DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES – 475
A RETROAÇÃO DOS REAJUSTES É DESCABIDA, PORQUE AINDA
VIGENTE O CONGELAMENTO (*)
Esta é a íntegra do parecer da Procuradoria-
Geral da Fazenda sobre os decretos:
PGFN/CSJD/Nº 1052/87.
Reajustamento de preços. Decreto nº 94.042,
de 1987, alterado pelo Decreto nº 94.233, de 1987.
Ilegalidade. Efeitos financeiros retroativos, nos contratos
administrativos. Vedação legal.
Cobrasil – Construções Brasileiras Ltda., vencedora
de licitação realizada em 22-12-86 para
confecção e instalação de armários modulados e
reformas com adaptações em sanitários da USPU,
em Pernambuco, ao cabo dos serviços, que tiveram
prazo contratual de 45 (quarenta e cinco) dias,
apresentou não só as faturas correspondentes aos
serviços contratados e executados, mas, também,
pedido de reajustamento de preços, reivindicando
a aplicação, em seu favor, do disposto no Decreto
nº 94.042, de 18 de fevereiro de 1987.
II
2. A Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
em Pernambuco, examinando a espécie,
opinou conclusivamente no sentido do indeferimento
do pedido de reajustamento de preços por
duas razões principais:
a) a administração não pode descumprir as
normas e condições do edital, a que se acha estritamente
vinculada;
b) “o disposto no § 2º do artigo 1º do Decreto
nº 94.042/87 autoriza reajuste para os contratos
que não contenham tal cláusula, não, porém, para
aqueles que a proíbem, como no caso vertente”
( sic).
3. Com efeito, reza em linguagem clara e direta
o Edital da tomada de preços nº 017/86:
“Não será admitido reajustamento para a execução
dos serviços de que trata este Edital” (grifos
da transcrição).
4. A clareza do texto constante do item 6 do
Edital, transcrito acima, dispensa qualquer esforço
de interpretação.
5. Entretanto, não se conformando com a decisão
que lhe foi comunicada, a interessada protocolou
recurso dirigido ao Sr. Delegado do Ministério
da Fazenda em Pernambuco, acompanhado de
arrazoado em que se destaca:
“... não se trata mais de perquirir se o edital
proíbe – ou não proíbe – o reajustamento dos pre- (*) Transcrito da Folha de São Paulo, dia 12/04/88.
476 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Julho/88
ços. Passou-se à outra fase: a dos fatos. No Decreto-
lei nº 2.300, de 21-11-86, seção III, artigo 55,
alínea “d”, fica claro que a cláusula de reajustamento
será “incluída” no Edital, alterando-o assim,
para que haja justa remuneração da obra” ( sic).
6. Ilustra, ainda, seus argumentos, o interessado,
juntando ao processo cópia de um termo
aditivo formalizado em 17-04-87, entre Cobrasil e
Companhia Elétrica do São Francisco, no qual se
verifica que o objetivo do aditamento foi o de acrescentar
ao contrato cláusula de reajustamento de
preços contratuais.
7. O recurso aludido no item 5 deste parecer
foi indeferido sem pronunciamento da Procuradoria
Regional da Fazenda Nacional em Pernambuco,
que absteve-se de opinar, tendo em vista a determinação
neste sentido contida no Telex-Circular nº
1064/87, subscrito pelo 2º Procurador-Geral Adjunto.
8. Ciente da frustração de seu primeiro recurso,
a interessada interpôs outro, desta vez endereçado
ao Sr. Diretor da Divisão de Administração do
Ministério da Fazenda em Brasília, repisando os
mesmos argumentos.
9. Sensibilizou-se o Departamento de Administração
deste Ministério com as razões da
Recorrente, pois, a par de opinar pelo conhecimento
e o provimento, em parte, do recurso, fixou
até mesmo a orientação a ser seguida para o cálculo
do reajustamento, recomendando, entretanto,
que fosse ouvida a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional.
