A ARBITRAGEM NO DIREITO COMPARADO
(Publicado na Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, nº 34, de 31 de janeiro de 2005)
A Itália, a Bélgica e a França tornaram-se paradigmas para os países do Ocidente.
Itália
Carlos Alberto Carmona observa que a Itália, pela Lei 28/93, procurou adaptar-se à Convenção de Genebra de Arbitragem, de 1961, e à Convenção de Estrasburgo, de 1966 .
O modelo brasileiro é semelhante ao italiano, não sendo passível de recurso, cabendo somente a interposição de ação de nulidade da sentença arbitral nos casos expressamente previstos.
França
Na França, o Código de Napoleão dispunha sobre a arbitragem, alterado pelo Decreto 354, de 1980. O Nouveau Code de Procédure Civile regulou inteiramente a arbitragem interna e internacional (comércio internacional).
A lei francesa contém um dispositivo que lhe confere o caráter jurisdicional, com autoridade de coisa julgada, desde o momento em que a sentença é proferida.
O Direito francês autoriza as partes conferirem ao juiz arbitral a prerrogativa de julgar por eqüidade, quando estatuído na cláusula compromissória
Bélgica
A Bélgica, em 1972, regulamentou a arbitragem, no Code Judiciaire Belge e acolheu o princípio universal, consubstanciado na regra de que a nulidade do contrato não se estende à cláusula compromissória.
O modelo belga confere ao árbitro amplos poderes, tendo a sentença os mesmos efeitos da sentença judicial e o tribunal pode ordenar investigações, vistorias, inspeção, comparecimento pessoal das partes, acolher o juramento a título decisório.
Vítor Barbosa Lenza indispõe-se contra a regra belga que impede a utilização de embargos contra a decisão arbitral e, com fonte nas lições de Albert Fetteweis, registra a elasticidade dos poderes do juízo arbitral, que tem a faculdade de mandar fazer investigação, acolher juramento, bem como vistoria e ainda utilizar medidas cautelares, para assegurar direitos, em caso de estes estarem prestes a deteriorar-se.
Portugal
A Constituição portuguesa, atualizada, de acordo com a Lei Constitucional 1/97, de 20 de setembro, autoriza a instituição de tribunais arbitrais, cometendo à lei a disciplina sobre os casos e as formas em que estes tribunais se podem constituir. A arbitragem voluntária é regida pela Lei 31, de 29 de agosto de 1986, e a institucional pelo Decreto-lei 425, de 27 de dezembro de 1986.
O Direito português admite a arbitragem, nos litígios de consumo. Mário Frota, professor da Universidade do Porto e presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo – Centro de Estudos, rememora as conclusões extraídas do I Ciclo de Conferências, sob o tema “Da arbitragem nos litígios de consumo”, realizado na cidade do Porto, de 4 a 5 de dezembro de 2003.
Deste simpósio, sobressaiu o entendimento de que o acesso à justiça é fundamental, tanto para os consumidores, quanto para os empresários. Por ser sumamente difícil e custosa a justiça comum, torna-se indispensável a arbitragem institucional, quer a voluntária, quer a necessária.
Uma das conclusões mais importantes diz respeito à necessidade de se atribuir aos Tribunais arbitrais competência para executar suas decisões.
Este pensamento está em harmonia com a Lei Portuguesa do Consumidor nº 24, de 31 de julho de 1996. O artigo 14, 1, explicita que incumbe aos órgãos e departamentos da Administração Pública promover a criação e apoiar centros de arbitragem, visando resolver os conflitos de consumo.
Inferiu esse simpósio que a arbitragem, nas questões entre empresa e consumidor, prima pela imparcialidade e pelo culto aos princípios sagrados do Direito, carecendo apenas de algumas correções legislativas tanto no plano legislativo interno dos países europeus, quanto na esfera da União Européia.
O mestre Mário Frota não se cansa de louvar o esforço da União Européia de estabelecer esses mecanismos extrajudiciais.
