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Textos_Juridicos-->O Dano Moral na Investigação Criminal -- 14/12/2012 - 14:34 (Rodrigo Mendes Delgado) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

O Dano Moral na

investigação criminal

 

 

 

 

Sumário: 1 - Finalidade da investigação criminal. 2 - Como os acusados são tratados pelos agentes estatais. 3 - O bom senso e o respeito pelas garantias constitucionais. 4 - A prisão cautelar: fábrica de danos morais. 5 - Dos requisitos da prisão cautelar - o risco do dano. 6 - Dever de indenizar o lesado em decorrência da investigação criminal - a indenização por danos morais. 7 - Conclusão deste item.

 

 

 

 

 

1 - Finalidade da investigação criminal

 

Este novo tópico surgiu com certa dose de indignação, em decorrência da brutal inversão de valores, que a sociedade vem experimentando nos últimos anos, notadamente, alguns ramos do direito que, ao que parece, ao invés de experimentarem um avanço, estão, em verdade, retrocedendo às eras primitivas da humanidade, aos primórdios da civilização, onde a barbárie imperava e a violência, seja a física, seja a moral, eram constantes. E isso, sinceramente, nos causa grande preocupação. O que fizeram com o princípio constitucional de que “todos são inocentes até que se prove o contrário?” Afinal, assim reza o inciso LVII, do art. 5o, da Carta Democrática: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

 

Este princípio, em essência, diz que, quando alguém é acusado da prática de uma conduta antijurídica, isto é, de um crime, esta pessoa é inocente até que se prove o contrário. Desta forma, esta pessoa deve ser tratada como uma pessoa inocente, até que haja uma sentença penal condenatória, embasada em provas lícitas e incontestes, e depois que todos os ritos processuais tiveram seu curso normal percorrido, somando-se a isso, a irrecorribilidade da sentença penal condenatória, posto que, enquanto houver possibilidade de recurso, há a possibilidade do reconhecimento da inocência. Até o trânsito em julgado, a pessoa acusada é inocente.

 

Condenar alguém, dentro da esfera do Direito penal, é um ato tão sério, que o próprio ordenamento jurídico exige absoluta certeza, quanto à prova da autoria e materialidade delitivas, para que a condenação criminal seja aceita, sob o ponto de vista legal e constitucional. Ausente a certeza, resta a absolvição. Neste sentido, aliás, assim é a dicção do Código de Processo Penal, em seu art. 386, com a nova redação que lhe deu a Lei n.o 11.690, de 2008, em seu inciso VII, que assim dispõem: Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: VII – não existir prova suficiente para a condenação. Este inciso VII, do art. 386 do CPP, consagra outro princípio, o do in dubio pro reo, ou seja, em caso de dúvida, deve-se decidir em favor do réu. O que prova, mais uma vez que, para a condenação criminal, deve haver absoluta certeza quanto à autoria e a materialidade delitivas. O princípio do in dubio pro reo nada mais é do que consequência do princípio da presunção de inocência.

 

Por isso, a pessoa acusada criminalmente, denominada de indiciada, na fase inquisitorial (policial), acusada, na fase processual, que se estende desde a prolação da sentença penal condenatória, em primeiro grau, até a decisão final, em fase recursal, e culpada ou sentenciada, na fase de execução da pena, deve ser tratada com um ser humano, sendo-lhe garantidos todos os direitos e princípios constitucionais e infraconstitucionais. Não é o recrudescimento do tratamento deferido ao acusado, que fará com que o sistema repressivo se torne mais eficaz. Ao contrário, quando a sociedade responde, da mesma forma violenta com a qual foi atingida pela atitude de um criminoso, em verdade a sociedade está se nivelando ao mesmo. A sociedade tem o dever de reprimir a criminalidade, por meio do estabelecimento de sanções eficazes para esta finalidade, mas, sempre garantindo a todos os acusados, o direito à ampla defesa e ao contraditório, sendo vedado, quando da execução de eventual pena, o tratamento desumano, degradante e cruel aos detentos. As pessoas tendem a comportarem-se da mesma forma com a qual são tratadas. Diante disso, acredito que, se tratarmos as pessoas com humanidade e respeito, responderão da mesma forma. Ao revés, se forem tratadas como animais enjaulados, sendo alvo de violências físicas e psicológicas, bem como de tratamentos degradantes e humilhantes, responderão à altura de dito tratamento. Quando queremos que algo mude, devemos começar a mudança em nós mesmos.

 

Um dos momentos mais humilhantes para uma pessoa acusada criminalmente, tem sido a fase inquisitorial, ou seja, a fase da investigação policial. Momento em que a vida da pessoa é vasculhada, revirada, analisada em todos os seus meandros, tendo sua intimidade violada e seus familiares expostos ao escárnio público.

 

E não deveria ser assim, posto que, como dito, todos são inocentes até que se prove o contrário. O problema é que, ao lado da imprensa sensacionalista, há autoridades públicas, igualmente sedentas de serem vistas sob os holofotes do sensacionalismo. Autoridade pública não deveria necessitar de marketing.

 

Situação emblemática de desastre investigativo policial foi o caso da Escola Base, em São Paulo, que ficou nacionalmente conhecido como “Caso Escola Base”. Em referido episódio, por uma sucessão de fatos infelizes e inverídicos, os proprietários da Escola Base, bem como professores e pais de um ex-aluno, foram acusados, por duas mães de alunos, de praticarem os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, contra seus filhos. O caso se deu em 29 de março de 1994. Na ocasião, mesmo diante da fragilidade das provas que instruíram o inquérito policial, o Delegado do caso prendeu os proprietários da Escola Base e o caso foi amplamente divulgado pela imprensa. A Escola foi fechada e depredada. Diante da fragilidade das provas, a Justiça determinou que outro Delegado assumisse o inquérito. Novas investigações foram realizadas e ficou comprovado que o caso não passou “de uma série de erros das mães, do delegado e da imprensa”. Mas, o desastre já estava concretizado. Eis uma notícia do caso, extraída do site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), nestes termos:

 

Escola Base

Mães e ex-proprietária de escola podem fazer acordo

 

por Fernando Porfírio

 

Depois de quase 11 anos, a professora Paula Alvarenga, uma das ex-proprietárias da Escola Base, tenta conquistar na Justiça o direito a uma indenização. Nesta terça-feira (22/3), a partir das 15h30, a 28ª Vara Cível Central fará audiência de conciliação entre Paula Alvarenga, a comerciante Cléa Parente de Carvalho e a contadora Lúcia Eiko Tanoue Chang.

 

As duas rés são mães de alunos que estudavam na escola e, em 29 de março de 1994, acusaram os donos do local, professores e pais de um aluno de abusar sexualmente de seus filhos. O episódio ganhou as manchetes dos jornais e ficou conhecido como ‘Caso Escola Base’. A escola foi depredada e fechada.

 

Em dez dias, o delegado que apurava o caso prendeu os pais de um aluno e indiciou as duas donas da escola -- entre elas Paula Alvarenga -- e seus maridos. Diante da fragilidade das provas, a Justiça mandou outro delegado assumir o inquérito. As novas investigações provaram que o caso não passou de uma série de erros das mães, do delegado e da imprensa.

 

Depois de absolvidos, os acusados -- com exceção de Paula Alvarenga -- ingressaram com ação de indenização contra o estado de São Paulo. Em primeira instância, a Justiça fixou a indenização em R$ 20 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformulou a indenização para R$ 100 mil e o limite de R$ de 10 mil para ressarcimento por parte do delegado. O STJ aumentou o valor para R$ 250 mil.

 

Em 14 de dezembro de 1999, o então governador Mario Covas editou o Decreto nº 44.536, que autorizou o pagamento de indenização das vítimas da Escola Base. A Procuradoria-Geral do Estado fixou o valor por danos morais em 300 salários mínimos e os danos materiais seriam apurados depois.

 

Paula Alvarenga perdeu o prazo para mover a ação contra o estado. As acusações contra a professora foram feitas em 1994 e ela somente apresentou o pedido administrativo em dezembro de 1999, cinco anos e nove meses depois dos fatos. A legislação prevê que os pedidos de indenização contra o estado têm de ser feitos em até cinco anos. Ou seja, ocorreu a prescrição (perda do direito de ação).

 

Ela entrou, em agosto de 2001, com ação de indenização por danos morais contra as duas mães. O pedido é embasado em inquérito policial aberto no 6º Distrito Policial (Cambuci) para apuração de eventual crime de denunciação caluniosa. A audiência desta terça-feira será presidida pelo juiz Roberto Murillo Pereira Cimino.

 

Culpa é jogada em cima de delegado

 

Os advogados das mães isentam suas clientes do escândalo e apontam o estado como principal responsável -- na pessoa do delegado -- por ter divulgado antecipadamente e com segurança a materialidade de um delito sem ter concretamente efetivado a apuração.

 

A defesa da comerciante Cléa Parente de Carvalho alega que sua cliente não possui capacidade financeira para arcar com as despesas do pleito indenizatório porque está desempregada.

 

O advogado da contadora Lúcia Eiko afirma que ela em nada contribuiu para os eventos ocorridos e que apenas, na condição de mãe, requereu a apuração de eventual abuso sexual de seu filho.

 

“Indubitavelmente, se houve precipitação na divulgação as informações prestadas pela ré, em sede de inquérito policial, a responsabilidade não pode ser imputada a ela, mas sim a quem tinha o dever de guardar segredo até a conclusão final das investigações”, aponta o advogado Orlando Gasparin Christianini, defensor de Lúcia Eiko.

 

Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2005

 

Fonte: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33687,1

 

O desastre da fase investigativa (Inquérito Policial), no “Caso Escola Base”, foi evidente. O comportamento do Delegado do caso foi catastrófico. A prisão precipitada dos indiciados decretou sua condenação prévia aos olhos da sociedade que, ensandecida, depredou tanto a Escola dos indiciados, bem como suas casas. Desastres são poderosos estimulantes da loucura humana. A imprensa, uma vez mais, não se preocupou com a veracidade dos fatos que lhe foram repassados e divulgados. Erro após erro, o caso tomou proporções desnecessárias e nefastas para a vida dos envolvidos.

 

Para se entender melhor o caso da Escola Base, transcrevo abaixo alguns trechos dos argumentos apresentados pelo advogado de Paula Milhim Monteiro de Alvarenga (uma das proprietárias da Escola Base e que tenta na justiça uma indenização pelos danos morais sofridos), que fazem parte do pedido da mesma, que pretende pagar débitos de IPTU, com o dinheiro que, não sabe se receberá do Estado, a título de indenização por danos morais. Seguem os argumentos:

 

DOS FATOS

 

1. Em 29 de Março de 1994, Paula Milhim Alvarenga, Mauricio Alvarenga, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, ex-proprietários da Escola de Educação Infantil Base foram acusados de estupro e atentado violento ao pudor (doc. 2)

 

2. Tal caso é reconhecido como uma das maiores injustiças de história jurídica de nosso país. Posteriormente, comprovou-se que sequer houve violência sexual contra as crianças apontadas como vítimas.

 

3. Afim de facilitar o entendimento deste intrincado caso, apartamos o relatório complementar (que trouxe à tona a inexistência de tais crimes) da lavra do Delegado designado posteriormente, após a constatação das inconsistências das acusações. (doc. 2). Trata-se do relatório da lavra do Delegado Seccional, Dr. GERSON DE CARVALHO.

 

4. Tal caso afigura-se, hoje, como um clássico do desrespeito aos direitos humanos, tendo repercutido em âmbito nacional e internacional.

 

5. Vale destacar um trecho do relatório complementar (doc. 2 – fls. 7) para ilustrar tal notoriedade de tais acusações:

 

“A divulgação do caso, por todos os órgãos de imprensa, causou grande repercussão social, máxime pela envolvência de crianças, o que, é certo, fere a sensibilidade de qualquer indivíduo, por mais gélido que possa ser. Infelizmente, em tais oportunidades, surgem as manifestações de protesto, em algumas e até não raras ocasiões, impulsionadas pela ação de malfeitores. Estes lograram saquear e danificar a Escola Base. Desta, pouco ou nada restou.

 

A residência de Maurício e Paula sofreu a mesma investida. Os laudos de fls. 332, 473 e 586 instruídos com farta fotografação demonstram o que aconteceu.

 

Os proprietários da escola não mais puderam ali regressar. Durante alguns dias, Policiais militares preservaram o local, até que os responsáveis, providenciassem a retiradas dos escombros, o que foi feito após os levantamentos periciais.

 

Temendo linchamentos ou ações assemelhadas, Maurício e Paula rumaram para local desconhecido.........”

 

6. Plenamente demonstrado, portanto, que as acusações das mães tiveram a maior repercussão possível, tendo destaque nos noticiários de absolutamente todos os meios de comunicação nacionais além de alguns noticiários estrangeiros.

 

7. Acerca da atitude das mães, vale destacar, novamente, o relatório complementar (doc. 2 – fls. 11):

 

“Quando da busca e apreensão desenvolvida por policiais do 6º DP, Cléa e Lucia ingressaram na Escola, abriram gavetas, viraram e reviraram o que bem entenderam e nada de irregular encontraram.”(grifos nossos)

 

8. Acerca da veracidade das declarações das rés, vale destacar trecho do mesmo relatório (Doc. 2 – fls. 15):

 

“Lamentavelmente, Cléa Parente de Carvalho divorciou-se da verdade”

 

9. E mais adiante (doc. 2 – fls.18):

 

“Ninguém, absolutamente ninguém, confirmou o alegado por Lúcia e Cléa.”

 

10. Sobre a personalidade de Lúcia Eiko Tanoue Chang, vale citar a manifestação do Ministério Público da lavra do Dr. Sérgio Peixoto Camargo (doc. 2 – fls. 726 do Inquérito policial), citando laudo da Drª Maylin Garcia Tatton, psicóloga lotada na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher:

 

“D. Lúcia pareceu ser uma pessoa que fantasia muito, até mesmo como mecanismo de defesa inconsciente. Pelo que foi observado no discurso da mãe, para algumas coisas naturais no processo de desenvolvimento infantil, a mesma trata as questões com muitas fantasias e temores, ao que parece, por tratá-lo de forma muito infantilizada, como se tivesse medo de perder o seu lugar para o mesmo. Narrou com muito exagero o fato da criança se acariciar durante o banho. Segundo ela, por exemplo, Felipe introduzia o dedo no ânus, ou acariciava o “pipi”, muito provavelmente as fantasias, ou conflitos mau elaborados à nível da sua sexualidade ela projeta na criança, criando toda uma história, ao que parece muito fantasiosa. Pela dificuldade de administrar sua relação afetiva e sexual com seu cônjuge, a mesma faz o movimento de manipulação com, esta criança que a satisfaz de alguma forma à nível de suas fantasias. Questiona todos os atos e gestos da criança, não admitindo que estes sejam próprios do desenvolvimento de sua sexualidade. Pelas respostas observadas da criança, e o comportamento desta, apresenta-se a hipótese de que, provavelmente, ela tenha sido induzida pela mãe a dar respostas que ela lhe impunha. Essa análise vem da observação de que esta criança não tem condições, apesar de ter um bom desenvolvimento cognitivo, de dar respostas e comentários de forma tão elaborada (fls. 646/7)” (grifos nossos).

 

11. Vale destacar, ainda, a opinião do representante do Ministério Público (doc. 2 – fls. 727):

 

“Assim, é de se lamentar a desnecessária provocação do aparelhamento policial pela fantasia de pessoas imaturas, ignorantes, apoucadas de compreensão e destituídas de lógica, que não conseguem visualizar as gravíssimas consequências de seus atos impensados.

 

Com efeito, em razão do noticiário veiculado com inevitável sensacionalismo em torno das providências policiais supra relatadas, populares exaltados procederam a odiosa depredação do estabelecimento de ensino, agravando ainda mais a penalizante condição a que foram submetidos seus dirigentes e familiares, como é de conhecimento público.

 

(...)

 

Nestes termos,

P. deferimento.

 

São Paulo, 14 de fevereiro de 2003.

 

Laércio José dos Santos

OAB/SP 145.234

 

Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2004

 

Fonte: http://conjur.estadao.com.br//static/text/28836,2

 

  Há danos que, jamais poderão ser devidamente compensados. Há danos que, por maior que seja o valor da indenização, nunca conseguirão apagar o estigma deixado por certos acontecimentos. Há danos que, inegavelmente, ficam cravados na alma do lesado, para o resto de sua vida. É o caso da Escola Base. A vida dos acusados jamais será a mesma. Amargarão, pelo resto de suas vidas, os efeitos da sobre-pena, efeitos estes não decorrentes da pena imposta pelo Estado, mas sim, da pena estabelecida pela indiferença, pela insensatez e pela irracionalidade de seres humanos que, mesmo sem provas, os condenaram. Mesmo diante da ausência de uma condenação criminal, porquanto, foi constatada a ausência do cometimento dos crimes imputados aos investigados e, mesmo diante da absoluta ausência de provas, tanto que o inquérito foi arquivado, perdurará para sempre, a pena do sinal infamante, marcado pelo lado monstruoso das pessoas. Esse o caso clássico das consequências desastrosas decorrentes de uma investigação criminal mal conduzida.

 

Somente quem passou por uma investigação criminal e teve a própria dignidade lançada ao escárnio da opinião pública, que nunca perdoa, é que pode atestar o que agora se defende.

 

O ilustre professor Marco Antonio Vilas Boas, ex-juiz, professor e advogado, em sua magnífica obra “A reparação civil na investigação criminal”, São Paulo: Editora LEUD – Livraria e Editora de Direito, 2003, p. 5, assim faz constar na abertura da mesma:

 

Dedico este livro aos injustamente vilipendiados pelos mecanismos da investigação criminal, em suas múltiplas fases; ÀQUELES que, embora inocentes, pagam pelo infortúnio do nome lançado à indignidade; ÀQUELES que, absolvidos pela justiça, cumprem a pena da humilhação por que passaram e jamais esquecida: a pecha duradoura que lhes foi atribuída pela sociedade que nunca perdoa; ÀQUELES que, sem nada deverem, cumpriram a prisão preventiva e, em razão dela, lhes foram subtraídas as oportunidades de ocupação lícita; PARA AQUELES que, contra a própria vontade, ajoelharam-se às barras do Tribunal sem que houvessem praticado qualquer erro e, por conseqüência, se viram obrigados a despesas e a prejuízos morais dos mais diversos; ÀQUELES que, julgados por crime infamante e depois absolvidos, tiveram a família perseguida à boca do povo, com as pedras que lhes são jogadas diariamente pela insensatez e indiferença dos homens... (Vilas Boas, 2003, p. 5)

 

Infelizmente, ainda estamos inseridos numa sociedade injusta, e que não perdoa, que ainda faz escolhas equivocadas e que ainda está longe da verdadeira evolução, da verdadeira condição humana. As pessoas são egoístas, insensatas e egocêntricas. Como diz a Bíblia (João, 18:40): “E eles preferiram Barrabás”.

 

A finalidade da investigação criminal, realizada por meio do procedimento administrativo do Inquérito Policial, dentro dos parâmetros constitucionais da legalidade e do respeito à pessoa humana, como corolário do princípio da dignidade (art. 1o, III, da CF/88), é formar um conjunto probatório coeso, coerente e robusto quanto à autoria e materialidade delitiva, visando formar, ainda que minimamente, um juízo de certeza, visando dar o necessário embasamento a uma provável ação penal, que se traduz no próximo passo da persecução criminal (persecutio criminis). Todavia, numa inversão abrupta de valores, o que se nota é que o investigado é condenado no exato momento em que adentra as portas de uma Delegacia. O que vai de encontro aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, nos termos do inciso LV, do art. 5o da CF/88. Neste momento, fundamental que se deixe claro que, a finalidade do Inquérito Policial é averiguar a notícia do crime (notitia criminis), dada por meio do registro de uma ocorrência, coletar as provas necessárias para a instauração do inquérito que, futuramente, poderá dar suporte à Denúncia do Ministério Público, sendo esta a peça inaugural da Ação Penal e não condenar as pessoas de forma sumária. 

 

Foi justamente isso que ocorreu no caso da Escola Base, acima citado. Um desastre investigativo, perpetrado por um profissional despreparado e mais preocupado em promover-se perante a mídia, do que cumprir de forma responsável com seu mister institucional. Os investigados, no Caso Escola Base, foram condenados, mesmo nunca tendo havido um processo penal. Erros como este não podem ocorrer. Daí a necessidade do Estado estar empossando, nos mais variados cargos públicos, pessoas realmente preparadas para se desincumbirem, com responsabilidade e senso moral, as funções nas quais forem investidas.

 

Acerca do caso Escola Base, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, no REsp n.o 351.779[1], nestes termos:

 

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. ATO PRATICADO POR DELEGADO DE POLÍCIA. DIVULGAÇÃO TEMERÁRIA DA PRÁTICA DE ABUSO SEXUAL CONTRA ALUNOS DA ESCOLA DE BASE. NOTÍCIA POSTERIORMENTE DESMENTIDA. AUMENTO DO VALOR FIXADO PELA CORTE DE ORIGEM. POSSIBILIDADE DE REVISÃO POR ESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

 

Restaram regularmente analisadas as matérias discutidas no recurso especial, razão pela qual não há violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil.

 

Não se aplica, na hipótese, a Lei de Imprensa, visto que, "o que levou os litigantes ao absurdo de serem repudiados e quase linchados pela população, perdendo não só a honra, mas o estabelecimento de ensino e o sossego de viver honesta e tranqüilamente, não foi a veiculação jornalística provocada pela imprensa, e sim a irresponsável conduta do agente estatal" (voto proferido pela Ministra Eliana Calmon).

 

"Comprovada a responsabilidade subjetiva do agente público, impõe-se-lhe o dever de ressarcir ao erário do valor preciso e certo do desfalque provocado, sem que se possa para tal limitá-lo às condições econômicas do obrigado" (voto proferido pela Ministra Eliana Calmon).

 

"Na oportunidade em que se fizer a liqüidação por artigos, novos honorários serão devidos e, assim, à vista de um quantitativo certo e determinado, será de todo pertinente a fixação dos honorários, nos termos do dispositivo aqui invocado pelos autores (art. 20, § 3º)" (voto proferido pela Ministra Eliana Calmon).