III
10. Para o desate desta questão, não se pode
perder de vista alguns de seus balizamentos, entre
os quais os seguintes:
a) os serviços tiveram início em 24 de dezembro
de 1986 e a data de encerramento do prazo
seria em 2 de março de 1987, ou seja, depois de
45 dias úteis;
b) toda a contratação esteve sob a égide do
Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986,
e a própria licitação processou-se sob vigência do
chamado Plano Cruzado II;
c) o pedido de reajustamento de preços foi
formulado em 14 de abril de 1987, quando o contrato
já estava extinto, tanto por decurso de prazo,
como porque o objeto já fora alcançado.
11. Em face do quadro descrito no item anterior,
o pedido da Recorrente só poderia lograr êxito se
possível fora responder afirmativamente às seguintes
questões:
a) pode a Administração pagar despesas não
previstas inicialmente em contrato, sem a prévia
formalização de instrumento escrito de aditamento
contratual?
b) Contrato extinto por decurso de prazo e por
cumprimento de seu objeto, pode ser aditado?
c) Cláusula expressamente vedada no Edital
de Licitação pode ser inscrita no contrato?
d) O Decreto nº 94.042/87 seria, por si só,
causa eficiente para modificar contratos e neles
compulsoriamente inserir reajustamento de preços
contratuais?
e) É legal atribuir efeitos financeiros retroativos
a alterações contratuais?
IV
12. O núcleo da questão refere-se à exata interpretação
e aplicação do Decreto nº 94.042, de
18 de fevereiro de 1987, alterado pelo Decreto nº
94.233, de 15 de abril de 1987.
13. O primeiro Decreto-lei reza:
“Art. 1º Os contratos em vigor, firmados com
órgãos e entidades da Administração Pública, ainda
não reajustados e que tenham por objeto a realização
de obras, a venda de bens para a entrega
futura ou a prestação de serviços contínuos ou
futuros, poderão ter reajustamentos a partir de 1º
de janeiro de 1987.
§ 1º A aplicação da cláusula de reajuste farse-
á com base nos índices estabelecidos nos respectivos
contratos, observada a variação ocorrida:
a) desde 1º de março de 1986, em relação
àqueles celebrados anteriormente a essa data;
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES – 477
b) a partir da data-base pactuada para os reajustes,
em relação aos demais contratos.
§ 2º Na hipótese de ter havido alteração ou
supressão da cláusula de reajuste, as partes contratantes
poderão restabelecê-la, prevalecendo,
nesse caso, os índices e demais condições de reajuste
originalmente estabelecidos.
§ 3º Nos contratos que não contenham cláusula
de reajustes de preços, as partes poderão
incluí-Ia, desde que se proceda ao reajuste, previsto
no caput deste artigo, de conformidade com a
variação da Obrigação do Tesouro Nacional – OTN,
ocorrida desde a data de apresentação da proposta
que lhes deu origem, observadas as disposições
do § seguinte.
§ 4º Os reajustes subseqüentes ao previsto
neste artigo deverão ser efetivados nas datas fixadas
no contrato ou, na hipótese de contratos sem
cláusula de reajuste de preços, em datas que venham
a ser livremente pactuadas entre as partes e
segundo índices que reflitam a variação dos custos
de produção.
§ 5º Os reajustes dos contratos vinculados à
Obrigação do Tesouro Nacional – OTN, deverão
observar a variação de que trata o artigo 6º, § único,
do Decreto-lei nº 2.284, de 10 de março de
1986, com a redação dada pelo Decreto-lei nº
2.311, de 23 de dezembro de 1986”, enquanto que
o último determina que os reajustamentos a que
se refere o art. 1º do Decreto nº 94.042 serão concedidos
a partir de 24 de novembro de 1986, data
da vigência do Decreto-lei nº 2.290, de 21 de novembro
de 1986.
