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Textos_Juridicos-->Honduras: À luz da Constituição, não houve golpe -- 25/09/2009 - 08:45 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Golpe semântico

À luz da Constituição, não houve golpe em Honduras

POR LIONEL ZACLIS (*)

In: www.conjur.com.br

Embora a mídia venha se referindo à substituição do presidente da

República de Honduras como um golpe, parece que ninguém, até

agora, fez um estudo mais aprofundado dos fatos ali ocorridos à luz

da Constituição, e sob a ótica das medidas judiciais levadas a efeito.

Pelo menos, ainda não deparei com uma análise mais aprofundada no

que tange à aderência daqueles fatos às regras de um Estado de

Direito. Trata-se de algo que não tem provocado interesse, seja por

parte da mídia, seja por parte dos juristas.

Analisada a questão do ponto de vista jurídico, distante dos

interesses político-ideológicos, a conclusão a que se chega é a de que

esse pequeno país da América Central tem sido punido por cumprir as

normas constitucionais ali imperantes. Se boas ou ruins, é tema que

não vem à baila neste momento.

É alarmante o poder da desinformação. Mercê de inversão semântica,

característica da novilíngua que se espalha de modo avassalante,

está-se conseguindo alterar o significado da expressão “golpe de

Estado”, de tal modo a atribuir-lhe sentido oposto ao que lhe é

próprio. Sempre se entendeu “golpe de Estado” como tomada do

poder governamental pela força e sem a participação do povo, ou o

ato pelo qual um governo tenta manter-se no poder, pela força, além

do tempo previsto.

Agora, contudo, passou a atribuir-se tal denominação ao processo de

troca do governante de acordo com a Constituição vigente no país, e

realizado com o propósito de preservá-la. Se não há má-fé nessa

inversão semântica, tal atitude só pode resultar de ignorância dos

fatos efetivamente ocorridos.

De acordo com a Constituição de Honduras, o mandato presidencial

tem o prazo máximo de quatro anos (artigo 237), vedada

expressamente a reeleição. Aquele que violar essa cláusula, ou

propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se

inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública. A

Constituição é expressa nesse sentido: “Articulo 239. El ciudadano

que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser

2

Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o

proponga su reforma, asi como aquellos que lo apoyen directa o

indirectamente, cesarán de inmediato em el desempeño de sus

respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el

ejercicio de toda función pública”.

Assim, em razão da vacância do cargo de presidente da República,

assume seu lugar o presidente do Congresso Nacional, e, na falta

deste, o presidente da Corte Suprema de Justiça, sempre pelo tempo

que faltar para concluir o período constitucional (art. 242).

É tão grande a preocupação dos hondurenhos em impedir o retorno

do caudilhismo que o artigo 42, 5, dispõe a respeito da perda da

cidadania por parte daqueles que incitarem, promoverem ou

apoiarem o continuísmo ou a reeleição do presidente da República,

após prévia sentença condenatória proferida pelo tribunal

competente.

Por seu turno, o Poder Legislativo é exercido por um Congresso de

Deputados, eleitos pelo voto direto, cabendo-lhe, entre outras

atribuições, a declaração da existência de motivo para instauração de

processo contra o presidente da República e outras autoridades

(artigo 205, 15), assim como a aprovação ou reprovação da conduta

administrativa do Poder Executivo e de outros órgãos e instituições

descentralizadas (artigo 205, 20).

É importante salientar que as reformas da Constituição só podem ser

realizadas pelo Congresso de Deputados, com o voto favorável de 2/3

da totalidade de seus membros, devendo as novas disposições ser

ratificadas pela subsequente legislatura ordinária, por igual quorum,

para que possam entrar em vigor (art. 373).

Finalmente, à Suprema Corte cabe conhecer dos delitos oficiais e

comuns dos altos funcionários da República, quando o Congresso

Nacional houver declarado a existência de motivo para a instauração

do processo (artigo 319, 2), assim como declarar a existência ou não

de motivo para a instauração de processo contra os funcionários e

empregados que a lei determinar (artigo 319, 5), e, ainda, requisitar

o auxílio da Força Pública para o cumprimento das suas decisões.