 

Já decidiu este Superior Tribunal de Justiça que "o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, observando as circunstâncias do caso, aplicáveis a respeito os critérios da Lei nº 5.250/67" (REsp nº 295.175/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 2.4.2001). Veja-se, também o REsp nº 439.465/MS, rel. Min. Paulo Medina, julgado em 15.10.2002.

 

A quantia proposta pelo douto colegiado a quo não é idônea a trazer qualquer alegria aos autores capaz de fazê-los superar o evento lastimável, que não apenas abalou, mas destruiu sua reputação e seu equilíbrio emocional.

 

Não há, desde que guardada a proporcionalidade e razoabilidade da indenização, possibilidade de enriquecimento ilícito da vítima em detrimento do autor do dano, quer pela própria dificuldade de mensuração do prejuízo quer pela evidente necessidade de impedir que a indenização arbitrada seja tão leve que incentive o réu a continuar causando danos morais contra outras vítimas, ou que a sociedade comece a ver com naturalidade tais comportamentos e passe a agir da mesma forma.

 

O fato de, eventualmente, o servidor causador do dano não ter condições de arcar com o valor integral da indenização pouco importa para a solução da presente controvérsia, visto que, em casos nos quais se faz presente a responsabilidade civil do Estado, a indenização deverá ser calculada com base na sua capacidade e não na do agente público causador do dano.

 

Recurso especial do Estado de São Paulo provido, em parte, para condenar o litisdenunciado a ressarcir os cofres públicos por inteiro. Recurso especial dos autores provido para aumentar a indenização a título de danos morais para R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), para cada um dos recorrentes.

 

(Recurso Especial nº 351779/SP (2001/0112777-9), 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Eliana Calmon. Rel. p/ Acórdão Min. Franciulli Netto. j. 19.11.2002, unânime, DJ 09.02.2004).

Referência Legislativa:

Leg. Fed. CF/1988 Art. 37 Par. 6º

Leg. Fed. Lei 8.112/1990 Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União Art. 46 Art. 122

Leg. Fed. Lei 3.071/1916 Código Civil Art. 159

Leg. Fed. Lei 5.869/1973 Código de Processo Civil Art. 20 Par. 3º Par. 4º

Doutrina:

Obra: Instituição de Direito Civil, Forense, 12. ed., v. 2, p. 242-243. Autor: Caio Mário da Silva Pereira. (grifos acrescidos)

 

Foi o desastre de um agente estatal, no desempenho de suas funções institucionais, que praticamente aniquilou a vida das pessoas investigadas por um crime que, em realidade, nunca existiu.

 

2 - Como os acusados são tratados pelos agentes estatais

 

Em verdade, como ressaltado acima, está havendo uma gritante inversão de valores, notadamente dos valores processuais, que devem funcionar como garantias do cidadão. Valores como isonomia das partes (art. 5o, caput, da CF/88), direito ao contraditório e à ampla defesa (inciso LV, do art. 5o, da CF/88), direito à individualização das penas (inciso XLVI, do art. 5o, da CF/88) (,) e o direito ao mais importante dos princípios (constitucional e processual penal) que devem vigorar e lançar seus efeitos dentro da esfera penal, qual seja, o princípio da inocência (inciso LVII, do art. 5o, da CF/88), já acima descrito.

 

Estamos, constantemente, assistindo a esta mutação teratológica da realidade, onde os princípios fundamentais da pessoa humana estão sendo conspurcados em nome das formalidades vazias e banais, em nome do sensacionalismo, em nome da tirania, em nome de uma realidade de injustiças que, sinceramente, não se justifica. Quantos agentes estatais, dentre os quais, Delegados de Polícia, estão deixando muito a desejar nos procedimentos investigativos? Quantos policiais militares, nos mais diferentes pontos do país, não agem como animais irracionais, usando de truculência no processo investigativo, arrancando confissões dos acusados (meros averiguados), por meio da tortura e da selvageria? Quantos interrogatórios não têm sido forjados e obtidos por meio da dor e do sangue dos acusados? Quantos porões de Delegacias não têm sido usados para a encenação das mais variadas carnificinas? Quantos gritos de socorro não têm sido abafados, sufocados e reprimidos, de vítimas indefesas do sistema que as prometeu defender a qualquer custo? Este o quadro caótico e bárbaro em que a sociedade brasileira se encontra inserida. Policiais que vendem sua honra e dignidade por propinas das mais variadas ordens. A ditadura no Brasil nunca acabou, apenas camuflou-se sob o manto de uma pseudo-democracia. Uma democracia falha, hipócrita e mentirosa, que dá voz aos ricos e sufoca o clamor dos pobres e humildes. Uma democracia mesquinha, que atende aos interesses dos economicamente mais abastados, em detrimento da ampla maioria de despossuídos, que rastejam na miséria produzida pelo lamaçal da prostituição moral dos políticos que os representam. Deve-se ter grande cuidado ao se investigar uma notícia que chega à Delegacia, a chamada notitia criminis, pois, o alvo da investigação criminal é uma pessoa, um ser humano, e não uma “coisa”, um simples objeto sem valor e, atrelado a esta pessoa (objeto da investigação) está sua intimidade, sua vida privada, sua honra, sua imagem e sua família. Que as autoridades policiais não se esqueçam disto.

 

O simples fato de um acusado adentrar as portas de uma Delegacia para depor, não autoriza, a quem quer que seja, a desferir qualquer julgamento contra aquela pessoa, posto que não há a certeza de nada, quanto à imputação que lhe é direcionada, vez que o conjunto probatório mal está formado, ou melhor, nem mesmo foi iniciado, e, mesmo que se saiba que determinada pessoa é culpada pelo cometimento de um determinado ilícito, quem o homem, o mero mortal, pensa que é para julgar seu próximo? Não nos esqueçamos de algo inegável: uma variabilidade de fatores sociológicos muito amplos leva as pessoas a tomarem atitudes, ou a praticarem atos nem sempre desejados, mas que são levadas a fazer o que fizeram porque nunca aprenderam a fazer de outro modo, porque a sociedade nunca lhes deu um chance. Quando uma determinada conduta passa a existir no mundo fenomenológico, a mesma deve ser analisada com muita parcimônia e racionalidade.

 

Quem julga por padrões moralistas equivocados (notadamente os de cunho religioso) não tem certeza de que, se nas mesmas condições e sob os fatores psíquicos que incidiram sobre o acusado, não teria feito o mesmo, ou pior. Nossas imperfeições morais ainda são muitas e variadas, o que nos retira o direito de julgar a quem quer que seja. Claro que os comportamentos ilícitos não podem ficar impunes. Por isso, os povos civilizados estabelecem seus regramentos jurídicos que, em última análise e, pelo menos do ponto de visto sócio-filosófico, expressam a vontade de todos os membros da sociedade na qual aqueles regramentos vigem. Mas, mesmo o julgamento judicial de uma pessoa, deve ser cercado de garantias, como a de se assegurar à mesma o direito de se defender, de produzir todas as provas que a tentem inocentar da acusação que lhe é imputada, de ser considerada inocente até uma decisão final da qual não caiba mais qualquer espécie de recurso, bem como o direito à duração razoável do processo, para que este não se prolongue pela eternidade. Estas algumas das garantias asseguradas pelos povos civilizados aos seus membros. Outras garantias há e outras ainda podem vir a ser criadas, no futuro, dependendo das necessidades criadas pelo desenvolvimento tecnológico dos povos. Portanto, todo julgamento deve ser racional, equilibrado e garantista[2].

 

Procedimentos investigativos equivocados podem criar novos problemas. O que se nota é que as pessoas, mesmo que absolvidas, não estão isentas de uma pena. Pasmem: mesmo sendo inocente, o indivíduo não se escusa de uma pena, muito mais severa, muito mais infamante do que as penas legalmente estabelecidas, a pena do descaso, da humilhação, da vergonha e do escárnio público, imposta por uma sociedade que não perdoa e que nunca esquece.

 

Diligências mal conduzidas podem marcar indelevelmente a vida de uma pessoa.

 

Neste sentido, o douto professor Marco Antonio Vilas Boas, assim se expressou em sua copiosa obra, já citada, nestes termos:

 

A ação oficial, nestes parâmetros, poderá formar novos degenerados. Se a iniciativa estatal cria seus monstros, deve criar também seus antídotos. A investigação começa por instituir a primeira pena ao indivíduo, haurida que é pela reprovação da comunidade. Muitas vezes, este tipo extra-oficial de punir torna-se mais grave que a punição atribuída pelos órgãos competentes. Assim, começa-se a investigação como uma sobre-pena, pouco se importando com o resultado final ou mesmo se o investigado ou réu vai ou não ser inocentado. Já a pena, como um resultado da prova condenatória comprovada, não deixa de ser um meio. Enfim, prova, pena e sentença não passam de singelos meios para atingir-se um fim último: a reeducação. Todos estes estágios percorrem os caminhos da certeza. Assim, investigação, prova, certeza, sentença e pena constituem-se em simples acessórios. Não há meio nem acessório que possa se sobrepor ao principal, nos terrenos da personalidade do homem, protagonista e sujeito primeiro da investigação e da prova. Todavia, o que se vê, sem sombra de dúvida, é que o personagem principal decaiu de seu alto degrau humano e passou a ser um simples objeto da investigação, subordinado quando deveria ser o subordinante. Há a contradição, pois, o sujeito que deveria ser em si, a finalidade, passa a ser o próprio objeto a investigar, em completo desmonte de seus direitos de personalidade.

 

(...)

 

Em últimas palavras, não há dúvida de que a investigação criminal pode ser uma fábrica de danos, das mais eficientes. Se o indivíduo é absolvido, sobram-lhe os efeitos mais perversos da própria inocência, obrigado a assentar-se ao banco dos réus, custear profissionais para sua defesa, suportar noites mal dormidas e ter seu nome na vitrina da opinião pública que jamais perdoa.

 

(...)

 

Relativamente ao inquérito policial, uma preocupação básica relevante não pode desmerecer um breve comentário. Quem dá início à investigação tem a grande responsabilidade de não criar vítimas.” (Vilas Boas, 2003, p. 8-9)

 

A última frase do texto transcrito possui um peso e uma responsabilidade aos agentes policiais de grande transcendência. O professor Marco Antonio Vilas Boas disse: “Quem dá início à investigação tem a grande responsabilidade de não criar vítimas”. Diante da profundidade da sentença enunciada, pergunto: em quantos procedimentos investigativos, o investigado, abruptamente, não se transformou em vítima? Vítima da tirania, das investigações mal conduzidas, vítima dos pré-conceitos e dos pré-julgamentos. Certamente, em um sem número de casos. Esta é a sobre-pena, alertada pelo professor Marco Antonio Vilas Boas. Uma pena extra-oficial, extra-humana, extrassensível. Uma punição desumana, mesquinha, ignóbil e cruel, mas que é praticada a todo o momento. As atitudes mais vis, cruéis e ignóbeis são praticadas pelos que detém o poder, pelos que estão nos altos cargos, mas, ficam encobertos pela mediocridade, pela propina bem paga e, somente de forma esporádica, surgem como escândalos, mas, surgem apenas como instrumento de disputa pelo poder, nada mais. Fatalmente o escândalo será esquecido, pois, não fomos educados para preservar a informação, mas, para simplesmente, ouvi-la e ignorá-la. Isso quando se trata dos que detém e exercem o poder. Há uma frase que diz que o jornal de hoje embrulha o peixe na feira de amanhã.

 

Entretanto, a situação do homem comum, do que trabalha e paga seus impostos, do que se submete às infindáveis filas do sistema de saúde, um sistema degradado e doente que o país mantém é diametralmente oposta. São humilhados, marcados a ferro e fogo e perseguidos pela boca infamante de uma sociedade hipócrita e mesquinha.

 

Quem passou por esta situação, jamais poderá esquecê-la e não por falta de força de vontade, não porque a pessoa não queira esquecer, mas sim, e fundamentalmente, porque ela não pode. Estas situações produzem em nossas almas feridas profundas, feridas que sulcam e transfixam nossos sentimentos. Para os que batem e humilham, o esquecimento pode ser fácil e até conveniente, mas, para os que apanham e são humilhados, sempre resta a dor dos hematomas que nunca param de doer. Uma alma dilacerada pode levar muito tempo para se recompor, e isso, quando a recomposição dos pedaços nos quais a mesma se fracionou é possível. Há pedaços que, indiscutivelmente, nunca mais se juntam. Fica a fissura a demonstrar uma alma combalida pela violência da indiferença, do desrespeito e da ignorância humana.

 

O procedimento investigativo, realizado pelas autoridades policiais é um instrumento informativo, que deve ser conduzido de tal forma a angariar provas que, de certa forma, possam dar uma visão panorâmica do que verdadeiramente possa ter ocorrido, confirmando ou infirmando a notitia criminis. A Delegacia é um ambiente destinado a receber a notitia criminis, processar as informações, determinar que os agentes policiais saiam a campo, na coleta das provas, sempre se pautando pelos princípios fundamentais garantidores da dignidade da pessoa humana, e tudo isso, sob a supervisão de uma autoridade superior, ou seja, o Delegado de Polícia, que preside o Inquérito Policial. O Delegado pode até ter sua opinião pessoal sobre o caso que lhe é apresentado e, evidente que terá, posto tratar-se de um ser humano, dotado de razão e vontade própria, entretanto, esta opinião pessoal não pode interferir no andamento e condução do inquérito policial. Somente o juiz julga, e isso, consoante a legislação e as provas carreadas aos autos.

 

Assim, não compete às autoridades policiais emitirem qualquer tipo de julgamento em relação à pessoa que esteja sendo averiguada, posto que, apenas em tese, a mesma pode ter cometido algum ato contrário à lei. A investigação sempre parte de uma hipótese. A hipótese não traduz juízo de certeza.

 

E o que é a hipótese? A hipótese, consoante o léxico é: Filos. Suposição que orienta uma investigação por antecipar características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação; hipótese heurística. Filos. Proposição que se admite de modo provisório como princípio do qual se pode deduzir um conjunto dado de proposições[3]. Veja a primeira estrutura frásica: “suposição que orienta uma investigação”, portanto, a hipótese é uma suposição. E o que vem a ser uma suposição? Novamente, recorrendo ao mesmo léxico, temos que suposição significa: Ato ou efeito de supor, e supor é justamente valer-se da conjetura, da presunção, da imaginação. Nem sempre a imaginação corresponde à verdade. Aquilo que é engendrado no campo dos sonhos, do imaginário, nem sempre corresponde à realidade fenomenológica que se está investigando. No campo onírico tudo é possível. Pessoas flutuam, as nuvens são feitas de algodão, e tudo o mais. Julgar uma pessoa, julgar um ser humano, requer muito mais do que meras hipóteses e meras suposições. Exige, acima de tudo, certeza.

 

Muitos agentes policiais têm tratado meros suspeitos como criminosos culpados, como se já estivessem cumprindo pena e com sentença penal transitada em julgado. É, deveras, interessante e estarrecedor como a sociedade vem passando por esta inversão drástica de valores, ressalte-se mais uma vez. Quantos policiais militares, também agentes estatais, que, no momento do atendimento de uma ocorrência, não transformam o suspeito em objeto de suas frustrações, inclusive, agredindo fisicamente estas pessoas? Essa é a polícia que está destinada à segurança da população? Que segurança estes policiais podem oferecer? Mormente, quando são um risco para eles mesmos? Um total despreparo é o que se verifica na formação profissional destes agentes estatais. Isso, quando não pensam que estão acima da lei. Sinceramente, esta realidade tem que mudar. O destino e a manutenção da harmonia social dependem disso, ou seja, do abandono destes pseudo-valores, voltando-se, urgentemente, à observância obrigatória dos princípios inerentes à dignidade da pessoa humana.

 

O homem é o sujeito da investigação e não seu objeto. Coisas não têm sentimentos, mas, pessoas sim. Pessoas sentem, se emocionam, se afligem, choram, tem medo, raiva, ansiedade. Ninguém pode avaliar o preço de uma noite de sono tranquilo. Somente aqueles que já perderam uma noite de sono, que a passaram em claro, com medo, com pavor, com raiva pela acusação falsa que pesa nos ombros é que sabem o valor desta noite perdida. Nenhuma soma em dinheiro, prazer ou luxo podem compensar ou equivaler a uma noite de sono tranquilo. Somente pessoas insanas podem pensar em tal barganha.

 

Sinceramente: as pessoas deveriam se sensibilizar mais pelo sofrimento alheio, pois, o sofrimento de nosso semelhante hoje, pode ser o nosso, amanhã.

 

3 - O Bom senso e o respeito pelas garantias constitucionais

 

O bom senso. Eis uma realidade tão pouco percebida e, ainda mais, tão pouco praticada pelo homem moderno. As coisas se tornaram tão dinâmicas e, ao mesmo tempo, tão desumanas, que o homem se esqueceu de que há três regras fundamentais de sabedoria, que devem nortear qualquer decisão, quais sejam: 1a) nunca tome atalhos na vida; 2a) nunca seja curioso e 3a) nunca tome decisões estando sobre a influência de sentimentos fortes como a raiva, a ansiedade e a paixão.

 

As pessoas andam tão sem tempo, que se esqueceram de que, qualquer ato de reflexão exige o transcurso do tempo necessário para que as ideias se organizem e o melhor caminho seja seguido. Diante disso, desta ausência de tempo, se precipitam. E ao se precipitarem, acabam tomando decisões que findam por ocasionar ainda mais transtorno. O desenvolvimento dos mais variados recursos tecnológicos deveria ter gerado ao homem moderno um aumento em seu tempo disponível, para que o mesmo se dedicasse a assuntos de cunho filosófico, buscando entender a si mesmo, pois, somente quanto alcançar o auto-entendimento é que terá condições e recursos de entender o Universo do qual faz parte. A máquina deveria fazer o trabalho pesado, propiciando ao homem moderno dedicar-se mais a si mesmo. Mas, o que ocorreu, infelizmente, foi que a máquina absorveu o homem, “coisificando[4]” o mesmo.

 

Se formos analisar com parcimônia a estrutura do Código de Processo Penal, ver-se-á que, diante dele, o acusado deve merecer o status de pessoa intocável, até que se prove, de forma cabal e sem a menor sombra de dúvidas, que o mesmo realmente praticou o delito cuja acusação pesa sobre o mesmo. Todas aquelas garantias foram criadas e encartadas no ordenamento jurídico, justamente para que o princípio maior, qual seja,o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana[5] da fosse seguido à risca.

 

Infelizmente, nosso ordenamento jurídico vem passando por uma verdadeira fase de discrepâncias, de contrassensos, e de ilogicidades, posto que, as normas criadas não estão sendo seguidas. O mesmo Estado que prometeu zelar por seus administrados, que prometeu instituir e salvaguardar a ordem e a paz sociais, por meio da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, vem falhando em sua promessa desde longa data. Por meio do Contrato Social, contrato supremo muito bem descrito e analisado por Jean Jacques Rousseau, o Estado prometeu a cada cidadão, em troca da perda de parcela de sua inestimável liberdade, em zelar pela integridade da pessoa humana, em todos os seus vértices e desdobramentos, desde o mais singelo, até o mais complexo dos direitos fundamentais, sem distinção, sem discriminação, sem limitação, sem discursos hipócritas e sem demagogia.

 

E é pela luta destas garantias fundamentais que empenhamos todo nosso tempo para a pesquisa, a análise, o diálogo e a reflexão. Somente através das políticas adequadas será possível uma minimização da violência e da criminalidade reinante em nossa sociedade.

 

Ainda nos causa grande tristeza a visão que as pessoas têm dos que são condenados a cumprir suas respectivas penas (restritivas de direitos e/ou privativas de liberdade), condizentes com a modalidade delituosa em que foram aprioristicamente enquadrados, julgados e condenados. A Opinião Pública, como ressaltado acima, é a sobre-pena, que nunca cessa. As pessoas têm a visão equivocada de que condenado tem que sofrer mesmo, tem que pagar, que apodrecer na cadeia. Mas, o que esta mesma sociedade se esquece é que ela própria é uma das responsáveis pelo criminoso real e pelo criminoso em potencial. A sociedade cria seus doentes e depois vira as costas para os mesmos.

 

Este processo oncogênico da criminalidade tem suas raízes lá na abolição do regime escravocrata. A liberdade do negro não representou, na mesma medida e intensidade, sua reintegração ao seio social que outrora o escravizava, muito pelo contrário, o processo de libertação do escravo representou seu abandono à própria sorte. Malvisto e malquisto pela sociedade que o “libertava”, foi obrigado a viver na margem da sociedade burguesa que aflorava. Não se pode perder de vista o fato de que, naquela época, o negro ainda era visto como coisa, como “res”. Foi liberto dos grilhões de ferro da escravidão, mas, preso novamente pelos grilhões imorais da indiferença, da discriminação, do descaso, da violência étnica sem limites.

 

Desta forma, inegavelmente, foi a sociedade que hoje reclama e clama por justiça quem, no passado, fez as escolhas e traçou os caminhos pelos quais foi possível chegar-se ao ponto (caótico) no qual se chegou nos dias atuais. Nós, enquanto seres integrantes da sociedade e enquanto pessoas que escolhem, pelo voto, seus representantes é que fizemos as escolhas equivocadas que, nos dias atuais, tantos transtornos nos causa. Somos nós que, dia após dia, construímos os degraus que deveremos subir amanhã, rumo à nossa evolução, ou o precipício no qual quedaremos, fatidicamente, rumo ao nosso retrocesso. Tudo na vida é um ato de escolha. Certa vez Einstein disse:

 

A vida é como jogar uma bola na parede:

 

– Se for jogada uma bola azul, ela voltará azul;

– Se for jogada uma bola verde, ela voltará verde;

– Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca;

– Se a bola for jogada com força, ela voltará com força.  Por isso, nunca “jogue uma bola na vida” de forma que você não esteja pronto a recebê-la. “A vida não dá nem empresta; não se comove nem se apieda. Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos.

 

Albert Einstein

 

E aqui necessário se faz relembrar as palavras de Antoine de Saint-Exupèry, na obra “O Pequeno Príncipe”: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Somos nós quem construímos os rumos da humanidade. E, se hoje a sociedade se encontra no sistema caótico em que está é porque alguém, ou melhor, todo um conjunto de pessoas fez, no passado, as escolhas erradas. Não permitamos que estas mesmas escolhas erradas sejam refeitas.