V
14. O Decreto nº 94.042 comanda que os contratos
em vigor, firmados com órgãos e entidades
da Administração Pública, ainda não reajustados e
que tenham por objetivo a realização de obras, a
venda de bens para a entrega futura ou a prestação
de serviços contínuos ou futuros, poderão ter
reajustamento a partir de 1º de janeiro de 1987, ou
como quer o Decreto nº 94.233 citado, a partir de
24 de novembro de 1986, data da vigência do Decreto
nº 2.290.
15. Portanto, as indagações essenciais dizem
respeito: 1) à incidência de reajuste nos contratos
em andamento, mesmo que não tenha sido previsto,
e 2) retroação do reajuste aos contratos
em vigor.
16. O aludido Decreto nº 94.042 alcança uma
gama imensa de contratos e toma como índices os
estabelecidos nos respectivos instrumentos, observada
a variação ocorrida: a) desde 1º de março
de 1986, com relação aos contratos celebrados
anteriormente a essa data; b) a partir da data-base
pactuada em relação aos demais contratos.
17. Dispõe, ainda, esse diploma que: a) em
tendo havido alteração ou supressão da cláusula
de reajuste, as partes contratantes poderão restabelecê-
la, com a prevalência dos índices e demais
condições de reajuste originalmente fixados; b) no
caso de não conter cláusula de reajuste de preços,
as partes poderão incluí-Ia desde que feito, de conformidade
com a ordem do caput e segundo a variação
da OTN, ocorrida desde a data da apresentação
da proposta que lhes deu origem, observadas
as condições do § 4º.
18. Por sua vez, esse parágrafo adverte que
os reajustes subseqüentes ao previsto nesse artigo
deverão ser efetivados nas datas fixadas no
contrato ou, na hipótese de contratos sem cláusula
de reajuste de preços, em datas que venham a
ser livremente pactuadas entre as partes e segundo
índices que reflitam a variação dos custos de
produção.
VI
19. Preliminarmente, é de se lembrar que o
Decreto nº 94.042 se alicerça no § 2º do art. 35 do
Decreto-lei nº 2.284, de 10 de março de 1986, no
Decreto-lei nº 2.290, de 21 de novembro de 1986,
e no art. 55, item ll, alínea d, do Decreto-lei nº
2.300, de 21 de novembro de 1986, enquanto que
o diploma legal que o alterou se calça no art. 55,
item ll, letra d, do citado Decreto-lei nº 2.300.
20. O art. 35 do Decreto-lei nº 2.284 impôs o
congelamento de todos os preços nos níveis de 27
de fevereiro de 1986, o qual, equiparando-se, para
todos os efeitos, a tabelamento oficial de preços,
poderia ser suspenso ou revisto, total ou parcial-
478 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Julho/88
mente, por ato do Poder Executivo, em função da
estabilidade da nova moeda ou de fenômeno
conjuntural.
21. Entretanto, no art. 7º vedava, peremptoriamente,
sob pena de nulidade, cláusula de reajuste
monetário nos contratos de prazos inferiores
a um ano, de sorte que, naqueles por prazo igual
ou superior a doze meses, permitia-se sua previsão,
desde que vinculado à OTN.
22. O artigo 18 do Decreto-lei nº 2.288, de 23
de julho de 1986, contudo, alterou esse art. 7º,
para permitir o reajuste, se contivesse cláusulas
de reajuste vinculadas a índices setoriais de custos
e pela variação da OTN. Houve, pois, um acréscimo
no que diz respeito ao critério, isto é, o índice
setorial de custos também serviria de parâmetro.
23. O art. 5º do Decreto-lei nº 2.289, de 09 de
setembro de 1986, repetiu aquele dispositivo (art.
7º, modificado pelo art. 18), mas enriqueceu-o com
duas inovações: a) condicionou-o à regulamentação
e b) impôs a vedação de qualquer reajuste até
1º de março de1987.
