PRÁTICA JURÍDICA
ARBITRAGEM
Primeiras noções
(Publicado na Revista Prática Jurídica, Ed. Consulex, nº 27, de 30 de junho de 2004)
SUMÁRIO: I. Conceitos de arbitragem, mediação ou conciliação, autocomposição ou negociação direta. II. Sistemas de arbitragem. III. Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e cláusula arbitral. IV. Conclusão. V. Parte prática: modelo de convenção de arbitragem.
I. Conceitos de arbitragem, mediação ou conciliação, autocomposição ou negociação direta
A arbitragem constitui o meio alternativo para a solução de litígios, não compete com o Judiciário nem contra ele atenta, pois o Poder Judiciário independente e forte constitui o esteio do Estado de Direito. Sem ele, a democracia claudica, a liberdade se extingue e o Direito não passa de flatus vocis.
A arbitragem é a técnica, pela qual a divergência pode ser solucionada, por meio da intervenção de terceiro (ou terceiros), indicado pelas partes, gozando da confiança de ambas. Com a assinatura da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, a arbitragem assume o caráter obrigatório. Pode ser realizada por um árbitro ou por mais de um. Neste caso, estará constituído o Tribunal Arbitral. A sentença tem força judicial.
A mediação ou a conciliação é também uma forma alternativa de solução de pendência, em que o terceiro, alheio à demanda e isento, em relação às partes, tenta conseguir a composição do litígio, de forma amigável, sem entrar no mérito da questão, diferenciando-se, pois, da arbitragem. Pode ser tanto judicial como extrajudicial, optativa ou obrigatória, ocorrendo também no campo do Direito Internacional.
Toda pessoa capaz de contratar pode utilizar-se da arbitragem e poderá fazê-lo por intermédio de advogado . De acordo com o Código Civil de 2002, aos dezoito anos, a pessoa adquire a capacidade de fato, exercendo pessoalmente os atos da vida civil.
A capacidade de exercício ou de fato é a aptidão para exercer direitos ou, segundo os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, é a faculdade de os fazer valer e está vinculada a diversos fatores, como a saúde, a idade. O seu exercício tem como pressuposto a consciência e a vontade.
A negociação direta ou a autocomposição caracteriza-se pela solução da controvérsia pelas próprias partes, sem a intervenção de pessoas estranhas. Cada uma delas renuncia aos interesses ou à parte deles, concretizando-se pela desistência, transação ou pelo reconhecimento, por parte da parte demandada da procedência do pedido, com o que se obtêm o acordo, pondo fim ao litígio.
A arbitragem não é novidade. Na mais remota Antigüidade, a humanidade sempre buscou caminhos que não fossem morosos, burocratizados ou serpenteados de fórmulas rebuscadas, visto que os negócios, sejam civis, sejam comerciais, exigem respostas rápidas, sob pena de, quando solucionados, perderem o objeto e ficarem desprovidos de eficácia, com prejuízos incalculáveis para as partes interessadas.
No direito comparado, a maior parte dos países adota a arbitragem, como instrumento veloz e prático, para solucionar os dissídios entre as partes.
As pendências exigem soluções, boas ou más, porém, eficazes e sumamente velozes. Uma grande nação é aquela que possui leis justas e uma justiça rápida e não onerosa.
O Pretório Excelso julgou constitucional a Lei 9307, de 23 de setembro de 1996, visto que a manifestação de vontade da parte na cláusula de compromisso e a faculdade concedida ao juiz, para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso, não colide com o inciso XXXV do artigo 5º que proíbe a exclusão de apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a direito, corroborando torrencial jurisprudência, neste sentido.
Argüiu-se, perante a Suprema Corte do País, a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º, artigos 7º e 41 da Lei 9307/96. O Relator, Ministro Sepúlveda Pertence julgou inconstitucional os referidos dispositivos, entretanto o Supremo considerou as citadas regras constitucionais, assim como as novas redações dadas ao artigo 267, VII, 301, IX, do CPC, e também ao artigo 42.
É um instrumental notável e afasta de pronto o exagerado formalismo, processando-se, com a máxima celeridade, sem ferir obviamente os cânones legais e a Constituição. A flexibilidade é uma constante. A formalidade representa, efetivamente, a morte da arbitragem.
