ARBITRAGEM E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Ada Pellegrini Grinover
Professora Titular da USP
1) A arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias.
Ganha renovado fôlego, em nosso meio, o estudo e adoção de meios
alternativos de solução de disputas, inclusive mediante iniciativa do próprio Poder
Judiciário, assoberbado que está. Como já me manifestei anteriormente, “visando à
superação da crise estrutural do Judiciário, abre-se caminho, na vertente
extrajudicial, para a revisitação de equivalentes jurisdicionais, como a auto e a
heterocomposição, na busca de meios alternativos ao processo, capazes de evitálo”
1.
Conforme observou Humberto Theodoro Junior, com referências,
também, da doutrina alemã, “nem sempre se pode esperar da decisão judicial a
verdadeira e efetiva pacificação dos conflitos. Daí a importância do papel reservado
às soluções alternativas de litígios, antes do processo ou em seu curso.”2
Tratando da experiência portuguesa, Carlos Manuel Ferreira da Silva
relata que “o maior problema com que a Justiça Portuguesa se debate desde há
alguns anos é certamente o da morosidade causado pelo incremento exponencial do
número de processos que são introduzidos nos tribunais. Neste contexto, muitos
vem entendendo – e nesse sentido acaba de pronunciar-se, p. ex., a Associação
Sindical dos Juízes Portugueses – que a única solução está em retirar da jurisdição
comum um número substancial dos assuntos que lhe são confiados, configurando-se
a conciliação e a arbitragem como meios de obter este desideratum.”3
Acerca dos denominados meios alternativos de solução de disputas4,
identificou-os Joel Dias Figueira Junior como “instrumentos legais à disposição
daqueles interessados em evitar a intervenção estatal no campo da realização da
justiça.”5
1 Cf. A crise do Poder Judiciário, in O processo em evolução, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1996, p. 22.
2 Cf. Humberto Theodoro Junior, A arbitragem como meio de solução de controvérsias, Revista
Forense, Rio de Janeiro, vol. 97, nº 353, jan./fev. 2001, p. 109.
3 Cf. Arbitragem e conciliação. Presente e futuro. A situação em Portugal. in Revista de
Processo, ano 27, vol. 107, jul./set. 2002, p. 204.
4 Considerando como meios alternativos de solução de litígios também as inovações na tutela dos
interesses difusos e coletivos, veja-se Caetano Lagrasta Neto, Meios alternativos – um
interpretação política (RT 665/40) e Meios alternativos de solução de litígios (RT 635/22).
5 Cf. Manual da arbitragem, São Paulo, RT, 1997, p. 62.
2
Dentre as diversas formas alternativas de solução de conflitos6,
destacam-se a conciliação, a mediação e a arbitragem. Em breve síntese, pode-se
diferenciar as técnicas mencionadas de acordo com a atuação do terceiro (em
relação às partes) na resolução do litígio.
A arbitragem consiste em submeter a decisão de determinada questão a
um terceiro imparcial que não o Estado-juiz, sendo que as partes se vinculam à
decisão assim proferida. Como bem esclarece Carlos Alberto Carmona, “a
arbitragem, de forma ampla, é uma técnica para solução de controvérsias através da
intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção
privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a
decisão destinada a assumir a eficácia de sentença judicial.”7
Consoante já tive oportunidade de observar em âmbito doutrinário, a
evolução dos meios de solução de controvérsias, até que se chegasse ao exercício
da jurisdição pelo Estado, passou (após a limitação imposta à autotutela) pela
“solução amigável e imparcial, através de árbitros”, isto é, pessoas de confiança dos
indivíduos em conflito. Historicamente, portanto, a arbitragem precedeu o próprio
Estado e sua respectiva atividade legislativa e judiciária8. E, ainda:
“As considerações mostram que, antes de o Estado conquistar para si
o poder de declarar qual o direito no caso concreto e promover a sua
realização prática (jurisdição), houve três fases distintas: a) a
autotutela; b) arbitragem facultativa; c) arbitragem obrigatória. A
autocomposição, forma de solução parcial dos conflitos, é tão antiga
quanto a autotutela. O processo surgiu com a arbitragem obrigatória.