Argentina
A Lei Máxima argentina (Texto de 1853, com as reformas de 1860, 1866, 1898, 1949, 1957 e 1994) garante às entidades realizar convênios coletivos de trabalho, recorrer à conciliação e à arbitragem.
O sistema argentino, tal qual o brasileiro, em caso de uma das partes se negar a submeter-se ao juízo arbitral, após assinar a cláusula arbitral, pode peticionar ao juiz para que supra a parte renunciante.
Grã-Bretanha
A Grã-Bretanha, com o Arbitration Act, evoluiu substancialmente. No âmbito do comércio internacional, as partes podem renunciar à jurisdição estatal, no que diz respeito a recurso da decisão arbitral. O British Institute of Arbitrators exerce decisiva influência na capacitação e formação de árbitros.
China – antes do sistema comunista
Estudando o Sistema Legal Chinês anterior ao comunismo, René David escreve que a concepção do Direito, entre os chineses, difere fundamentalmente do pensamento greco-romano, visto que aquele tem uma função secundária. As leis representam, para esse povo, um mal e fá-lo perder o senso de honestidade e moral. Contrário ao processo, que é repreensível, por sua demora excessiva, vê na transação e no entendimento a melhor forma de resolver os conflitos, só devendo recorrer-se ao Juízo, após esgotarem-se todas as oportunidades de acordo, já que essas possibilidades são múltiplas.
Alemanha
A Alemanha não faz distinção entre cláusula compromissória e o compromisso arbitral, segundo o ensinamento de Victor Barbosa Lenza. A arbitragem, a conciliação e a mediação são amplamente utilizadas.
Antiga União Soviética
Na antiga União Soviética, os órgãos de arbitragem integravam o Estado.
A Constituição, em vigor, em 1977, no artigo 163, dispunha que os pleitos econômicos entre empresas, instituições e organizações seriam solucionados pelos órgãos de arbitragem do Estado, nos limites de sua competência, regulada por legislação própria.
JAPÃO
O Japão também procurou tornar mais ágil a solução de controvérsias, de sorte que a informalidade e a oralidade constituem a essência do procedimento nas cortes sumárias e a comunicação às partes faz-se por qualquer meio. Espanha
A Espanha substituiu, em 1988, o sistema jurídico da arbitragem de direito privado vigente, vez que, embora a Lei de 22 de dezembro de 1953, representasse um grande avanço, não se prestava a resolver, em sua plenitude, conflitos de direito civil, nem de direito comercial e comercial internacional.
A Lei 36, de 1988, permite que as pessoas naturais ou jurídicas submetam, a um ou a vários árbitros, os litígios oriundos de direitos de que possam dispor.
A arbitragem constitui, na expressão dos comentadores da citada lei , o equivalente jurisdicional, em que as partes podem atingir os mesmos objetivos que conseguiriam com a jurisdição estatal, ou seja, a decisão que ponha fim ao conflito com efeito de coisa julgada. Os árbitros julgarão, segundo o direito ou a eqüidade.
O Direito espanhol assenta que a nulidade do contrato não induz necessariamente à nulidade da cláusula arbitral acessória. As partes poderão delegar a terceiros, pessoa física ou jurídica, a designação de árbitros, mas é nula a convenção que coloque uma das partes em situação privilegiada, com relação à escolha. A legislação espanhola é bastante minuciosa.
O Direito brasileiro também sentencia que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato e a nulidade deste não induz necessariamente a nulidade daquela.
HOLANDA
A Holanda, signatária da Convenção de Nova York, pauta-se por ter um sistema de arbitragem eficiente, fundado na jurisprudência. O Direito holandês faz nítida distinção entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
USA
A arbitragem, nos Estados Unidos da América, é regulada pelo US ARBITRATION ACT, de 1925, e goza de grande prestígio. Este diploma confere às cláusulas compromissórias caráter de irrevogabilidade, executoriedade e validade, aplicáveis a todo tipo de contrato.
A autonomia da cláusula arbitral foi reconhecida pela Corte Maior dos EUA, no caso PRIMA PRINT CO. US. Flood & Conklin MFG.CO, julgado em 1967.
