ROMA, quarta-feira, 10 de outubro de 2007 (ZENIT.org).- Um volume recém-lançado na Itália relata não só a dramática experiência nas mãos de seqüestradores, mas a entrega nas mãos de Deus do Pe. Giancarlo Bossi, do Pontifício Instituto de Missões Exteriores.
O desaparecimento, em 10 de junho passado, do sacerdote italiano, colocou os fiéis do mundo inteiro literalmente de joelhos, em uma oração comum por sua libertação. Desde o momento do seqüestro, o Papa orou e pediu diariamente notícias sobre o sacerdote.
Em 20 de julho o missionário, de 57 anos, foi libertado em Mindanao.
Então, o maior desejo do Pe. Giancarlo Bossi foi o reencontro com seus paroquianos de Payao (Filipinas), onde leva uma vida de missão com plena consciência dos riscos que isso implica.
As reflexões do sacerdote sobre aquelas jornadas nas mãos de delinqüentes acompanham agora a crônica do seqüestro no livro publicado pela Editora Missionária Italiana (www.emi.it) «Seqüestrado. Quarenta dias com os rebeldes, uma vida nas mãos de Deus» («Rapito. Quaranta giorni con i rebelli, uma vita nelle mani di Dio»).
Neste mês missionário, oferecemos a antecipação que o diário italiano «Avvenire» publicou do novo volume.
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Eu, seqüestrado por missão
De Giancarlo Bossi
Cheguei a Payao em 1987. Naquele momento estavam expulsando literalmente os cristãos de lá.
A «islamização» moderna na ilha conheceu substancialmente duas fases. A primeira, a meados dos anos 80, contemplou a chegada de um número significativo de pregadores extremistas do Afeganistão, que fundaram muitas «madrasas» (as escolas alcorânicas). A segunda fase – por volta do ano 2000 – teve como protagonista o grupo Abu Sayyaf. Depois do 11 de setembro de 2001, surgiram suspeitas de conexão entre este grupo e a rede da Al Qaeda. Na ilha de Basilan, mas também em algumas outras áreas onde o Abu Sayyaf está presente, os sacerdotes estrangeiros já não podem permanecer.
Eu acredito no diálogo com todos. Mas a base para dialogar é sempre o respeito. Porque se falta o respeito, o diálogo acaba. Quando, no entanto, cristãos e muçulmanos se respeitam, dialogam dessa forma na diversidade. É o que eu disse também na mesquita de Abbiategrasso após a minha libertação.
Haviam-me dito que também eles tinham orado por mim durante meu seqüestro e portanto quis ir pessoalmente agradecer-lhes. Foi um encontro simples, sem grandes cerimônias. Quando existe respeito, tudo é possível.
Lembro que meus seqüestradores me fizeram perguntas sobre o Papa, estavam surpresos do seu papel. Eles, ao ver que o islã carece de uma figura «que tenha a última palavra», compreendiam que a autoridade é um serviço belíssimo. Não só isso. Estavam maravilhados de que os cristãos traduzissem a Bíblia nas línguas locais, enquanto o Alcorão é lido apenas em árabe. A outra coisa que os escandalizou foi o problema da interpretação.
Eu lhes perguntava: «Como vocês fazem para orar com a metralhadora do lado?». Eles respondiam que Alá está no coração, mas não nas escolhas da vida. No fundo, é também o raciocínio de certos cristãos: Deus existe, mas a vida é outra coisa, a fé não determina as opções concretas...
Tentei saborear as coisas que eles sabiam dar-me com o coração. Um exemplo: meus carcereiros sabiam que quando me punham em alguma rocha era para rezar; assim que nesses momentos nunca me incomodaram. E tampouco eu me permitia jamais incomodá-los quando rezavam. Orava sobretudo pelos meus, porque não tinham notícias de mim. Creio que seu sofrimento foi muito maior que o meu.
Depois me perguntava: por que o Senhor permitiu meu seqüestro? Que projeto há por trás disso? É uma pergunta que eu ainda me faço. Pensei que talvez Deus permitiu que me retivessem para valorizar as muitas pessoas, freqüentemente excepcionais, que sempre trabalharam no silêncio. Fui conhecido só porque fui seqüestrado; não certamente pelo trabalho que fazia. Mas, como eu, muitos outros trabalham no silêncio e ninguém os conhece.
Pode parecer estranho, mas rezava o Magnificat. O motivo? Penso que Nossa Senhora sempre soube ler as coisas negativas como passadas e descobrir as coisas belas que estavam já nascendo. Igualmente eu estava atravessando um período negativo, mas o lia na perspectiva de uma libertação; isso mudava tudo e me fazia desfrutar da beleza do cântico.
O sentimento de perdão nasceu em mim espontaneamente. Portanto, se a pessoa não consegue perdoar, já fracassou no seu sacerdócio. O impulso me deu a primeira linha do Pai Nosso: se conseguirmos chamar Deus de «Pai», os demais serão irmãos. E se não nos reconhecemos assim, fazemos como Caim e Abel. Considero meus seqüestradores como meus irmãos. Minha oração é para que saibam um dia voltar para casa, sentar-se na mesa com sua família, comer na paz e na tranqüilidade. Eu também disse isso a eles. Eles se surpreenderam. Acho que nunca ouviram falar de fraternidade e o fato de que eu rezasse por eles lhes causava um impacto. A idéia do perdão é algo grande que nós, os cristãos, podemos doar aos muçulmanos. Com freqüência eles são prisioneiros de lógicas de vingança. E a vingança é o início de uma corrente de mal que só pode ser interrompida com o perdão e com o reconhecimento de todos como irmãos.
O seqüestro é parte de minha missão; não posso suprimi-lo.
O que ocorreu tornou preciso o chamado a construir um mundo no qual todos somos irmãos, ainda na diversidade de nossos credos. Isso para mim está na base do desafio de voltar a Mindanao e fazer da paróquia de Payao o símbolo de um diálogo possível. O sacerdote é um ministro de reconciliação e, desde este ponto de vista, eu me sinto novamente encarregado. Não sei se pude compreender melhor os muçulmanos; mas é um fato que o diálogo com eles aconteceu também através da experiência do seqüestro. Espiritualmente falando, considero esta experiência uma graça. Ainda que – devo admitir – foi muito dura.
Eu gostaria convidar as pessoas a continuar o diálogo com os muçulmanos. Em Payao a metade da população é muçulmana; eu fui seqüestrado por um grupo muçulmano. Não queria que se criasse um clima de conflito... Penso que a mensagem foi bem acolhida. E a mensagem era: devemos continuar em frente, com o trabalho e nosso diálogo com os irmãos muçulmanos. Eu expliquei que quem me seqüestrou é simplesmente um criminoso, não o fez como muçulmano.
Lembro-me muito de Charles de Foucauld. Atrai-me a opção de viver em uma aldeia como monge. Trabalho e oração. E a oração pode converter-se em sinal para as pessoas.