A jurisdição, só depois (no sentido que a entendemos hoje).”9
2) A Administração e o princípio da legalidade.
Pretende esse estudo examinar a questão da arbitragem no contexto da
prestação de serviços públicos e da atuação da Administração no domínio
econômico.
Adequado ponto-de-partida para tanto é o exame do princípio da
legalidade, a partir do qual poder-se-á chegar ao exame da possibilidade de a
Administração – e, em particular, a sociedade de economia mista – submeter-se à
arbitragem.
6 Além de outras soluções criativas e igualmente utilizadas, especialmente nos Estados Unidos da
América, para solução de controvérsias, como mini-trial, rent-a-judge, basebal arbitration, entre
outras. Veja-se, a respeito, Joel Dias Figueira Junior (Manual da arbitragem, p. 61 e seguintes),
Carlos Alberto Carmona (Arbitragem e processo, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 45) e John W.
Cooley e Steven Lubet (Advocacia de arbitragem, tradução René Loncan, Brasília, Editora
Universidade de Brasília, e São Paulo, Imprensa oficial do Estado, 2001).
7 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro, São Paulo, Malheiros,
1.993, p. 19.
8 Cf. Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria geral do processo, 13ª edição, São Paulo, Maalheiros,
1997, p. 22.
9 Cf. Cintra-Grinover-Dinamarco, ob. cit., p. 24.
3
Conforme observou Arruda Alvim, no Estado de Direito em que vivemos,
“e em que, de modo geral, vivem os países ocidentais, temos o primado do Direito e
da lei, como, possivelmente ainda, o maior valor por eles vivenciado. O Estado de
Direito não significa, em verdade, apenas a submissão dos jurisdicionados à lei.
Mais do que isso, significa a submissão dos governados e dos governantes à ordem
jurídica. Avulta a lei, portanto, na ordem das grandezas sociais”.
Mas, como prossegue o aludido jurista, “essa, porém, é uma visão
estática da ordem jurídica, que se apresenta como um catálogo de normas
hierarquicamente colocadas e dirigidas aos jurisdicionados e também aos
governantes. Além desse aspecto estático da ordem jurídica, existe, também, do
ponto de vista da Administração pública”. Assim, invocando ensinamento de
Celso Antonio Bandeira de Mello, Alvim assevera que “a Administração pública, para
frutificar em seus fins e para criar utilidade pública, preordenada à criação do bem
comum, há de ter um instrumental, que se realiza na inexorabilidade do seu
desempenho. A Administração pública não pode, em nome do bem comum,
ficar peiada”10 (grifei). De forma semelhante, José Afonso da Silva observou que “o
regime de garantias constitucionais condiciona a atividade administrativa,
prescrevendo uma série de normas que procuram dar efetiva consistência ao
princípio da legalidade” 11 (grifei).
Conforme abalizada lição de Odete Medauár, “embora permaneçam o
sentido de poder objetivado pela submissão da Administração à legalidade e o
sentido de garantia, certeza e limitação do poder, registrou-se evolução na idéia
genérica da legalidade”. Explicando, Medauár observa que “alguns fatores dessa
evolução podem ser apontados, de modo sucinto. A própria sacralização da
legalidade produziu um desvirtuamento denominado legalismo ou legalidade formal
pelo qual as leis passaram a ser vistas como justas, por serem leis,
independentemente do conteúdo. Outro desvirtuamento: formalismo excessivo dos
decretos, circulares e portarias, com exigências de minúcias irrelevantes. Por outro
lado, com as transformações do Estado, o Executivo passou predominar sobre o
Legislativo; a lei votada pelo Legislativo deixou de expressar a vontade geral para
ser vontade de maiorias parlamentares, em geral controladas pelo Executivo. Este
passou a ter ampla função normativa, como autor de projetos de lei, como legislador
por delegação, como legislador direto (por exemplo: ao editar medidas provisórias),
como emissor de decretos, portarias e circulares que afetam direitos. Além do mais,
expandiram-se e aprimoraram-se os mecanismos de controle de constitucionalidade
das leis”.