O Chefe das Forças Armadas é eleito pelo Congresso Nacional,

conforme proposta do Conselho Superior das Forças Armadas, com

mandato de cinco anos, e somente pode ser removido do cargo pelo

voto de 2/3 da totalidade dos Deputados, quando haja dado motivo à

instauração de processo, e nos demais casos previstos na Lei

Orgânica das Forças Armadas (art. 279).

3

Por força do disposto no artigo 374 da Constituição, em nenhuma

hipótese poderão reformar-se as disposições que dispõem, entre

outros, sobre o período presidencial e a proibição para exercer

novamente a Presidência da República, imposta a quem, a qualquer

título, a tenha exercido anteriormente. E, à evidência, em nenhuma

hipótese poderão ser reformadas essas cláusulas pétreas.

Muito bem. Em 23 de março de 2009, o presidente Zelaya baixou o

Decreto Executivo PCM-05-2009, estabelecendo a realização de uma

consulta popular sobre a convocação de uma assembléia nacional

constituinte para deliberar a respeito de uma nova carta política.

Em face disso, em 8 de maio de 2009, o Ministério Público promoveu,

perante o “Juzgado de Letras Del Contencioso Administrativo” de

Tegucigalpa (Proc. 151/09), uma ação judicial contra o Estado de

Honduras, representado pela Procuradoria-Geral da República,

pleiteando a declaração de nulidade do decreto em foco. E, como

tutela antecipatória, requereu-lhe a suspensão dos efeitos, sob o

fundamento de que produziria danos e prejuízos ao sistema

democrático do país, de impossível ou difícil reparação, e em

flagrante infração às normais constitucionais e às demais leis da

República, isso para não falar dos prejuízos econômicos à sociedade e

ao Estado, tendo em vista a dimensão nacional da consulta.

A tutela antecipatória foi deferida pelo juiz competente em 27 de

maio de 2009, com fundamento no art. 121 da Lei de Jurisdição do

Contencioso Administrativo (Lei 189/87), que afirma: “Proceder-se-á

à suspensão quando a execução puder ocasionar danos ou prejuízos

de reparação impossível ou difícil”, complementada, com efeitos

declaratórios, em 29 de junho seguinte.

Em 3 de junho, o Juizado proibiu o presidente Zelaya de continuar a

consulta. Contra essa decisão, impetrou ele um Recurso de Amparo

— similar ao nosso Mandado de Segurança — perante a Corte de

Apelações do Contencioso Administrativo, o qual foi rejeitado em 16

de junho, sob os fundamentos de não ter sido interposto o recurso

cabível dentro do prazo legal, e de faltar legitimação ativa ao

impetrante, porquanto, no Contencioso Administrativo, compõe a

lide, no pólo passivo, o Estado de Honduras, representado pela

Procuradoria-Geral da República, e não a pessoa física do presidente.

Assim, o Juizado do Contencioso Administrativo expediu, no dia 18 de

junho, uma segunda ordem contra o presidente, tendo uma terceira

sido expedida nesse mesmo dia. Em outras palavras, encontrava-se

ele plenamente advertido de sua conduta tida como ilegal, sendo

certo que já havia um processo instaurado contra si por flagrante

desacato à Constituição e às reiteradas ordens judiciais.

4

Em virtude dessa desobediência, o promotor-geral da República

ofereceu, perante a Suprema Corte, denúncia criminal contra o

presidente Zelaya, sustentando configurar sua conduta crimes de

atentado contra a forma de governo, de traição à pátria, de abuso de

autoridade e de usurpação de funções, em prejuízo da administração

pública e do Estado. A Suprema Corte aceitou a denúncia em 26 de

junho, com fundamento no art. 313 da Constituição e designou um

magistrado para instruir o processo. Em consequência disso, decretou

a prisão preventiva do denunciado, com o que foi expedido mandado

de captura, cujo cumprimento ficou a cargo do chefe do Estado Maior

das Forças Armadas.

No mesmo dia, o Juizado de Letras do Contencioso Administrativo

deu ordem às Forças Armadas para suspender a consulta pretendida

pelo presidente Zelaya e tomar posse de todo o material que nela

seria utilizado. O presidente Zelaya, então, ordenou ao chefe do

Estado Maior das Forças Armadas que distribuísse o material eleitoral

de qualquer modo, porém o último, invocando a ordem judicial, se

negou a fazê-lo, ao que foi destituído, tendo, em seguida, impetrado

junto à Suprema Corte um recurso de amparo para ser reconduzido

ao cargo.

