De longe vi o profeta falando ao seu pequenino grupo de amigos, e reparei o quanto ele gesticulava enquanto discursava com ênfase... Senti um pouco de ânsia ao ouvir suas palavras porque as sentenças eram ditas em um fôlego só - e fazia força pra isso - como se fosse urgente dizer o que dizia. Aproximei-me escondido do grupo, e ouvi somente o final do seu impressionante discurso.
Ele dizia:
“Quando Deus na sua Beleza tenta se aproximar dos homens, eles que nunca viram nada igual, não se conformam com o que vêem diferente do espelho, e se juntam em forma de religiões e seitas e tomam o nome do próprio Deus, e colocam acima dos portais das suas casas e dizem ter as vestes da verdade, e com as suas mangas talares escondem as garras afiadas que usam para devorar suas vítimas atraídas pelos truques e promessas!...
“Quando Deus se mostra aos homens em forma de Caminho, e lhes fala do sentido que há em conduzir as suas vidas para que esses mesmos alcancem a Montanha Sagrada onde toda a pureza é representada pelo amor, eles como se ouvissem vozes terríveis, forçam a passagem, e constroem caminhos traçados pelas suas próprias cabeças, e esbofeteiam o rosto daquele que fez mãos e punhos, e perguntam zombeteiros: quem foi que te bateu?!...
“Quando Deus abandona por um instante a sua majestade e se apresenta aos homens com as vestes brancas da humildade e da paz, eles se arvoram como se tivessem todo o poder, e como se dominassem tudo, e como se tivessem poder sobre as horas e o tempo, sobem aos púlpitos construídos sobre os ossos dos seus antepassados, e proferem uma acusação, e a justificam com as leis criadas com base nas suas próprias suposições, e proferem uma sentença e o condenam à morte, para que não sejam ameaçados seus reinozinhos de formigas!...
“Quando Deus se mostra aos homens em forma de Liberdade, eles pegam os livros pretos que eles próprios escreveram nas trevas dos seus corações, e interpretam o que trazem debaixo dos braços e que afirmam que é o que o próprio Deus disse em todos os anos de sua eternidade, e tampam com os dedos os trechos que não lhes convém, e enraivecidos mostram as garras para os que sabem que os currais são seus domínios e não os outros apontados por eles mesmos com seus dedos peludos!...
“Quando Deus se mostra aos homens em forma de Verdade, eles cospem-lhe no rosto, e gritam dos seus púlpitos as suas sentenças cuidadosamente estudadas nas interpretações de seus livros pretos surrados tanto quanto suas consciências, e perguntam zombeteiros: Que é a verdade senão a que nós conhecemos?!”...
“Então Deus se esconde dos homens!...
“Então Deus se cala diante deles!...
“Então deixa que os demônios habitem as suas “casas”, e imitadores como são, façam os milagres que o próprio Deus um dia fez, e permite que um outro espírito se mostre a todos os homens e habite suas “casas” como se fosse Deus!...”
Quando ele se calou eu saí quieto, sem ser visto por eles.
Fiquei pensando na segurança e no tom das palavras que ouvi, e nessa noite não consegui conciliar o sono... E ainda hoje releio o que consegui escrever do seu discurso, e fico pensando se não há alguma verdade nas palavras desse homem que perambula pela cidade e (quase) todos acham que é um louco...