Refletindo sobre aludido princípio, Odete Medauár lembra os clássicos
quatro significados arrolados pelo francês Eisenmann: a) a Administração pode
realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração
só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos
atos cujo conteúdo seja conforme um esquema abstrato fixado por norma legislativa;
d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer”. Como
bem observou, “nota-se que, na ordem dessa enumeração, o vínculo da
10 Cf. Mandado de segurança, A atividade da Administração Pública, Revista de Processo, nº 6, abriljunho
1977, Revista dos Tribunais, p. 146.
11 Cf. Curso de direito constitucional positivo, Malheiros, 13ª ed., São Paulo, 1.997, p. 400.
4
Administração à norma vai aumentando, de tal modo que o segundo significado
implica limitação mais acentuada que o primeiro; o terceiro agrava mais que o
segundo; o quarto fixa maior restrição”. E conclui:
“O último significado – a Administração só pode realizar atos ou
medidas que a lei ordena – se predominasse como significado geral
do princípio da legalidade paralisaria a Administração, porque
seria necessário um comando legal específico para cada ato ou
medida editados pela Administração, o que é inviável.”12 (grifei)
Nessa mesma linha, Lúcia Valle Figueiredo anotou que “o princípio da
legalidade surge como conquista do Estado de Direito, a fim de que os
administrados não sejam obrigados a se submeter ao abuso de poder. Por isso,
‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei’”. Mas, conforme elucida, “o princípio da legalidade não pode ser
compreendido de maneira acanhada, de maneira pobre. E assim seria se o
administrador, para prover, para praticar determinado ato administrativo, tivesse
sempre de encontrar arrimo expresso em norma específica, que dispusesse
exatamente para aquele caso concreto”13 (grifei).
Conveniente lembrar, com Almiro Couto e Silva, que a “Administração
Pública, quando celebra transação, sujeita-se ao Direito Privado. Cabe-lhe, pois,
transigir da mesma maneira como os particulares, suprimindo dúvidas quanto à
invalidade de ato jurídico, o qual é assim por ela mantido. Não fica o Estado
inibido de proceder dessa maneira pelo princípio da legalidade Administrativa
Pública”14 (grifei).
Particularmente no caso das sociedades de economia mista, conforme
observa Maria Sylvia Zanella di Pietro, as controvérsias sobre a respectiva natureza
jurídica “se pacificaram consideravelmente a partir de 1967; de um lado, porque a
Constituição, no artigo 170, § 2º, determinava a sua submissão ao direito privado; de
outro lado, tendo em vista o conceito contido no art. 5º, II e III, do Decreto-lei nº 200”.
Além disso, observou a administrativista, “acrescente-se outra razão de ordem
técnica funcional, ligada à própria origem desse tipo de entidade; ela foi idealizada,
dentre outras razões, principalmente por fornecer ao poder público instrumento
adequado para o desempenho de atividades de natureza comercial e industrial; foi
precisamente a forma de funcionamento e organização das empresas privadas
que atraiu o poder público. Daí a sua personalidade jurídica de direito privado”
(grifei). E mais:
“Embora elas tenham personalidade dessa natureza, o regime
jurídico é híbrido, porque o direito privado é parcialmente derrogado
pelo direito público. Mas, falando-se em personalidade de direito
privado, tem-se a vantagem de destacar o fato de que ficam
espancadas quaisquer dúvidas quanto ao direito a elas aplicável:
12 Cf. op. cit., p. 146.
13 Cf. Curso de direito administrativo, Malheiros, 2ª ed., São Paulo, 1.995, pp. 39-40.
14 Cf. transação e administração pública – Irrevogabilidade – Regime Jurídico, Revista de Direito
Público, nº 73, Revista dos Tribunais, 1.985, 94.
