REVISTA PRÁTICA JURÍDICA
SENTENÇA ARBITRAL 4
NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL
Sumário: Sentença arbitral. Nulidade. Hipóteses legais. Órgão competente. Prazo.
Legislação e doutrina. Lei 9307, de 1996 e suas alterações. CPC e suas alterações.
Parte Prática: Modelo de ação anulatória de sentença arbitral
(Publicado na Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, 46, de 31 de janeiro de 2006)
A Lei nº. 9307/96 destina o Capítulo V à sentença arbitral. Esta, se condenatória, constitui título executivo judicial e produz os mesmos efeitos da sentença judicial. Não cabe nenhum recurso desta decisão. Proferida esta pelo árbitro, findar-se-á a arbitragem, consoante determina o artigo 27 da citada Lei.
Há autores que advogam a possibilidade de as partes pactuarem que a sentença poderá ser objeto de recurso para a segunda instância arbitral, desde que haja previsão na convenção de arbitragem. Data venia, não comungamos com esta opinião, em face do sistema adotado pela Lei 9307, v.g.; o artigo 18 e o artigo 29. Esta disposição comanda que a arbitragem termina com a prolação da sentença pelo árbitro.
Não obstante, a parte poderá:
I. propor perante o órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos no artigo 32 da Lei sob comento, isto é, se:
1. o compromisso arbitral for nulo;
2. emanou de pessoa que não tinha condições de ser árbitro;
3. não contiver os requisitos do artigo 26;
4. for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
5. não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
6. comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
7. proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, desta Lei; e
8. forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das ´partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento (artigo 21, § 2º).
II. A nulidade da sentença também pode ser argüida pela interposição de embargos do devedor contra a decisão, de conformidade com o artigo 741 e seguintes do Código de Processo Civil, na hipótese de ocorrer a execução judicial, se a parte não cumprir a decisão.
O prazo decadencial para a parte promover a ação de nulidade é de até 90 dias após o recebimento da notificação da sentença ou de seu aditamento, se houver, no caso de admissão dos embargos de declaração. Esse prazo não se suspende nem se interrompe com a interposição de embargos de declaração. Neste sentido, Cretella Neto.
Os casos, que poderão provocar a nulidade da sentença, assemelham-se às hipóteses, que acarretam a nulidade da sentença judicial, ressalvadas as peculiaridades de cada uma.
O artigo 32 é apenas exemplificativo, uma vez que a nulidade também poderá ser argüida, se houver interposição de embargos do devedor, com fundamento no artigo 741 citado, no que couber. Cretella Neto cita, entre outras hipóteses, a de versar sobre direitos indisponíveis, ofender a ordem pública, infringir norma constitucional ou no caso de conluio, para prejudicar qualquer das partes ou terceiros.
O artigo 741 foi modificado pela Lei n nº. 8.953, de 13 de dezembro de 1994, de sorte que “na execução, com fundamento em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:...” e pela Medida Provisória nº. 2.180, de 24 de agosto de 2001, ainda em vigor, em face da Emenda Constitucional nº. 32, de 2001.
A citada medida provisória acrescentou o parágrafo único ao artigo 741, com a seguinte redação: “Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Constituição Federal”.
A Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, alterou os incisos I, V e VI e o parágrafo único do citado dispositivo, in verbis:
“Artigo 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargo só poderão versar sobre:
1- falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
..........................................................................................................
V-excesso de execução;
VI-qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;
..................................................................................................................
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”
A nulidade será absoluta (incisos I, II , VI, VII e VIII do artigo 32) ou relativa, nos demais casos. Nas hipóteses III, IV e V a sentença do juiz togado determinará que o árbitro profira nova decisão.
As partes, porém, podem renunciar à ação de nulidade, posto que esta cláusula não ofende a ordem pública, segundo ensina Carreira Alvim, evitando a procrastinação da arbitragem.
A primeira hipótese enumerada no artigo 32 refere-se à nulidade do compromisso arbitral. Este deve conter obrigatoriamente os requisitos previstos no artigo 10, ou seja, o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes, o nome, a profissão e o domicílio do árbitro, ou dos árbitros e, se for o caso, a identificação da entidade para a qual as partes delegaram a indicação do árbitro; a matéria objeto da arbitragem e o local onde será proferida a sentença.
