art. 230 do Código Penal Militar de 1944 e art. 313 do Código Penal Brasileiro.
2.2.1. Conceito.
O delito é denominado pela doutrina de “peculato-estelionato”19, consistindo na “captação de dinheiro ou qualquer utilidade mediante a manutenção ou aproveitamento do erro de outrem”20.
Distingue-se do peculato próprio pela ausência da prévia posse ou detenção do dinheiro ou da utilidade em razão do desempenho do munus público.
De mais a mais, é indiferente a natureza do erro, podendo versar: a)sobre a competência do funcionário para receber; b) sobre a obrigação de entregar ou prestar; c) sobre a quantidade ou valor da coisa a entregar21.
Advirta-se, porém, que o erro de quem entrega (tradens) deve ser espontâneo; se, porventura, for provocado pelo agente (militar ou funcionário civil), a infração a se reconhecer será: havendo constrangimento, concussão; existindo induzimento ao engano, estelionato.
2.2.2. Objetividade jurídica.
O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Militar, abrangendo sua inviolabilidade moral e patrimonial.
Oportunas as considerações expendidas no item 2.1.2., às quais remetemos o leitor.
2.2.3. Sujeitos.
Trata-se de crime próprio, destarte, só pode ser cometido pelo militar ou funcionário civil.
Contudo, admite-se que um particular possa participar ou concorrer22 para o crime, v. g., aconselhando o agente a não devolver o dinheiro recebido erroneamente.
Sujeito passivo principal é a Administração Militar. Também pode figurar no polo passivo, secundariamente, o particular, ou mesmo um agente da Administração, que entrega a coisa por erro ou dela é proprietário23.
2.2.5. Conduta.
A conduta incriminada consiste na ação de apropriar-se o militar ou funcionário do dinheiro ou da utilidade que recebeu em razão da função, mediante aproveitamento do erro do tradens.
O simples recebimento, mesmo mediante erro, não caracteriza o tipo. Não obstante, se depois de haver recebido a coisa equivocadamente, o funcionário percebe-se do engano e, ao invés de reparar o erro, apropria-se da res, por exemplo, configurada está a modalidade de peculato em análise.
São elementares do delito: 1) que ocorra apropriação do dinheiro ou qualquer outro bem; 2) que a apropriação origine-se do aproveitamento do erro de outrem; e 3) que a apropriação seja praticada por militar ou funcionário no exercício do cargo ou comissão24.
O objeto material do crime é o dinheiro ou qualquer outra utilidade. Em oportunidade anterior já nos referimos ao conceito de dinheiro (item 2.1.5). Por utilidade entende-se tudo aquilo que serve para uso, consumo ou proveito econômico.
2.2.6. Consumação e tentativa.
O crime dá-se por consumado quando o agente, recebida a coisa por erro de outrem, passa a dela dispor como se seu dono fosse: retendo, alienando etc.
Admite-se a forma tentada, v. g., o militar encarregado da sessão de transportes da unidade é flagrado quando saía do quartel levando consigo peças automotivas que lhe foram entregues a mais, por engano do fornecedor.
2.2.7. Elemento subjetivo.
É a intenção do peculatário de apropriar-se do objeto material, abrangendo, ainda, a consciência do erro de outrem e que o dinheiro ou a utilidade vieram ao seu poder em razão da função ou comissão.
2.2.8. Jurisprudência.
Peculato mediante erro de outrem. Caracterização – TFR: “Recebimento de valores, no exercício do cargo, ocorrido por erro de terceiro. Configurado o delito pela apropriação de dinheiro destinado a vales postais, cujo recebimento, porém, não cumpria ao acusado” (CPIJ, 6ª ed., p. 3166). TJSP: “Se o réu embolsa quantia recebida de particulares por erro destes, não em razão, mas apenas, no exercício do cargo público, comete o delito previsto no art. 313 do CP” (RT 396/128).
Espontaneidade do erro – TFR: “Para que haja desclassificação do art. 312 para o art. 313 do CP é necessário que o erro da vítima, em entregar o valor, não tenha sido induzido pelo agente” (AP 5.337).