5
será sempre o direito privado, a não ser que esteja na presença
de norma expressa de direito público.”15 (grifei)
Conforme clássica lição de Hely Lopes Meirelles, tais sociedades “são
pessoas jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder Público e de
particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade
econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das
empresas particulares, admitem lucro, e regem-se pelas normas das sociedades
mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e
funcionamento”. Sendo pessoa jurídica privada, “a sociedade de economia mista
deve realizar, em seu nome, por sua conta e risco, serviços públicos de natureza
industrial, ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens
suscetíveis de produzir renda e lucro, que o Estado reputa de relevante interesse
coletivo ou indispensável à segurança nacional”16. E mais:
“Ao concluir, permitimo-nos relembrar que as sociedades de
economia mista, como as empresas públicas, não têm, por natureza,
qualquer privilégio estatal, só auferindo as prerrogativas
administrativas, tributárias e processuais que lhes forem
concedidas especificamente na lei criadora ou em dispositivos
especiais pertinentes, conforme a doutrina exposta
precedentemente e a firme orientação da jurisprudência.”17
(grifei)
3) A possibilidade de a Administração Pública se submeter à arbitragem.
As considerações feitas até aqui permitem agora examinar o cerne da
questão submetida a consulta, isto é, a possibilidade de a Administração – em
particular a sociedade de economia mista – pactuar e se submeter a convenção de
arbitragem.
Conforme autorizada lição de José Carlos Magalhães, “tem-se constituído
prática freqüente a inserção de cláusula arbitral nos contratos entre particulares e
Estado, deixando de constituir heresia jurídica ou humilhação o Estado
submeter controvérsias sobre o contrato a árbitros privados ou a organismos
de arbitragem, tendo como parte adversária um particular, e não outro
Estado”18 (grifei), sendo que, por outro lado, “o direito positivo brasileiro começou a
orientar-se no sentido de admitir francamente a participação do Estado em
arbitragens privadas”19 (grifei). E destacou:
“A submissão da União à arbitragem privada foi reconhecida como
válida em decisão do Supremo Tribunal Federal sobre
homologação de arbitragem nacional, envolvendo a União e
particulares, destinada à fixação do valor de indenização a ser
15 Cf. Direito administrativo, Atlas, 3ª ed., São Paulo, 1.992, p. 285.
16 Cf. Direito administrativo brasileiro, Malheiros, 28ª ed., São Paulo, 2.003, p. 359.
17 Cf. Direito administrativo brasileiro, Malheiros, 28ª ed., São Paulo, 2.003, p. 359.
18 Cf. Do Estado na arbitragem privada, Max Limonad, 1.988, p. 52.
19 Cf. op. cit., p. 67.
6
paga a estes pela incorporação de seus bens ao Estado. Essa
decisão, freqüentemente citada como marco no desenvolvimento da
arbitragem no Brasil, afastou definitivamente eventuais dúvidas
quanto à capacidade de a União comprometer-se, afirmou o caráter
contratual da arbitragem e rejeitou argüições sobre a
inconstitucionalidade do juízo arbitral.”20 (grifei)
E mais adiante:
“Essa decisão, tomada por unanimidade do plenário da mais alta
Corte do país, afasta, no Brasil, qualquer dúvida quanto à
possibilidade de a União submeter-se à arbitragem privada.”21
(grifei)
Nesse mesmo sentido, Selma Ferreira Lemes escreveu que “em
decorrência das peculiaridades presentes nas novas formas de parcerias firmadas
entre a Administração e os particulares, notadamente o vulto e envergadura dos
empreendimentos aos quais o Estado não pode dispensar a colaboração e o aporte
de capital privado, procura-se flexibilizar a relação contratual, priorizando o equilíbrio
de interesses das partes. Passa-se a dar maior relevo à igualdade de tratamento
contratual, tal como no direito privado, sem com isso deixar de acatar as cláusulas
exorbitantes, peculiares aos contratos administrativos. À luz desses novos
paradigmas, escudados nos princípios jurídicos da igualdade, legalidade, boa-fé,
justiça, lealdade contratual, do respeito aos compromissos recíprocos das partes,
etc., a Administração é conduzida a perfilhar novos caminhos que busquem a
solução de controvérsias de modo mais rápido e eficaz para as divergências
que envolvam direitos patrimoniais disponíveis nos contratos administrativos
e que gravitam em torno das cláusulas econômicas e financeiras (equilíbrio
econômico-financeiro)”22 (grifei).
