UMA VISÃO DE FINAL DE ANO DO JUDICIÁRIO – 1ª parte
Não poderia principiar o presente artigo dizendo aos caros leitores que o poder judiciário brasileiro é moroso. Isso seria puro pleonasmo. Além isso, estaria dando notícia, por demais, antiga.
O que de fato chamou-me a atenção neste ano de 2007, notadamente em seu último bimestre (novembro/dezembro) foram dois casos que acabaram me tocando, não tanto pelo conteúdo dos mesmos, mas pela forma como o judiciário ainda não resolveu referidas questões.
Um deles de natureza penal, diz respeito a um jovem que foi preso em flagrante delito, no começo do ano, pelo cometimento, em tese, do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.
Referido cidadão é primário, ostenta bons antecedentes, nunca se envolveu em momento anterior com o cometimento de qualquer crime que fosse.
Foi preso cautelarmente, e nesta condição permaneceu durante todo o transcorrer do processo. Finalmente, foi condenado à uma pena abaixo do mínimo legal, consoante novas diretrizes da nova legislação antitóxicos (lei n. 11.343/06). A pena, foi de pouco mais de 2 (dois) anos, tendo em vista a possibilidade de redução de 1/6 como decorrência da primariedade (§ 4º, do art. 33, da lei n. 11.343/06).
Ocorre que, quando a sentença criminal foi proferida, o acusado já havia cumprido mais de um sexto (tendo por base a pena que lhe foi imposta), tendo em vista que o cometimento do crime se deu em data anterior a 28 de março do corrente ano, quando entrou em vigor a lei n. 11.464/07, que alterou a lei dos crimes hediondos, trazendo, dentre uma das alterações, o aumento do tempo para cumprimento de pena antes do requerimento de progressão de regime prisional, sendo, agora, de 2/5 (dois quintos) para primários e de 3/5 (três quintos) para reincidentes (§ 2º, do art. 2º, da lei n. 8.072/90, com a nova redação dada pela lei n. 11.464/07).
Diante disso, foi requerido o benefício da progressão de regime prisional, tendo em vista que o acusado preenchia os requisitos do art. 112 da LEP, ou seja, os objetivos, tempo de pena cumprida, e os subjetivos, bom comportamento carcerário, atestado pelo estabelecimento prisional onde se encontra cumprindo pena.
O juiz das execuções penais deferiu a progressão de regime, do fechado para o semi-aberto. Até ai a satisfação do acusado e dos familiares do mesmo foi intensa.
Depois vieram as frustrações. Tudo em matéria de justiça leva tempo. MUITO TEMPO.
O pedido foi feito e deferido em novembro/2007. Quando o acusado, bem como seus familiares, ficaram sabendo da noticia, a primeira indagação feita foi: e o NATAL, poderá ser passado com os familiares?
Em tese sim, afinal, ele obteve o direito legal de progredir de regime prisional, mas, quanto tempo os trâmites burocráticos iriam demorar para que, efetivamente, esse direito se concretizasse no plano material, no mundo fenomenológico, e não ficasse ainda por muito tempo no mundo das abstrações? Essa seria a questão.
Quando fomos até o fórum indagar acerca do deferimento ou indeferimento do pedido de progressão de regime prisional formulado, a boa notícia foi a de que o pedido havia sido deferido. A má notícia, a de que somente depois de quase dois meses os documentos estariam prontos.
Mas, veja, se a progressão de regime foi autorizada, o que impede a imediata transferência do sentenciado para o regime menos gravoso? Legalmente nada. Burocraticamente, TUDO.
Recebida a notícia do deferimento da progressão de regime prisional, fomos até a penitenciária na qual referido cidadão está cumprindo a pena. Chegando lá, transmitimos a notícia e dissemos que infelizmente não havia condições do mesmo passar as festividades natalinas com seus familiares. Nossa surpresa foi que o mesmo já sabia disso, pois havia recebido a notícia de que, internamente, pelas regras da penitenciária, o tempo para que um sentenciado seja transferido de um regime prisional mais gravoso para outro menos gravoso, é de dois meses. “É o tempo que a casa pede”, nos foi dito pelo sentenciado.
Ora, só aí já temos um ínterim de quatro meses (e certamente mais alguns dias) para que o sentenciado possa progredir, EFETIVAMENTE, de regime prisional.
A obtenção (virtual ou potencialmente falando) do benefício processual é imediata, logo, a efetividade de referido direito também o deveria ser.
Evidente que já estamos estudando a possibilidade de interposição do “habeas corpus”, posto que, “in casu”, evidente o constrangimento ilegal que o sentenciado está sofrendo.