24. A seu turno, o Decreto-lei nº 2.290, antes
mencionado, estabeleceu normas para a desindexação
da economia e manteve a orientação de
somente permitir a inserção de cláusulas de reajuste
nas obrigações contratuais por prazo igual
ou superior a doze meses, vinculadas já agora,
não mais à OTN, senão a índices setoriais de preços
ou custos que não incluam variação cambial.
Em relação, pois, ao Decreto-lei nº 2.289, a alteração
ocorreu apenas no que diz respeito ao critério
de reajustamento, acrescendo os índices setoriais
de custos também os preços, excluída a variação
cambial e omitida ficou a variação pela OTN, ao
mesmo tempo que revogou, expressamente, o art.
7º do Decreto-lei nº 2.284.
25. Por outro lado, o Decreto-lei nº 2.322, de
26 de fevereiro de 1987, novamente modifica a
sistemática de reajuste, ao alterar o art. 2º do Decreto-
lei nº 2.290, restaurando a autorização de
reajuste pela variação da OTN; não obstante aos
contratos, cujo objetivo seja a venda de bens para
entrega futura ou a prestação de serviços contínuos
ou futuros, ou a realização de obras, faculta conterem
cláusulas de reajuste baseadas em índices
que reflitam a variação do custo de produção ou
do preço dos insumos utilizados, ou índices
setoriais ou regionais de custos e preços. Remanesce
a proibição de vincular os reajustes a variações
cambiais ou do salário mínimo, ressalvadas
as exceções previstas em lei federal ou quando se
tratar de insumos importados que componham os
custos referidos no item I do parágrafo anterior (art.
2º, § 2º).
26. Entrementes, o art. 4º não pode passar
despercebido, quando atribuiu ao poder executivo
a competência para estabelecer critérios de reajustes
dos contratos da Administração Federal direta
e indireta repetido pelo art. 2º do Decreto-lei
nº 2.336, de 15 de junho de 1987. O Poder Executivo
fê-lo, com a edição do Decreto nº 94.684, de
24 de julho de 1987, para os contratos que se fizerem,
a partir desta data.
27. Este decreto, reproduzindo os ensinamentos
da melhor Doutrina e do Direito, somente
admite os reajustes de preços quando as cláusulas
de reajuste estejam previamente incluídas nos
instrumentos convocatórios da licitação ou da sua
dispensa e desde que vinculadas à OTN ou aos
índices que reflitam a variação do custo de produção
ou do preço dos insumos utilizados, ou a índices
setoriais ou regionais de custos ou preços.
28. O Decreto-lei nº 2.335, de 12 de junho de
1987, republicado pelo Decreto-lei nº 2.336, já citado,
também congelou, pelo prazo de 90 dias,
todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias,
prestação de serviços e tarifas, nos níveis
de preços já autorizados os dos preços à vista...,
aplicando-se aos contratos cujo objeto seja a venda
de bens para entrega futura, aos contratos de
prestação de serviços contínuos e futuros e àqueles
cujo objeto seja a realização de obras (art. 14).
VII
29. A pretensão da contratada, no que diz respeito
à aplicação do Decreto nº 94.042, afigura-senos,
totalmente, ilegal, por contrariar disposições
legais vigentes e, primacialmente, a própria Constituição
Federal. Senão, vejamos.
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES – 479
30. As licitações e os contratos com a Administração
Pública submetem-se ao regime jurídico
estatuído pelo Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro
de 1986, que, em seu artigo 55, item ll,
alínea d, permite a alteração bilateral dos contratos,
para restabelecer a relação, que as partes pactuaram
inicialmente, entre os encargos do contratado
e a retribuição da Administração para a justa
remuneração da obra, do serviço ou fornecimento,
objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico
e financeiro do contrato.
31. Quanto ao reajuste, somente será possível,
se previsto expressamente no contrato, pois se trata
de cláusula necessária ou essencial (art. 45, item
III) e no edital de licitação (art. 32, item IV).