Estes requisitos são obrigatórios, enquanto que os do artigo 11 são facultativos, a saber: local ou locais, em que se realizará a arbitragem; autorização para que o árbitro julgue por eqüidade, se as partes assim convencionaram; o prazo para a apresentação da sentença; a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, se assim convencionaram; a declaração da responsabilidade pelo pagamento das despesas e dos honorários, devidos em virtude da arbitragem; e finalmente a fixação dos honorários do árbitro.
Neste caso, estes constituirão título executivo extrajudicial. Se omissa a cláusula, o árbitro poderá requerer a fixação dos honorários ao órgão do Judiciário que seria competente para julgar a demanda. O juiz togado fá-lo-á por sentença.
Quanto à nulidade da convenção da arbitragem, entendemos que, apesar da omissão da lei, compreende-se como implícita, porque a arbitragem tanto pode ser instituída pelo compromisso quanto pela cláusula arbitral.
Se a sentença foi proferida por quem não podia ser árbitro, também é nula. Por exemplo, no caso de o árbitro não ser capaz, de acordo com o Código Civil, houver delegado a terceiro, sem anuência das partes, for caso de impedimento legal.
Os requisitos da sentença arbitral são de suma importância. O relatório é fundamental. Há os que o julgam desnecessário se o árbitro tem ciência da causa na sua plenitude. Não obstante, este entendimento não pode prevalecer, visto que o artigo 32 deve estar em perfeita consonância com o artigo 26. Em sentido contrário, Cretella Neto. A fundamentação é essencial, visto que a Constituição é clara neste sentido (artigo 93, IX) e também o Código de Processo Civil.
Também é caso de nulidade, se a sentença decidiu fora dos limites da convenção de arbitragem, ou seja, de forma diferente da estipulada na citada convenção. Cretella Neto observa que não se trata de decisão fora do pedido. Nesta hipótese, tratar-se-ia de decisão extra petita ou ultra petita. Carreira Alvim, contudo, leciona que ocorre a nulidade da sentença, porque o árbitro decidiu outro litígio e não o que consta do compromisso, tratando-se de sentença extra petita.
Se o árbitro não decidiu todo o litígio que lhe foi submetido e houver a parte optado pela propositura da ação de nulidade da sentença, o juiz togado determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira nova decisão.
Se a sentença arbitral foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva, desde que devidamente comprovado, será caso de nulidade absoluta. São comportamentos criminosos previstos no Código Penal. O árbitro fica equiparado ao funcionário público, para os efeitos da legislação penal, quando no exercício da função ou em razão dela.
A prevaricação configura-se quando o agente retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (artigo 319 do CP). A concussão, prevista no artigo 316 do Código Pena, tem lugar quando o agente exigir, para si, ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. A corrupção passiva (artigo 317 do CP) ocorrerá se o agente solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa dessa vantagem. A pena é aumentada de um terço, se o funcionário público, em conseqüência da vantagem ou da promessa, retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou pratica-o infringindo o dever funcional. As penas, exceto no caso de prevaricação, são rigorosas.
O inciso VII diz respeito ao prazo para o juiz arbitral proferir a sentença. Este dispositivo conjuga-se com o inciso III do artigo 12 e com o inciso III do artigo 11. Não se olvide, entretanto, o artigo 25 que trata da suspensão do prazo.
A sentença será nula se forem infringidos os sacrossantos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do juízo arbitral e de seu livre convencimento, incrustados na Carta Magna. O princípio do contraditório e da ampla defesa encontra sua sede no artigo 5º, LV da CF, e também no CPC. O da igualdade deve sua obediência à determinação constitucional de que todos são iguais perante a lei. Não se admite, absolutamente, a desigualdade das partes (inciso VIII do artigo 32).
Todo juiz deve ser imparcial e livre, no seu convencimento. Essa liberdade não se confunde com o arbítrio, visto que a sentença deve ser motivada. Ser juiz é ser bom, quando necessário. Ser justo, sempre. Ser intransigente com a injustiça e a ilegalidade. Ser solidário com o inocente. Ser duro com o infrator.
A ação própria para desconstituir a sentença é a de anulação e segue o rito previsto no CPC.