Em 25 de junho, a Suprema Corte julgou os Recursos de Amparo

881-09 e 883-09, que haviam sido impetrados, respectivamente, pelo

chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas e pelo promotor

especial para a Defesa da Constituição, voltando-se ambos contra o

ato de destituição do chefe do Estado Maior. A Suprema Corte

acolheu-os e, em consequência, cassou o ato do presidente Zelaya,

sob o fundamento de que a remoção do chefe do Estdo Maior das

Forças Armadas constitui ato privativo do Congresso Nacional, nos

termos do artigo 279 da Constituição.

Finalmente, em 29 de junho, a Suprema Corte, por unanimidade,

decidiu remeter o processo contra o presidente Zelaya ao Juzgado de

Letras Penal Unificado porque ele “já não ostentava o cargo de alto

funcionário do Estado”, em face de sua substituição operada pelo

Poder Legislativo, de acordo com a Constituição.

Assim sendo, para que se possa aquilatar com isenção o que vem

sucedendo em Honduras, do ponto de vista eminentemente jurídico,

ou seja, para se concluir se realmente houve um “golpe” ou, ao

contrário, legítima deposição, mediante observância das regras

constitucionais, torna-se imprescindível examinar, à luz do Direito, os

fatos acima narrados.

É o que procuraremos fazer, de modo sintético, fixando, de início,

determinados fatos incontestáveis:

- a Constituição prevê que a mera tentativa, por parte de todo e

qualquer servidor público, de alterar o sistema de eleição do

5

presidente da República implica imediata perda do cargo (artigo 239

e alínea);

- são intangíveis as disposições constitucionais concernentes, inter

alia, ao período presidencial e à proibição de que alguém seja

presidente da República por mais de um mandato (art. 374);

- o presidente da República baixou um decreto propondo a realização

de uma consulta sobre a convocação de uma assembleia constituinte,

sendo público e notório o propósito de alterar a cláusula pétrea que

proíbe um novo mandato;

- o presidente da República não obedeceu a decisão do juiz

competente, confirmada em segunda instância, que suspendeu a

execução do decreto;

- o presidente da República destituiu o chefe do Estado Maior das

Forças Armas, quando, por força do artigo 279, apenas o Congresso

de Deputados pode fazê-lo;

- a Suprema Corte acolheu a denúncia formulada pelo Ministério

Público, decretando a prisão preventiva do presidente da República;

- com a vacância do cargo, este foi preenchido pelo presidente do

Congresso Nacional, de acordo com o disposto no artigo 242 da

Constituição;

- houve respeito ao princípio do devido processo legal, pelo menos

quanto ao seu conteúdo mínimo (contraditório, juiz natural,

motivação das decisões, prova lícita, etc).

Ora, se todas as afirmações acima feitas são verdadeiras — e nada

até agora indica o contrário —, tudo aponta no sentido de terem sido

obedecidas as regras constitucionais e legais para a deposição do

chefe do Poder Executivo. O artigo 239 dispõe que a perda do cargo é

imediata, isto é, ela deve ocorrer por meio de tutela de urgência, sem

maiores delongas, mediante aplicação direta da norma constitucional,

que, auto-aplicável, dispensa lei para adquirir eficácia.

É certo que as Forças Armadas, ao executarem o mandado de prisão,

extrapolaram os limites aos quais se deviam circunscrever, ao

expulsarem do país o presidente Zelaya. No entanto, embora esse

excesso configure uma nítida e inadmissível ilegalidade, não tem, à

evidência, o condão de contaminar o processo constitucional da

substituição presidencial, de modo a convertê-lo num “golpe de

Estado”.

Por conseguinte, abstraído o lamentável e condenável episódio da

expulsão, cabe a pergunta: onde estaria o tão decantado “golpe de

Estado”? Só na cabeça de prestidigitadores sempre desejosos de

transformar o quadrado em redondo, e o preto em branco, e que, por

meio da franca adoção de uma “novilíngua jurídica”, pretendem, à

viva força, incutir no espírito alheio que a obediência à Constituição e

às leis que governam os Estados de Direito configura “golpe de

Estado”. Isso porque, embora não o declarem abertamente, têm para

si que Estado de Direito não passa de mera “ilusão burguesa”.