32. In casu concreto, duas serão as situações:
contratos com cláusula de reajuste ou sem cláusula
de reajuste.
33. No primeiro caso, à época, estavam suspensos
os reajustes, ex vi do Decreto-lei nº 2.284
e suas alterações posteriores, inclusive em face
da ordem ditada pelo art. 5º do Decreto-lei nº 2.289,
de 1986, que impôs o congelamento de preços e
somente autorizou quaisquer cláusulas de reajustes
nos contratos iguais ou superiores a doze meses
(arts. 7º e 35). Vê-se que o artigo 5º do Decreto-
lei nº 2.284, ratificando o congelamento, impediu
qualquer reajuste até 1º de março de 1987. A
retroação, portanto, dos reajustes, a 24 de novembro
de 1986, data da vigência do Decreto-lei nº
2.290, é descabida, porque ainda vigente o congelamento
(somente as cláusulas contratuais por prazo
igual ou superior a doze meses poderiam conter
cláusulas de revisão... – art. 2º) e, não escoado
o prazo de 12 meses de que falava o Decreto-lei nº
2.284, não podia um decreto contrariar a lei, in
hipothesis, o Decreto-lei.
34. Não vinga tampouco a advertência do § 2º
do art. 35 do Decreto-lei nº 2.284, porque esta permitia
a suspensão ou a revisão total ou parcial do
congelamento, em função da estabilidade da nova
moeda ou de fenômeno conjuntural.
35. Mesmo que se admita acatar o Decreto nº
94.042, como instrumento revisor ou de suspensão
do congelamento, também não se aplicaria in
casu, como veremos adiante, em face da total
vedação de dar efeitos financeiros retroativos aos
contratos administrativos.
36. Se os contratos, entretanto, não continham
cláusula de reajuste, este não poderia jamais ser
pleiteado, porque omissa a cláusula essencial de
que falam os arts. 45, item III, e o 32, item IV, do
Decreto-lei nº 2.300, e qualquer inclusão, a posteriori,
esbarra naquela proibição (art. 45, item III).
37. Analisando, ainda, o art. 55, item ll, do Decreto-
lei nº 2.300, a alteração bilateral contratual é
perfeitamente legítima, se visar o restabelecimento
da relação, objetivando a manutenção do inicial
equilíbrio econômico-financeiro. Apenas que os
seus efeitos são sempre ex nunc e não ex tunc, em
vista da ordem emanada do § 2º do art. 50, que,
altaneira e cristalinamente, obsta a atribuição de
efeitos financeiros retroativos aos contratos, bem
assim às suas alterações, sob pena não só de invalidade
do ato, como também de responsabilidade
de quem lhe deu causa.
38. E esse ordenamento vai buscar sua fonte
na legislação financeira – Lei nº 4.320, de 17 de
março de 1964 (arts. 34 e segs., 60 e segs. etc.),
Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 (arts.
73 e segs.), Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro
de 1985 (arts. 23, 24, 27 etc.).
39. Sob qualquer prisma que se estude o decreto
em questão, este encontra barreira intransponível
para sua eficácia e vigência, porque
impõe reajustes com efeitos retroativos, durante o
congelamento de preços. Suspenso que fosse
aquele, seu reajustamento deveria aplicar-se sempre
a partir desta data e nunca atingir o passado,
ferindo o ato jurídico perfeito ( in casu, o contratolei
entre as partes), em colisão total com o art. 153,
§ 3º, da Constituição Federal e com o art. 6º do
Decreto-lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 –
Lei de Introdução ao Código Civil.
40. A alteração do contrato, para restabelecimento
do equilíbrio inicial, somente poderia darse,
em conseqüência, a partir daquele e nunca
visando o passado.
