Na minha juventude - minha mãe desejava que eu fosse padre - estudei quanto baste religião e política. Estive internado em dois colégios religiosos durante sete anos, período mínimo a que à época o ensino secundário obrigava.
Quando já então frequentava a Universidade do Porto, deu-se o auspicioso suicídio do doutor. Eu estava, havia meses, cegamente apaixonado, ou pela primeira vez seriamente preso das "partes" - como queiram - e minha mãe, em dia para mim mal azado, por volta das 9 horas da noite, fechou a porta da rua, guardando de seguida a chave onde bem quis. Como não tive meios suficientemente persuasivos para convencê-la, latagão que era com 19 anos, tomei lanço pelo corredor fora e a porta saiu com fechadura, dobradiças e tudo.
Meus pais ficaram impressionados com a força avassaladora que passou pela saída da casa e, após reunião muitíssimo rápida, logo que cheguei de paixão saciada, comunicaram-me às 6 horas da manhã que eu, a partir dali, era um homem com liberdade absoluta.
Na tarde daquele mesmo dia, quando acordei, fiz a mala e fui viver com a Laurentina, para a Póvoa de Varzim e por lá fiquei em gozo corporal ano e meio.
Antes que volte à ponta do fio da meada da minha história pessoal, ao cabo de 66 anos, vou situar, muito brevemente, a minha actualidade de pensamento em relação à existência.
Sou como a natureza. Sou dia, tarde, noite, sou bom tempo ou vendaval. Não acredito, com convicção absoluta, em algo que ultrapasse a realidade. Consoante os anos passam, mais me convenço que o ser humano, apesar de ser dotado de prodigioso poder, cada vez mais se afasta de qualquer eventual missão válida sobre a terra. Como outros colossos predadores extintos, o homem também se extinguirá.
Não sou contra pessoas, não sou contra animais, não sou contra realidade alguma. Sou, sim, contra ideias e sistemas que, militando no campo do espírito, provam à evidência que os desideratos causais desabrocham em permanente tragédia.
Tanto não sou contra pessoas, que defendo sem qualquer mínimo óbice a liberdade de expressão sem limite, desde que seja tão só liberdade de expressão e não coabite com actos físicos de efeito pernicioso. Considero que, se as pessoas se exprimissem sem compressão social de conveniência sub reptícia, o mundo seria bem mais ditoso.
O texto já vai longo. Retomá-lo-ei quando o apetite teclante me voltar aos dedos e reuna no cérebro mais um pedaço de conteúdo.
António Torre da Guia |