Da mesma forma que as exceções são decididas pelo próprio juízo arbitral, também as nulidades previstas nos incisos III, IV e V do artigo 32 deveriam ser apreciadas pelo este último, por se tratar de mera correção ou complementação. Isto porque o juiz natural, se for julgada procedente a ação anulatória, devolverá ao árbitro para proferir nova sentença. Por que então não permitir a lei a supressão da instância judicial, nesses casos, em homenagem aos princípios da economia processual e da presteza, fundamento da arbitragem?
PARTE PRÁTICA
AÇÃO DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL
Exmo. Sr. Juiz de Direito de Santo Amaro
Josefa Antonia Veiga dos Santos, brasileira, casada, empresária, residente e domiciliada, em Santo Amaro, à Rua da Saudade 213, Vila Baixa, por seu advogado e procurador, infra-assinado, Dr. Antonino Pedro da Silva Pais de Barros Dias, inscrito na OAB, Seção de Santo Amaro, sob número 434567, com escritório, à Praça dos Prazeres s/n, vem à presença de Vossa Excelência, com a vênia devida, propor a presente ação de nulidade da sentença arbitral contra o senhor Juanito Pablo Perez de Alvear, brasileiro, casado, empresário, com comércio à Rua Santa Bárbara 524, Santo Amaro, pelos motivos de fato e de direito que seguem.
1- O autor foi condenado, pela sentença arbitral de fls., a pagar ao réu a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de multa e indenização, além dos juros convencionados, em virtude de infração da cláusula 8ª do contrato de venda e compra de uma máquina de fazer café, tipo italiana, bem como 10 prateleiras, 2 geladeiras e três balcões frigoríficos, pelo preço de R$ 104.000,00 (cento e quatro mil reais), por meio de 20 parcelas mensais e iguais, incidindo os juros de 12% ao ano. Também foi decretada a rescisão do contrato e condenado a devolver as peças acima descritas.
2- Alegou o réu, na ação de arbitragem, que o autor descumpriu o contrato, deixando de pagar 7 prestações consecutivas, embora tenha feito a notificação do autor, como manda a cláusula 10 do contrato antes mencionado.
3- Entretanto, douto julgador, além de a sentença arbitral não conter todos os requisitos exigidos pelo artigo 32, inciso III, da Lei 9307, de 1996, também deve ela ser anulada por contrariar o disposto no inciso VIII do mesmo artigo, c/c o § 2º do artigo 21 da citada lei.
4- De fato, não foi permitido ao autor apresentar documentos comprobatórios do pagamento efetuado das parcelas exigidas, conquanto tenha solicitado ao Banco das Nações o extrato dos meses, tidos como atrasados, nem tampouco a perícia requerida foi deferida.
5- É o quanto basta para que a sentença seja anulada, pois, de pronto, foram violadas duas normas fundamentais: 1. falta do relatório e da fundamentação e 2. violação do princípio constitucional do contraditório da ampla defesa e do contraditório.
6- Protesta provar o alegado por todos os meios de prova, tais como depoimento pessoal do réu, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas, perícia, juntada de documentos etc.
7- Dá-se à presente ação o valor de R$ 104.000,00 (cento e quatro mil reais),
Destarte, com fundamento, nos artigos 282 do CPC e 32, incisos III e VIII, c/c o artigo 21§ 2º, e 33 da Lei de Arbitragem, requer digne-se Vossa Excelência de decretar a nulidade da sentença arbitral de fls., aplicando-se ao réu a pena de sucumbência e demais cominações legais.
Requer, ainda, a citação do réu, para oferecer a resposta, no prazo legal, sob pena de revelia.
Termos em que,
Por ser Justiça.
P.E.Deferimento.
Santo Amaro, 8 de janeiro de 2006
Dr. Antonino Pedro da Silva Pais de Barros Dias
O Professor Leon Frejda Szklarowsky é advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, juiz arbitral da American Arbitration Association, juiz e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Superior Tribunal de Justiça Arbitral do Brasil (SP) e conselheiro e juiz arbitral da Câmara de Arbitragem da Associação Comercial do Distrito Federal. Vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex. Acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, da International Arbitration Association e da Associação Nacional dos Escritores. Entre suas obras jurídicas, citem-se: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Crimes de Racismo, Contratos Administrativos e Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade, Editora NDJ, 2003. Em elaboração: Teoria e Prática da Arbitragem.