Selma Lemes lembra que, no direito arbitral, “o conceito de arbitrabilidade
subdivide-se em arbitrabilidade subjetiva e objetiva. A primeira refere-se aos
aspectos da capacidade para poder se submeter à arbitragem e, no direito público
e administrativo, seja como pessoa jurídica de direito público (Estado e
autarquias) ou de direito privado (sociedade de economia mista e empresa
pública), o ente público e privado a possui. Por sua vez, a arbitrabilidade objetiva
refere-se ao objeto da matéria a ser submetida à arbitragem, ou seja, somente as
questões referentes a direitos patrimoniais disponíveis. Estes conceitos estão
dispostos no art. 1º da Lei nº 9.307, D. 23.09.96, quando prescreve “As pessoas
capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a
direitos patrimoniais disponíveis”23.
20 Cf. op. cit., pp. 70-71.
21 Cf. op. cit., p. 109.
22 Cf. Arbitragem na concessão de serviços públicos – Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou
publicidade processual? Os novos paradigmas do direito administrativo. Palestra proferida na reunião
do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAR, São Paulo, maio de 2.003, p. 2.
23 Cf. op. cit., pp. 5-6.
7
Reportando-se aos ensinamentos de Rafael Bielsa, precursor no estudo
desta questão, a referida autora observa ser necessário distinguir os “atos
administrativos de autoridade” e os “atos de simples gestão” (gestão patrimonial).
Assim, diz ela, “a sentença arbitral nunca poderia versar sobre matéria de ‘poder’ de
autoridade e vigilância, mas poderia se manifestar sobre questões pactuadas”,
indagando:“qual é o princípio que se oporia a que o preço de um serviço prestado ao
Estado ou o valor de uma indenização fossem fixados por árbitros?”. E vale
destacar:
“O que não se pode confiar a árbitros são matérias ou
atribuições que importem no exercício de um poder de
autoridade ou de império e dos quais não se pode transigir.”
(grifei)
A propósito do tema, Caio Tácito observou que, nos contratos
administrativos, quando se trata “tão-somente de cláusulas pelas quais a
Administração está submetida a uma contraprestação financeira, não faz sentido
ampliar o conceito de indisponibilidade à obrigação de pagar vinculada à obra ou
serviço executado ou ao benefício auferido pela Administração em virtude de
prestação regular do outro contratante” 24 (grifei).
Consoante observação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, com o
advento da Lei nº 8.987/95 não deve haver mais dúvida sobre o emprego da
arbitragem envolvendo a Administração, salientando que “o importante é ter-se
patenteado um reconhecimento inequívoco da Lei, este sim, bem definido, de
que há sempre um campo de interesses patrimoniais disponíveis dentro do
qual a arbitragem não é apenas aceitável, porém, mais que isso, recomendável
como alternativa ao litígio judicial. E neste ponto reside a inovação oportuna e
modernizadora introduzida pelo legislador brasileiro”25 (grifei). E mais:
“São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos deles
derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam
ser quantificados monetariamente e estejam no comércio, e que são,
por esse motivo e normalmente, objeto de contratação que vise
dotar a Administração, ou seus delegados, dos meios
instrumentais de modo a que estejam em condições de satisfazer
os interesses finalísticos que justificam o próprio Estado.