 

Assim expôs sua visão, o professor Marco Antonio Vilas Boas:

 

A sociedade brasileira, historicamente, criou as condições para a marginalidade e não é justo que jogue as pedras sem primeiramente solucionar o foco da doença contagiosa. Foi instituída a favelização sem oferecer empregos e meios de sobrevivência aos excluídos, negros, brancos e mestiços. Há necessidade de repressão ao crime – isto ninguém duvida – porém, com critérios humanitários e batendo ao peito: mea culpa. A sociedade brasileira tem esta inestimável dívida para com os excluídos que ela própria criou, principalmente os negros. Não existissem tantas explorações com base na legalidade, tantas misérias ocasionadas pela má distribuição de renda e tanta omissão no atendimento ao povo menos afortunado, certamente as prisões não estariam abarrotadas e o problema carcerário teria um enfrentamento menos hipócrita e mais eficiente. A reeducação, como meta, passaria a ser uma realidade, não para daqui a um milênio, mas para o amanhã próximo. (Boas, 2003, p. 91)

 

Não se tente justificar a injustiça sobre as bases frágeis no falso medo. As leis rígidas, em realidade, elaboradas pela elite, tendem apenas a tentar mascarar a realidade, a realidade de que é esta mesma elite, tão pseudo-apavorada, pseudo moralmente evoluída e pseudo politicamente correta, a verdadeira responsável pelas mais avassaladoras e repugnantes misérias humanas. E entender esta realidade é, inegavelmente, uma questão de bom senso. Entender a realidade e, entendendo-a, compreendê-la e, compreendendo-a, guiar-se consoante este entendimento é princípio salutar de bom senso e de humanidade.

 

Todo efeito tem uma causa que o gerou. Esse fenômeno é conhecido como Lei de Ação e Reação. Nada vem do nada, tudo o que existe vem de algo pré-existente. Este enunciado é consectário da Teoria da Biogênese que, em Biologia, explica a origem da vida no Planeta Terra. Nas relações jurídicas, igualmente, tudo tem uma origem, uma causa, geradora das mais variadas situações, que exigem o concurso das leis para a resolução dos problemas surgidos. Poderíamos chamar isso de Teoria da Biogênese Jurídica. Todo ato jurídico pressupõe a manifestação de uma vontade ou a execução de um determinado ato para que tenha seu nascedouro. Quando o Estado, como dito acima, avocou a si o direito de administrar a vida das pessoas, igualmente, no mesmo sentido e na mesma intensidade, trouxe a si as responsabilidades inerentes a esta função. Uma vez que estamos num Estado de Direito, isso está a significar que, o mesmo Estado que promulga leis, também deve se submeter a elas, caso contrário, instituiríamos o despotismo ou a tirania, tal qual ocorreu em França da Idade Média, com Luiz XIV, quando o mesmo disse “o Estado sou eu”. Desta forma, se a responsabilidade civil é o ramo do direito que liga cada pessoa às consequências de seus atos, liga, outrossim, o Estado, a todos os resultados lesivos que, no desempenho de seu desiderato, tenha causado a outrem.

 

Com muito mais razão, em sede de Direito penal, esta responsabilidade irá aflorar com mais intensidade, posto que, quando a persecutio criminis, ou persecução penal é posta em movimento, a mesma coloca em risco, direitos personalíssimos impostergáveis do ser humano, como dignidade humana, intimidade, honra, vida privada pessoal e familiar, dentre outros direitos. A persecução penal gera para o Estado, uma grande carga de responsabilidade, posto que, o potencial lesivo é bem maior. Quando o Estado se lança na persecução penal de determinado indivíduo, os holofotes da indiscrição são colocados sobre o mesmo, reluzindo e expondo-o em todas as direções.

 

Como já ressaltado, o procedimento investigativo, realizado na fase inquisitorial, que é o momento em que se procede à coleta de provas para a formação do arcabouço acusatório, visando apurar a autoria e materialidade delitivas, transforma-se em momento no qual os maiores deslizes podem ser cometidos pelos agentes estatais. É, certamente, o momento no qual a vida do investigado é revirada de cabeça para baixo. Inúmeras perguntas são feitas, muitas pessoas são interrogadas e, neste orbe de pessoas entram os familiares, os colegas de trabalho, os amigos próximos e todos aqueles que possam ter visto ou saibam de alguma coisa relacionada à notícia do crime. Os familiares saem humilhados, expostos que são à opinião pública, já aos amigos, a estes se abre a oportunidade para as dúvidas, as incertezas, as indagações sem fim. Perguntas do seguinte jaez: Será que fulano fez isso? Será que a pessoa em quem eu tanto confiava seria capaz de tal ato? Será que o mesmo é culpado? Posso continuar confiando nesta pessoa? Será que eu serei a próxima pessoa a ser enganada?

 

Num mundo onde a amizade perde terreno para o egoísmo, para o egocentrismo, para a vaidade descomedida, pequenas dúvidas, infelizmente, fazem naufragar grandes amizades. Se bem que, em verdade, quando uma amizade naufraga, a verdadeira amizade nunca existiu de fato. Vejam que interessante: você faz tudo pelas pessoas, dá o que você tem e o que você não tem. Ajuda a todos indistintamente, dá o suor, e luta lado a lado com seu companheiro do dia a dia, não mede esforços para fazer sempre o melhor e da melhor forma possível. Até aí você é elogiado e aclamado. Mas, quando uma dúvida surge, quando alguma calúnia pesa sobre seus ombros você é imediatamente julgado, condenado, vilipendiado, e posto de lado. E mesmo que você prove sua inocência, as pessoas não fazem absolutamente nada para resgatar aqueles sentimentos belos da amizade e do amor. Realmente, como dizia Einstein: Há duas coisas infinitas: o Universo e a tolice dos homens.

 

Somente as amizades verdadeiras possibilitam que se possa suportar um amontoado de coisas que se fazem presentes em nossas vidas a todo o momento.

 

Mas, retomando a discussão inicial. Quando o processo investigativo encontra-se em curso, as autoridades responsáveis pela presidência do mesmo devem movimentar-se com o maior cuidado possível. Cada passo deve ser meticulosamente dado, justamente, para se evitar nulidades desnecessárias, que são sempre praticadas quando se desrespeita direitos fundamentais da pessoa humana.

 

Desta forma, no momento da investigação, o bom senso deve ser o maior guia dos investigadores. Pautar-se pela lógica e pelo bom senso significa não acreditar em julgamentos preconcebidos ou meros indícios, bem como em não permitir que a comoção social ou o sensacionalismo da mídia possam interferir na apuração da verdade dos fatos[6], que é a verdade formal. O emocionalismo, bem como o sensacionalismo são apenas falsas realidades que conspurcam o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. O bom senso, numa singela definição, traduz-se na necessidade do respeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, bem como no exato entendimento e compreensão da realidade fenomenológica ao nosso redor, de tal forma a se evitar os pré-julgamentos, bem como o grande traidor, que atende pelo nome de preconceito.

 

É muito importante, igualmente, que a autoridade policial não se deixe seduzir pelos holofotes da mídia, deixando aflorar, em seu âmago, o sentimento de autopromoção pessoal e profissional. Inúmeros delegados de polícia, a exemplo de algumas celebridades hollywoodianas, dão a cada passo da investigação criminal, entrevistas coletivas à imprensa, colocando os meios de comunicação de massa, a par de todos os informes e detalhes do caso. Isso não conspurca apenas a lisura e seriedade com as quais o Inquérito Policial deve ser conduzido, mas, fundamentalmente, coloca em risco as garantias constitucionais da vida privada, da honra, da intimidade e, o mais importante, o princípio da presunção de inocência, que devem ser garantidas ao investigado. Assim estabelece o art. 20 do Código de Processo Penal, nestes termos: Art. 20.  A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

 

O artigo citado diz que o sigilo será decretado no Inquérito, sempre que tal medida mostrar-se necessária à “elucidação do fato” ou tal providência for exigida no “interesse da sociedade”. Mas, pergunta-se: onde fica o interesse do investigado (ou indiciado)? Não há no processo investigativo a figura do acusado, designação dada ao suposto autor do fato criminoso apenas nos autos da ação penal, porventura, instaurada. Portanto, em nossa opinião, o artigo 20 do Código de Processo Penal necessita de uma atualização constitucional, para que se inclua a decretação do sigilo, no interesse do acusado e visando salvaguardar sua integridade física e moral, bem como em respeito ao precitado princípio constitucional da presunção de inocência.

 

Portanto, de lege ferenda, o artigo 20 do Código de Processo Penal, em nossa opinião, deveria assim estar (ou ser) redigido: Art. 20.  A autoridade assegurará, no inquérito, o sigilo necessário à elucidação do fato, ou exigido pelo interesse da sociedade, ou ainda o exigir os interesses e segurança do investigado. É a vida do investigado, suposto autor do fato delituoso, que será devassada e exposta ao escárnio público e não a dos membros da sociedade. Alguns podem redarguir, dizendo que, em referida dicção, por nós proposta, do artigo 20 do Código de Processo Penal, deveria, igualmente, estar incluso os interesses da vítima, podendo a autoridade, em decorrência deste permissivo, decretar o sigilo do Inquérito Policial para preservar os interesses desta. Concordamos plenamente com a salvaguarda daquele que, injustamente, foi submetido a um dano, ocasionado pelo comportamento criminoso do autor do fato, mas, os interesses da vítima já se encontram insertos na expressão interesse da sociedade, constante do dispositivo. O que falta mesmo, por parte da lei processual penal é voltar mais seus olhos para os direitos do investigado, que fica desprotegido e lançado numa zona de esfumaçamento, no que diz respeito à garantia e proteção aos seus direitos fundamentais, constitucional e supraconstitucionalmente[7]garantidos.

 

 

 

4 - A prisão cautelar: fábrica de danos morais

 

A prisão cautelar é um dos momentos mais propícios ao desrespeito da dignidade da pessoa humana, dentro do âmbito penal, e, principalmente, à inobservância do fundamental princípio da presunção de inocência e séria possibilidade de mácula da liberdade do indivíduo (status libertatis). O que se vê é uma grande tendência a se requerer, ao juiz, a tão propalada prisão cautelar. São espécies de prisão cautelar: prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP), prisão temporária (possui tempo predeterminado de duração, que será de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco, nos termos do art. 2o, da Lei n.o 7.960, de 21 de dezembro de 1990, nos crimes considerados não hediondos, ou de trinta dias, prorrogáveis por igual período, nos termos do § 4o, do art. 2o, da Lei n.o 8.072, de 25 de julho de 1990, quando tratar-se de crimes classificados como hediondos ou equiparados aos mesmos), prisão decorrente de sentença de pronúncia (nos termos do art. 413 do CPP, com a nova redação que lhe deu a Lei n.o 11.689, de 2008; a sentença de pronúncia diz respeito aos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou seja, os crimes dolosos contra a vida, em sua modalidade tentada ou consumada, que são: homicídio, aborto, infanticídio e induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, todos previstos no Código Penal), prisão preventiva “stricto sensu” (nos termos dos arts. 311 a 316 do CPP; referida modalidade de prisão não possui tempo predeterminado de duração) e prisão resultante de sentença condenatória recorrível que não faculta recurso em liberdade (neste momento, ou seja, quando prolatada a sentença penal condenatória, da qual ainda cabe recurso, o juiz decide se o réu pode ou não recorrer em liberdade; na prática, se o réu permaneceu, durante toda a instrução criminal, em liberdade, comparecendo a todos os atos do processo, sempre que convocado, o juiz permite que o mesmo recorra, sem ter que se recolher à prisão; se permaneceu preso durante todo o transcorrer do processo, nesta condição o juiz mantém o réu, mesmo diante da possibilidade da reforma da decisão, que poderá vir a absolver o acusado). Evidente que a prisão cautelar não pode ser requerida a esmo, posto que para a concessão da mesma, alguns requisitos legais devem estar cabalmente demonstrados e presentes.

 

O grande jurista pátrio Julio Fabbrini Mirabete, assim faz constar em sua obra “Processo Penal”, Editora Atlas, 8ª ed. (1997), p. 384:

 

A expressão prisão preventiva tem uma acepção ampla para designar a custódia verificada antes do trânsito em julgado da sentença. É a prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no Código Penal (art. 42) e que inclui a prisão em flagrante, a prisão decorrente da pronúncia, a prisão resultante da sentença condenatória, a prisão temporária e a prisão preventiva em sentido estrito. Neste sentido restrito, é uma medida cautelar, constituída da privação de liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais de segurança.

 

(...)

 

Mas como ato de coação processual e, portanto, medida extremada de exceção, só se justifica em situações específicas, em casos especiais onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável. (Mirabete, 1997, p. 384)

 

Não obstante isso, o que se tem notado é uma tendência a se requerer a mesma todas as vezes que o clamor público se faça presente, ou, simplesmente, por puro arbítrio das autoridades públicas. De medida excepcional e extremada, apenas possível de se fazer presente em casos muito específicos e mediante o concurso dos requisitos legalmente exigidos para sua decretação, a prisão cautelar tem se tornado medida comum, decretada já na fase inquisitiva, sob o pálido argumento de se estar resguardando a aplicação da lei penal, ou para se evitar que o indiciado se evade do distrito da culpa, ou ainda, por conveniência da instrução criminal, ou ainda, o mais comum dos motivos, que é para a garantiada ordem pública.

 

A questão é que a prisão cautelar é medida excepcional, pois, mesmo diante da suposta autoria e materialidade delitivas, vigora o princípio da presunção de inocência, ou princípio da não-culpabilidade, que determina que a pessoa acusada da prática de determinado crime seja considerada inocente, até a decisão penal condenatória, da qual não caiba mais recurso. Ademais, não basta a mera e simples decretação da prisão cautelar para que a mesma seja considerada legítima e constitucional, sendo necessário que o édito que a decreta, seja devidamente fundamentado, expondo as razões da imposição desta medida extrema. Foi com este entendimento do o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, no HC 83.534/SP, assim fez constar:

 

HC 83534 / SP - SÃO PAULO

HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO

Julgamento: 18/11/2003

Órgão Julgador:  Primeira Turma

Publicação

DJ 27-02-2004 PP-00027

EMENT VOL-02141-04 PP-00869

 

 

Parte(s)

PACTE.(S): MÁRCIA CRISTINA ALVES DE ARAÚJO OU MÁRCIA
CRISTYNA ALVES

IMPTE.(S): JOÃO MANOEL ARMÔA E OUTRO (A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

 

Ementa

PRISÃO PREVENTIVA - EXCEPCIONALIDADE. Em virtude do princípio constitucional da não-culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção. Cumpre interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos. PRISÃO PREVENTIVA - CRIME APENADO COM RECLUSÃO. O fato de o crime ser apenado com reclusão não conduz necessariamente à decretação da prisão preventiva - alcance dos artigos 312 e 313, inciso I, do Código de Processo Penal e 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal. PRISÃO PREVENTIVA - CONCURSO MATERIAL E FORMAL - CONTINUIDADE DELITIVA. O concurso de crimes, quer na modalidade material, quer na formal, e a continuidade delitiva são dados neutros relativamente à prisão preventiva - interpretação dos artigos 69, 70 e 71 do Código Penal, 311 ao 316 do Código de Processo Penal e 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal. PRISÃO PREVENTIVA - FIANÇA. O descabimento da fiança não embasa a prisão preventiva, repercutindo, isto sim, na manutenção da custódia decorrente de flagrante. PRISÃO PREVENTIVA - FUNDAMENTAÇÃO. O pronunciamento judicial em que implementada a prisão preventiva ou negada a liberdade provisória há de estar individualizado ante o caso concreto e fundamentado, mostrando-se imprópria a alusão genérica aos artigos que a disciplinam. PRISÃO PREVENTIVA - INSTRUÇÃO CRIMINAL - SUPOSIÇÃO. A custódia preventiva que vise à regular instrução criminal deve calcar-se em dados concretos, não se podendo supor a prática de atos que objetivem embaraçá-la. PRISÃO PREVENTIVA - AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO SOBRE ANTECEDENTES. Descabe lançar, como fundamento da manutenção da prisão temporária, a ausência, nos autos, de esclarecimentos sobre os antecedentes criminais do envolvido. PRISÃO PREVENTIVA - PROVA DA MATERIALIDADE - INDÍCIOS DE AUTORIA. A prisão preventiva pressupõe o enquadramento nos permissivos legais e constitucionais. A prova da materialidade do crime e a existência de indícios da autoria não servem, por si sós, a respaldá-la. PRISÃO PREVENTIVA - GRAVIDADE DA IMPUTAÇÃO. A pena prevista para o tipo é norteada, em opção político-legislativa, pela gravidade do delito. O potencial ofensivo da conduta não autoriza a custódia precoce, implementada quando ainda em curso o processo revelador da ação penal. PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO - RELAXAMENTO. Uma vez constatado o excesso de prazo, impõe-se o relaxamento da prisão, sendo desinfluente o fato de o processo achar-se na fase de alegações finais. FLAGRANTE - CRIME DE QUADRILHA - ARTIGO 14 DA LEI Nº 6.368/76. O crime de quadrilha, ainda que tipificado no artigo 14 da Lei nº 6.368/76, não está enquadrado como crime hediondo, sendo inaplicável a norma excludente da fiança e da liberdade provisória. (fonte: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp)

 

Portanto, a legalidade, legitimidade e constitucionalidade da prisão cautelar, estão condicionadas ao atendimento de todos os requisitos legalmente exigidos para a modalidade do encarceramento excepcional imposto.

 

 O que deve ser levado em consideração quando da imposição de quaisquer das modalidades prisionais cautelares é a periculosidade do acusado, ou seja, sua potencialidade delitiva, traduzido este conceito na possibilidade de vir o acusado, novamente, estando fora do cárcere, a delinquir, e não na culpabilidade do mesmo, que se traduz em sua efetiva responsabilização pelo evento criminoso noticiado. Afinal, a culpabilidade somente pode ser adequadamente averiguada, após todo o trâmite processual, no qual se tenha garantido ao acusado os direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório, bem como se tenha oportunizado ao Ministério Público, titular da ação penal, desincumbir-se de provar a culpa daquele, por meio da evidenciação da autoria e materialidade delitivas. Portanto, as prisões cautelares são medidas extremas, ou, pelo menos, deveriam ser.

 

Delegados a requerem, o Ministério público, como regra, sempre a pretende fazer presente na vida do investigado ou indiciado. E quantas prisões preventivas não são desnecessariamente requeridas e deferidas neste país? Certamente muitas. E aí fica a questão: uma vez inocentado, uma vez que a vida do preventivamente preso já foi estraçalhada, uma vez que o mesmo já sentiu o peso da humilhação, da vergonha, do julgamento, ou melhor, do escárnio público, quem irá reparar este dano? Este dano que fere a alma deste ser humano, como a flecha que transfixa um coração ainda pulsante? Deverá este dano ficar irressarcido? Deverá o humilhado suportar tudo porque passou, de forma resignada? Até onde o interesse público justifica a humilhação, o desrespeito, a boçalidade, a dor, a angústia? Quantos erros não são cotidianamente cometidos por este tão propalado e indigitado “interesse público”, ou “ordem pública”? Muitos certamente, mas que acabam ficando no anonimato, pois, num país carente de educação de boa qualidade, no qual o analfabetismo funcional ainda impera, as pessoas, infelizmente, desconhecem seus direitos e os deveres do Estado. Mas, isso precisa mudar. 

Será que esse é o preço por se viver em sociedade? A total anulação do indivíduo, da privacidade, da intimidade, da honra, dos direitos fundamentais do mesmo, em detrimento do coletivo! Um coletivo desumano, degradante e quimérico, sempre preocupado com o lucro, com a posse, com bens materiais, que não mede esforços para anular e aniquilar a pessoa humana, quando esta está no caminho de seus mais sórdidos interesses. É este o mundo que pretendemos para nossos filhos? Que desesperador.

 

Ainda não se parou para se refletir na seguinte verdade: é justamente em decorrência de a sociedade ter anulado o “outro”, anulado o próprio semelhante, que o mundo chegou ao ponto desesperador e caótico no qual se encontra. Sempre o coletivo. Mas, que coletivo? Certamente, se fosse um coletivo de todos, a realidade seria outra. O problema é que o coletivo pregado é o “coletivo de uma minoria”. Pasmem o contrassenso. Quando se fala em coletivo, incontinenti, deveria se fazer presente a ideia de todos, e não de poucos. Mas, é justamente para estes poucos, esta minoria, que o vocábulo “coletivo” hodiernamente é usado. O “coletivo”, modernamente, é utilizado para proteger e salvaguardar as minorias capitalistas e políticas que detém o poder, em detrimento de uma grande massa de despossuídos que vagam pelo país. Não podemos mais fazer vistas grossas a esta realidade. Não podemos permitir que a sociedade sofra uma implosão, bem diante de nossos olhos. Precisamos fazer algo. Daí a necessidade de se conscientizar as pessoas de seus direitos.

 

5 - Dos requisitos da prisão cautelar: o risco do dano

 

Bem, como ressaltado, em nosso modesto entendimento, o momento mais delicado da persecução penal é o momento da avaliação do cabimento ou não da prisão cautelar, que se traduz na privação da liberdade do indivíduo, em momento anterior à sentença penal condenatória transitada em julgado (aquela da qual não caiba mais qualquer modalidade de recurso), portanto, uma modalidade privativa da liberdade excepcional, consoante já dito acima. Deveras, o juízo axiológico que deve ser feito para que se requeira esta medida, extravasa o simples cabimento ou não cabimento, a pertinência ou impertinência da medida, mas, se traduz numa questão de humanidade para com a pessoa investigada. Mais do que os requisitos meramente legais, estão em jogo requisitos de ordem moral. Cometer o erro de requerer de forma desnecessária esta medida extrema e, pior, concedê-la, pode produzir danos, que nem mesmo o tempo pode apagar.

