REVISTA PRÁTICA JURÍDICA
O ADVOGADO E A ARBITRAGEM
(Publicado na Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, nº. 42, de 30 de setembro de 2005)
A arbitragem e a mediação apresentam diferenças significativas e também pontos de contato entre elas, conquanto ambas se destinem a solucionar o litígio entre as partes, de modo rápido, desprovido de formalismo e burocracia, mas realizadas com privacidade. São formas alternativas, sérias e muito utilizadas no direito comparado, desde os mais remotos tempos. Na arbitragem, o terceiro – pessoa neutra – examina a demanda, as provas e toma a decisão, enquanto que, na mediação, o terceiro auxilia as partes a chegarem a um acordo e estas é que decidem.
John W. Cooley e Steven Lubet sustentam que, na mediação, a parte, chamada a mediar, usa o lado direito do cérebro ou os processos mentais criativos, a habilidade, a sensibilidade, enquanto que, na arbitragem, o árbitro utiliza o lado esquerdo do cérebro ou os processos mentais racionais, matemáticos, lógicos e técnicos. A mediação caracteriza-se, assim, pela maior flexibilidade.
Se antes a arbitragem e a mediação se fundavam apenas na anuência das partes, atualmente há que se ter em conta também a arbitragem obrigatória, a institucional, como instrumento destinado a diminuir o tempo e o custo gastos na resolução de disputas entre as partes.
Sem embargo de a lei de arbitragem em vigor permitir que as partes postulem sem a assistência do advogado , autorizando até a presença de alguém estranho às lides jurídicas, é sempre conveniente que este profissional assessore a parte e o próprio juiz arbitral, pois cumprirá a ele preparar a demanda e esclarecer os diversos procedimentos jurídicos, evitando, destarte, que esta decorra em desordem. Neste sentido, é a manifestação de Selma Ferreira Lemes. O advogado, ao contrário do que muitos pensam, não perde absolutamente seu espaço sagrado.
E assim é porque o advogado exerce um sacerdócio. Necessita ele da mais ampla e irrestrita liberdade e independência, para operar seu ministério.
O advogado é o guardião das liberdades e dos direitos, em todas as épocas. No mundo moderno, porém, deixou de ser apenas o mandatário do cliente, representando-o, nas causas judiciais, para se transformar no profissional que o assiste, em toda parte e em todos os momentos. O desenvolvimento das relações humanas, o progresso e a globalização, nestas últimas décadas, as grandes e rápidas transformações que se operam em segundos, a fascinante máquina – computador e a Internet exigem do advogado uma atuação imediata e constante ou, como proclama Mc Luhan, “o nosso é o tempo de romper barreiras, suprimir velhas categorias, de fazer sondagens em todas as direções”.
O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, declara solenemente a Constituição vigente, todavia, hodiernamente se deve entender essa proclamação, no seu sentido mais elástico, visto que sua presença, como se afirmou antes, é indispensável em todos os atos e relações civis do homem. Vale dizer é indispensável à sociedade.
Entretanto, o advogado deve estar consciente de que a celeridade é um pressuposto fundamental da arbitragem e não deve ele ater-se a filigranas jurídicas, sob pena de desnaturá-la, transformando-a em verdadeiros feitos judiciais ou em processo kafkaniano.
Isto não significa que os princípios jurídicos devam ser atropelados. O causídico deverá também ter experiência em arbitragem, para que esta decorra, de modo informal e singelo.
O § 4º do artigo 21 da Lei de arbitragem impõe que o juiz tente no meio do procedimento a conciliação das partes, seguindo a orientação do Direito moderno e das leis esparsas. Ao advogado cabe a responsabilidade de orientar as partes a fazerem o acordo, pois que este é realmente o mote do processo moderno.
É essencial que haja preparação prévia para a realização da arbitragem, assim que o advogado, ao definir o objeto da demanda, deverá fazê-lo, de conformidade com a cláusula contratual de arbitragem, se esta for a causa geradora da mesma.