480 BDA – Boletim de Direito Administrativo – Julho/88
41. Some-se que o Decreto-lei nº 2.322, no
artigo 4º, repetido pelo Decreto-lei nº 2.336 (art.
2º), autorizou o Poder Executivo a estabelecer critérios
de reajustes dos contratos da Administração
Federal, jamais pensando em determinar sua vigência
retroativa, como o fizeram os Decretos nº
94.042 e 94.233, com o que evidentemente revogados
ficaram estes últimos.
42. Assim, os Decretos referidos deixam de
existir no que for incompatível com a lei, como já
acentuamos em parecer, aprovado pelo Procurador-
Geral, e com a aquiescência do Exmo. Sr. Ministro
da Fazenda, calcado não só no Direito Positivo
pátrio, como na melhor doutrina, in verbis:
“57. O Decreto nº 77.337, de 25 de março de
1976, que regulamenta a Lei nº 5.843, de 06 de
dezembro de 1972, deixa de existir no que for incompatível
com a lei, pelos mesmos princípios anteriormente
estudados; contudo, tão-só no que colidir
com esta; in hipothesis, com o Decreto-lei nº
2.074. O artigo 4º do Ato do Executivo prosseguirá
disciplinando tudo que não afrontar os arts. 2º e 3º
do decreto-lei por último assinalado. Tanto os arts.
3º da Lei nº 5.843, como o 4º do decreto que a
regulamenta, continuam disciplinando as situações
não abrangidas pelo 2.074, assim que Clóvis pontifica,
com irretorquível razão, ao proferir:
‘Quando a incompatibilidade se estabelece
entre a lei, ato do Poder Legislativo, e um regulamento
ou decreto do Poder Executivo, prevalece
o dispositivo da lei, ainda que anterior, porque somente
ela é a emanação do órgão a que a Constituição
conferiu a faculdade de declarar o direito
objetivo de fixar as normas obrigatórias da atividade
humana... Ao Poder Executivo cabe a faculdade
de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
assim como expedir decretos, instruções e regulamentos
para a fiel execução das leis’ (in Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado por
Clóvis Beviláqua, 11ª ed., Liv. Francisco Alves,
1956, vol. I, pág. 82), o que se aplica, naturalmente,
ao decreto-lei.
58. Explica Marcelo Caetano que ‘um regulamento
não pode conter disposições que contrariem
a doutrina consagrada em lei. E a ilegalidade
dos preceitos regulamentares constitui um vício
que afeta a validade deles’. Prossegue o saudoso
mestre português: ‘em rigor nem seria necessária
uma declaração formal de nulidade do regulamento
ilegal para fazer cessar a sua vigência. Quando
alguém se encontra perante dois comandos normativos
contraditórios – sendo um, o da lei ( in casu,
decreto-lei, com força de lei), hierarquicamente
superior ao do outro, o do regulamento – o conflito
tem de ser resolvido optando pela norma de maior
valor e desprezando a que lhe deve estar subordinada’
( in Princípios fundamentais do Direito Administrativo,
Forense, 1977, p. 103).
59. Não se pode negar que o decreto-lei, segundo
a estrutura constitucional vigente, tem força
de lei, conquanto emanado do Poder Executivo,
com competência legislativa (art. 55, III, da Emenda
Constitucional nº 1, de 1969), e não se confunde,
absolutamente, com o decreto, ato privativo do
Presidente da República, como Chefe do Executivo,
para ‘levar a cabo, precipuamente, a tarefa de
executar fielmente as leis’, no dizer de Manoel
Gonçalves Ferreira ( in Comentários à Constituição
Brasileira, Ed. Saraiva, 3ª ed., 1983, p. 369 usque
372).
60. Esse poder de legislar do Presidente da
República é realmente uma inovação, que convive
com o poder de legislar do Poder Legislativo, sobre
certas matérias e em circunstâncias determinadas,
com fonte direta na Constituição (arts. 55 e
46, V), sem qualquer intermediário, fortificado na
expressão inteligente de Manoel Gonçalves Ferreira
( in op. cit., págs. 264 a 266)” ( in Pareceres da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, 1984,
ano CXXXV, tomo I, 1986, p. 170 usque 186).