A admissibilidade da arbitragem pelo Estado, como técnica social
para dirimir disputas de interesses com particulares, fica, pois,
necessariamente ligada ao conceito que se tenha da natureza jurídica
desse instituto: ou como uma alternativa jurisdicional ou como uma
obrigação contratual.”26 (grifei)
Assim também Joel Dias Figueira, taxativo ao afirmar que “para que
dúvidas não pairem, salientamos inexistir qualquer impedimento para que a
24 Cf. Arbitragem nos litígios administrativos, Revista de Direito Administrativo, 210/114, out./dez.
1.997.
25 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos, Revista de direito administrativo nº 209, Rio de
Janeiro, jul./set./ 1.997, p. 88.
26 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos, Revista de direito administrativo nº 209, Rio de
Janeiro, jul./set. 1.997, pp. 85-86.
8
União, os Estados ou os Municípios integrem uma relação arbitral”27 (grifei). No
mesmo sentido, Leon Frejda Szklarowsky, para quem “o Brasil, de há muito, prevê
em seu ordenamento jurídico o desfecho de conflitos, através da arbitragem, um dos
mais antigos e eficazes instrumentos utilizados pelo homem, seja para dirimir
disputas internacionais, como para dirimir questões de direito privado, especialmente
de direito comercial”. Também esse autor lembra que o Supremo Tribunal Federal já
“reconheceu a legalidade do juízo arbitral, ainda que em ações contra a Fazenda
Pública, assentando que legítima é a cláusula de irrecorribilidade, que não ofende a
CF (Rel. Bilac Pinto, RTJ 68/382)”28.
Segundo oportuna lembrança de Carlos Pinto Coelho Motta, “o contrato
administrativo é o instituto que inscreve e fundamenta o juízo arbitral. Na relação
negocial entre a Administração e o particular, o juízo arbitral é exercido em um foro
imparcial, autônomo, independente, eleito pelas partes com a finalidade de explicitar
e dirimir pendências, com compromisso de mútua e pacífica aceitação”29. E
complementa:
“O princípio da legalidade não conflita, de fato, com o princípio
teleológico do interesse público; tampouco pode inibir o princípio da
economicidade previsto no art. 70 da Carta Magna, ou o da eficácia
consagrado no art. 73 da carta do Estado de Minas Gerais.
Tais princípios orientam efetivamente a aplicação do juízo
arbitral em contratos administrativos, superando o argumento
que sustenta a impossibilidade da transação tendo como objeto
o bem público, de natureza indisponível.”30 (grifei)
Nesse mesmo sentido, Maria D’Assunção C. Menezello observou que “em
nenhum momento, com a inclusão de cláusula de solução amigável de
conflitos, olvida-se do princípio da indisponibilidade do interesse público.
Muito ao contrário, ele se faz presente quando o administrador público, na iminência
de um conflito contratual o resolve tendo por balizas os princípios da economicidade,
da razoabilidade, da motivação e principalmente da continuidade do serviço público,
que vem a ser: resolver motivadamente o problema contratual da maneira mais
econômica, sem deixar que os serviços públicos prestados à comunidade tenham
qualquer solução de continuidade”31 (grifei).
Em suma, não deve pairar qualquer dúvida sobre a admissibilidade da
arbitragem envolvendo a Administração e, com maior certeza, órgãos da
Administração indireta.
27 Cf. Manual da arbitragem, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.997, p. 107.
28 Cf. op. cit., p. 106.
29 Cf. Arbitragem nos contratos administrativos, BDA – Boletim de direito administrativo, outubro/97,
p. 673.
30 Cf. op. cit., p. 673.
31 Cf. O conciliador/mediador e o árbitro nos contratos administrativos, BDA - Boletim de direito
administrativo, dezembro/97, p. 825.