6

Mas, se isso pode adquirir foros de verdade, cabe, em contrapartida,

por exigência de um mínimo de lógica, indagar sobre como deveriam

ser classificados os que, eleitos sob a égide de uma Constituição que

juraram defender, passam a usar o cargo como gazua para arrombála,

com o propósito de perpetuar-se no poder, metamorfoseando-se

em caudilhos e caudilhotes com vestes de “democratas”. Qual seria o

título a eles mais adequado ? O de “Defensores do Povo”, cujos

interesses só eles, na sua onisciência, conseguem detectar, ou o de

“Defensores da Democracia”, de acordo com sua particular visão

desse conceito, ou, ainda, de “Duces” ou “Fuhrers”?

Antes de responder a essa pergunta, é mister, no entanto, não

esquecer de que a eleição pelo povo é apenas um vestibular, no qual

não se encerram outras tantas exigências dessa “escola” que se

chama Democracia. O eleito pelo povo há que respeitar a

Constituição e as leis do país, e não destruí-las aproveitando-se do

poder de que se investiu mercê da eleição. Eleição pelo povo não

significa, por si só, alvará pleno para que o eleito possa fazer tudo

que bem entender, inclusive destruir a ordem constitucional e, em

consequência, a democracia, sob cuja égide se elegeu.

Outra expressão também trabalhada pela novilíngua e que entrou na

moda consiste em chamar o atual governo hondurenho de “governo

de facto”, com o nítido propósito de contrapô-lo ao “governo de jure”.

Mas, se a investidura do governo substituto seguiu os trâmites

previstos na Constituição, por que “governo de facto”? Se não for

má-fé, ou ignorância dos fatos, talvez isso deva ser debitado à

retirada do ensino do latim em nossas escolas.

Diz-se ainda ter havido um golpe militar “com apoio do Ministério

Público, da Suprema Corte e do Congresso Nacional”. Ora, o que

exsurge do relato dos fatos é exatamente o contrário, ou seja, a

Suprema Corte é quem decidiu pelo afastamento do presidente,

fazendo-o a requerimento do Ministério Público, com a aprovação do

Congresso, tendo a força militar sido requisitada pelo Poder

Judiciário, nos termos do artigo 313 da Constituição, para o fim de

fazer cumprir a ordem judicial.

Se a deposição de um presidente é decretada pela Suprema Corte de

um país soberano, em que se baseiam outros países para arrogar-se

o direito de, certamente sem ao menos terem examinado os fatos

com a necessária atenção, desrespeitar o Poder Judiciário e a própria

soberania do país no qual ocorreu a deposição, qualificando de

“golpe” os atos praticados conforme a Constituição? É interessante

notar como certas figuras, de tão acostumadas a desrespeitar o seu

próprio Estado de Direito sem que nada lhes aconteça, não

conseguem se dar conta de que, em outros países, ainda que

7

insignificantes em termos territoriais, possa haver cidadãos menos

frouxos, com coragem e vontade política suficiente para fazer vingar

as instituições e as leis ali imperantes.

Por outro lado, o fato de em Honduras a deposição do presidente não

ser feita por meio de impeachment, tal como no Brasil ou nos EUA,

em nada altera a questão, porquanto a questão relevante consiste

em verificar se o processo constitucionalmente previsto para tal fim

em cada país foi respeitado, até porque cabe a cada país escolher,

para o fim de que se trata, a sistemática e o conjunto de normas que

melhor se adapte às suas características político-jurídicas.

Precisamos pensar com nossos próprios neurônios e procurarmos a

verdade, ainda que isso possa ser cansativo e consumir tempo. Do

contrário, os verdadeiros democratas, os que prezam o Estado de

Direito, constatarão que será muito tarde “quando a ficha lhes cair”.

______

(*) LIONEL ZACLIS é doutor e mestre em Direito pela USP e sócio de Barretto

Ferreira Kujawski, Brancher e Gonçalves (BKBG) - Sociedade de Advogados,

responsável pelo Departamento de Recuperação de Empresas, Insolvência e

Direitos dos Credores. In: www.conjur.com.br


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