A ARBITRAGEM NA ÁREA TRIBUTÁRIA
(Publicado na Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, 48, de 31 de março de 2006)
No âmbito da Fazenda Pública - Cobrança tributária
A sociedade atual difere, frontalmente, daquela em que vivemos, há apenas algumas décadas. As distâncias encurtam-se, a cada instante. As comunicações modernas e ultra-sofisticadas constituem o elo de entrelaçamento entre os seres humanos, conquanto a rivalidade entre os povos, notadamente no campo da religião e da opinião, ainda seja uma realidade cruel, que se esperava apagada das relações humanas. Dir-se-á que a humanidade vive o choque das civilizações e assiste ao fundamentalismo, desgraçadamente, a ceifar vidas inocentes, com conseqüências imprevisíveis, indigno do gênero humano.
O comércio faz-se através da internet, via telefone fixo ou “celular”, via e-mail e até pelos meios tradicionais. As conquistas tecnológicas derrubam as barreiras que separaram os homens, por milênios. Um grito, neste lado da Terra, é ouvido, no mesmo momento, a milhões de quilômetros de distância. A previsão de Orwell está presente em toda a parte, como um desafio brutal às liberdades e à tranqüilidade do ser humano.
Eis que a arbitragem, conquanto conhecida pelo homem, desde a mais remota Antigüidade, não tem tido aqui a mesma receptividade que em outros países. Ou nenhuma. Há inexplicável aversão por este instrumental. O Brasil, entretanto, não pode ficar aquém desse marco civilizacional e exige total e imediata mudança dessa postura retrógrada.
Atualmente, o mundo jurídico e a sociedade têm admitido, embora lentamente, formas alternativas de composição de litígio, abrandando, assim, os inconvenientes de uma justiça tardia, com reflexos não apenas nas relações privadas, mas também no âmbito das relações de Direito Público.
O Direito Tributário nacional e internacional também sofre os reflexos desses novos tempos. As soluções dos conflitos que surgem, nesse campo, não podem mais ficar sujeitas à morosidade de demandas judiciais que se perdem, no tempo, e os princípios da indisponibilidade e da legalidade não constituem óbices à solução de eventuais dissídios, via arbitragem ou outro meio alternativo de conciliação .
No âmbito interno
No campo interno, os prejuízos astronômicos, por essa demora excessiva, estendem-se tanto ao contribuinte quanto às Fazendas públicas.
O juiz de direito, Dr. Álvaro Ciarlini, da 2ª. Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, faz um balanço trágico da Justiça local e adverte que dormem nos escaninhos das 8 varas fazendárias cerca de 270.000 ações de execução fiscal, que levam mais de quinze anos para o desfecho nem sempre satisfatório, com o que cada juiz terá que, absurdamente, apreciar 33.750 processos, o que é impossível fazê-lo em condições normais. O Fisco, com isso, está impedido de receber cerca de 3 bilhões de reais. Imagine-se, então, no Rio de Janeiro, no Estado de São Paulo e em outros centros de grande movimento, o volume de processos que abarrota as varas. Qualquer solução que se pretenda passa por um túnel que se afunila cada vez mais, devido à ignominiosa falta de atenção dos poderes constituídos.
Nem mesmo a Lei nº. 6830, de 22 de setembro de 1980, que pretendia impor rapidez no andamento das execuções fiscais, conseguiu este intento, exatamente porque nem o Executivo nem o Legislativo se preocuparam em implementar esta lei, propiciando condições para sua efetiva aplicação, ou seja, dotar o Judiciários de recursos suficientes e criação de tribunais especializados, que existem nos mais diversos países, há décadas.
