É necessário resistir às tentativas de excluir a religião da vida pública. Esta é a mensagem central de dois livros de recente publicação que refletem a pressão cada vez maior para rechaçar qualquer papel da fé na vida pública.
O laicismo radical, que busca negar à fé todo papel fora de sua dimensão privada, debilita a civilização ocidental, segundo Herbert London, presidente do Hudson Institute, com sede em Washington.
Em seu livro "America`s Secular Challenge: The Rise of a New National Religion" (O desafio laicista da América: O surgimento de uma nova religião nacional) (Encounter Books), London afirma que aquilo que laicismo oferece para substituir a religião não é suficiente para salvaguardar valores chave de nossa civilização.
Isso é especialmente preocupante em um momento em que o Ocidente encontra-se ameaçado externamente –pelo Islã radical– e internamente –pela anemia espiritual e moral.
London identifica alguns fatores que têm alterado de modo radical o panorama cultural nos últimos anos. O primeiro é o multiculturalismo, que não só afirma a igualdade de todas as culturas, mas que em ocasiões parece propor a inferioridade da cultura ocidental comparada com outras.
O enfraquecimento das igrejas, uma forma extrema de tolerância e a esperança em que todo racionalismo e a ciência podem resolver todos os nossos problemas são outras mudanças observadas por London. Citando Bento XVI, o autor adverte que a privatização das crenças leva a uma injusta exclusão de Deus da sociedade.
Os laicistas, comenta London, costumam apresentar-se como defensores da legítima separação Igreja-Estado. Na realidade, seu objetivo é mais radical. Buscam a exclusão completa da fé de qualquer papel ou expressão pública. O resultado é que a observância religiosa é vista como algo vergonhoso e digno de evitar por uma pessoa inteligente.
London critica também a atitude da “geração eu”, que cresceu nos anos 60. Deus veio a ser visto por eles como uma indevida restrição a sua liberdade pessoal: “Por que viver para cumprir o ‘plano de Deus’, quando eu tenho planos próprios?”
Não obstante, tal postura egocêntrica degenerou rapidamente na crença de que nossa busca de significado pode ser satisfeita seguindo nossas sensações. O relativismo é outra poderosa força que mina a religião. Os relativistas, explica London, sustentam que cada pessoa faz sua própria verdade segundo os ditos de sua consciência. Em consequência, a moralidade é circunstancial.
Consciência
Austin Dacey critica duramente esta privatização da consciência e da fé em seu livro "The Secular Conscience: Why Belief Belongs in Public Life" (A consciência secular: porque a fé forma parte da vida pública) (Prometheus Books). É interessante que Dacey, como London, cita Bento XVI nas primeiras páginas de seu livro.
Dacey cita a homilia pronunciada pelo então cardeal Joseph Ratzinger ao colégio cardinalício no dia 18 de abril de 2005, pouco antes de começar o conclave no qual seria eleito Papa. A homilia advertia contra os perigos do relativismo da cultura contemporânea.
O relativismo que lança hoje tal perigo, explicava o cardeal Ratzinger, surgiu devido ao secularismo e à descristianização da sociedade. Dacey comenta que naquele momento muitos dos principais intelectuais leigos da Europa estiveram de acordo com os pontos estabelecidos pelo cardeal Ratzinger.
Observadores de todo espectro político, observa Dacey, também estão de acordo em que o fortalecimento do relativismo trouxe consigo um aumento dramático do crime e da disfunção social.
Dacey não é um apologista da religião. De fato, o que ele defende é uma volta ao liberalismo leigo, mas não na forma que se adotou nos últimos tempos. Segundo ele, o liberalismo leigo desvirtuou-se ao insistir tanto na idéia de que a religião, a ética e os valores são apenas matérias privadas.
Isso ocorreu porque o laicismo comparou a consciência privada com os conceitos do pessoal e do subjetivo, colocando-os assim fora dos limites de um exame sério. Se a consciência está além de qualquer crítica, não se pode submetê-la a um julgamento público.
Esta versão contemporânea do liberalismo não está de acordo com a tradição liberal laica que se formou nos séculos XVII e XVIII. Dita tradição, segundo Dacey, mantinha um fundamento moral da sociedade que poderia transcender as diferentes religiões e que concebia também os direitos naturais como evidentes para o sentido moral universal.
O primeiro capítulo do livro de Dacey traça um percurso histórico de como o liberalismo se desenvolveu para abraçar a privatização total da consciência e da religião. Uma das consequências desta visão distorcida do liberalismo foi a série de decisões do Supremo Tribunal dos EUA que permitiram o aborto sob a justificativa de um direito privado.
A religião é um assunto privado no sentido de que o Estado não deve colocar-se sob o controle clerical ou usar alguma religião, observa Dacey. Mas buscar fazer que a religião seja um assunto meramente privado que não tem relevância pública é um erro, comenta.
Vocação
Bento XVI tem tratado com frequência o tema da religião e da vida pública. Em seu discurso no dia 15 de novembro aos participantes na assembléia plenária do Pontifício Conselho para os Leigos, afirmou que os fiéis leigos têm uma vocação e missão em sua vida social.
“Cada ambiente, circunstância e atividade na qual se espera que possa resplandecer a unidade entre a fé e a vida é confiado à responsabilidade dos fiéis leigos, movidos pelo desejo de comunicar o dom do encontro com Cristo e a certeza da dignidade da pessoa humana”, declarava o pontífice.
Em seu discurso de 27 de outubro à nova embaixadora das Filipinas na Santa Sé, o Papa explicava: “a Santa Sé procura empenhar o mundo no diálogo, a fim de promover os valores universais que promanam da dignidade humana e ajudam a humanidade a prosperar ao longo do caminho rumo à comunhão com Deus e uns com os outros”.
A Igreja, continuava, reconhece a autonomia respectiva tanto da Igreja como do Estado: “podemos dizer que a distinção entre a religião e a política constitui uma conquista específica da cristandade, assim como das suas fundamentais contribuições históricas e culturais”.
Esta distinção, no entanto, não significa oposição, acrescentava. De fato, o Santo Padre sustentava que o Estado e a religião deveriam apoiar-se mutuamente, “dado que juntos servem o bem-estar pessoal e social de todos”.
“Cultivando um espírito de honestidade e de imparcialidade, e conservando a justiça como a sua meta, os líderes civis e eclesiais conquistam a confiança das pessoas e fomentam um sentido de responsabilidade compartilhada de todos os cidadãos, para promover uma civilização do amor”, explicava.
Muitos refletiram sobre as relações entre a Igreja e o Estado, observava Bento XVI em um discurso no Palácio do Eliseu, a 12 de setembro, em seu encontro com autoridades da França.
É fundamental, afirmou, insistir na distinção entre política e religião. É igualmente importante “consciencializar-se mais claramente da função insubstituível da religião na formação das consciências e da contribuição que a mesma pode dar, juntamente com outras instâncias, para a criação de um consenso ético fundamental na sociedade”.
Um olhar sobre o mundo que nos cerca não deixa dúvidas de que a tarefa de formar as consciências é algo que produz desânimo. Trata-se, no entanto, de uma tarefa cada vez mais urgente e na qual a religião tem um papel vital a desempenhar.