Uma das entidades de maior respeitabilidade nos EUA, no campo da arbitragem, é a American Arbitration Association - AAA, com sede em Nova York e ramificações em todo o País e no exterior.
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
PACTO DAS SOCIEDADES DAS NACÕES
O Pacto das Nações é a primeira parte do Tratado de Paz entre os países aliados e associados e a Alemanha, após a I Grande Guerra. Foi firmado em Versalhes, em 28 de junho de 1919. O Brasil fazia parte do Tratado, sancionado pelo Decreto 3875, de 11 de novembro desse mesmo ano.
Os artigos 12 e 13 prescreviam que todos os membros concordaram em submeter à arbitragem, ou a uma solução judiciária, controvérsia passível de produzir ruptura entre eles. A decisão, acerca da interpretação de tratado internacional ou qualquer aspecto do direito internacional, deveria ocorrer, em prazo razoável, e o relatório do Conselho deveria ser apresentado, dentro de seis meses, do dia em que o dissídio lhe foi apresentado.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
A Constituição vigente, expressamente, manifesta sua adesão aos Tratados Internacionais de que o País seja parte (artigo 5o, § 2o.) e não colide com o juízo arbitral.
Ao ter-se filiado à ONU, o Brasil aderiu integralmente ao seu Estatuto, que impõe confiar a resolução de conflitos à Corte de Haia ou a outras Cortes já existentes ou que vierem a existir. A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão da Justiça da ONU. Seus membros são escolhidos, de uma lista de pessoas apresentada pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem.
A Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945, prescreve que, entre os propósitos desta entidade, destacam-se a segurança e a paz internacionais, de sorte que, em caso de divergência, seus membros deverão chegar a uma solução pacífica, por meio de negociação, mediação ou arbitragem, entre outras formas previstas, nesse Documento.
A Corte Permanente de Arbitragem constitui-se no mais importante foro internacional de arbitragem.
UNIÃO EUROPÉIA
Mario Frota, em notável estudo sobre a arbitragem necessária institucional, em Portugal, comenta que a arbitragem necessária se assenta em três pilares básicos para uma verdadeira justiça: a celeridade, a segurança, traduzida pela eficiência, e a economia.
A União Européia tem acolhido com entusiasmo a solução de conflitos, por meio da arbitragem, notadamente no que diz respeito às relações de consumo.
O autor cita alguns instrumentos jurídicos reguladores desse meio amigável de resolução de dissídios, destacando-se: a Diretiva 982/27/CE do Parlamento e do Conselho europeu, de 19 de maio de 1998, alteradas pelas Diretivas 1999/44/CE, de 7 de julho de 1999, e 2000/31, de 8 de junho deste mesmo ano. Estes atos fazem referência às ações inibitórias em matéria de consumo; a Recomendação 2001/310/CE, da Comissão, de 4 de abril de 2001, contendo os princípios aplicáveis às entidades extrajudiciais de resolução de conflitos etc.
A União Européia, por sua vez, criou a Rede Européia para a solução extrajudicial de conflitos transfronteiriços, no âmbito dos serviços financeiros, a FIN-NET, com o objetivo primacial de permitir acesso rápido às resoluções e aplicação de acervo comum de garantias de base.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA
A OEA tem sua origem remota na União Internacional das Repúblicas Americanas, criada para fazer frente aos Estados europeus colonialistas. A Organização dos Estados Americanos é fruto da resolução da IX Conferência sobre Problemas da Guerra e da Paz, realizada, no México, constituindo-se em organismo regional dentro da ONU. O Tratado foi assinado, em 30 de abril de 1948, no curso da IX Conferência Interamericana de Bogotá.
Rezam os artigos 23 e 24 que as controvérsias internacionais, entre os Estados-membros, deverão ser resolvidas pacificamente, de acordo com os processos previstos, nesse Documento. Distinguem-se a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial e a arbitragem.
A nota relevante desse Tratado assenta-se na regra de que nenhuma divergência entre os Estados da América poderá ficar sem solução definitiva.