Penhora administrativa
Propusemos, há algum tempo, a instituição da penhora administrativa realizada, por procuradores das Fazendas Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, visando a descongestionar o Judiciário, afastando deste a realização de atos meramente administrativos, propiciando, assim, maior presteza no trato da cobrança da dívida ativa tributária e não tributária, com benefícios, tanto para o devedor, quanto para a Fazenda Pública. Esse estudo serviu de alicerce para apresentação, pelo então Senador Lúcio Alcântara, dos projetos de lei do Senado nº. 174, de 1974, e nº. 608, de 1999. O Senador Pedro Simon propôs o Projeto de Lei nº. 10, de 2005, no mesmo teor, e o Deputado Celso Russomanno apresentou o Projeto de Lei nº. 5.615, de 2005, regulando a cobrança administrativa do crédito da Fazenda Pública, calcado em trabalho que elaboramos com o Desembargador Federal, Dr. Antônio Souza Prudente.
O artigo 3º do estudo e do projeto determina que, após a inscrição, como dívida ativa, do crédito tributário ou não tributário, pelo respectivo órgão jurídico da Fazenda Pública, o devedor será notificado para efetuar o pagamento, no prazo de cinco dias, amigavelmente, sob pena de proceder-se a penhora de seus bens, tantos quantos bastem para a garantia da dívida.
O artigo seguinte dispõe que, se o pagamento ocorrer nesta fase, a penhora será imediatamente desfeita, devendo a Procuradoria ou o advogado do Estado tomar as providências cabíveis, no prazo impostergável de quarenta e oito horas, sob pena de responsabilidade. A maior parte das dívidas é liquidada, nesta fase.
Na hipótese de o devedor não efetivar o respectivo pagamento, após a penhora, poderá, se assim o desejar, oferecer embargos, na forma da Lei 6830, de 22 de setembro de 1980 - Lei de Execução Fiscal - perante o juiz que seria competente para a execução judicial da dívida ativa.
Destarte, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, com o que concordam juristas do porte de Carlos Mário da Silva Velloso, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Humberto Gomes de Barros e José Augusto Delgado, Ministros do Superior Tribunal de Justiça, J. J. Arruda Alvim (desembargador aposentado e processualista) e Hamilton de Sá (juiz federal).
Princípio da indisponibilidade e legalidade do crédito tributário
Os princípios da indisponibilidade e da legalidade regem as obrigações tributárias e os créditos tributários e, em princípio, poderia parecer que estaria vedada a utilização da arbitragem ou de outros meios alternativos para a solução de conflitos entre a Administração tributária e o contribuinte. Todavia, essa assertiva é totalmente falsa.
A Constituição não proíbe a composição de conflitos, no âmbito da Administração, entre o Estado-fiscal e o contribuinte. Muito ao contrário, estimula-a. Exemplo disso encontra-se no artigo 150 da Carta Magna. Esta, no § 6º, apenas exige que a isenção, a redução da base de cálculo, a anistia ou a remissão de tributos - impostos, taxas ou contribuições – se dêem, por meio de lei federal, estadual (distrital, no caso do Distrito Federal) ou municipal específica.
O Código Tributário Nacional – Lei 5172, de 25 de outubro de 1966 – reserva os capítulos terceiro e quarto do título terceiro – crédito tributário – para tratar das diversas formas de composição, v.g.: moratória, compensação, transação, remissão, dação em pagamento de bens imóveis etc.
O Código – artigo 97, VI – comanda que somente a lei pode instituir as hipóteses de exclusão, suspensão, extinção de créditos tributários e dispensa de penalidades, em homenagem aos princípios da indisponibilidade e legalidade.
Esses atos tanto podem ocorrer na repartição fazendária, se o crédito tributário ainda não foi inscrito como dívida ativa, ou nas Procuradorias fazendárias ou ainda em Juízo, se o crédito tributário já tiver sido inscrito como dívida ativa ou ajuizado.
Leis de anistia tributária e de parcelamentos de créditos tributários são freqüentemente editadas não só pela União como também pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Cite-se, entre outros, o Decreto-lei federal nº. 1184, de 12 de agosto de 1971, dispondo sobre a liquidação de débitos fiscais de empresas em difícil situação financeira. Este diploma regulava não só a dação de bens imóveis ao Tesouro Nacional, como também o parcelamento de débitos fiscais, redução de multas ou penalidades decorrentes de processos fiscais, remissão e outros benefícios .
