EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM
(Publicada na Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, nº 33, de 31 de dezembro de 2003)
A arbitragem não é novidade, como instrumento de solução de conflitos. Na mais remota Antigüidade, a humanidade sempre buscou caminhos que não fossem morosos ou serpenteados de fórmulas rebuscadas, visto que os negócios, sejam civis, sejam comerciais, exigem respostas rápidas, sob pena de, quando solucionados, perderem o objeto e ficarem desprovidos de eficácia, com prejuízos incalculáveis para as partes interessadas.
As pendências exigem soluções, boas ou más, porém, eficazes e sumamente velozes. Uma grande nação é aquela que possui leis justas e uma justiça rápida e não onerosa.
NA ANTIGÜIDADE
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco prelecionam que, na mais remota Antigüidade, com a ausência de um Estado forte que assumisse a prerrogativa de dirimir os conflitos entre as pessoas, prevalecia a vingança privada, evoluindo para a justiça privada.
Hammurabi sobressaiu-se, pelo notável monumento jurídico – O Código de Hammurabi, e teve como escopo maior fazer reinar a justiça em seu reino, podendo qualquer cidadão recorrer ao rei. Entre os babilônios, livre era o homem que tinha todos direitos de cidadão e era denominado awilum.
Entre os povos antigos, a arbitragem e a mediação constituíam meio comum para sanar os conflitos entre as pessoas.
Na Grécia antiga, as soluções amigáveis das contendas faziam-se com muita freqüência, por meio da arbitragem, a qual poderia ser a compromissória e a obrigatória . Os compromissos especificavam o objeto do litígio e os árbitros eram indicados pelas partes. O povo tomava conhecimento do laudo arbitral gravado em plaquetas de mármore ou de metal e sua publicidade dava-se pela afixação nos templos das cidades.
No Direito Romano, no primeiro período do processo, as legis acciones em muito se assemelhavam às câmaras ou às cortes arbitrais.
Ainda em Roma, as questões cíveis eram primeiramente apresentadas diante do magistrado, no Tribunal, para depois sê-lo, perante um árbitro particular (arbiter) escolhido pelas partes para julgar o processo. Trata-se da ordo judiciorum privatorum ou ordem dos processos civis. Este sistema, por ser muito rápido, perdurou por muito tempo, ou seja, até o período clássico.
O Professor Alfredo Buzaid , em sua prova escrita, no concurso à cátedra de Direito Judiciário Civil, ensina que o Digesto previa, com cartesiana precisão, esse instituto, podendo, as partes, segundo Paulo, celebrar compromissos, da mesma forma como o faziam, perante a Justiça comum, para que um terceiro, o árbitro, julgasse o conflito. O julgamento chamava-se sententia, conferindo a actio in factum.
Com Justiniano, porém, esse processo veio a complicar-se sobremaneira, em virtude de disposições legais, visando regular a forma de julgamento, suspeição, forma de constituição etc.
Na Idade Média
Na Idade Média, também era comum a arbitragem, como meio de resolver os conflitos, entre nobres, cavaleiros, barões, proprietários feudais e, fundamentalmente, entre comerciantes.
O Direito Lusitano medieval previa a utilização da arbitragem. As ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas disciplinavam este sistema de composição dos conflitos.
Direito Talmúdico
O Direito Talmúdico também se aplica à arbitragem. Esta é composta por um rabino ou pelo conselho de rabinos.
W. Falk faz referência ao Mishpat Shalom – justiça de paz, que existia tanto em Nova York, quanto em Israel. É uma entidade leiga. Funda-se no Direito Talmúdico, todavia a interpretação do texto é mais suave, não é tão rigorosa quanto a dos rabinos.
Seguindo os costumes judaicos, os judeus submetiam à arbitragem todas as disputas entre a comunidade e a pessoa ou entre as pessoas.
Os judeus, na época das Ordenações do Reino, tinham seu Direito próprio, com seu minúsculo reinado à sombra de outro maior, na expressão de Elias Lipiner.