 

Reza o Código de Processo Penal, em seu art. 312, o seguinte: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. O que algumas pessoas têm que entender é que, o primeiro núcleo verbal, da estrutura frásica do artigo sob análise diz é que a prisão preventiva “poderá” ser decretada, significando, referido vocábulo, uma possibilidade, faculdade e não obrigatoriedade da imposição da medida extrema. Deste entendimento é o professor Julio Fabbrini Mirabete, que assim faz constar:

 

Pelas razões expostas, na nossa lei processual deixou a prisão preventiva de ser obrigatória para determinadas hipóteses, como se previa na legislação anterior; é hoje uma medida facultativa, devendo ser decretada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos pelo direito objetivo. Embora providência de segurança, garantia da execução da pena e meio de instrução, o seu emprego é limitado a casos certos e determinados; não é ato discricionário e só pode ser decretada pelo juiz, órgão imparcial cuja função é distribuir justiça. (Mirabete, 1997, p. 384-385)

 

Não basta o requerimento feito pela autoridade policial, ou pelo órgão do Ministério Público para que o juiz conceda referido pedido, ou seja, a decretação da prisão cautelar, pois, antes de tudo, deverão estar presentes os requisitos legalmente exigidos para tanto. O não atendimento aos requisitos legalmente previstos para a concessão e manutenção da prisão cautelar (em qualquer de suas modalidades) configura constrangimento ilegal, passível de ser reparado por meio de habeas corpus.

 

A prisão preventiva (modalidade de prisão cautelar) poderá ser requerida para garantir a ordem pública. Eis uma área de infindável discussão. O que é a “ordem pública”? Se a prisão preventiva poderá ser requerida para garantir a ordem pública, isto está a dizer que, referida medida, de caráter excepcional, visa evitar a desordem pública. Mas o que é a ordem ou a desordem? Filosoficamente, a desordem é apenas uma ordem que não me agrada. Muitas coisas podem não me agradar, mas, nem por isso estarem em desordem. Ordenar as coisas de tal forma a possibilitar uma melhor consecução de determinados objetivos, eis uma das grandes metas da existencialidade humana. Nem sempre a ordem estabelecida é a melhor ordem pela qual as coisas estão ordenadas. A palavra ordem assume várias acepções dentro do vernáculo. Eis algumas acepções:

 

[Do lat. ordine.]

S. f.

1 - Disposição conveniente dos meios para se obterem os fins.

2 - Disposição metódica; arranjo de coisas segundo certas relações: ordem alfabética. 

3 - Boa disposição; bom arranjo; arrumação: pôr os livros em ordem; deixar em ordem a casa. 

4 - Qualidade de quem é metódico: Revela muita ordem no seu trabalho. 

5 - Regra ou lei estabelecida: Tais atos não seguem a ordem. 

6 - Tranqüilidade pública resultante da conformidade às leis.

7 - Disciplina, subordinação: manter a ordem. 

8 - Determinação de autoridade; mandado, prescrição, ordenação: ordem superior. 

9 - Documento que autoriza ou determina a execução de uma ação: ordem de pagamento; ordem de serviço; ordem de crédito; ordem de compra. 

10 - Boa administração: cuidar da ordem da empresa. 

11 - Categoria (3): artista de primeira ordem; Procedimento de tal ordem é monstruoso. 

12 - Maneira, modo, disposição: Pôs as crianças em ordem de altura. 

13 - Renque, fila, fileira: várias ordens de ciprestes. 

14 - Classe ou hierarquia de cidadãos: ordem dos sacerdotes; ordem dos militares.  

15 - Classe de pessoas que exercem determinada profissão liberal: a ordem dos advogados. 

16 - Feição especial ou característica da organização política e social: O movimento resultou em nova ordem. 

17 - Série, seqüência: Uma ordem de acontecimentos políticos determinou a revolução. 

18 - Lei, regulamento.

19 - Publicação de leis, regulamentos ou instruções acerca de serviço militar.

20 - Companhia de pessoas que fazem voto de viver sob a autoridade de certas regras: a Ordem de Malta. 

21 - Classe de honra instituída por um governo ou por um soberano, para recompensar o mérito de um indivíduo ou instituição.

22 - Confraria de seculares ligados à Igreja, e que se comprometem a cumprir determinados preceitos exarados em estatuto próprio: a Ordem do Santo Sepulcro. 

23 - Insígnia(s) de membro de uma ordem (21).

24 - Ecles. Sacramento que confere o poder de exercer funções eclesiásticas.

25 - Arquit. Sistema de relações fixas entre as dimensões de certas partes dum edifício, como pedestal, coluna e entablamento: ordem dórica; ordem jônica. 

26 - Biol. Categoria taxonômica compreendida entre a classe e o grupo, e que se subdivide em famílias.

27 - Mat. Ordinal de um elemento de um conjunto ordenado.

28 - Rel. Comunidade católica masculina ou feminina caracterizada pela emissão de votos solenes (v. voto solene) de pobreza, castidade e obediência[8].

 

Ordem, assim, pode ser uma boa disposição, um bom arranjo, uma boa arrumação, uma ordem, um comando. Mas, o que vem a ser o conceito de “ordem pública”, utilizado pelo Código de Processo Penal, como requisito autorizador da concessão da prisão preventiva (modalidade de prisão cautelar), por exemplo? Podemos supor que a “ordem pública”,autorizadora da concessão da prisão preventiva é a “ordem social”, ou seja, a forma como a vida em sociedade, atualmente, está ordenada, ou seja, estruturada em termos de costumes, ordenamento jurídico, regime político, sistema educacional, etc. É para preservar este estilo de vida da sociedade que, em tese, a prisão preventiva é requerida e, se consistente o pedido, deferido, tendo como consequência o encarceramento provisório e indefinido, do acusado. E é justamente a indefinição temporária da prisão preventiva, ou seja, sua duração temporal destituída de prazo, o característico que a torna tão perigosa, do ponto de vista do respeito das garantias fundamentais e individuais da pessoa humana.

 

Quem pode garantir que a atual ordem pública é a mais ideal para ser mantida e para justificar uma medida tão abusiva e brutal quanto uma prisão preventiva? Se a atual ordem de coisas fosse a ideal, talvez não houvesse tanto desemprego e pessoas passando fome, aliando-se a isso um quadro educacional vergonhoso, com políticas voltadas mais aos interesses minoritários das classes burguesas, que estão no poder, do que com a maioria de despossuídos que são todos os dias alijados do sistema e obrigados a viver na margem da sociedade. O sistema lança as pessoas na marginalidade e depois busca políticas mais drásticas para puni-las, quando se tornam marginais, violentas e cometem crimes para poderem sobreviver. Deveras, um contrassenso sociológico muito sério.

 

O que se está querendo dizer com todos estes prolegômenos é que, o quesito “ordem pública”, deve ser encarado com muita ressalva e parcimônia. Alijar um ser humano do seio social, sob a alegação do mesmo ter cometido um delito é algo muito sério, posto que o meio social estará com os olhos voltados para o mesmo, sempre espreitando sua vida, sua dignidade, sua intimidade. E isso é muito sério. A ordem pública, neste caso, deve ser analisada em cada ocorrência fática, pois, somente o caso concreto poderá dizer se, de fato, a ordem pública está em risco. Não é qualquer delito que enseja a decretação da prisão cautelar, mas sim, aquelas modalidades delituosas que denotem um resfriamento de personalidade, com requintes de crueldade e que, efetivamente, coloquem em risco a incolumidade pública. Aqui entrará em cena a análise da periculosidade do suposto autor do fato criminoso. Defendemos que, seria interessante, nas Delegacias de Polícia, haver profissionais especializados em saúde mental (psicólogos e psiquiatras), cuja incumbência seria analisar as características psicológicas do acusado e, mediante a confecção de Laudo Médico, devidamente detalhado, atestar a personalidade do mesmo, isto é, se a pessoa sofre de alguma síndrome de inadequação social ou outra patologia psíquica, que a torne propensa para a reincidência em novas práticas delitivas. De posse de referido Laudo, o juiz terá maiores elementos para fundamentar a decretação da prisão cautelar requeria. Isso, certamente, traria mais segurança jurídica na fase da persecução penal. Sem sombra de dúvidas, a periculosidade, desde que, devidamente constatada, justifica a segregação cautelar do suposto autor do fato criminoso. Nas palavras do eminente jurista Julio Fabbrini Mirabete: “Mas, sem dúvida, está ela justificada no caso de ser o acusado dotado de periculosidade, na perseverância da prática delituosa, quando se denuncia torpeza, perversão, malvadez, cupidez e insensibilidade moral.” (Mirabete,1997:386)

 

Ninguém quer, ainda que seja o mais ferrenho defensor dos direitos humanos, que a sociedade seja alvo de um criminoso em série, como os assassinos seriais (serial killer), por exemplo. Se, infelizmente, para a segurança de uma maioria, a liberdade de uma pessoa deve ser sacrificada, o bom senso exige que referido sacrifício seja executado. Um molestador de crianças, por exemplo, possui um desvio de personalidade que o fará delinquir, sempre que aviste a nova vítima. Caso similar ocorre com um estuprador, cujos antecedentes criminais apontem a existência de várias vítimas. Portanto, o receio da reincidência deve existir. Este receio, entretanto, deve ser real e não meramente possível ou imaginário. Ademais, este receio deve estar ancorado em provas contundentes de que, se o acusado permanecer solto, certamente irá delinquir novamente. É por essa razão que sugerimos linhas acima, a permanência de profissionais da saúde mental nas Delegacias de Polícia, para que possam analisar, caso a caso, individualizadamente. Cada caso deverá ser analisado, como dito e ressaltado acima, com muito cuidado e parcimônia. Pergunta-se: o delito de homicídio enseja a decretação da prisão preventiva? Depende. Várias circunstâncias fáticas podem levar uma pessoa a cometer um delito de homicídio. Pode ser que a pessoa se encontre em legítima defesa, ou estado de necessidade que, como já ressaltado, são circunstâncias que excluem a ilicitude do ato praticado.

 

Desta forma, a interpretação do conceito e requisito legal denominado “ordem pública” é, deveras, uma interpretação que deve ser feita com muita parcimônia e cuidado, posto que, referida interpretação não deve ser feita, consoante meros subjetivismos, mas sim, com espeque na lógica e no bom senso, como ressaltado acima.

 

Outrossim, não se pode confundir risco à ordem pública, com a balbúrdia e o sensacionalismo que a imprensa monta ao redor de certos acontecimentos inusitados, ou seja, aqueles crimes que apresentam maior repercussão. Em cidades do interior, nas quais a população está mais habituada com certa frequência de calmaria, isso é um prato cheio para a imprensa. As autoridades responsáveis pelas investigações, em momento algum, podem se deixar influenciar pelo sensacionalismo. Ausentes os requisitos legais, a prisão preventiva não pode ser mantida.

 

O outro requisito da prisão cautelar, mais especificamente, da prisão preventiva, e, portanto, desta modalidade que é exceção dentro do sistema processual penal, é que a mesma seja decretada por conveniência da instrução criminal. Mas, o que vem a ser a instrução criminal? A instrução criminal traduz-se no encadeamento de atos processuais, tendentes a formar a convicção sobre a culpa do acusado, ou seja, se o mesmo é realmente responsável pelas consequências desencadeadas pela prática do ato ilícito que pesa sobre o mesmo, ou seja, do ato que lhe é imputado, atribuído ao mesmo. A prisão preventiva (modalidade de prisão cautelar), neste caso, objetiva impedir que o acusado frustre a concretização destes atos processuais, tendentes a formar a convicção do magistrado, sobre ser o mesmo autor do fato que lhe é atribuído. Estando o acusado preso cautelarmente, não poderá o mesmo desempenhar qualquer iniciativa tendente a apagar os vestígios do crime, porventura, deixados pela ação criminosa, bem como não poderá novamente investir contra a vítima ou seus familiares, ou coagir e ameaçar testemunhas, ou ainda, evadir-se do distrito da culpa. Ademais, tratando-se de criminoso com personalidade psicopatológica (psicopata[9] ou sociopata[10]), ou seja, pessoa premida por comportamentos antissociais ou associais e imorais, na qual falta o senso de responsabilidade moral ou de consciência voltada para o bem-estar da coletividade, fica evidenciada a preocupação em se estigmatizar esta pessoa do convívio social, sob pena de se permitir que a mesma faça novas vítimas. Claro que a constatação de personalidades psicopatológicas deve ser feita, consoante já dito acima, por profissionais especializados em saúde mental. Portanto, sendo a prisão cautelar uma medida excepcional, deve, igualmente, ser aplicada para casos excepcionais.

 

O outro requisito da prisão preventiva (modalidade de prisão cautelar) visa garantir a ordem econômica. Referido requisito para a decretação da prisão preventiva, apenas se aplica para as modalidades delituosas que atentem contra o sistema financeiro, como os definidos na Lei nº 8.137/90 (define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), Lei nº 7.492/86 (define os crimes contra o sistema financeiro nacional) e a Lei nº 1.521/51 (altera dispositivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular). Em resumo, a decretação da prisão preventiva, visando garantir a ordem econômica, aplica-se apenas aos crimes contra o sistema financeiro, econômico e tributário. Mas, mesmo assim, é um setor do estudo jurídico-penal que somente o caso concreto poderá dizer se a medida é necessária ou não.

 

Finalmente, o último requisito da prisão preventiva é assegurar a aplicação da lei penal. Estando o acusado detido, o mesmo estará impossibilitado de empreender fuga e, desta forma, não poderá frustrar a aplicação da lei penal. Uma vez que haja a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, é dizer, da qual não caiba mais qualquer modalidade de recurso, o mesmo já estará à disposição da justiça para cumprir o lapso temporal previsto e estabelecido em sentença. Entretanto, mesmo diante de todos estes requisitos legais, nada substitui a análise do caso concreto. Por que, uma coisa é certa, o peso da sobre-pena, ou seja, daquela pena informal, imposta pela sociedade, que jamais esquece os erros de seus membros, como ressaltado alhures, é, deveras, pesada. Um erro jurídico pode custar muito caro ao acusado. Custo tão elevado que, não raras vezes, nem mesmo o tempo consegue apagar, pois, sempre haverá um maldoso qualquer à espreita de uma oportunidade para humilhar seu semelhante. Aliás, este sentimento sórdido que o homem tem dentro de seu bojo, de sentir prazer em humilhar seu semelhante, foi algo que sempre causou frustração e indignação em Gandhi. Certa vez ele disse: “Sempre considerei um mistério a capacidade dos homens de sentirem-se honrados com a humilhação de seu semelhante”.

 

É evidente que os interesses da sociedade precisam ser salvaguardados, óbvio ainda, que quando se está tratando de interesses majoritários, alguns expedientes devem ser tomados para que a vontade da maioria seja protegida, entretanto, estes expedientes nunca podem ser de tal ordem a anular a pessoa humana. Lançar o indivíduo numa zona de esfumaçamento e agir como se ele não existisse, certamente colocam em xeque a própria credibilidade do Estado, bem como a ordem e a paz sociais. Isso, certamente, coloca em risco a segurança individual das pessoas.

 

Nenhum indivíduo é tão pequenino ou desimportante, a ponto de sua individualidade e intimidade serem violadas de forma impune. Esta violação, certamente, é uma violência desarrazoada e injustificada, que ganha ares de maior gravidade quando perpetrada pelo Estado, pois é o poder legitimamente constituído pelo povo, cuja função e obrigação legal é proteger seus cidadãos. Uma Nação verdadeiramente forte nunca é maior do que o menor de seus membros. Respeito deve ser a palavra de ordem da vida em sociedade.

 

Certamente muitos despautérios estatais têm sido cometidos sob o pálio do “interesse da maioria”. Muitos discursos demagógicos, bem como políticas desastrosas apresentam tal conceito como pano de fundo e estofo. Quantos desmandos, quantas informações desencontradas. O abuso, em meio à confusão, à falta de ordem e controle e, notadamente, diante do desrespeito da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, encontra veio fértil, por meio do qual possa fluir tranquilamente, maculando assim, anos ou décadas de intensa luta pelo respeito de ditos direitos. Muitos são os que criticam as Comissões de Direitos Humanos, dizendo que as mesmas são exageradas nas reivindicações que fazem, ou que são demasiadamente rigorosas no cumprimento das metas estabelecidas. A estes que criticam, duas palavras temos a dar: primeiro, se o respeito imperasse em nosso meio social, partindo referido respeito das autoridades constituídas, certamente os defensores dos direitos humanos não seriam tão intransigentes. Quando o homem aprender a respeitar seu semelhante de forma espontânea, de forma fraterna, sem qualquer coerção que o obrigue a isso, então estaremos a um passo da aurora de uma humanidade na qual não serão mais necessárias leis, diplomas legais e regras. Mas, este dia, crê-se, ainda está um pouco distante, tomando como parâmetro a atual conjuntura brasileira e mundial. Segundo, se sendo intransigentes ainda há o nível de desrespeito que vislumbramos todos os dias, imaginem se deixassem “correr solto”?

 

A estes dois argumentos, um terceiro poderia se lhes ajuntar, qual seja: somente aqueles que não são vítimas de atos atrozes e bárbaros é que podem taxar os defensores dos Direitos Humanos de radicais e intransigentes. Tão logo a pessoa se torne alvo de tais atos e desrespeitos, clama por alguém que lhe possa vir ao socorro, fazendo cessar, imediatamente, os atos cruéis que se abatem sobre si. De fato, quem nunca apanhou não pode saber qual é a intensidade da dor do golpe sofrido por seu semelhante.

 

A grande verdade é que, se o desrespeito é intenso, se as pessoas que cometem os abusos são veementes no cometimento dos atos contrários aos direitos fundamentais da pessoa humana, necessário é que a sociedade conte com pessoas igualmente intransigentes e turronas na defesa destes mesmos interesses, destes direitos fundamentais e impostergáveis que são a essência do próprio homem. Se ninguém nunca fizer nada por ninguém e se as pessoas não se unirem na defesa de seus pares, pergunta-se: o que será da humanidade? Por essa razão, aplaudo os grupos que se lançam na defesa dos interesses e dos direitos fundamentais de seus semelhantes, rumo à construção de um mundo melhor. Pode até parecer utopia, mas, se ninguém ousar sonhar, o que será deste mundo? Os que sonham transcendem as barreiras do impensável, do incognoscível, do incomensurável para construir um mundo mais decente, mais justo. Como dizia Einstein, uma coisa somente é impossível até que alguém duvida e prova o contrário.

 

O mundo é cheio de possibilidades e é sobre elas e por elas que nós temos forças para continuar a lutar.

 

Quando está em risco a liberdade de um ser humano, todo cuidado é pouco. No momento da investigação de um determinado delito, as autoridades devem se pautar por todos os princípios constitucionais informadores do procedimento investigativo e estarem atentas a todas as garantias da pessoa humana. Até porque, o desrespeito aos direitos fundamentais gera nulidade processual.

 

Diante disso, quando a autoridade está diante do pedido de prisão preventiva, a análise de todos os requisitos processuais deve ser feita com muita atenção e cautela. Além do que, o simples fato de um determinado delito causar certa convulsão social não autoriza a privação provisória da liberdade de um indivíduo. Até mesmo diante de crimes hediondos, como por exemplo, o tráfico de drogas, há casos de concessão de habeas corpus em decorrência do decreto preventivo não conter a necessária fundamentação. 

 

Nesse sentido, assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, 5ª T., Recurso Ordinário em HC nº 15.803-SC; Rela. Min. Laurita Vaz; j. 28/4/2004; v.u., jurisprudência publicada no Boletim da AASP n. 2390, de 25 a 31 de outubro de 2004, p. 3249, cuja ementa é a seguinte:

 

PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL – Acórdão denegatório de writ originário. Interposição de recurso especial. Recurso especial. Erro grosseiro. Não conhecimento. Crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Prisão em flagrante delito. Pedido de liberdade provisória negado, de forma singela, com fulcro apenas no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90. Carência de fundamentação. Precedentes do STJ. Concessão de ofício. 1 – Considera-se erro grosseiro e inescusável a interposição de recurso especial no lugar de recurso ordinário constitucionalmente previsto, razão pela qual não há como conhecer do inconformismo. Precedentes. 2 – Não obstante, nada impede que, formulada e examinada a questão pelo Tribunal a quo, esta Corte Superior conheça de ofício, mormente se há ilegalidade a ser sanada. 3 – A simples alegação da natureza hedionda do crime cometido pelo agente do delito não é per si justificadora do indeferimento do pedido de liberdade provisória, devendo, também, a autoridade judicial fundamentar e discorrer sobre os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes. 4 – Recurso não conhecido, porém, concedida, de ofício, a ordem para que seja concedida a liberdade provisória à paciente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver presa, mediante condições a serem estabelecidas pelo juízo processante, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada. Postulada (STJ – 5ª T.; RO em HC nº 15.803-SC; Rela. Min. Laurita Vaz; j. 28/4/2004; v.u.)

 

A Ministra prolatora desta decisão, em seu voto, assim se manifestou:

 

Ora, sendo a prisão cautelar uma medida extrema e excepcional, que implica em sacrifício à liberdade individual, é imprescindível, em face do princípio constitucional da inocência presumida, a demonstração dos elementos objetivos, indicativos dos motivos concretos autorizadores da medida constritiva.

 

Na hipótese vertente, todavia, como se vê, a decisão baseou-se apenas na vedação contida na Lei dos Crimes Hediondos, sem qualquer outra fundamentação concreta que pudesse justificar a medida restritiva da liberdade.

 

Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes da Colenda Quinta Turma, in verbis:

 

“Ementa: Criminal. HC. Entorpecentes. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Ausência de concreta fundamentação para a manutenção da custódia.

 

Necessidade da medida não-demonstrada. Presença de condições pessoais favoráveis. Tentativa. Tese negativa de autoria. Impropriedade do meio eleito. Ordem parcialmente concedida.

 

Exige-se concreta motivação da decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a custódia processual, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. Precedente.

 

A mera alusão à existência de indícios de autoria não é suficiente para motivar a manutenção da custódia.

 

O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação. Precedentes.

 

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

 

O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de alegações que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como a apontada tese negativa de autoria, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade nos fundamentos da denúncia.

 

Deve ser concedida, em parte, a ordem para revogar a prisão cautelar efetivada contra C.F.M., determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presa, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

 

Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator”. (HC nº 23738/SP, Rel. Min. Gilson Dip, DJ de 3/2/2003, p. 336)

 

“Ementa: Penal e processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Duplo homicídio qualificado. Prisão em flagrante mantida pela sentença de pronúncia. Pedido de liberdade provisória. Ausência de fundamentação.

 

O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado.

 

A qualificação do crime como hediondo não dispensa a exigência de fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória. (Precedentes).

 

Recurso provido para conceder a liberdade provisória ao recorrente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada”.(RHC nº 12841/PR, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 21/10/2002, p. 374)

“Ementa: Processual penal. Habeas corpus. Tráfico de drogas. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Indeferimento. Fundamentação. Excesso de prazo.