II. Sistemas de arbitragem.
A arbitragem, no Brasil, rege-se, atualmente, por sistemas jurídicos distintos:
1. LEI 9307/96
A Lei 9307/96 - lei matriz - faculta a solução de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
O Código Civil (Lei 10406, de 10 de janeiro de 2001) permite a instituição do compromisso judicial e extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar. Não admite, contudo, o compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.
Faculta o Código a introdução, nos contratos, de cláusula compromissória para a solução de divergências, mediante a arbitragem, na forma estabelecida em lei especial. In casu, a Lei 9307/96. A restrição imposta, pelo Código Civil, às relações jurídicas indisponíveis, não tem respaldo doutrinário nem legal.
Cite-se ainda a Lei de Sociedade por Ações, que foi contemplada com significativa alteração, permitindo a previsão, nos estatutos das sociedades por ações, de solução, por meio da arbitragem, da dissidência, entre os acionistas e a companhia ou entre os acionistas controladores e os acionistas.
A Medida Provisória 2221/2001, em vigor, por força da Emenda Constitucional nº 32/ 2001 , fez inserir o artigo 30 F, na Lei 4591/64, determinando e facultando, conforme o caso, que os litígios decorrentes do contrato de incorporação imobiliária se resolvam mediante arbitragem.
O Poder Judiciário tem-se mostrado sensível, também, à aplicação da Lei de Arbitragem, nos casos de dissídio trabalhista, com o apoio da melhor doutrina pátria e do direito alienígena.
2. Legislação especial
A legislação especial autoriza a Administração Pública a dirimir os litígios, via arbitragem, nos casos que especifica, em harmonia com a jurisprudência de nossas Cortes de Justiça e do Tribunal de Contas.
As entidades públicas também se valem da arbitragem, graças à avançada legislação. Esta estabelece como cláusula obrigatória a que diz respeito ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais, distinguindo-se, entre outras, a lei de concessão e permissão de serviços públicos, bem como os diplomas legais que dispõem sobre a criação, sob forma de autarquia, da Anatel, da Agência Nacional do Petróleo, da Agência Nacional de Transportes Terrestres, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários e do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes.
Conquanto o Tribunal de Contas, em decisão relatada pelo Ministro Ubiratan, tenha-se posicionado contra a prevalência da cláusula essencial, prevendo a solução amigável, em caso de dissidência, entre os contratantes, Carlos Pinto Coelho Motta cita manifestação desse mesmo Tribunal, em sentido contrário, favorável à transação, e, portanto, à submissão ao juízo arbitral, de acordo com o voto do Ministro Lincoln da Magalhães Rocha, em considerações adicionais. Destaca o caso da Ponte Rio Niterói.
Os contratos internacionais, regidos pela Lei 1518, de 1951, e pelo Decreto-lei 1312, de 1974, deverão conter cláusula arbitral, para a solução de conflitos.
3. Arbitragem institucional
A Constituição não proíbe o juízo arbitral. É o que deflui dos artigos 114, §§ 1ºe 2º, ao dispor sobre a jurisdição trabalhista, e do artigo 217, parágrafos 1º e 2º, ao ordenar que o Judiciário somente admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas, após exaurirem-se as instâncias da justiça desportiva.
Os juízes de paz, no Brasil, têm competência para celebrar casamentos, verificar, ex oficio ou em virtude de impugnação, o processo de habilitação, bem como mediar a conciliação, sem caráter jurisdicional, com fonte na Carta Constitucional.
A Lei 9099/95 – Juizados Especiais Cíveis e Criminais – permite a submissão ao Juízo Arbitral. Compete ao Juiz togado ou leigo encaminhar as partes para a conciliação, mostrando-lhes que a litigância não é a melhor opção.
III. Convenção de arbitragem
A lei dispõe que as partes poderão resolver seus conflitos, submetendo-se ao juízo arbitral, por meio da convenção de arbitragem, que se concretiza pela cláusula compromissória e/ou pelo compromisso legal.
A cláusula compromissória é o pacto, por meio do qual as partes, em um contrato, comprometem-se a ter o litígio, que possa vir a ocorrer, resolvido, por meio da arbitragem. Essa cláusula, sempre por escrito, estará contida, no contrato ou em documento apartado.