CÓDIGO CANÔNICO
A Igreja Medieval valia-se da arbitragem. John Gilissen narra que o poder jurisdicional da Igreja se fundava no poder arbitral e disciplinar
O Código Canônico, promulgado em Roma, na celebração de Pentecostes, no ano de 1917, terceiro do pontificado do Papa, tratava, na Seção II, Título XVIII, das formas de se evitar o juízo contencioso e, nos artigos 1929 usque 1932, previa o compromisso arbitral, para furtar-se às contendas judiciais, submetendo-se, assim, à arbitragem, segundo as normas de direito ou a eqüidade. Visava, antes de tudo, a transação.
O Código Canônico (Codex Iuris Canonici), promulgado pelo Papa João Paulo II, no Titulo III (artigos 1713 a 1716), dispõe sobre o “de modus evitandi juditia,” ou seja, os modos de evitar os juízos.
O cânone 1713 reza que, para evitar disputas judiciais, a composição ou a reconciliação é utilizada, cabendo a decisão a um ou mais árbitros. O preceito seguinte manda se observem as normas elegidas pelas partes ou, em caso de omissão, a lei ditada pela Conferência dos Bispos ou, ainda, na sua falta, a lei civil, onde se realizar a convenção.
Afasta, de pronto, os bens públicos ou as coisas de que as partes não podem dispor livremente.
Com relação aos bens eclesiásticos temporais, o cânone 1715, § 2, determina: sempre que a matéria o exigir, sejam obedecidas as formalidades ordenadas, por direito, para a alienação de coisas eclesiásticas.
DIREITO MUÇULMANO
O Alcorão é, segundo os estudiosos, com destaque para Besworth Smith, citado por Austregésilo de Athayde, um livro poema, um código de lei, um livro de oração, uma bíblia, reverenciado por milhões de pessoas, no mundo todo. Samir El Hayek revela que Alcorão significa literalmente leitura por excelência ou recitação.
De fato, como escreve Mansour Chalita, o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, narra a história de muitos acontecimentos descritos na Bíblia e nos Evangelhos, como a criação de Adão e Eva, a história de José do Egito e de seus onze irmãos, a perseguição movida pelo Faraó contra os judeus, Salomão e Sabá, o nascimento de Cristo, mas basicamente é um código de conduta e contém ordens fixas e rígidas sobre o governo da sociedade, a economia, o casamento, a moral, a situação da mulher e disciplina inúmeras outras questões.
Segundo os ensinamentos do Dr. Mohammad Hamidulla , o alcorão é a palavra de Deus, revelada ao seu mensageiro Mohammad, dirige-se a toda a humanidade, sem, distinção de raça, religião ou época e regula a vida do ser humano, em todas as direções: espiritual, temporal, individual e coletiva.
A seu turno, a legislação alcorânica permite e até fomenta a autonomia judiciária das diversas comunidades, assim que os diversos grupos – cristãos, judeus, masdeístas e tantos outros – manterão seus próprios tribunais e juízes, aplicando suas próprias leis em todos os ramos do Direito.
Ensina, ainda, o autor que, se as partes conflitantes pertencerem a comunidades distintas, uma espécie de lei internacional privada decidirá o conflito entres as normas. Ademais, administração da justiça, entre os muçulmanos, prima pela simplicidade e rapidez.
O Alcorão não desconhece a arbitragem, assim que a 4ª Surata comanda que, se houver disputa entre marido e mulher, estes devem-se valer de um árbitro da família dela ou dele. Samir EL Hayek, comentando o versículo 35, diz que se trata de um plano excelente para ajustar as dissidências familiares.
O julgamento, por equidade e imparcialidade, é uma vertente. O versículo 9 da 49ª Surata prega que, se dois grupos de crentes combaterem entre si, devem eles se reconciliar.
POVOS DA AMÉRICA – ANTES DE COLOMBO
O Direito asteca era consuetudinário e, de acordo com a ensinança de Mário Curtis Giordani, citando Mendieta y Nunes, não tinha conceitos jurídicos precisos sobre os vários ramos do Direito. As negociações internacionais faziam-se por meio de embaixadores. Estes, no desempenho de suas funções usavam vestes especiais e gozavam de enorme prestígio.