43. Com efeito, esses decretos deixam de ter
aplicação, porque estão em rota de colisão com
preceitos legais vigentes.
VIII
44. Em conseqüência, respondendo às indagações
arroladas no item 11, podemos concluir
que:
a) a Administração Pública não pode pagar
despesas contratuais não previstas no respectivo
instrumento ou seu aditamento;
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES – 481
b) contrato extinto, como o presente, não pode
ser aditado, mesmo porque se exauriu totalmente
o seu objeto;
c) cláusula expressamente vedada no edital
de licitação não pode ser ressuscitada no contrato,
ou no aditamento, por força do princípio da vinculação
ao instrumento convocatório (art. 3º do Decreto-
lei nº 2.300), e do princípio legal de que os
contratos devem estabelecer com clareza e precisão
as condições para sua execução, expressas
em cláusulas que definam os direitos, obrigações
e responsabilidades das partes, em conformidade
com os termos da licitação e da proposta a que se
vinculam (art. 44, parágrafo 1º, do Decreto-lei nº
2.300). Neste sentido, o Tribunal de Contas da
União, em memorável decisão, publicada no DOU
de 12-8-87, Seção I, p. 12.773;
d) o Decreto nº 94.042, de 1987, é vazio, porque
contraria expressas disposições legais; e, finalmente,
e) é expressamente vedado atribuir efeitos retroativos
aos contratos e seus aditivos, regidos pelo
Decreto-lei nº 2.300 e suas alterações, sob pena
de nulidade do ato e responsabilidade de quem
lhe deu causa (parágrafo 2º do art. 52).
IX
45. A Administração Pública vem, no entanto,
aplicando esses decretos, autorizando os reajustes
de contratos, com efeito retroativo (doc. anexo
– publicações do DOU de 27-8 e 9-9-87), o que,
sem dúvida, denota controvérsia na interpretação
legal e normativa, convolando o princípio implícito
no Decreto nº 93.237, de 08 de setembro de 1986,
que disciplinou a Advocacia Consultiva da União.
46. É oportuno esclarecer-se, outrossim, que,
há algum tempo, tramitou por esta Procuradoria-
Geral minuta de projeto de decreto, revogando
ambos os atos do Poder Executivo, exatamente
porque contrariam a legislação vigente.
X
47. Destarte, propomos o encaminhamento do
processo à Secretaria-Geral, com a recomendação
de perquirir junto à Secretaria de Planejamento da
Presidência da República (SEPLAN) e à Secretaria
de Administração Pública da Presidência da
República (SEDAP), acerca do aludido Projeto de
Decreto, revogando os estudados Decretos nos
94.042 e 94.233, ambos de 1987.
48. Ainda, em face da divergência na interpretação
dos citados decretos pelos órgãos da
Administração Pública, sugerimos também a audiência
da Consultoria-Geral da República, à qual,
pelo art. 4º do Decreto nº 93.237, compete:
“I – fixar a interpretação da Constituição, das
leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser
uniformemente seguida pelos órgãos e entidades
da Administração Federal;
III – uniformizar a jurisprudência administrativa
federal, garantir a correta aplicação das leis e
prevenir controvérsias entre os órgãos e entidades
da Administração Federal”.
Eis nosso parecer,
S.M.J.
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em
29 de setembro de 1987.
Leon Frejda Szklarowsky – Coordenador de
Serviços Jurídicos Diversos.
De acordo. Encaminhe-se à Secretaria-Geral
deste Ministério, como proposto.
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em
07 de outubro de 1987.
Cid Heráclito de Queiroz, Procurador-Geral.
(Publicado no Boletim de Direito Administrativo - Editora NDJ, julho de 1988)