 

I – O eventual excesso de prazo provocado pela própria defesa não constitui constrangimento ilegal (Súmula nº 64-STJ).

II – Mesmo em sede de crimes hediondos, o indeferimento da liberdade provisória não pode ser genérico, calcado em mera repetição de texto legal ou, então, na gravidade do delito (Precedentes).

 

Habeas corpus concedido”.(HC nº 15176/RJ, Rel. Min. Felix Fisher, DJ de 13/8/2001, p. 185)

 

Ante o exposto, não conheço do recurso especial, porém concedo de ofício a ordem para que seja concedida a liberdade provisória à paciente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver presa, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º Grau, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada.

 

É como voto.

 

Laurita Vaz

Relatora

 

Desta forma, como se infere do julgado, eruditamente redigido, pela Douta Ministra Laurita Vaz, a prisão cautelar, dada sua excepcionalidade, dada sua gravidade, posto atingir direito fundamental da pessoa humana, qual seja, sua liberdade, exige ampla e profunda fundamentação. Pegue-se como exemplo os crimes hediondos. O simples fato de uma determinada conduta delitiva estar inserida no rol estabelecido pela lei 8.072/90 não é motivo suficiente para a decretação desta medida excepcional.

 

Se a denegação do pedido de liberdade provisória, bem como a determinação de que a prisão preventiva seja decretada, estivem desfundamentadas, ou estiverem respaldadas em argumentos frágeis e insubsistentes, cabível será o remédio do habeas corpus para que a ilegalidade cesse.

 

Assim, para que a prisão preventiva seja decretada e mais, para que possa produzir efeitos, necessário que, além dos requisitos legais previstos para tal medida, esteja também presente uma boa fundamentação.

 

Neste mesmo sentido, assim se pronunciou o Ministro do STJ, Gilson Dipp, 5ª Turma, no Resp nº 562.613-RS, julgado de 18/11/2003, publicado no Boletim AASP nº 2387, pág. 3225, nestes termos:

 

CRIMINAL – Recurso Especial. Entorpecentes. Liberdade provisória. Manutenção da prisão. Necessidade da medida não demonstrada. Recurso conhecido e desprovido. I – Exige-se concreta motivação para a decretação de prisão cautelar, mesmo em se tratando, em tese, de crime hediondo, pois a determinação de custódia deve fundar-se em fatos concretos que indiquem a necessidade da medida, atendendo aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. II – Recurso parcialmente conhecido, mas desprovido (STJ – 5ª T.; Resp nº 562.613-RS; Rel. Min. Gilson Dipp; j. 18/11/2003; v.u.).

 

(...)

 

O recorrente sustenta, em síntese, que a revogação da custódia cautelar do recorrido é inviável, com base, exclusivamente, no fato de que o crime em tese cometido está dentre aqueles relacionados como hediondos.

 

Contudo, o simples fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não é suficiente para a caracterização da medida como necessária. A determinação de custódia deve ser fundada em fatos relevantes que efetivamente indiquem que a prisão se faz necessária, atendendo aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal e da jurisprudência dominante, ainda que se cuide de crime hediondo.

 

Diante do exposto, conheço do recurso, para negar-lhe provimento.

 

É como voto.

 

A fundamentação das decisões judiciais, além de ser um imperativo constitucional, previsto no inciso IX, do art. 93 da CF/88, é uma garantia de segurança jurídica, pois, pela fundamentação, a pessoa tem condições de saber por quais razões está sendo privada de sua liberdade.

 

Acerca da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, já tivemos a oportunidade de aduzir o seguinte entendimento:

 

Apontamentos acerca da necessidade de fundamentação das decisões judiciais dos requisitos da sentença[11]

 

A sentença é o momento processual pelo qual o juiz poderá resolver o mérito da causa que lhe é submetida. Isso quando estamos diante do processo civil. Diz-se “poderá”, porque referida resolução do mérito apenas é possível, caso os requisitos legalmente necessários para esta finalidade estejam presentes. Pode ser caso de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267 do CPC. A resolução do mérito da causa dar-se-á nas hipóteses do art. 269 do CPC. Esta a pretensão das partes e do próprio Estado.

 

Ocorre que, a sentença, como todo ato processual, deve apresentar alguns requisitos para que seja válida. Estes requisitos são: relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo (inc. I, do art. 458, do CPC); motivação ou fundamentação, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito (inc. II, do art. 458, do CPC) e o dispositivo (decisão), em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem (inc. III, do art. 458, do CPC). No processo penal, na parte da sentença destinada ao relatório, o juiz fará uma síntese da denúncia, peça processual de competência do Ministério Público, na qual o mesmo descreverá o ato que considera típico, é dizer, tipificado no Código Penal e/ou na legislação penal esparsa brasileira como crime, bem como descreverá, em forma sintetizada, os argumentos da defesa. Lembre-se, por oportuno, que, em sede de processo penal, vigora o princípio da correlação entre sentença e denúncia.

 

Façamos agora, uma incursão no processo penal, e analisemos quais os requisitos da sentença penal. O artigo que os traz referidos requisitos é o art. 381 do CPP. O art. 381 do CPP diz que “a sentença conterá”: I – os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e da defesa; III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV – a indicação dos artigos de lei aplicados; V – o dispositivo; VI – a data e a assinatura do juiz. O inciso I diz que a sentença deve conter o nome das partes, ou quando isso não for possível, as indicações que sejam necessárias e suficientes para referida identificação. Como se sabe, a pena não passará da pessoa do condenado, este princípio decorre do princípio da individualização da pena. Somente a pessoa que cometeu um determinado crime, poderá ser submetida às penas previstas para o mesmo. Houve um tempo em que, deveras, a pena atingia toda a família do condenado. Felizmente, este tempo se foi. Diante disso, é necessário que conste na sentença o nome do condenado, ou, pelo menos, os sinais característicos por meio dos quais se possa identificá-lo. Estes sinais característicos são aspectos físicos, como cor de cabelo, dos olhos, cor da pele, ou ainda a alcunha pela qual o mesmo é conhecido, muitas vezes, nos meios policiais ou na sociedade em que reside. O importante é que a pessoa certa seja a destinatária da pena imposta. Deve conter ainda a exposição sucinta da acusação e da defesa (inc. II, do art. 381, do CPP), isso porque, ao decidir, o juiz terá que optar por uma das teses que foram expostas nos autos, quais sejam a tese da acusação, por meio da qual o Ministério Público buscará elementos que convençam o magistrado de que no caso submetido ao mesmo estão presentes os requisitos da materialidade e da autoria delitivas; e a tese defensiva, por meio da qual o acusado buscará os elementos nos quais dá embasamento ao seu pedido. Sem acusação não há que se falar em ação penal. Sem a devida defesa, o Estado não proporciona ao cidadão os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa e com isso o princípio do devido processo legal (due processo of law), logo, sem estas garantias, o processo é nulo em sua totalidade.

 

O processo deve funcionar por uma forma estruturalmente dialética, é dizer que, o resultado final é uma síntese da tese apresentada pela acusação, primeira a se manifestar no processo, sendo, na ação penal pública incondicionada e na condicionada à representação, o órgão ministerial quem oferece a denúncia (analogicamente com o processo civil seria a petição inicial); e a antítese (ou anti-tese, ou seja, os argumentos que se contrapõem à tese), apresentada pela defesa. Na defesa, o acusado terá a oportunidade de analisar a acusação que pesa sobre o mesmo e, por conseguinte, a imputação de qual crime é endereçada ao mesmo. Diante das provas que a acusação oferecer, a defesa terá a oportunidade de se contrapor às mesmas. O juiz, portanto, ao fazer um relatório sucinto das teses conflitantes apresentadas por ambas as partes, estará, ao mesmo tempo, traçando o rumo do processo cognitivo que está adotando. Lembre-se, ademais que, o relatório poderá ser sucinto, o que não dispensa o magistrado de fazê-lo.

 

Ainda na sentença, o juiz deverá fazer “a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão” (inc. III, do art. 381, do CPP). Este ponto é de fundamental importância, o que merecerá de nossa parte algumas linhas mais delongadas e detidas acerca de referida temática, qual seja a da FUNDAMENTAÇÃO da decisão judicial.

 

A necessidade de fundamentação, ademais, é uma exigência constitucional, que assim faz constar no inc. IX, do art. 93 (CF/88): “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;” (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional n. 45, de 08.12.2004, DOU 31.12.2004)

 

A fundamentação serve para que se possa saber qual foi o juízo lógico, ou silogismo, utilizado pelo magistrado para chegar ao resultado expresso na parte dispositiva da sentença. Ao fundamentar, o magistrado diz em quais fatos, em quais provas ou em quais dispositivos de lei, o mesmo conduziu sua cognição, para chegar ao resultado expresso na mesma. E se o juiz estiver trilhando um caminho incognoscível, ou seja, que não pode ser explorado pelo pensamento, pelos atuais estágios dos vários ramos do conhecimento humano? E se a decisão estiver fundamentada em dispositivos de lei já revogados ou declarados inconstitucionais? Para isso serve este requisito da sentença.

 

Sem fundamentação a segurança jurídica é posta em xeque. E o processo não é um jogo, no qual a sorte dos contendores é decida por um lançar de dados. Aquele que vence, tem que saber por que venceu, e o que teve sua pretensão indeferida ou julgada improcedente, tem o direito de saber por que determinado resultado lhe foi desfavorável.

 

Neste momento, transcreveremos alguns excertos de copioso artigodenominado “Sentença civil: Motivação”, da lavra da professora Márcia Fratari Majadas, publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n. 22, MAR/ABR de 2003, p. 30, nestes termos:

 

“SENTENÇA CIVIL: MOTIVAÇÃO – Márcia Fratari Majadas

A CF determina que as decisões sejam judiciais fundamentadas: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e motivadas todas as decisões (art. 93, IX, CF/88), resguardando assim a efetividade do devido processo legal, permitindo o seu controle por meio da publicidade e transparência”. Pela análise da motivação, afere-se a legalidade, a efetividade e a imparcialidade do juiz, com a finalidade de manter a paz social.

3. Requisitos essenciais da sentença quanto à estrutura

3.2. Motivação da sentença – fundamentos

Os fundamentos da sentença devem demonstrar as razões pelas quais o juiz acolheu ou rejeitou o pedido. A exigência da declaração dos fundamentos da decisão encontra-se disposta no inc. IX, do art. 93, da CF/88. Não são admitidas sentenças que não façam referência aos motivos pelos quais o juiz acolheu ou não uma prova. A fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e, se for o caso, interpor recurso, fundamentá-lo adequadamente, demonstrando os equívocos da sentença.

A fundamentação também possibilita ao órgão de segundo grau entender os motivos que levaram o julgador de primeiro grau a dar ou não razão ao autor.

O juiz deve demonstrar as razões de seu convencimento, uma vez que a sentença deve ser o resultado do raciocínio lógico, assentado no relatório, no fundamento e no dispositivo.

3.3. A motivação da sentença no direito luso-brasileiro

Motivar as sentenças judiciais é uma tradição do direito luso-brasileiro, previstadesde o Código Filipino, 8 que dispunha: “E para as partes saberem se lhes convém apelar, ou agravar das sentenças definitivas, ou vir com embargos a elas, e os Juízes da mor alçada entenderem melhor os fundamentos, porque os juízes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaisquer outros julgadores, ora sejam Letrados, ora não sejam declarem especificamente em suas sentenças definitivas, assim na primeira instância, como no de apelação, ou agravo, ou revista, as causas em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou a confirmar ou revogar”.

É fato que a motivação da sentença continuou a ser uma exigência no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo após a independência do Brasil, seja com a portaria de 31.03.1824 e com o art. 232 do Regulamento 737 de 1850, que dispõe: “A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando, com precisão, o seu julgado e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou estilo em que se funda”.

O atual CPC, no inciso II, do art. 458, exige como requisito da sentença, sob pena de nulidade, que o juiz mencione os fundamentos de fato e de direito.

A motivação da sentença envolve não só a necessidade de comunicação judicial,o exercício de lógica e a atividade intelectual do juiz, mas também a submissão do ato processual ao estado de direito e às garantias constitucionais previstas no art. 5º da CF/88 (imparcialidade do juiz, publicidade das decisões judiciais e legalidade na decisão judicial).

Assim, tal obrigatoriedade, em 1988, foi classificada como preceito constitucional,conforme o disposto no inc. IX, do art. 93 da CF/88.

3.4. O preceito constitucional da motivação da sentença e o devido processo legal

Preleciona ARENDT 12 que: “O Poder não é arbitrariedade, mas corresponde à capacidade humana não somente de agir mas de agir de comum acordo. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se considera unido. Quando dizemos que alguém está no poder, queremos dizer que está autorizado por um certo número de pessoas a atuar em nome delas”.

Os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e, motivadas todas as decisões para resguardar a efetividade do devido processo legal, permitir seu controle, por meio da publicidade e transparência impostas; o que identifica o dever de motivar, conforme dispõe o inc. IX do art. 93 da CF/88.

A falta de motivação das decisões jurisdicionais e administrativas do Poder Judiciário acarreta a pena de nulidade.

A motivação da sentença proporciona às partes alcançar a efetividade do direitode ação e aferir a justeza dos argumentos, a imparcialidade do juiz, a legalidade da decisão, a efetividade do contraditório, além de permitir-lhes o controle do processo quanto ao modo como o Poder está sendo exercido. Na lição de CONOGLIO, 13 “A possibilidade de controlar” os pressupostos valorativos da “escolha” efetivada, por meio do filtro da motivação, é um fator de incondicionada fidúcia do cidadão no órgão jurisdicional, ou como preleciona WATANABE 14 – não se organiza justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, políticas, econômicas e culturais, o que significa garantir o processo, com procedimento adequado (devido processo legal).

O devido processo legal, na definição de FREDERICO MARQUES: 15 “é o direito ao processo, como actus trium personarum e suas diversas implicações essenciais: a garantia do direito de ação de par com a garantia de defesa, a adoção do contraditório processual, a eqüidistância do juiz no tocante aos interesses em conflito, como órgão estatal desinteressado, justo e imparcial”.

Essas garantias prevalecem ao longo de todas as fases processuais. Para que se concretizem, é preciso examinar dois aspectos fundamentais: o substantive due process e o procedural due process. Pode-se considerar como devido processo legal, do ponto de vista do legislador, aquele que assegura um processo, com procedimento adequado, a realização plena do direito material, previsto na legislação ordinária, e de todos os valores e princípios certificados às pessoas pelo Direito Positivo e pela CF.

Por meio da motivação, avalia-se a legalidade da decisão do juiz, a efetividade do contraditório, a imparcialidade do juiz, dentre tantos outros princípios, como instrumentos para conferir a efetividade do direito à ação.

O texto constitucional de 1988 é claro: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (CF/88, art. 93, IX).

3.5. Princípios da imparcialidade do julgador, da legalidade das decisões e da ampla defesa – obrigatoriedade da motivação

A obrigatoriedade da motivação da sentença pelo juiz garante a efetividade de vários princípios, tais como o da imparcialidade, o da legalidade das decisões, o da ampla defesa e o do contraditório.

3.5.1. Imparcialidade

Não só o juiz deve ser imparcial. A imparcialidade deve ser exercitada em qualquer decisão concreta. A decisão não é imparcial em si, mas enquanto demonstre ser. A relação com a obrigatoriedade de motivar é intuitiva: se a decisão não motivada pode, indiferentemente, ser parcial ou imparcial, somente por meio da motivação pode ser revelada a parcialidade e, então, garantida a imparcialidade.

Leciona TARUFFO, 17 que: “a fundamentação da sentença se insere no princípio do devido processo legal trazido de forma expressa no direito constitucional brasileiro (art. 93, IX, da CF/88) e é sem dúvida uma grande garantia de justiça quando consegue reproduzir exatamente o caminho lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão”.

3.5.2. Legalidade das decisões

Quanto à legalidade das decisões, todos os poderes estão sujeitos à lei, no Estado de Direito. As opções valorativas que o ordenamento jurídico concede ao julgador, ora acolhendo o princípio da livre apreciação das provas, ora remetendo-o a conceitos jurídicos indeterminados, como o de interesse público, bons costumes, fins sociais a que a norma se destina, exercício regular do direito, tornam, cada vez mais, necessária à motivação da sentença.

Assim, pode-se avaliar a discricionariedade do magistrado, na lição de TARUFFO,La Motivazion: “A legalidade da decisão deve poder ser verificada em todos os casos concretos, mediante o exame das razões com base nas quais o juiz afirma haver aplicado a lei, para conseguir resultados. A decisão deve ser legal... significa obrigação, para o juiz, demonstrar que o princípio da legalidade foi efetivamente respeitado”.

3.5.3. Ampla defesa e contraditório

Os regramentos ampla defesa e contraditório, no dizer de FAZZALARI, consistem na participação dos interessados “em pé de simétrica igualdade” ao longo de todo o arco do processo, com adequados poderes, nos quais se articula a inviolabilidade do direito de defesa, “estabelecendo” entre litigantes e magistrado o circuito de discurso, de arrazoamento.

Enfim, a obrigatoriedade da motivação é correlata ao direito das partes de influir sobre a decisão, em condições de igualdade, valendo-se de todos os instrumentos fornecidos pelo ordenamento processual para o exercício das próprias razões.

3.6. O dever constitucional de motivar – o controle democrático difuso

No Estado de Direito, é fundamental que haja condição de exame das decisões para que toda pessoa interessada possa compreender a razão que levou o julgador a decidir de tal ou qual maneira.

3.7. A motivação da sentença civil em seu aspecto endoprocessual

A função endoprocessual consiste em permitir que as partes exercitem o direito de recorrer, partindo do conhecimento das razões que levaram o iudex a tomar esta ou aquela decisão. A função endoprocessual da fundamentação facilita aos juízes de instância superior a análise das decisões dos julgados de primeiro grau, que lhes são submetidas a exame via recursal. Descortina controle mais apropriado dos atos decisórios, submetidos a uma nova apreciação.

BARBOSA MOREIRA 19 explica: “Não é a circunstância de estar emitindo a última palavra acerca de determinado litígio que exime o órgão judicial de justificar-se. Muito ao contrário é nesse instante que a necessidade de justificação se faz presente: o pronunciamento final, exatamente porque se destina a prevalecer em definitivo e nesse sentido representa a expressão máxima de garantia, precisa, mais do que qualquer outro, mostrar-se apto a corresponder à função delicadíssima que lhe toca. Não é admissível que a garantia se despoje de eficácia, no momento culminante do processo mediante o qual é chamado a atuar”.

3.8. Vícios da sentença – ausência dos chamados requisitos essenciais da sentença

Na falta de um dos requisitos essenciais, a sentença é nula. A CF deixa claro que a sentença deve ser fundamentada, sob pena de nulidade.

Cabe anotar que o reconhecimento da nulidade, por ausência de fundamentação,por ser matéria de ordem pública e, portanto, fora do campo de disponibilidade das partes, pode e deve ser decretada de ofício, 20 e que a ausência de assinatura na decisão, exigência do art. 164 do CPC, torna o ato mais do que inválido isto é inexistente.

Nos casos de sentença mal fundamentada, em que o juiz se equivocara ao apreciar questões, de fato ou de direito, que lhe foram submetidas e, em conseqüência, errou na aplicação de dispositivo legal, não incide em sanção de nulidade: a sentença estará errada, mas será válida. Poderá ser reformada em Superior Instância, sob melhor apreciação das quaestiones facti e das quaestionesiuris, mas não anulada.

A fundamentação sucinta não torna nula a decisão, conforme julgou o STJ, no REsp 2.227, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU 30.04.1990. Da mesma forma, o REsp 19.661, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Ac. de 12.05.1992 e STJ, REsp 10.670, MG, 3ª T., Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJU 25.11.1991.

Quanto à ausência de fundamentação, por se tratar de requisito essencial, acarreta nulidade do ato judicial. Arts. 165 e 458 do CPC (STJ, REsp 14.609, 3ª T., Rel. Min. NILSON NAVES, DJU 13.04.1992).

Em resumo, a falta de qualquer dos elementos essenciais ditados pelo art. 458 do CPC, “instituídos não apenas no interesse dos litigantes, mas também no interesse público”, acarreta a nulidade da sentença.”

 

Como se percebe várias são as razões que tornam necessária a fundamentação da sentença. É uma garantia tanto para o Estado de Direito, como para as partes que compõem a relação processual. Se a sentença não está fundamentada, isso fere o princípio do devido processo legal. Num eventual recurso, a parte que pretende recorrer, não sabe nem por onde começar a confecção de seu recurso, posto que não sabe por qual razão sua pretensão foi indeferida. Tudo o que se disse acerca da motivação em sede de processo civil, serve, ipsis litteris para o processo penal.

 

Graves são os transtornos decorrentes de uma sentença defeituosa.Alguns podem argumentar que a sentença recorrenda é sucinta, no caso de ausência de fundamentação. Claro que referido argumento não convence, posto que, uma sentença sucinta ou concisa não deve deixar de ser fundamentada.

 

Somente se pode aquilatar a validade de uma sentença por meio de sua fundamentação. É necessário se conhecer os caminhos que o magistrado percorreu para chegar a tal ou qual resultado.

 

A sentença que padece de qualquer dos requisitos encartados no art. 458, do CPC, ou no caso do processo penal, do art. 381 do CPP, é ilegal, inconstitucional e é um grande risco à segurança das relações jurídicas. Uma sentença assim é nula, sem qualquer efeito, posto ser um verdadeiro desastre processual.

 

Por um ato de lógica processual, tem-se que, os efeitos do reconhecimentode uma nulidade, devem retroagir até o ato declarado nulo. Como o processo é uma concatenação lógica de atos processuais que se formam para uma determinada finalidade, tem-se que, a nulidade a ser declarada retroativamente até o ato declarado nulo.

 

Apenas complementando o entendimento acima esposado, uma opiniãode peso se mostra interessante. Acerca da necessidade de fundamentação das decisões judiciais (tanto cíveis, quanto penais e demais sentenças de outras esferas), assim se manifesta o Ministro Athos Gusmão Carneiro, em seu artigo “Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada – conceitos – nulidades”, publicado na Revista Judiciária n. 216, OUT/1995, p. 5, nestes termos:

 

“Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada – conceitos – nulidade.