As partes estabelecem o procedimento na convenção de arbitragem, mas poderão, segundo mandamenta o artigo 21, caput, fazer menção a instituição especializada ou a órgão arbitral, ou, ainda, delegar ao árbitro ou ao juízo arbitral a disciplina do modo como se procederá a arbitragem .
O pedido deve ser redigido de maneira clara, objetiva e sucinta. Conquanto não haja forma predeterminada, a petição deverá conter o nome das partes, a narração dos fatos, com a máxima exatidão, a cláusula de arbitragem, a causa de pedir e sua correspondência com o contrato em causa. Se for o caso, deverá mencionar os danos ou a compensação pretendida.
O mérito da causa somente poderá ser examinado pelo juízo arbitral, não cabendo ao Judiciário fazê-lo, sob pena de desnaturar a arbitragem. Entretanto, pode o Judiciário “rever a decisão, produzir as provas que entender necessárias à análise da existência de eventuais nulidades, para que, em se reconhecendo a ocorrência de nulidades, seja determinada a prolação de nova decisão pelo juízo arbitral”. A Ministra Nancy Andrigui, relatando o recurso especial 693.219 – PR, com a aprovação da Turma Julgadora, confirmou o entendimento do Tribunal “a quo”, neste sentido.
Cooley e Lubet ensinam que, em se tratando de causas complexas, a audiência preliminar é necessária. Nos demais casos, a conferência vestibular também é útil, pois evitará o desgaste de horas e horas de discussões. O árbitro ou qualquer das partes poderá solicitá-la. As vantagens são imensas e devem ser consideradas pelo advogado e pelo árbitro.
É importante frisar que as escolas de Direito do País não têm tido a preocupação de colocar na grade curricular a arbitragem e a conciliação, relegando esses temas para o segundo plano. Tampouco nos Estados Unidos da América, onde a arbitragem e a mediação constituem os suportes necessários para a solução rápida e menos onerosa dos conflitos entre as partes, as Faculdades e as universidades têm dado pouca importância a essa temática. Só recentemente os primeiros passos foram dados neste sentido, conforme ensina o advogado e procurador do Distrito Federal, Fernando Antônio Dusi Rocha, porque os advogados temiam perder clientes, com o que deixariam de ganhar os honorários.
Decorridos nove anos da edição da Lei nº 9.307, de 1996, as Faculdades do País começam a interessar-se pela arbitragem e conciliação, incluindo-a na grade curricular dos cursos de pós-graduação, e, aos poucos, com certeza, também o bacharelado será enriquecido com essa matéria, em virtude do interesse e do fascínio despertado entre os alunos. Há agora a tendência natural pela pesquisa e estudo desse notável instrumento legal. Os estágios dos acadêmicos de Direito, em escritórios de advocacia especializados e nas prestigiosas cortes arbitrais, servirão de ponto de apoio para sua aculturação.
O procurador, Doutor Dusi Rocha, cita, em seu trabalho, curiosa ilação do Doutor Guilhermo Domingo Pascoal, Diretor de um centro de mediação argentino, lecionando este que, na verdade, deveríamos aprender a advogar e não a litigar.
No Brasil de hoje, há inúmeras entidades que se dedicam a essa atividade, como fruto de melhor conhecimento dos benefícios desses institutos. Contudo, a lei deverá instituir um código de ética de mediação e arbitragem, a ser rigorosamente obedecido, com a previsão de penalidades severas, se infringido. Entretanto, não comungamos com a criação de conselhos de arbitragem, como propugnado pelo ilustre deputado Nelson Marquezelli, no projeto de lei 4.891, de 2005, sem embargo de sua louvável preocupação com a lisura da arbitragem e da mediação e com a impunidade dos que dela fazem uso pernicioso, com incalculáveis prejuízos para a Nação, maculando esse instituo e os árbitros.
Isto porque não há que se falar em exercício da profissão de árbitro, já que este o é no momento em que as partes o escolhe ou a entidade o indica, com a anuência daquelas, para dirimir determinado conflito. A infração, se ocorrer, encontrará o corretivo no Ministério Público e no Judiciário, visto que, da mesma forma que o funcionário público é processado e sancionado, também o será o árbitro, que a este se equipara, no exercício da arbitragem, em havendo o cometimento de crime.