A nulidade do contrato não macula necessariamente essa cláusula, visto que ela é autônoma em relação ao contrato de que faz parte.
Nos contratos de adesão, a cláusula somente terá eficácia, se a parte aderente tomar a iniciativa de se submeter à arbitragem ou com ela concordar, expressamente, devendo essa convenção constar de documento anexo ou escrito em negrito, de sorte que, nas relações de consumo, as partes poderão submeter-se à arbitragem. O visto ou a assinatura, tendo em vista essa cláusula, é essencial para sua validade.
O compromisso arbitral, judicial ou extrajudicial, é o ajuste, por meio do qual as partes concordam em submeter a disputa à arbitragem. Deverá conter obrigatoriamente: o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes; o nome, a profissão, e o domicílio do árbitro ou, se for o caso, a identificação da entidade que recebeu a delegação para indicação dos árbitros; a matéria, objeto da arbitragem; o local onde será proferida a sentença.
Facultativamente, poderá conter o local onde se realizará a arbitragem. A lei menciona o local ou locais, assim que esta poderá ocorrer, em vários locais. Também poderá o compromisso estipular o prazo para prolação da sentença, a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis, se assim for ajustado.
O compromisso arbitral extrajudicial deverá ser firmado, por escrito, por meio de documento particular, assinado por duas testemunhas, ou ainda ser celebrado por instrumento público. O compromisso arbitral judicial far-se-á, por termo no processo judicial, perante o juiz ou tribunal por onde corre o feito.
A convenção de arbitragem extingue o processo judicial, sem julgamento de mérito e o réu, na contestação (na demanda judicial), deverá alegar a existência de arbitragem.
Dada sua importância e responsabilidade, a arbitragem deve, de preferência, estar alicerçada em entidade institucional, como as diversas cortes ou câmaras de arbitragem, à semelhança dos diversos modelos existentes, no Brasil, nos Estados Unidos da América e em diversos países do Mercosul e da Europa.
Com efeito, o § 3º do artigo 13 da Lei permite às partes delinearem o processo de escolha dos árbitros ou submeter-se às regras de órgão arbitral institucional ou de entidade especializada.
As partes poderão estabelecer, na cláusula compromissória, que a arbitragem se fará, de conformidade com as normas de órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Entretanto, em documento apartado ou na própria cláusula, poderão convencionar a forma de arbitragem.
A revelia da parte não impede que o juiz arbitral sentencie. No processo judiciário, revel é a parte que não comparece, não apresenta defesa no prazo legal.
Se houver previsão da cláusula compromissória e havendo recusa ou não comparecendo a outra parte, o artigo 7º da Lei admite que a parte interessada se valha do Juízo comum, para requerer a citação daquela, para firmar o compromisso. Se ela não comparecer, a sentença judicial, julgando procedente o pedido, substituirá o compromisso arbitral.
IV. CONCLUSÃO
A arbitragem e outros meios alternativos de conciliação de conflitos, na área privada e na área pública, quer no campo interno, quer no campo internacional, constituem as ferramentas eficazes e rápidas, desnudadas da burocracia e do formalismo deletérios.
Não se pode, porém, transformar o juízo arbitral em morosa e odienta ação ordinária, à semelhança do que ocorre na Justiça do Trabalho, com a ofensa ao princípio da oralidade, caminhando, assim, para o tormentoso desaguadouro da morosidade e da burocratização, contrariando os propósitos de sua criação.
V. PARTE PRÁTICA
A cláusula compromissória deve ser simples, concisa e precisa, contendo todos os elementos para a perfeita inteligência, evitando-se, assim, dúvidas, na sua interpretação.
MODELO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
As partes, de comum acordo, elegem a Câmara de Arbitragem do .........................(ou o Tribunal de Arbitragem de .....................ou a Corte de Arbitragem de...........), com sede nesta cidade, ......................, para dirimir, por um ou mais árbitros, indicado(s) por este(a), qualquer controvérsia ou divergência na interpretação, decorrente da execução do presente contrato ou de sua liquidação, por meio da arbitragem, de conformidade com a lei em vigor e o regulamento do(a) referido (a) Tribunal (Corte ou Câmara) de Arbitragem. A arbitragem será de direito ou por eqüidade ou por ambas as formas.