(Athos Gusmão Carneiro)

(Publicada na RJ n. 216 – OUT/1995, p. 5)

Ministro jubilado do STJ. Advogado

 

1. É da Constituição e das leis a necessidade de serem as decisões judiciais fundamentadas:

 

“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade...” (CF, art. 93, IX).

“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” (CPC, art. 131).

“As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais serão fundamentadas, ainda que de modo conciso” (CPC, art. 165).

“São requisitos essenciais da sentença:

I – ...;

II – Os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – O dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem” (CPC, art. 458).

“A sentença conterá:

...

III – A indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

IV – A indicação dos artigos de lei aplicados” (CPP, art. 381).

 

2. Discutem os doutos os porquês da exigência de que o juiz motive a sentença. CALAMANDREI e TARUFFO, embora por caminhos diversos, entendem que a decisão judicial resulta de um apriorístico sentimento, e a motivação seria, destarte, uma forma lógica para controlar, “à luz da Razão, a bondade de uma decisão fruto de sentimento” (PIERO CALAMANDREI, Processo e Democracia. Pádua, 1952, p. 102; MICHELE TARUFFO, La Motivazione della Sentenza Civile. CEDAM, 1957).

Discordou LIEBMAN, para quem a obrigatoriedade da fundamentação será inerente ao próprio “Estado de Direito”, pois neste:

 

“... tem-se como exigência fundamental que os casos submetidos a juízosejam julgados com base em fatos provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que percorreu para chegar à decisão a que chegou. Só assim a motivação poderá ser uma garantia contra o arbítrio ... (omissis) ... . Para o direito é irrelevante conhecer dos mecanismos psicológicos que, às vezes, permitem ao juiz chegar às decisões. O que importa, somente, é saber se a parte dispositiva da sentença e a motivação estão, do ponto de vista jurídico, lógicos e coerentes, de forma a constituírem elementos inseparáveis de um ato unitário, que se interpretam e se iluminam reciprocamente” (“Do Arbítrio à Razão. Reflexões sobre a Motivação das Sentenças”, Rev. de Processo, RT, 29/79).

 

Rigorosa obrigação, moral e jurídica do juiz é expor as razões pelas quaisdecide (LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro. 2ª ed., v. III. Konfino, 1948, n. 13), pois a sentença é ato de vontade, que se assenta num juízo lógico, em ato de justiça, da qual devem ser convencidas não somente as partes como também a opinião pública (AMARAL SANTOS, Comentários ao CPC. 4ª ed., v. IV. Forense, n. 324). A sentença é um ato de vontade que representa o epílogo de um ato de inteligência, como disse CARNELUTTI (apud JOSÉ ALBERTO DOS REIS. Processo Ordinário e Sumário, 2ª ed., v. I, 1928, p. 218 a 227).

Refere ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, ilustre magistrado em Minas Gerais, que:

 

“... a motivação da sentença é a garantia da própria administração da Justiça, para que não só as partes, mas todos os cidadãos possam saber, exatamente, que a sentença não foi a pura e simples aplicação do arbítrio. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA dá-lhe tamanha importância que chega a dizer expressamente: É conveniente a inclusão, na Constituição da República, de dispositivo que consagre em termos expressos o princípio da obrigatoriedade da motivação”. (Com. ao CPC. Forense, 2ª Coletânea, v. 3, tomo I, 1980, n. 278).

 

Mestre BARBOSA MOREIRA, em artigo publicado já em 1978, realmentepugnou pela inclusão, em nível constitucional, de preceito tornando obrigatóriaa motivação das decisões judiciais, inclusive para permitir o controle não apenas endoprocessual dos provimentos, mas também aquele controle “generalizado e difuso” da opinião pública, quisquis do populo, sobre o modo de funcionamento do mecanismo assecuratório da tutela jurisdicional (“A Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Inerente ao Estado de Direito”, Rev. Bras. de Dir. Processual. Forense, v. 16/111).

Esta, diga-se, foi a posição de JOÃO MONTEIRO sobre o direito de os jurisdicionados conhecerem os motivos das sentenças, porque só assim poderão eles ajuizar se justiça foi ou não feita, e só na justiça reside a utilidade pública dos decretos daquele poder, e, portanto, a sua legitimidade (Teoria do ProcessoCivil, 6ª ed. atualizada, tomo II. Borsoi 1956, § 193.2).

Em comentando a vigente norma constitucional (CF, art. 93, IX), afirmou MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO que a exigência de fundamentação é um obstáculo ao arbítrio, que repugna ao Estado de Direito, mesmo que exercido por juízes. E refere com remissão a ADA PELLEGRINI GRINOVER a lição de GIUSEPPE BETTIOL, de que se trata de mais uma das garantias predispostas pelo Estado de Direito como tutela das liberdades individuais (Coment. à Const. Brasileira, 1ª ed., v. II. Saraiva 1992, p. 199).

13. Cumpre, pois, aos magistrados, o empenho máximo no evitar que questão relevante à defesa do direito de qualquer dos litigantes reste sem apreciação, impedindo assim que a parte sucumbente venha a argüir a nulidade da sentença ou do acórdão”.

 

Portanto, como se percebe a fundamentação não é apenas um requisito de validade da sentença, é mais do que isso, é uma obrigação do juiz, um direito do cidadão e uma garantida do estado democrático de direito, que prima pelas decisões lógicas, coerentes e respaldadas na lei em vigor, é dizer no direito posto. Deplora-se a abritariedade, pois esta sempre foi característica da tirania e da barbárie, qualidades recorrentes nos estados despóticos.

 

a) Fundamentação das decisões – garantia da racionalidade e da legitimidade do poder

 

O ato de julgar é um ato racional, posto que envolve uma atividade do intelecto humano. Ao julgar, o resultado que for dado ao caso concreto deverá ser o resultado de processo lógico, como já dito alhures. Portanto, para ser válido, do ponto de vista legal, lógico e filosófico, referido ato deve ser fundamentado. A não ser assim, a solução a ser dada ao caso concreto passa a ser expressão de puro capricho e das nefastas idiossincrasias do julgador.

 

Ademais, inquestionavelmente, o ato de julgar é um ato de poder, posto que, apenas alguém, ou um órgão eleito para esta finalidade, pode vir a ter suas decisões acatadas pelos demais. Se este poder não for legítimo, transformar-se-á num ato despótico, arbitrário e totalitário, o que não é próprio de uma democracia.

 

Portanto, a fundamentação das decisões judiciais garante a racionalidade das decisões, bem como legitima o poder.

 

O primeiro princípio que deve ser observado no tocante às decisões judiciais, é o “princípio da fundamentação das decisões”.

 

Trazemos à colação o escólio do professor Eduardo Luis Cabette, que assim faz constar:

 

“2.2.9. PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Certamente relacionado com o anterior, está este importante princípio constitucional do processo previsto no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal. A motivação das decisões tem dois aspectos relevantes, um endoprocessual e outro extraprocessual. Sob o aspecto endoprocessual, a motivação possibilita às partes o conhecimento dos motivos e fundamentos que levaram àquela decisão, possibilitando sua devida impugnação e crítica. Já no aspecto extraprocessual, a motivação dá uma certa sociabilidade às decisões, ou seja, atrelada à publicidade, possibilita à população em geral o conhecimento dos motivos que levaram a ser tomada determinada decisão, legitimando a função jurisdicional”. (Cabette,2002:31-32)

 

O princípio da fundamentação das decisões judiciais serve, repise-se mais uma vez, para garantir a racionalidade e a proporcionalidade das decisões que são proferidas pelos órgãos judiciais. Não visão moderna do processo penal, que deve ser permeado por um viés eminentemente garantista, todas as garantias fundamentais devem ser respeitadas e os princípios observados. Estes direitos fundamentais e estes princípios norteadores do devido processo legal, estão previstos na espinha dorsal de todo o ordenamento jurídico, a pedra fundamental da pirâmide legal, para se usar uma expressão do notável Hans Kelsen, ou seja, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

 

Nas palavras do professor Aury Lopes Jr. (2005:258): “O juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um saber-poder, uma combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas)”. E mais adiante afirma que: “Com esse entrelaçamento, quanto maior é o poder menor é o saber, e vice-versa. No modelo ideal de jurisdição, tal como foi concebido por Montesquieu, o poder é “nulo”. No modelo autoritarista – totalmente rechaçado na atualidade – o ponto nevrálgico está exatamente no oposto, ou seja, na predominância do poder sobre o saber e a quase eliminação das formas de controle da racionalidade.” Diante disso, Aury Lopes Jr., conclui que: “No pensamento de FERRAJOLI, o ponto nevrálgico de um processo penal garantista está na dimensão do binômio saber-poder”.

 

Nas próprias palavras de Luigi FERRAJOLI, citado por Aury Lopes Jr. (2005:258), temos que: “el modelo penal garantista equivale a un sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial, en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad, empirica e logicamente controlable, de sus motivaciones”.

 

E concluindo, o professor Aury Lopes Jr. (2005:258), diz que: “Nesse contexto, a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial”.

 

Assim, num primeiro momento, temos que a fundamentação das decisões judiciais tem como fundamento o controle da racionalidade e a legitimação do poder. Isso porque, nas palavras de Aury Lopes Jr.(2005:259): “A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem – racionalmente – pode ser considerado autor do fato criminoso imputado”.

 

A busca da verdade real (aquela que não permite/admite presunções e deduções vagas) é feita por meio de um processo mental embasado na lógica e na prova dos autos.

 

Em matéria de direito punitivo não se pode decidir por meio de meros subjetivismos, de paixões, de sensacionalismos midiáticos e de distúrbios psicológicos populares. É preciso margear e delimitar dois conceitos que são diametralmente opostos, quais sejam: o bom sensoe o senso comum.

 

O bom senso (que se opõe ao conceito de contrasenso) é fruto de um processo racional, científico, dialético e que, por essas razões, pode ser provado.

 

O bom senso processual se fulcra na análise das provas produzidas durante a instrução (produção de provas) do processo. Neste caso, estamos diante das provas endoprocessuais,ou seja, as que são produzidas dentro do processo, e que, portanto, fazem parte integrante do mesmo.

 

Já o senso comum é produzido e resultado dos conhecimentos populares, com base em seus mitos, crenças, medos, desejos e incertezas. Um conhecimento, portanto, não demonstrável racionalmente ou cientificamente. Logo, perigoso e temerário para um processo de natureza punitiva.

 

O senso comum critica, ofende e pré-julga os acontecimentos. Este sensocomumforma a base das provas exoprocessuais (ou extraprocessuais), ou seja, aquelas que estão fora do processo.

 

Portanto, a fundamentação é uma garantia do cidadão e da sociedade, pois mostra àquele que está inserido na relação processual quais razões estão a fundamentar sua absolvição ou sua condenação, permitindo ao mesmo propor e fundamentar eventual recurso (princípio do duplo grau de jurisdição). À sociedade, a fundamentação das decisões serve como garantia dos fundamentos e dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal.

 

Já Aury Lopes Jr. (2005:260-261), assim faz constar em sua obra: “É também nessa linha que FERRAJOLI desenvolve as noções de estrita jurisdicionalidade e mera jurisdicionalidade. Ao primeiro caso corresponde o modelo processual garantista, cognoscitivo, orientado pela averiguação da verdade processual empiricamente controlável e controlada. Ao segundo, corresponde o modelo decisionista, substancialista, dirigido à descoberta de uma verdade substancial e global fundada essencialmente em valorações éticas, políticas, morais, que vão mais além da prova processualizada”.

 

O processo penal não pode buscar uma verdade universalizada, mas sim,uma verdade individualizada. Que está sendo apurada naquele momento e para aquele caso específico que está sendo submetido ao crivo do judiciário.

 

Citemos um exemplo: imagine-se um crime supostamente cometido por um psicopata. Imagine que referido crime envolve abuso sexual e morte de crianças e adolescentes do sexo feminino. Nem é preciso dizer que, ao ser noticiado pela mídia, referido caso insuflará o clamor social (senso comum) que, irá pedir “justiça”. Há duas situações apuráveis: a primeira, se o suposto criminoso realmente (verdade real) cometeu referidos crimes contra referidas vítimas (constatação endoprocessual); a segunda, se todo psicopata deve, efetivamente, ser estigmatizado do seio social, quais modalidades de penas devem ser aplicadas à referida categoria de pessoas, à quais estabelecimentos (penitenciária ou hospitais psiquiátricos) devem, referidas pessoas, serem encaminhadas etc. (constatação exoprocessual ou extraprocessual). Nesta modalidade, qual seja a exoprocessual, a verdade formal pode ser admitida, ou seja, aquela que se espraia e se embasa em presunções, deduções e hipóteses. Assim, haverá, no exemplo citado, duas realidades a serem apuradas: uma endoprocessual – autoria e materialidade delitivas; outra exoprocessual (ou extraprocessual), qual seja a condição do psicopata na sociedade. Qual realidade interessa ao processo? A endoprocessual ou a exoprocessual? Evidentemente que, por se tratar, o processo penal, de um instrumento tendente a impor penas corporais, seja restritiva de direitos, seja privativa de liberdade, a verdade que importa ao processo é a endoprocessual, que deságua, por conseguinte, na verdade real (aquela que não pode admitir presunções). O clamor social, em momento algum, deve interferir no andamento processual e o juiz não deve se deixar influenciar pela pressão e pelo escândalo midiático.

 

O estudo das conseqüências da psicopatia para a sociedade deve ser reservado para outro momento que não o processo.

 

Para um processo verdadeiramente compromissado com o garantismo,o que importa é o desvelo da autoria e da materialidade delitivas.É dizer que, um processo garantista faz as seguintes indagações: foi o imputado quem cometeu o crime ou crimes noticiados? Quais meios o mesmo utilizou (modus operandi) no momento do crime? Quais bens jurídicos foram ofendidos (princípio da ofensividade)? Qual a idade das vítimas? Era o agente, ao tempo da ação, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? A verificação deste último requisito determinará se o agente é imputável, semi-imputável ou inimputável e, portanto, se será caso de pena ou de medida de segurança, em resumo, se é caso de punição ou de tratamento.

 

Portanto, a decisão amparada exclusivamente no processo é uma garantia ao Estado Constitucional e Democrático de Direito.Concluindo, assim faz constar o professor Aury Lopes Jr. (2005:261), nestes termos:

 

“Em síntese, o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta apenas boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e do sentire do julgador, num assumido anticartesianismo. Mas também serve para controlar o poder, e nisso reside o núcleo garantista. Permite ainda aferir “que verdade” brota do processo, evitando assim o substancialismo da mitológica “verdade real”. Ademais, é crucial que a fundamentação seja construída a partir dos atos de prova, devidamente submetidos a jurisdicionalidade e contraditório, com se verá a continuação”.

 

b) Garantia de ser julgado com base na prova judicializada (prova endoprocessual – verdade real)

 

Num primeiro momento, deve-se frisar, por oportuno, que a sentença legítima, ou melhor, válida do ponto de vista legal e, fundamentalmente, do constitucional, é aquela proferida com base na prova judicializada, é dizer, na submetida aos crivos do contraditório e da ampla defesa. O professor Aury Lopes Jr., faz uma brilhante distinção entre atos de prova e atos de investigação.

 

Os atos praticados em sede inquisitorial, como é sabido, não se submetemaos crivos do contraditório e do direito de defesa, logo, não podem servir para fundamentar uma sentença penal condenatória. Isso, pelo menos, como deveria ser num Estado que primasse pelo garantismo, o que, diga-se de passagem, ainda é um objetivo que o Estado brasileiro não atingiu.

 

Distinguindo entre atos de provae atos de investigação, assim faz constarAury Lopes Jr. (2005:261):

 

“Com relação aos atos de investigação:

a) não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese;

b) estão a serviço da instrução preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos;

c) servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza;

d) não exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação, pois podem ser restringidas;

e) servem para a formação da opinio delicti do acusador;

f) não estão destinadas à sentença, mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delictipara justificar o processo (recebimento da ação penal) ou o não-processo (arquivamento);

g) também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares pessoais, reais e outras restrições de caráter provisional;

h) podem ser praticadas pelo Ministério Público, ou pela Polícia Judiciária.”

 

 

Portanto, como se nota, estes são os requisitos dos atos de investigaçãoe que não podem servir para embasar ou fundamentar uma sentença, mormente, de natureza condenatória. Todavia, o que se nota no quotidiano forense é que os elementos coletados no inquérito, tem servido, corriqueiramente, para embasar as sentenças penais.

 

Cite-se, como exemplo, o caso do presente trabalho. Mesmo diante da prova judicializada, qual seja a endoprocessual, o acusado foi condenado, basicamente, pela prova produzida em sede inquisitorial.

 

Assim fez constar o douto juízo a quo em sua sentença: “A forma de acondicionamento justifica a acusação de tráfico (embrulho plástico de cor verde), o qual estava no interior de uma meia de criança, e R$ 101,00, dividido em notas de R$ 1, 2, 5 e 10,00. Impossível, pois, em face do conjunto de circunstâncias acima ponderadas, a desclassificação para uso de entorpecente”. E como fica a prova do exame de dependência toxicológica realizado nos presentes autos? Diga-se que, as provas produzidas em sede de inquérito policial não foram submetidas ao contraditório e ao direito de defesa, mas o laudo toxicológico, sim. A prova judicializada é o exame toxicológico, no caso dos presentes autos. O fato, no caso do tráfico de substância entorpecente, ter sido encontrada acondicionada em pequenos embrulhos (trouxinhas) de plástico, não está a significar que o acusado seja traficante de substâncias entorpecentes. Até porque, quando o usuário adquire o tóxico, o mesmo vem acondicionado da forma descrita acima.

 

O que ocorre é que, no caso dos presentes autos, o laudo toxicológico foi inobservado. Deveras, houve a comprovação, por perito, de que o acusado é dependente (farmacodependente). Como se percebe, o sistema penal ainda está muito longe dos modernos posicionamentos doutrinários.

 

Deixamos registrado, por oportuno, que não fazemos parte da vertente abolicionista do direito penal, ou seja, ainda acreditamos que o direito penal seja uma necessidade, compatível com o atual estágio evolutivo da humanidade, que ainda comete erros e atrocidades, muitas delas ainda de forma consciente. Entrementes, também não podemos aderir ao movimento de “lei e ordem”, ou seja, da utilização indiscriminada do direito penal para toda e qualquer situação. A resposta penal a toda e a qualquer situação, banaliza o direito penal, coloca a sociedade em xeque e possibilita a efervescência do totalitarismo. Não perdemos de vista que o ideal de uma sociedade seria a não-existência do direito penal, entendida, referida não-existência, na constatação da patente desnecessidade do mesmo. Que houvesse uma substituição do direito punitivo, pelo direito sancionador. Que ao invés de se prever penas privativas de liberdade, outras modalidades de sanção passassem a ser eleitas. Mas, isso ainda não é possível.

 

Diante disso, aderimos ao movimento do “minimalismo penal”, ou seja, da utilização mínima do direito penal para a solução dos problemas ocorrentes na sociedade. Pelo princípio da ofensividade, temos que, somente os bens jurídicos verdadeiramente importantes (de alta relevância), devam ser penalmente tutelados.

 

Não podemos nos esquecer de que, o direito penal, quando se faz presente na vida de uma pessoa, marca a mesma de forma indelével, para o resto de sua vida. Somente quem já foi alvo de uma investigação policial ou de um processo penal, pode atestar e confirmar esta assertiva. Mesmo que a pessoa venha a ser absolvida, não há como apagar de sua memória todos os transtornos pelos quais passou. A vergonha em ser submetida ao escândalo público, a ser mal vista pela sociedade na qual vive, bem como no seio de sua própria família. A questão se agrava ainda mais quando, sem observar as garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana, bem como as garantias do devido processo legal, há a requisição e a decretação da prisão preventiva ou temporária. Quem pode apagar as marcas e as cicatrizes de um cárcere, notadamente, quando indevido? Quem arca com referidos danos? Estes questionamentos não podem passar desapercebidos dos protagonistas da área jurídica. É a vida das pessoas que está em jogo quando uma ação penal posta em movimento. Para alguns, destituídos de sensibilidade, um processo, prima facie, pode significar apenas um calhamaço de papéis, mas, para a pessoa que é alvo de referido procedimento, o mesmo, certamente, é muito mais do que apenas um amontoado numerado de folhas. E é esta sensibilidade que não pode faltar na ciência jurídica. As pessoas são as destinatárias das normas jurídicas e não objeto das mesmas. Não podemos permitir que a lei, como mui constantemente vem sendo feito se transforme em objeto legitimador das atrocidades humanas. Não esqueçamos, advirta-se, que os Estados ditatoriais, como o Brasil nas décadas de sessenta e setenta, eram legitimados pelas leis. Mas, voltemos ao tema central do presente trabalho.

 

De todas as características descritas acima, descritas por Aury Lopes Jr., particularmente, chamamos a atenção para a descrita na letra “a”, ou seja, de que os atos de investigação“não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese”.

 

A hipótese é apenas uma suposição que ainda não foi submetida aocrivo das provas e das contraprovas, que terão por objetivo confirmar a hipótese ou infirmá-la.

 

Numa visão heurística, a hipótese é o ponto inicial de uma idéia ou suposição, ou ainda de um fato, ainda não logicamente demonstrado, mas apenas pré-suposto (pressuposto). O início de qualquer investigação, notadamente a científica, se inicia com uma hipótese. Portanto, sendo a hipótese, consoante o léxico uma “Suposição que orienta uma investigação por antecipar características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação;”. Assim, antes de ser provada e demonstrada, a hipótese não tem qualquer valor lógico e racional, sendo apenas uma conjectura, um exercício mental. Toda hipótese, para ser aceita, tem que, obrigatoriamente, no campo da lógica e da ciência, ser provada.

 

Esta necessidade de demonstração, tanto mais é necessária quanto mais aproximar-se do campo do direito penal.

 

Isso o que impõe uma visão garantista do processo penal. Visão sem a qual o cidadão se vê sem qualquer segurança jurídica. A inobservância dos princípios garantistas do processo penal pode levar a equívocos dos mais variados.

 

Citemos um exemplo: a faca (instrumento que produz ferimentos cortantes e perfurantes) pode ser usado como um instrumento letal no crime de homicídio. Pergunta-se: seria razoável supor que toda pessoa que porta uma faca seja uma homicida em potencial? Seria razoável prender, cautelarmente, toda pessoa que portasse referido instrumento, com a justificativa de que referida pessoa (ou pessoas) é (ou são) um risco à incolumidade pública? De que a prisão se justifica, posto serem pessoas que podem vir a cometer crimes de lesão corporal ou homicídio a qualquer momento? São, deveras, suposições temerárias.