No México, designava-se um magistrado, para decidir os recursos em matéria penal e, nos bairros, o povo escolhia um juiz, com mandato anual, para julgar questões cíveis e criminais, de mínima importância.
No reino de Texcoco, o magistrado supremo era o próprio rei e, nos mercados, havia tribunal para julgar os dissídios entre vendedores e compradores .
NO BRASIL COLÔNIA E NO IMPÉRIO
No Brasil Colônia, as Ordenações Filipinas, que vigoraram, até após a proclamação da República, disciplinava a arbitragem no Livro III, que tratava dos juízes árbitros e dos arbitradores.
A Constituição de 1824, no artigo 160, facultava às partes nomear juízes-árbitros, nas ações cíveis e nas penais civilmente intentadas, cujas sentenças eram executadas, sem recurso, desde que as partes assim convencionassem.
O advogado Petrônio G. Muniz narra fato de significativa atualidade, ocorrido, durante o Império, acerca de litígio em que eram partes o Almirante Lord Cochrane e o Brasil. A arbitragem, por eqüidade, para deslinde do caso referente às presas de guerra, realizou-se em sete meses, enquanto que a Corte de Presas, absurdamente, levou meio século para tentar a solução do conflito, sem êxito.
A Resolução de 26 de julho de 1831 regulava a arbitragem, nas questões relativas a seguro, e a Lei 108, de 11 de outubro de 1837, nos dissídios referentes à locação de serviços.
O Código Comercial, de 1850, prevê a arbitragem para as questões sociais entre os sócios, durante a existência da sociedade, ou da companhia, sua liquidação ou partilha (artigo 294) e, no artigo 245, todas as questões de contrato de locação mercantil deviam ser resolvidas pela arbitragem. No artigo 302, 5, está inscrita a forma de nomeação dos árbitros para decidir sobre dúvidas sociais.
Os verbos estão escritos, no futuro do indicativo, demonstrando ser uma ordem e não mera faculdade.
O Regulamento 737, de 1850, disciplinava o processo comercial e distinguia entre a arbitragem voluntária e a necessária.
Francisco de Paula Batista, ao tratar do Juízo Arbitral, ensina que os artigos 411 a 475 foram derrogados pelo Decreto 3960, de 1867, regulamento da Lei 1350, de 1866, extinguindo a arbitragem obrigatória. Doravante, ela podia ocorrer, antes ou durante a demanda, em primeira ou segunda instâncias e, até, depois de interposto ou concedida a revista.
Em 1894, a Lei 221 previu a arbitragem, no âmbito da Justiça Federal. Esse diploma foi regulamentado pelo Decreto 3084, de 1898. As partes, segundo o disposto neste diploma legislativo, seriam livres para recorrer, sem embargo da existência da cláusula sem recurso, no compromisso.
O Código Civil, de 1916, dispunha, nos artigos 1037 a 1048, sobre o compromisso e a solução das pendências judiciais e extrajudiciais, mediante a indicação de árbitros, juízes de fato e de direito, não estando seu julgamento sujeito à alçada ou recurso, salvo se pactuado pelas partes .
O artigo 1037 era bastante claro e autorizava as pessoas capazes de contratar louvar-se em árbitros, mediante compromisso escrito, com o objetivo de resolver os conflitos judiciais e extrajudiciais. Isso poderia ocorrer, em qualquer tempo.
Com a proclamação da República, os Estados-membros puderam legislar sobre matéria processual e, portanto, sobre a arbitragem.
Os Códigos paulista, mineiro e baiano continham disposições sobre a arbitragem.
O Código Processual, de 1939, permitia a composição de pendências judiciais e extrajudiciais, em qualquer tempo, por meio do juízo arbitral, qualquer que fosse o valor e desde que se tratasse de direitos patrimoniais e sujeitos à transação permitida por lei.
Para José Frederico Marques, citando Pollak e Pontes de Miranda, o juízo arbitral não é processo estatal, conquanto se integre momentaneamente nos quadros do Judiciário, para exercer o jus dicere.