O parcelamento de débito e os variados tipos de chamadas legais de devedores de tributos para composição, nos diversos níveis de Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) constituem a forma mais atrativa para a solução rápida. Constituem o incentivo à arrecadação e têm sido utilizados com muita freqüência. O parcelamento somente será concedido na forma e condições previstas, em lei específica.
A União (Poder Central) instituiu o REFIS – Programa de Recuperação Fiscal, que tem por objetivo permitir a regularização dos débitos do contribuinte, junto à Secretaria da Receita Federal, ao Instituto Nacional do Seguro Social e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Sem dúvida, os princípios da legalidade e indisponibilidade dos créditos tributários harmonizam-se, de pronto, com as exigências do texto constitucional e do Código Tributário – lei complementar, que impõem sempre a autorização legal, para a composição administração tributária (Fisco) – contribuinte.
Exemplo típico é a transação prevista no artigo 171. Este dispositivo dispõe, expressamente, que a lei pode facultar, nas condições que estabelecer, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação do litígio e conseqüente extinção do crédito tributário.
Bernardo Ribeiro de Moraes é taxativo, ao ensinar que, para operar-se a transação, há que existir a lei, sem a qual a causa de extinção do crédito tributário deixará de ter vitalidade.
A arbitragem na cobrança de tributos
A arbitragem na cobrança de tributos não se opõe aos princípios da indisponibilidade e da legalidade, como se afirmou antes.
A assembléia das XXII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario, tendo em vista que os mecanismos tradicionais de solução de conflitos, na área tributária, não satisfazem às necessidades nem do Estado nem do contribuinte, resolveu recomendar aos países membros do ILADT – Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario que instituam, mediante lei, meios alternativos de solução de controvérsias em matéria tributária, notadamente a arbitragem, tanto na ordem interna quanto na internacional, visto que a indisponibilidade não obsta a adoção de meios alternativos de solução desses conflitos, especialmente a arbitragem, no âmbito interno.
No Brasil, esta solução já vem sendo adotada, sob forma de acordos e parcelamentos. Na área do Direito Público, há legislação permitindo que as controvérsias se resolvam por meio da arbitragem.
Vale dizer: nada impede que a lei estabeleça a arbitragem, como meio rápido e seguro de resolverem-se os conflitos na área tributária, acompanhando de perto as soluções já admitidas, com êxito, nos diversos países. Basta que a lei a regule expressamente.
No âmbito internacional
No campo internacional, sem dúvida, intenso é o reflexo da interdependência entre as nações, no direito tributário internacional, devido aos investimentos e ao comércio, fazendo-se necessária a invocação de regras que dirimam as dissidências que possam surgir. A globalização é um fato inconteste.
Isto ocorre sempre que o mesmo fato tributário corresponde a uma pluralidade de regras, dando assim origem a mais de um imposto, consoante ensina Manuel Pires . O especialista em Direito Tributário Internacional, Agostinho Toffoli Tavolaro, acrescenta ainda a exigibilidade por mais de um país, para integrar a internacionalidade na definição.
Os conflitos, em face da diversidade da legislação tributária dos países, são resolvidos por medidas unilaterais, pelos tratados de dupla tributação, pelo procedimento amigável, pelos tribunais internacionais (Corte Permanente de Arbitragem, Corte Permanente de Justiça Internacional, Corte Internacional de Justiça) e pelos Centros Internacionais de Arbitragem, destacando-se a Câmara de Comércio Internacional de Paris, a Associação Americana de Arbitragem, o International Centre for Settlement for Investiments Disputes – órgão do Banco Mundial.
No direito brasileiro, dentre as medidas unilaterais, cite-se a norma de isenção dos representantes diplomáticos de governos estrangeiros (artigo 22 do RIR - Decreto 3000/1999), calcada no costume internacional.
Os tratados de dupla tributação desempenham papel preponderante na solução e prevenção de conflitos entre as nações, no que diz respeito à aplicação de normas tributárias.
Os tribunais e centros internacionais de arbitragem também se destacam como instrumentos de grande valia na solução de divergências tributárias, entre os países.