 

No caso dos tóxicos é razoável supor que todo aquele que é surpreendido portando ou guardando, ou ainda, tendo em depósito substância entorpecente e que causa dependência física ou psíquica seja um traficante (art. 33 da Lei n. 11.343/06)? Essa, em nossa opinião, outra hipótese temerária.

 

Diante destas ponderações, temos que, os atos de investigação são importantes para a fase inquisitiva da persecutio criminis (persecução penal), mas, pelo viés do garantismo penal, não podem embasar um sentença penal condenatória, vez que, referidos atos, não passam pelas garantias do contraditório e do direito de defesa. Uma sentença que se fundamente em conjecturas e suposições, em atos de investigação, deve ser declarada nula, é dizer, sem qualquer validade jurídica.

 

Já quanto aos atos de prova,estas são as palavras de Aury Lopes Jr. (2005:262):

 

“Substancialmente diversos, os atos de prova:

a) estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação;

b) estão a serviço do processo e integram o processo penal;

c) dirigem-se a formar um juízo de certeza – tutela de segurança;

d) servem à sentença;

e) exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação;

f) são praticados ante o juiz que julgará o processo.”

 

Inegavelmente, os atos praticados no inquérito policial são ofensivos a muitas das garantias constitucionais.

 

São atos sigilosos, secretos, não submetidos ao contraditório e ao direito de defesa. Não é incomum situações nas quais nem mesmo o advogadodo investigado consegue ter acesso ao inquérito, tendo que remediar referida situação por meio de habeas corpus, no qual uma liminar é concedida para que a defesa possa se inteirar do conteúdo da peça investigativa. Um trabalho desnecessário se houvesse o respeito pelas garantias mínimas previstas em sede constitucional.

 

Os atos de investigação servem apenas para buscar uma aparência preliminar que possa dar sustentação à notitia criminis e fazer tomar corpo a opinio delicti do acusador, é dizer, por meio do inquérito policial, o Ministério Público poderá analisar se dispõe de elementos suficientes para dar embasamento e sustentação à denúncia, ou se, ao contrário, é caso de arquivamento das peças investigativas. Se não há elementos suficientes, não há que se falar em propositura da ação penal. Não se pode movimentar o judiciário inutilmente. O inquérito, assim, não pode servir como meio de prova.

 

Acerca desta temática, estas as palavras de Aury Lopes Jr.:

 

“Por meio dessa distinção é possível fundamentar o porquê do limitado valor probatório dos atos praticados na investigação preliminar, ficando clara a inadmissibilidade de que a atividade realizada no inquérito policial possa substituir a instrução definitiva (processual). A única verdade admissível é a processual, produzida no âmago da estrutura dialética do processo penal e com plena observância das garantias de contradição e defesa. Em outras palavras, os elementos recolhidos na fase pré-processual são considerados como meros atos de investigação e, como tal, destinados a ter uma eficácia restrita às decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediária”. (2005:262)

 

Os atos de investigaçãodevem se destinar exclusivamente, ao MinistérioPúblico e não ao juiz.

 

Ainda acerca deste tema, assim argumenta Aury Lopes Jr.:

 

“No plano das garantias processuais, as constituições modernas asseguram que a sentença condenatória só pode ter por fundamento a prova validamente praticada no curso da fase processual, com plena observância da publicidade, oralidade, imediação, contraditório e ampla defesa. Isso exclui a possibilidade de que os atos de investigação, cuja estrutura não garante esses direitos, sejam considerados como meios de prova, logo, suscetíveis de valoração no momento da sentença”. (2005:263)

 

Dentro do sistema jurídico brasileiro, consoante pondera Aury Lopes Jr. (2005:263) as garantias aplicáveis ao processo penal estão previstas na Constituição Federal de 1988, nos incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5º e o inciso IX do art. 93.

 

Já no âmbito internacional, o Brasil está vinculado, uma vez que é signatário, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais especificamenteem seu art. 8º. Isso, aliás, é decorrência do que prevêem os §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/88, por força da Emenda Constitucional n. 45/04. Diante disso, como se percebe, várias garantias legais protegem (ou deveriam proteger o cidadão) das arbitrariedades perpetradas pelo Estado.

 

Arrematando a necessidade de se rechaçar os atos de investigação como aptos a fundamentar uma sentença penal condenatória, assim conclui Aury Lopes Jr. (2005:263): “A limitação da eficácia dos atos de investigação está justificada pela forma mediante a qual são praticados os atos no inquérito policial: secretos, escritos, ausentes o contraditório mínimo e o respeito ao direito ao silêncio”.

 

Seja qual for o órgão que presida a investigação preliminar (fase pré-processual), referido procedimento “carece das garantias mínimas para que seus atos sirvam mais além do juízo provisional e de verossimilitude necessário para adotar medidas cautelares e decidir sobre a abertura ou não do processo penal”. (LOPES JR.,2005:263)

 

Do mesmo posicionamento é Jaime Torres Vegas na obra “Presunción de Inocencia y prueba en el processo penal” (p. 39), citado por Aury Lopes Jr. (2005:263) que faz o seguinte registro: “É óbvio que as diligências levadas a cabo na investigação preliminar não podem servir como fonte de convencimento do órgão jurisdicional no momento da sentença”.

 

Diante destes argumentos, conclui-se que, os atos de investigação não podem embasar uma sentença penal condenatória.

 

Os atos de prova são a verdadeira garantia do acusado, posto que, a cada argumento levantado pelo órgão de acusação contra o acusado, este tem o direito de produzir e deduzir a devida contra-argumentação. A cada argumento acusatório, o acusado tem o direito de produzir um argumento contra-acusatório. A toda prova, a respectiva contraprova.

 

Esta é a visão verdadeiramente garantista e que deve permear todo o processo penal. O garantismo é a verdadeira homenagem ao Estado Constitucional, Democrático, Social e Humanitário de Direito. Disso não nos resta a menor dúvida.

 

Mas, qual solução se poderia tomar no sentido de se evitar que os atos de investigaçãocontaminassem os atos de prova? Que as conclusões da investigação preliminar envenenem o bojo do processo?

 

Como uma forma de se evitar que o magistrado sinta-se tentado a sentenciar com base no inquérito policial e, portanto, com base nos atos de investigação, há os que defendem, inclusive, a exclusão, a extirpação física do inquérito policial de dentro do processo. Dentre estas vozes, está a do professor Aury Lopes Jr. Assim são suas lições:

 

“Infelizmente proliferam decisões em que os juízes condenam com base no inquérito policial. Alguns lançam mão de uma fraude discursiva: “cotejando a prova judicializada com a policial...” ou “a prova policial corrobora...”, para então condenarem.

Por mais que se invoque, não há a necessária interiorização das garantias processuais.

Diante de um cenário tão preocupante como esse, temos defendido a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo, como única maneira de efetivar a garantia da jurisdição e de ser julgado com base nos atos de prova”. (2005:264)

 

Inquestionavelmente, esta medida possibilitaria que o juiz se ativesse apenas ao processo, evitando possíveis contaminações cognoscitivas, promovidas pelo inquérito policial. Estas contaminações turvam o juízo lógico.

 

Com o inquérito em mãos, a situação funciona da seguinte forma: se nada restar provado no bojo do processo (provas endoprocessuais), o juiz pode se valer de algum indício ou presunção que esteja contido na peça inquisitiva. Diante disso, força-se uma condenação, ainda que esta não exista, ou que, pelo menos, não tenha restado comprovada no processo penal. Isso aniquila qualquer garantia do cidadão.

 

Uma condenação não pode ser criada (ou até mesmo forjada), mas sim, ser justificada e legitimada por um conjunto de atos de prova coeso, coerente, realizados dentro do processo e cercados de todas as garantias legais previstas (constitucionais, infraconstitucionais e internacionais).

 

Tudo isso, porque, os “atos da investigação preliminar têm uma função endoprocedimental no sentido de que sua eficácia probatória é limitada, interna à fase” (LOPES JR.,2005:264). É dizer que servem apenas ao inquérito policial e “para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação, formalizar a imputação, amparar um eventual pedido de adoção de medidas cautelares ou outras medidas restritivas e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delictique justificará o processo ou o não-processo” (LOPES JR.,2005:264).

 

Desta forma, a exclusão do inquérito policial do processo penal evita/impede que o juiz se contamine com os atos de investigação, realizados sem as mínimas garantias.

 

O sistema da exclusão física dos autos do inquérito policial do processo, consoante faz constar Aury Lopes Jr., já fez parte do processo penal brasileiro, por meio do Decreto n. 16.751, de 31 de dezembro de 1924, que assim fazia constar em seu art. 243, nestes termos: “Art. 243. Os autos de inquirição apenas aos de investigação, nos termos dos arts. 241 e 242 servirão apenas de esclarecimento ao Ministério Público, não se juntarão ao processo, quer em original, quer por certidão, e serão entregues, após a denúncia, pelo representante do Ministério Público ao cartório do juízo, em invólucro lacrado e rubricado, a fim de serem arquivados à sua disposição” (LOPES JR.,2005:264).

 

Consoante noticia o professor Aury Lopes Jr. (2005:265), a Espanha, em lei de 1995, que versa sobre o Tribunal do Júri, prevê a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo. Conforme Exposição de Motivos da citada lei, referida medida evita, com isso “as indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas atendíveis, contribuindo assim a orientar sobre o alcance e a finalidade da prática probatória realizada no debate (ante os jurados)”.

 

O juiz deve se ater às provas do processo e somente a estas. Procurar fundamentos fora dos atos de provaé uma aventura cognoscitiva incompatível com o primado do garantismo penal. Processo sem garantias é um ato de violência contra a dignidade da pessoa humana. E, no caso do Brasil, a inobservância das garantias é uma violência contra a própria Federação, uma vez que, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Brasil (art. 1º, inc. III, da CF/88).

 

Ser julgado com base na prova produzida no processo é uma garantia docidadão. Negar esta garantia é negar o próprio sistema jurídico em vigência.

 

Estas, ademais, as palavras do professor Aury Lopes Jr., nestes termos:

 

“O direito de ser julgado com base na prova (leia-se atos de prova) deve ser visto na sua real dimensão, enquanto garantia de máxima originalidade. Para tanto, deve-se evitar a contaminação do julgador pelos atos de investigação, pois colhidos na fase inquisitiva, sem as mínimas garantias. A falácia do discurso oficial está em apontar para a “suficiência” das garantias da fase processual e permitir, quando da sentença, que o julgador decida com base na pura inquisição (do inquérito)”. (ob. cit., p. 266)

 

A própria lei, por uma questão de bom senso jurídico, de lege ferenda, deveria prever a impossibilidade de que o magistrado, no momento de sentenciar o processo penal, se utilizasse de atos de investigação, dos elementos que foram coletados em sede investigativa. Aquilo que muitos chamam de prova na fase inquisitorial, chamamos de “pseudo-prova” (falsa prova) uma vez que não é submetida ao crivo do contraditório e da ampla defesa.

 

São posturas garantistas que, ao nosso sentir, o Estado deveria adotar.

Ademais, o juiz, na sentença penal, deve indicar os artigos de lei que está aplicando ao caso que lhe é submetido (inc. IV, do art. 381, do CPP). Isso porque, cada artigo da lei penal, seja do Código Penal brasileiro, seja da legislação penal esparsa ou extravagante, é constituído de duas partes: a primeira é chamada de preceito primário, na qual está descrita a conduta que o ordenamento jurídico-penal reputa como configuradora de crime; já na segunda parte, temos o preceito secundário, no qual está previsto a modalidade da pena (privativa da liberdade ou restritiva de direitos, que pode ou não ser cumulada com pena de multa) a ser aplicada em caso de condenação, bem como se o regime inicial será o fechado, semi-aberto ou aberto, além disso, no preceito secundário vem expressa a quantificação da pena, entre um máximo e um mínimo, a ser aplicada pelo magistrado.

 

Essa exigência do inciso IV, do art. 381, do CPP, consagra, ademais, o princípio da legalidade, previsto no art. 1º, do Código Penal, e no inciso XXXIX, do art. 5º, da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 que prega que “não crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

 

Somente os atos apriorísticamente definidos como crime, podem ser imputados a alguém. Não se poderia admitir, em um Estado Constitucional, a imposição arbitrária de condutas que não estivem, antes, previstas em um determinado diploma legal. A previsão das condutas típicas em diplomas legais visa dar publicidade aos atos, para que os cidadãos, em tese, pelo menos, tenham conhecimento dos mesmos.

 

O Estado, quando pretende criminalizar uma determinada conduta, deve,antes, por meio de vários conhecimentos (interdisciplinaridade), verificar, por um viés político-criminal, se o mesmo efetivamente terá o condão de atingir o objetivo colimado. Nenhuma conduta pode ser considerada ilícita se, antes de seu cometimento, é dizer, antes de sua verificação no mundo concreto (mundo dos fenômenos), esteja não estiver prevista em lei. Essa é a consagração do princípio da anterioridade penal. O fato gerador do crime é a conduta, mas a conduta apenas pode ser considerada criminosa se a mesma estiver prevista em lei. A conduta passível de ser considerada como criminosa é aquela prevista em lei como necessária e suficiente para sua ocorrência, é dizer, para a configuração do crime. Sem lei não há crime, bem como não pode haver pena. A conduta para ser criminosa depende da lei. A pena para ser legítima deve se respaldar também na lei, portanto, tanto a conduta como a pena, encontram sua justificação na existência da lei.

 

Portanto, na sentença, o juiz tem a obrigação legal de indicar os artigos de lei nos quais o acusado será considerado incurso, tendo que, por via de conseqüência, suportar as penas pertinentes à modalidade de crime indicada.

 

Deverá ainda fazer da sentença o dispositivo, inciso V, do art. 381, do CPP. O dispositivo é a parte da sentença na qual o juiz julga procedente ou improcedente o pedido formulado pela parte.

 

No caso do processo penal, é no dispositivo que o juiz considera culpado e, portanto, CONDENA o acusado nos termos expressos na denúncia formulada pelo Ministério Público, ou reconhece a inocência do acusado, ABSOLVENDO o mesmo. Ademais, é na parte dispositiva da sentença, em caso de condenação, que o magistrado impõe a pena a que o acusado, agora sentenciado, deverá se submeter. Após a realização das três etapas de análise da dosimetria da pena (sistema trifásico), o juiz dirá, no dispositivo, qual a pena final. Além disso, é no dispositivo que o juiz dirá se o acusado poderá apelar em liberdade ou não. Devendo, evidentemente, fundamentar esta sua decisão. Diga-se que, no caso de crimes dolosos contra a vida, portanto, de competência do Tribunal do Júri, temos a sentença de pronúncia, na qual o magistrado, na parte dispositiva, irá PRONUNCIAR ou IMPRONUNCIAR o réu. Se for caso de pronúncia, o acusado será submetido ao julgamento por seus pares, o júri. Se for caso de impronúncia, portanto, de reconhecimento de inexistência de crime doloso contra a vida, o acusado será julgado pelo tribunal comum.

 

Finalmente, a sentença deverá conter a data e a assinatura do juiz (inciso VI, do art. 381, do CPP). A assinatura e a data na sentença possuem duas finalidades. A assinatura confere legitimidade ao ato, posto que, somente uma pessoa legalmente empossada no cargo de magistrado está apta a julgar e, portanto, manifestar uma decisão que, em tese, é a decisão do Estado-juiz e não da pessoa-juiz. A data serve para a contagem dos prazos para a interposição de eventuais recursos.

 

Esses, assim, os requisitos necessários para a validade da sentença e, sem os quais o ato deve ser declarado nulo.

 

Portanto, somente se justifica a medida privativa de liberdade excepcional (prisão cautelar), quando preenchidos os requisitos previstos no Código de Processo Penal, consoante descritos acima e, além disso, e principalmente, que haja uma adequada fundamentação da decisão que concede esta segregação excepcional. Caso contrário, os danos que desta decisão podem advir são devastadores.

 

6 - O Decreto Absolutório

 

Mesmo que o acusado, ao final do processo penal, seja absolvido das acusações que sobre o mesmo recaíram, ficará, ad eternum, as cicatrizes do mal que lhe foi injustamente infligido. Cicatrizes tão profundas e doloridas que, não raras vezes, nem mesmo o tempo poderá apagar.

 

E aqui se farão presentes os efeitos da sobre-pena[12] . Sobre-pena esta, imposta pela sociedade que nunca esquece ou perdoa, como corolário de erros e excessos cometidos pelos órgãos estatais. Infelizmente, ao que parece, vivemos num Estado Democrático e Constitucional de Direito um tanto quanto paradoxal, posto que, o conceito de Estado Democrático e Constitucional de Direito[13], conceitualmente, significa aquele modelo de Estado que edita suas leis, mas, que também deve se submeter às mesmas. Caso contrário, estamos a viver uma hipocrisia constitucional, um país que possui uma Constituição como peça de enfeite. Existe, mas não possui efetividade. O Brasil tem se demonstrado um Estado Democrático e Constitucional de Direito às avessas, posto que, edita suas leis, mas não se submete às mesmas.

 

Muitos agentes estatais, pelas posturas que adotam, se mostram completamente inconscientes da existência de uma malha constitucional, a dar supedâneo aos direitos fundamentais dos administrados. E se abusos há que, uma vez praticados, causem danos a terceiros, com espeque na teoria da responsabilidade civil, referidos danos devem ser reparados. No caso em tela, como referidos danos são causados por agentes estatais, e uma vez que, perante o Estado, vigora a Teoria da Responsabilidade Objetiva, referidos danos devem ser suportados pelo Estado que, posteriormente, poderá se voltar contra o responsável direto por tais danos.

 

Porque, mesmo que o acusado saia sob os auspícios da sentença absolutória, fica a questão: sob qual fundamento o acusado será absolvido? O artigo do Código de Processo Penal que trata da absolvição é o de número 386, alterado pela Lei n.o 11.690, de 2008, que assim reza:

 

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

 

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

 

Parágrafo único.  Na sentença absolutória, o juiz:

 

I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;

II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

III - aplicará medida de segurança, se cabível.

 

O problema para aquele que é ferozmente perseguido (durante a persecução penal) e depois é absolvido das acusações que pesaram sobre o mesmo é o fundamento legal, que será inserido no corpo da sentença. Evidente que, todos os incisos acima descritos produzem, como resultado final, a absolvição do indivíduo, entretanto, nem todos retiram, de forma completa, os nefastos efeitos da sobre-pena.

 

Certamente, o melhor dispositivo para o inocente que, assim é reconhecido e declarado por sentença, é o inciso I do precitado art. 386 do CPP, isto é, estar provada a inexistência do fato. Ou ainda, quando há uma circunstância excludente de ilicitude, como a legítima defesa, ou o estado de necessidade, nos termos do inciso VI, do art. 386 do CPP, por exemplo, pois, diante destas circunstâncias, a sociedade ainda consegue, depois do ocorrido, ver com bons olhos a figura do acusado, ou pelo menos tenta.

 

Mas, certamente, o inciso mais complicado para o suposto acusado é o inciso VII, do art. 386 do CPP, com a nova redação que lhe deu a Lei n.o 11.690, de 2008, assim redigido: – não existir prova suficiente para a condenação. Essa é a famosa figura do in dubio pro reo. Por este inciso, a pessoa é absolvida por não haver prova suficiente de ter a mesma cometido determinada infração, que tenha sido imputada a ela. Evidente que, do ponto de vista legal, é justamente desta forma que deve ser interpretada a situação, quando não há um arcabouço fático que dê certeza quanto à autoria. Realmente, diante da incerteza, a absolvição deve imperar. Havendo uma dúvida razoável quanto a pessoa do acusado, no sentido de se estabelecer se foi o mesmo quem praticou determinada conduta delitiva, deve o mesmo ser absolvido, posto que, somente a certeza pode conduzir o Estado a tomar uma postura tão dramática, quanto é a segregação do mesmo, do meio social no qual vive. A privação da liberdade de uma pessoa é medida grave, que exige certeza quanto à autoria e materialidade delitivas, pois, além dos efeitos inerentes a este tipo de penalidade, o acusado ainda haverá de experimentar os efeitos do estigma ou sinal infamante, que lhe será imposto pela sociedade.

 

Entretanto, dado o pouco adiantamento moral da sociedade, os erros e os excessos cometidos pelas autoridades públicas, no que tange ao Direito penal, notadamente, em sua fase investigativa (fase do Inquérito Policial) é um prato cheio para a sociedade, sempre ávida por uma vítima para saciar sua maldade, sua ausência de fraternidade, de amor e compreensão. Supor que uma pessoa tenha feito algo penalmente relevante é uma situação, outra, completamente diferente, é a mesma ter efetivamente realizado determinado fato delituoso. Suponham-se dois amigos, que estejam discutindo sobre ponto em relação ao qual divergem. Num determinado momento de discussão acalorada, um diz ao outro: “Vou te matar”. Presenciou o entrevero, grande número de pessoas. Dois dias depois dos fatos, um dos envolvidos aparece morto, em decorrência de outra briga. Quando alguém indagar por um suspeito,no momento das investigações, visando apurar-se a autoria e materialidade delitivas, certamente que, quem será primeiramente indicado, será aquele que havia proferido referida ameaça num momento de extremo nervosismo, de intensa fúria.

 

O que será que as autoridades estatais farãodiante de tais informes? Será que irão agir com cautela e escorados nas garantias fundamentais da pessoa humana, tratando o suspeito com dignidade e respeito, ou será que irão cair sobre o indigitado amigo da vítima, agora suspeito do evento criminoso, como feras ensandecidas sobre sua presa? Certamente, a segunda hipótese é a que mais tem ocorrido no dia a dia das investigações policias. E aí começa uma verdadeira maratona, na qual o acusado deverá provar inúmeras circunstâncias, tais como o que o levou a proferir a ameaça no dia da briga, se já havia tido outras brigas com o falecido, onde estava no dia e horário no qual a vítima foi morta, com quem estava neste dia e horário e fazendo o quê. Simplesmente, esta pessoa se tornará alvo dos olhares das autoridades estatais e da sociedade. Qualquer movimento em falso poderá ser motivo para que a vida do mesmo seja revirada ao avesso, sempre e sempre que as autoridades estatais quiserem ou a sociedade clamar para que isso seja feito.