Não há uma justificativa aceitável para referido estado de coisas. Vivemos uma situação interessante: garantismo x burocracia.
Esse o fato que mais nos chamou a atenção dentro da esfera penal.
Outro caso que muito nos chamou a atenção foi uma ação de guarda com pedido de liminar, portanto, já dentro do Direito de Família. Em referida ação, a tia pediu a guarda de sua sobrinha e afilhada, em desfavor de sua irmã, a genitora da criança. Em referida ação de guarda foi requerida liminar, alegando a requerente que os requisitos autorizadores de referido instituto estavam presentes (“fumus boni iures” e “periculum in mora”).
A requerente reivindica a guarda da menor, alegando que a genitora da mesma não tem condições de arcar com o sustento da mesma e que não tem sido um exemplo de mãe. Que deixa a criança em completo abandono, tanto moral, quanto material.
Bem, diante dos argumentos articulados pela requerente, a liminar pleiteada foi deferida, e então aí se iniciaram os traumas, os sofrimentos e as celeumas de toda sorte.
Preliminarmente porque, em sede de direito de família, notadamente na questão atinente a modificação de guarda, toda cautela é pouca, posto que, o menor deslize, o menor equívoco, pode marcar indelevelmente todas as partes envolvidas.
A parte mais prejudicada é a criança, posto que, fica sentimentalmente perdida. É obrigada à, abruptamente, se ver longe de seus pais, convivendo com uma pessoa diferente daquela com a qual, costumeiramente, está habituada.
Mas, a questão atinente aos transtornos psíquicos que referida medida podem trazer à criança não serão objeto destas singelas linhas.
A questão é que, diante do deferimento da liminar pleiteada, a mãe (parte requerida), imediatamente se pôs a coletar provas, cujo escopo era contra-argumentar o que estava sendo dito pela requerente.
O desespero da mãe era evidente e brotava de seus olhos que, completamente umedecidos, transbordavam o quanto aquela situação a estava aniquilando por dentro.
A contestação foi feita, com a advertência de que a análise da mesma deveria ser urgente, tendo em vista a situação em apreço, qual seja “criança afastada do convívio materno”.
Após as festas natalinas, e as devidas contraprovas devidamente anexadas aos autos, o pedido daquela mãe aflita ainda não havia sido analisado (como de fato não o foi até a presente data). Portanto, num primeiro momento já se verifica que, o NATAL, foi uma festividade vazia para esta mãe que nem mesmo pôde presentear sua filha, tendo em vista o fato de que a tia da criança não permite que a mesma tenha contato com a criança. Na semana antecedente à festividade de ANO NOVO (réveillon) esta mãe nos ligou, ainda mais aflita e perguntou: “Será que vou passar o dia de ano novo com minha filha”. O quê responder a esta mãe? A única coisa foi dizer: “possivelmente não”.
Mais uma vez estamos diante da burocracia que mata e emperra o verdadeiro sentido do Direito, manter a paz e a coesão social, manter a harmonia entre as pessoas. Possibilitar que as famílias tenham a real e verdadeira proteção do Estado, consoante exorta a Carta Republicana de 1988.
Estamos vivendo uma utopia em termos de crença no sistema judiciário. A forma e as fórmulas do processo, seja de que categorias forem, devem ser uma garantia ao cidadão, e não um martírio ao mesmo.
Esta mãe, inquestionavelmente, teve um fim de ano (2007) dos piores que já teve em sua vida. E percebam que, em momento algum estamos discutindo, no presente caso, o mérito da questão. Não estamos exortando os leitores a concordarem ou a discordarem de nosso posicionamento, até porque, não estamos exarando nenhum.
A questão central é que, até a presente data, esta mãe não obteve resposta, ou seja, está vivendo uma incerteza jurídica, o que não pode acontecer.
Em muitas situações, o que mina as forças de um ser humano não é o resultado ou a resposta que obtém diante de um determinado problema ou de uma determinada questão, mas sim a incerteza, o silêncio. PIOR DO QUE A VOZ QUE CALA É O SILÊNCIO QUE FALA. E em alguns momentos este silêncio grita de forma ensurdecedora.
Diante disto, destes dois casos com os quais nos deparamos, pudemos perceber a quantas anda a segurança jurídica do brasileiro.
E relembre-se que, o primeiro caso é ainda pior, posto que um cidadão não está conseguindo exercer um direito legal e constitucionalmente garantido.
Fica, assim, registrada este indignação.
RODRIGO MENDES DELGADO
ADVOGADO E ESCRITO – Autor da obra “O valor do dano moral – como chegar até ele”, 2ª edição, 2005, Editora JH Mizuno.