A Corte Permanente de Arbitragem instituída na 1ª. Conferência de Haia, em 1899, e revista na 2ª. Conferência de 1907, foi uma grande conquista, pelo seu pioneirismo, conquanto seus julgamentos nessa área não tenham despertado grande interesse, segundo os doutrinadores. A Corte Permanente de Justiça Internacional também não teve papel relevante, apesar de ter competência para solução de conflitos, na área da tributação.
A Carta da ONU prevê, no artigo 92, a Corte Internacional de Justiça, com competência para dirimir questões referentes à dupla tributação. A Associação Americana de Arbitragem é muito respeitada no Estados Unidos da América e tem sido convocada para aparar inúmeras disputas internacionais.
A dupla tributação é uma questão de suma relevância nas relações internacionais, no âmbito tributário, e a arbitragem é uma ferramenta que melhor se presta não só para solução dessas pendências como de quaisquer litígios, havendo autores que preconizam a criação de um tribunal fiscal internacional, aspiração esta que remonta ao Século XIX.
No conflito que se estabelece com a dupla tributação internacional, há três situações nítidas:
1. Um Estado que se julga com o direito de impor o tributo, tendo em vista determinado fato gerador e o contribuinte que deverá pagar o tributo.
2. Um Estado ou mais de um que se acha no direito de tributar o mesmo fato gerador e o mesmo contribuinte que deverá para o tributo.
3. Dois Estados pretendem cobrar o mesmo tributo sobre o mesmo fato gerador.
O conflito dá-se, pois, entre os Estados e a renúncia de um deles ao tributo soluciona o dissídio, por meio de ato unilateral ou mediante tratado entre os Estados.
O Brasil, nas suas relações internacionais, deverá nortear-se pelo princípio da solução pacífica dos conflitos. A Constituição anterior, no artigo 7º, fazia referência expressa às negociações diretas, à arbitragem e a outros meios pacíficos, com a cooperação dos organismos internacionais de que o Brasil participe. A atual Carta só menciona a solução pacífica dos conflitos. Entretanto, a adesão do Brasil aos tratados e acordos internacionais impõe-lhe, ipso facto, a obediência a esses mandamentos e, portanto, à submissão à arbitragem internacional, como de resto constava da Lei Maior anterior.
PARTE PRÁTICA
SUGESTÃO DE EXERCÍCIOS
1. É possível a utilização de meios alternativos de solução de conflitos entre a administração tributária – Fazenda Pública – e o contribuinte, em face do Direito positivo brasileiro? Justifique a resposta.
2. O que você entende por indisponibilidade dos créditos tributários?
3. Analisar as recomendações das XXII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario, em face do Direito Brasileiro.
4. É possível a criação de tribunais administrativo-fiscais no Brasil, em face da Constituição vigente? Justifique a resposta.
5. Destaque, entre as alternativas propostas, qual, em sua opinião, se afigura a melhor?
6. Quais as causas mais importantes que congestionam a Justiça e impedem seu pleno funcionamento?
7. O que você recomendaria para minorar essa dramática situação? Escreva para o autor, dando sua opinião.
8. O que vem a ser dupla tributação?
9. Quais os meios de que se podem valer os Estados para solucionar os litígios na área tributária internacional?
BSB - DF 6/3/2006 22h12min: 23
O Professor Leon Frejda Szklarowsky é advogado, escritor, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, juiz arbitral da American Arbitration Association, Presidente do Conselho de Ética e Gestão do Superior Tribunal de Justiça Arbitral do Brasil (SP) e conselheiro e juiz arbitral da Câmara de Arbitragem da Associação Comercial do Distrito Federal, e vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex. Acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro da International Fiscal Association, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal e da Associação Nacional dos Escritores. Entre suas obras jurídicas, citem-se: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Penhora Administrativa, Crimes de Racismo, Contratos Administrativos e Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade, Editora NDJ, 2003. Em elaboração: Manual Prático da Arbitragem – leonfs@solar.com.br