 

Muitos indícios são sem fundamento, ou fogem completamente ao bom senso, mas, ao que parece, a sociedade e alguns setores do Estado, mais preocupados em mostrar serviço, do que em respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana, não se importam muito com isso. As autoridades públicas não pensam duas vezes antes de expor a vida das pessoas à execração pública, em transformar a vida das pessoas em espetáculos circenses. Muitos telejornais, por exemplo, que fazem a cobertura exclusiva das tragédias humanas, mantém âncoras[14] sensacionalistas, que incitam os telespectadores a uma verdadeira carnificina televisiva. São os incentivadores natos do clamor público, que tantos desastres sociais têm causado.

 

E estas situações constrangedoras, de verdadeira execração pública são um prato cheio à imprensa sensacionalista, consoante dito acima. 

 

A imprensa é imprescindível em qualquer Estado Democrático e Constitucional de Direito, como instrumento viabilizador e garantidor da democracia, pois, certifica e assegura a transparência dos atos estatais, em todas as suas esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Deveras, nos dias atuais, conceber a democracia sem a imprensa é quase impossível. Ela revela os bastidores do poder, o que os poderosos fazem por ou contra o povo. Corruptos são desmascarados, delitos são flagrados no momento em que estão ocorrendo, mostrando, a toda Nação, e no horário nobre dos telejornais, os autores do crime, enfim, faz com que a Administração Pública ganhe mais transparência. Mas, quando quer, pode destruir a vida de um ser humano permanentemente. Não é sem razão que a imprensa é chamada de “O quarto poder”.

 

O professor Marco Antonio Vilas Boas, em sua magnífica obra, assim faz constar a respeito da imprensa:

 

Tem a imprensa um papel preponderante nos sistemas democráticos. Onde a imprensa é amordaçada os homens estarão escravizados. Tem tido ela a primordial tarefa de apontar os desvios públicos ou mesmo de conduzir a opinião coletiva nos seus nobres e verdadeiros anseios. Se a imprensa, por outro lado, partir para aquela de que fala o correspondente Gilles Lapouge, de repórteres como “verdadeiros urubus do mundo moderno”, aí sim teremos o abismo à frente das informações. Entre a imprensa e a intimidade humana deve haver um marco limítrofe. Se a ex-primeira dama dos Estados Unidos, Jacqueline Kennedy, nem mesmo podia sair à rua sem ser incomodada pelas objetivas dos repórteres; se Lady Di, morta sob as ferragens do veículo que a conduzia, não pôde ter paz nem à beira da morte, alguma coisa deve estar errada. Acredita-se na imprensa sadia, ética e responsável; na imprensa que jamais prejulgue as pessoas, faça-as criminosas ou santas; na imprensa que jamais escarneça sobre as fraquezas e misérias alheias, que as ridicularize; acredita-se, sobretudo, na imprensa que esteja a salvo do barato sensacionalismo. Queremos ressaltar, nestes escritos, a nobreza inenarrável da imprensa quando se lança na corajosa apuração de desvios praticados pelos homens públicos. Não fosse a imprensa, muitos dos delitos sérios contra o povo estariam sepultados no anonimato. Se ela derruba presidentes e reis, que o faça com Justiça e imparcialidade, em nome da população que a vê, a escuta e lê. (Vilas Boas, 2003, p. 280)

 

Quando a imprensa se pauta pela Justiça, pela ética e pela imparcialidade, certamente, está desempenhando um papel fundamental, que apenas vem somar méritos na luta pela democracia. É a imprensa, sem a menor sombra de dúvidas, uma proteção ao administrado, ao cidadão comum que trabalha, paga seus impostos e, como decorrência disso, espera que o Estado lhe proteja, bem como dê proteção à sua família e empregue bem a verbas públicas.

 

Entrementes, quando a imprensa resolve invadir, sem o menor pudor, a intimidade das pessoas, aí a mesma se transveste no papel do pior carrasco que se possa imaginar. Isso porque, como a imprensa trabalha com a linguagem, com a comunicação, ela atinge o psicológico das pessoas, e não há pior tortura do que a tortura psíquica.

 

E a imprensa, em momento algum, necessita apelar para o sensacionalismo, basta mostrar os fatos. A verdade se revela simplesmente, na exposição cristalina dos fatos. O justo e o injusto são estados que se revelam por si mesmos. Bem como o certo e o errado, o ético e o antiético.

 

Como já disse o filósofo alemão Ludwig Wittgenstein: “O mundo é tudo que é o caso. O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. O mundo é determinado pelos fatos, e por serem todos os fatos. Pois a totalidade dos fatos determina o que é o caso e também tudo que não é o caso. Os fatos no espaço lógico são o mundo. O mundo resolve-se em fatos[15]”. Desta forma, basta a demonstração dos fatos para que eles se revelem.

 

Quando as informações são brutalmente alteradas, quando a mentira impera, a barbárie se faz presente, porque, ainda pior do que a falta de informação é a presença da falsa informação.

 

A falsa informação deturpa, corrói e degenera a verdade. E um povo que não se pauta pela verdade tende a quedar nas trevas do instinto de vingança, muitas vezes resultante do medo. E um dos fundamentos do medo, como bem se sabe, é a falta de conhecimento em relação à realidade que se enfrenta. Quantos dados não são omitidos ou brutalmente deturpados pela imprensa descomprometida com a ética, com a moral e com o bem senso? Inúmeros casos, certamente.

 

Assim, a imprensa, se realmente pretender manter seu papel de agente viabilizador da democracia e de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, deve se manter inextricavelmente atrelada à ética, ao bom senso e à informação responsável. Verdade acima de tudo.

 

7 - Dever de indenizar o lesado em decorrência da investigação criminal: a indenização por danos morais

 

Neste ponto de nossos argumentos, tendo em vista o quanto explanado acima, verifica-se que, se o Estado, no decorrer do ius persequendi, ou seja, no decorrer de seu direito de perseguir o infrator, ou o suposto infrator de uma das espécies normativas de nosso ordenamento jurídico, vier a lhe causar um dano, esposamos a tese de que o mesmo deve indenizar o lesado. Erros há que causam verdadeiras e permanentes sequelas na vida das pessoas.

 

Muito bem. O Estado comete um erro, persegue de forma injustificada uma pessoa, acusada de um determinado delito. A mídia cai sobre referida pessoa sem dó ou piedade, erigindo-a em matéria de capa de suas revistas, jornais, telejornais, tablóides, enfim, transformando-a em objeto de todas as suas matérias, comentários e manifestações. Movidas pelo clamor social, agora ainda mais atiçado pela imprensa sensacionalista, as autoridades públicas (principalmente as policiais) acabam atropelando os atos processuais e, desconsiderando completamente o princípio constitucional da presunção de inocência, bem como outros demais princípios de igual relevância jurídica, realizam um pré-julgamento,taxando a pessoa de “culpada”. É requerida a prisão preventiva daquele que está sendo investigado. Há a concessão de referida prisão cautelar de caráter excepcional. O indivíduo, em desfavor do qual referida medida foi determinada é lavado do seio de sua família algemado. Seus familiares assistem a isso perplexos, os amigos se afastam, sua situação cai na “boca do povo” de forma impiedosa. Posteriormente, depois de muito tempo, quem sabe meses, ou até mesmo anos, o acusado é absolvido, ou porque ficou comprovado que o mesmo não foi o autor da infração, cuja imputação pesa sobre seus ombros, ou porque o fato não constitui infração penal, ou por insuficiência de provas, ou ainda porque, no momento do ato praticado, estava acobertado por uma excludente de ilicitude. Resta a indagação: esta pessoa, este ser humano, deverá amargar este dano? Deverá se resignar como se nada tivesse acontecido? Quem pagará o preço da sobre-pena, que o lesado teve que, forçosamente, cumprir diante da sociedade que, precipitadamente, foi sua juíza, sua jurada e sua executora? E os casos, ainda mais drásticos, nos quais as pessoas ficam vários anos detidas em estabelecimentos prisionais, pois, foram “equivocadamente” confundidas com outras? Pessoas inocentes cumprindo penas, perdendo, além de sua sagrada liberdade, igualmente, sua vida, amargando a passagem de um tempo inútil e inócuo que jamais voltará. Como ficam estas situações?

 

A resposta é simples. A Teoria da Responsabilidade Civil, que é objeto do presente estudo, diz que será responsável pela ação ou omissão praticada, aquele que, agindo de forma culposa (sem intenção, mas, de forma negligente, imprudente ou com imperícia) ou dolosa (com a intenção de agir e obter o resultado alcançado), vier a causar um dano a outrem, ainda que este dano seja exclusivamente moral[16]. No caso dos danos que se verificam no decorrer das investigações criminais, uma vez que é o Estado quem detém o ius persequendi e é o Estado que se lança na apuração da notitia criminis que chegou até seus agentes, evidente que será o Estado, que outrora perseguiu seu cidadão (inocente), quem deverá arcar com a indenização por danos morais, porventura, pleiteada pelo lesado. Eis a resposta.

 

Neste sentido, estas as palavras do professor Marco Antonio Vilas Boas, nestes termos:

 

E a parte moral? Quem reporá ao réu absolvido, a dignidade perdida quando lhe atribuíram, na denúncia, a prática de um furto (por exemplo)? No interstício da instrução criminal, será que não passou pela cabeça dos outros, provavelmente, ter sido o réu um ladrão? Se todos têm direito à dignidade (que nada mais é que o respeito de todos) – como todos sabemos -, como irá se assentar o réu na sociedade, diante de sua família, dos empregados e patrões, da seita que freqüenta, de seus alunos, de seus professores e de seus parceiros comerciais? Se o Estado provocou a investigação e nada se apurou contra o investigado, o decreto de inocência deveria formar título executivo, faltando-lhe apenas a liquidez. Se a vítima convencional pode cobrar os prejuízos apurados, do agente provocador, em sentença condenatória definitiva, por que o inocentado, que também é vítima, não disporá da mesma regalia? (Vilas Boas,2003:298)

 

Raciocínio brilhante o do professor Marco Antonio Vilas Boas. Toda a vítima tem o direito de ser ressarcida pelo dano que sofreu, acionando, para tanto, o agente causador do mesmo. Se o agente causador do dano foi o Estado, este deverá ser compelido a indenizar a vítima, por todos os transtornos que causou em sua vida. Tentar destruir a vida de um ser humano é algo muito sério.

 

Se a pessoa, acusada da prática de um determinado comportamento, tipificado penalmente como crime, ao final, for absolvida e ficar provado, que as autoridades policiais cometeram erros e deslizes, desrespeitando de forma grotesca as garantidas fundamentais e individuais do investigado, evidente que esta sentença absolutória deve ser tida como um título executivo judicial, diga-se de passagem, faltando, evidentemente, como muito bem ponderado pelo ilustre professor Marco Antonio Vilas Boas, o quesito liquidez. Referida liquidez será apurada judicialmente, e o magistrado utilizará para tanto os procedimentos cognitivos que estão contidos na presente obra.

 

E por que isso? Ora, porque o Estado criou esta condição, este risco ao investigado.

 

E nem se argumente que o Estado não deverá indenizar o lesado, posto ter agido em nome do interesse público. O “interesse público” pode explicar muita coisa, mas, geralmente, não justifica políticas e atitudes precipitadas e desastradas. Se houve dano, deve haver, por parte do Estado, a correspondente reparação.

 

Ressaltemos mais uma vez que, a responsabilidade do Estado, por danos que venha a causar a terceiros é objetiva, ou seja, não se irá perquirir a respeito de culpa. Basta que haja o comportamento, o nexo de causalidade e o dano para que, incontinênti, surja, para o Estado, o dever de indenizar o lesado. E isso porque o Estado criou o risco de lesão às pessoas, quando avocou a si a responsabilidade de zelar de seus administrados. Quem cria o risco, deve indenizar, caso o dano ocorra.

 

 

7 - Conclusão deste item

 

Certamente ainda não há muitos julgados, no sentido de se condenar o Estado por danos causados pelo mesmo aos investigados, quando diante de um procedimento criminal de investigação, conduzido de forma desastrada, abusiva e inconstitucional. A ideia de incluir referido item nesta obra se deu por dois motivos: primeiro, a leitura da copiosa e magnífica obra do professor Marco Antonio Vilas Boas, intitulada “A Reparação Civil na Investigação Criminal”; segundo, porque a realidade tem demonstrado que, há um grande paradoxo legal, jurídico, sociológico, axiológico, histórico e filosófico dentro de nossa realidade. Nas Faculdades e Universidades, em sede de teoria, aprendemos que os direitos fundamentais da pessoa humana são invioláveis, intocáveis, sagrados e que nosso Ordenamento Jurídico, bem como o ordenamento jurídico dos povos ditos civilizados, possui instrumentos para a garantia, efetividade e restabelecimento, quando diante de uma violação, destes direitos. Que os mesmos devem ser respeitados a qualquer custo. De que no Direito Penal, deve imperar sempre o princípio do in dúbio pro reo e o princípio da presunção de inocência, que, como dito, reza que ninguém será considerado culpado, até que haja prova robusta e inconteste de que o acusado, efetivamente, tenha praticado o ato delituoso que lhe é imputado.

 

Mas aí, quando passamos para a prática, nos deparamos com uma realidade completamente diferente. A pessoa acusada de cometer uma determinada conduta, tipificada penalmente, não tem a garantia da presunção de inocência. Muito pelo contrário. Diante de uma acusação, que esteja pesando sobre a mesma, é a pessoa acusada quem deve mover céus e terra, para provar que não cometeu o ato que lhe é imputado. Isso gera uma completa e perigosa, além de desumana e arriscada, inversão dos princípios constitucionais e processuais. Será que, realmente, a pessoa humana perdeu suas garantias, suas prerrogativas? Será que a luta pelos direitos humanos foi em vão? Quem acusa é que tem o dever de provar a acusação e não o acusado. Este, do ponto de vista constitucional, nada precisa fazer, a não ser para rebater a acusação, quando esta se mostra consistente, mas, sendo inconsistente a acusação, faltando provas da autoria e da materialidade delitivas, basta ao acusado manter-se inerte para obter a absolvição, pois, sem provas não há crime. O Estado é quem deve se desincumbir de provar que determinada pessoa, efetivamente, praticou um ato penalmente relevante. Essa seria a ordem natural dos acontecimentos, em sede de Direito Penal.

 

Todos os dias, pessoas são desrespeitadas, humilhadas, arrancadas violentamente de suas pacatas e pacíficas vidas e lançadas aos holofotes da curiosidade pública, que devassa a intimidade das pessoas sem dó ou piedade. Será que isso é justo?

 

Quem cria o risco, deve reparar o dano, quando este se fizer presente. Seja ele quem for. Seja o particular, seja o Estado, ou qualquer outra entidade. Isso o que determina o princípio da isonomia. Tratar os iguais com igualdade, e os desiguais, desigualmente.

 

Se estamos num Estado Democrático e Constitucional de Direito, isto significa que o Estado edita as leis, mas, também deve se submeter à elas. Portanto, se o Estado vier a causar danos aos seus administrados, deverá reparar os mesmos.

 

Se o Estado disse que deve reparar o dano, quem causar dano a outrem, igualmente, deverá sofrer os efeitos deste preceito, caso venha a causar um dano a alguém.

 

 

 

Documentação

 

 

 

Livros

 

 

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[1] A íntegra do julgamento do Recurso Especial n.o 351.779/SP, encontra-se no Anexo IV da presente obra.

[2] GARANTISMO. Entende-se por garantista, todo procedimento processual, que vise assegurar à pessoa os meios e recursos necessários para sua ampla defesa. A visão garantista do processo, abrange o fato da pessoa ser tratada com dignidade, tanto durante as investigações (preliminares) criminais, quanto durante o transcorrer do trâmite processual. Abrange ainda, o direito da pessoa de que o processo tenha uma duração razoável, visando que se evite o prolongamento do mesmo pela eternidade, o que causaria um martírio psicológico inegável. Deve-se garantir ainda, o direito da pessoa, de produzir todas as provas em direito admitidas, bem como as moralmente lícitas, ainda que não especificadas na lei processual; o direito de ser defendida, por pessoa com conhecimentos técnicos específicos (advogado), ainda que não tenha recursos financeiros para custear um profissional, situação esta, em que o Estado se incumbe de garantir à pessoa um defensor; e, ainda, em minha opinião, o mais importante de todos os direitos, dentro da visão garantista do processo, o de ser considerada inocente, até o trânsito em julgado do processo, ou seja, até que seja prolatada uma decisão judicial definitiva, da qual não caiba mais qualquer espécie de recurso às instâncias judiciais superiores.

[3] Definição transcrita do Novo Dicionário Aurélio, século XXI, versão 3.0, para PC – personal computer.

[4] Coisificação: processo pelo qual o homem é transformado em objeto. De coisa pensante (res cogitans, sujeito, ser pensante), torna-se coisa pensada (res extensa, coisa pensada, objeto).

 

[5] O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se previsto no inciso III, do art. 1o da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.

[6]Na 2a edição desta obra (2005, Editora JH Mizuno), havíamos usado a expressão “verdade real”. Ocorre que, processualmente, bem como do ponto de vista fenomenológico, torna-se impossível a apuração da verdade real, que se traduz na realidade, tal qual a mesma ocorreu no momento dos eventos que estão sendo apurados. À verdade real contrapõe-se a verdade formal, única possível de ser encontrada, quando se busca a averiguação de fatos, que já estão perdidos no passado, próximo ou distante. Quanto mais a perícia demora a chegar ao local do crime, mais os vestígios do delito irão se apagar, deixando incompleta a histórica que se busca recriar, por meio do processo investigativo-pericial. Por essa razão, tão logo a notícia do crime (“notitia criminis”) chegue até a autoridade policial, imediatamente, o local do crime deve ser isolado e a perícia técnica chamada a comparecer no local e proceder à coleta das provas necessárias à elucidação do evento criminoso ocorrido. Essa providência, pode ser decisiva para a condenação do verdadeiro autor do delito. O criminoso que, após evadir-se do local do crime, retorna ao mesmo, para sumir com as evidências, além do crime praticado, responderá pelo crime de fraude processual, nos termos do art. 347 do Código Penal, assim redigido: “Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa. Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro”.

 

[7]Os direitos fundamentais supraconstitucionais são os previstos nos Tratados e Convenções Internacionais que, quando ratificados pelo Brasil, passam a fazer parte integrante do ordenamento jurídico interno, com o status de emendas constitucionais, nos termos do § 3o, do art. 5o da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n.o 45, de 2004, assim redigido: § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

 

[8]Definições retiradas do dicionário digital Aurélio, versão 3.0, século XXI.

 

[9]Psicopatia. Substantivo feminino. Rubrica: psicopatologia. 1 distúrbio mental grave em que o enfermo apresenta comportamentos anti-sociais e amorais sem demonstração de arrependimento ou remorso, incapacidade para amar e se relacionar com outras pessoas com laços afetivos profundos, egocentrismo extremo e incapacidade de aprender com a experiência; 2 qualquer doença mental. (Definição extraída do Dicionário Houaiss, versão 2.0, para microcomputador)

 

[10]Sociopatia. Adjetivo e substantivo de dois gêneros. Rubrica: psicopatologia. Diz-se de ou indivíduo de personalidade psicopatológica e de comportamento anti-social ou associal, ao qual falta senso de responsabilidade moral ou consciência.  Obs.: cf. psicopata. (Definição extraída do Dicionário Houaiss, versão 2.0, para microcomputador)

 

[11] DELGADO, Rodrigo Mendes. Nova lei de drogas comentada (artigo por artigo) – À luz da Lei n. 11.343/2006. Editora Cronus, 2009, p. 236 a 263.

[12]Expressão muito bem empregada pelo professor Marco Antonio Vilas Boas, obra citada, p. 8.

 

[13] O Estado Democrático e Constitucional de Direito é aquele que se opõe ao Estado Despótico, que é o modelo de Estado autoritário e tirano, no qual o Governante faz de sua vontade, a lei que deve imperar aos seus governados. Neste modelo, o Governante não tem a obrigação de se submeter às regras que estabelece. Geralmente, no regime conhecido como despotismo, o Governante, nos processos judiciais, é o juiz, o júri e o executor das sentenças. Ocorre que, em dado momento, as pessoas, ou seja, os governados, não mais suportaram os desmandos e os caprichos do déspota, provocando as mais variadas revoluções. Estas revoluções tiveram por escopo, a busca do reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, bem como o estabelecimento de regimes políticos mais humanos e que fossem escolhidos pelos governados, em contraposição aos regimes monárquicos, por exemplo, nos quais se passava, de geração em geração, o cargo do Governante, sendo o mesmo vitalício. Assim, chegou-se ao modelo democrático, cujas bases foram fundadas na Grécia Antiga, no qual o Governo deve ser escolhido pelo voto dos cidadãos. São os Governantes eleitos pelo povo, na democracia, os seus legítimos representantes. Ademais, houve uma descentralização de poderes, das mãos do Governante, em referido processo. Na época da monarquia, o rei detinha o poder executivo, legislativo, judiciário e moderador. No regime democrático, elegem-se quem governa (Poder Executivo), quem confecciona as leis (Poder Legislativo) e quem julga (Poder Judiciário) aqueles que transgrediram o ordenamento jurídico em vigor. Portanto, pelo menos em tese, na Democracia, o Estado, através do Poder Legislativo, elabora as leis que, igualmente, em tese, são a expressão da vontade da maioria, sendo que, referidas leis, devem ser aplicadas igualitária e indistintamente a todos, inclusive ao Estado, que as elaborou.  

[14]Âncora: [Do ingl. anchor, f. red. de anchorman ou de anchorwoman.]. Substantivo de dois gêneros. 1.Rád. Telev. Principal apresentador de um programa de notícias, esporte, etc., e que usualmente atua como coordenador da equipe de apresentação do programa: “‘Estamos sentindo uma forte onda de calor decorrente das explosões ao sul da capital’, acrescentava Bernard Shaw, o âncora da CNN em Atlanta, Georgia.” (Sílvia S. Costa e Eduardo Mack, emJornal do Brasil, 11.1.1991.) (Definição extraída do Dicionário Aurélio, versão digital)

 

[15]WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lógico-philosophicus. 3.ed. São Paulo: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 135.

[16]CC/02. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

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