O projeto citado exige ainda que o árbitro tenha titulação universitária ou dois anos de prática, descaracterizando totalmente a arbitragem que, para ser realizada, necessita apenas que o árbitro seja perfeito conhecedor da matéria que será examinada. Adriana Pucci, com muita sensibilidade, escreve: o receio de que a arbitragem, realizada por quem não seja advogado possa ser inquinada de nulidade, não procede, porque o árbitro poderá, se achar conveniente, solicitar a assistência de um causídico. Estudando a legislação de quatro países da América do Sul, registra que somente a lei paraguaia exige, para casos específicos, seja o juiz arbitral advogado .
PARTE PRÁTICA
1. A petição deve ser objetiva, precisa e clara, sem rodeios, mas com o máximo de informações e subsídios. A simplicidade é o ponto chave.
2. O sistema legal brasileiro prevê, em várias situações, que as partes devem sempre agir, de comum acordo.
3. A conciliação faz parte do procedimento, assim que competirá ao árbitro ou ao juízo arbitral tentar a conciliação das partes. Se estas chegarem a acordo, durante a arbitragem, poderão pedir que o árbitro ou o juízo arbitral declare este fato mediante sentença arbitral, nos termos do artigo 28 da Lei 9307. A decisão deverá conter os requisitos impostos pelo artigo 26, no que couber, isto é: o relatório, a fundamentação legal, a data e o lugar em que foi proferida.
4. O legislador, consciente da importância da conciliação e da arbitragem, na vida moderna, introduziu, na Lei 9.099, de 1995 (dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais), o significativo comando, no sentido de que, ao abrir a sessão, o juiz togado ou leigo deverá esclarecer as partes sobre a vantagem da conciliação, advertindo-as dos riscos e das conseqüências do litígio. Esse diploma reserva a Seção VIII para a arbitragem e a conciliação e concede um tratamento especial para os advogados .
5. Cooley e Lubet sustentam que, quando a arbitragem se der, por meio de uma entidade institucional, qualquer comunicação deve ser feita diretamente aos árbitros. Entretanto, os advogados das partes deverão tomar conhecimento de tudo.
6. As sessões exigem dos árbitros, das partes e dos advogados muita paciência e constituem-se em ato da maior importância. É uma verdadeira arte, devendo as partes sentir-se à vontade, para melhor equacionamento da demanda e possivelmente chegar ao acordo.
7. Na abertura da audiência, em primeiro lugar, o advogado do “autor” e, em seguida, o do “réu” farão uma explanação, para ajudar o juiz arbitral a entender o caso. Esta também poderá ser feita por escrito.
8. Não obstante, repita-se: é imprescindível que todos se conscientizem de que a arbitragem não constitui processo judicial e, portanto, repele o formalismo tão a gosto do processo tradicional.
9. A brevidade faz parte da arbitragem. Não deve a sessão tornar-se enfadonha, com questiúnculas desinteressantes e tangenciais, evitando-se assim a dispersão e o desgaste dos participantes.
O Professor Leon Frejda Szklarowsky é advogado, jornalista, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, juiz arbitral da American Arbitration Association (NY-USA), Presidente do Conselho de Ética e Gestão do Superior Tribunal de Justiça Arbitral do Brasil, em São Paulo, e conselheiro e juiz arbitral da Câmara de Arbitragem da Associação Comercial do DF. Acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia Brasileira de Direito Tributário, de Letras e Música do Brasil e Maçônica de Letras do Distrito Federal, membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal e da Associação Nacional dos Escritores. Vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex. Entre suas obras, citem-se: Hebreus - História de um Povo, A Orquestra das Cigarras, Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Crimes de Racismo, Contratos Administrativos e Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Em elaboração final: Teoria e Prática da Arbitragem. E-mail: leonfs@solar.com.br .