Eram mais ou menos nove horas dos dias úteis da semana. Com seu andar vagaroso ia ele, um tanto pensativo, parecendo levar consigo pungente saudade e saudosas recordações do seu tempo de criança.
Parecia também até mesmo levar profunda, para não dizer doridas recordações dos que ele conheceu, que partiram e que não voltam mais.
Talvez sentindo saudade, acredito eu, do seu terno de brim, paletó “a jaquetão”, modelo cultural daquela época, mas agora, infalivelmente engravatado, trajando roupa da atualidade e espargindo simplicidade, chapéu “a ramenzoni” caminhava ele sempre olhando pra frente como que dizendo as coisas modernas não lhe interessam mais.
E lá ia ele expressando a quem ia e a quem vinha a aparência de um tanto cansado e um certo “não-me-importismo” com a moda mais ou menos extravagante da moçada da pós-modernidade.
Quem o via, não o conhecendo, podia até mesmo pensar fosse ele alguém vagando pó nada ter o que fazer, e por isso mesmo, passeando para passar o tempo.
Mas não era isso não, caríssimo leitor; suas andanças eram por receitas médicas. Ele não era, na verdade, alguém que perdeu o tempo tornando-se agora um andante para passar o tempo. Ele foi alguém que brilhou nos estudos, e que exceto em caligrafia, em todas as matérias tirava dez.
Diplomado por universidade européia, doutor em várias matérias, lecionou por quarenta anos em vários estabelecimentos do país, educando milhares de alunos.
Professor das mais complicadas matérias, quais sejam, matemática, física, química, filosofia, teologia, psicologia, professor também da Escritura Sagrada, e outras matérias que, por certo, lecionou também.
Grande conhecedor do sistema pedagógico de São João Bosco; conhecedor profundo da história da Igreja e fiel defensor do seu magistério. Além do que, amante da história do Brasil.
Totalmente dedicado ao sistema pedagógico, escreveu vários livros nessa área; e totalmente dedicado aos estudos, lecionou à vida inteira. Lecionou por saber e gostar de lecionar.
E como tudo passa e tudo passará, para ele o tempo também estava chegando ao fim. Mas apesar de doentio e cansado de viver, conservava seu semblante de artista nas piadas que contava alegrando seus amigos.
Com seus oitenta e cinco anos de idade, por vezes, parecia tristonho e quase julgando perdido seu tempo de tanto estudo e de tanto esforço em prol do Brasil juvenil.
Afinal, seria esse seu aparente modo de ser, uma nota verdadeira a respeito do protagonista desta apresentação? Acredito que não. Pois esse ararense da gema, caríssimos leitores, vocês sobejamente o conheceram: foi o padre João Modesti, professor incansável na educação aprendida na escola de Dom Bosco na qual sempre apostou por ser a escola de um santo.
Mas, se muito de leve, lhe tenha passado pela mente algo desmentindo o que sempre acreditou, a esse ararense da gema, padre João Modesti, envolto na minha gratidão e saudade, lhe digo:
Sua vida teve início no entusiasmo,
Traduzindo no semblante o seu ardor.
Duras lutas desfazia no sarcasmo,
Olvidando a voz madrasta d’uma dor.
Foi semeando sempre envolto da esperança,
Cultivando com amor e com carinho.
Mas, aos poucos, se ausentaram da lembrança
As aventuras que esperava sem seu caminho.
Não importa se a semente não nasceu,
Nem se foi uma ilusão o sonho seu
De esperar da gratidão um só afeto.
Que importa tantas mágoas, tantas dores,
Se são gemas, se são rosas, se são flores
Fulgurando e colorindo o seu trajeto?!
Padre Luiz Ignácio Bordignon Fernandes, é salesiano,
membro do Santuário do Sagrado Coração de Jesus,
do Oratório São Luiz e do Oratório Dom Bosco,
em Araras (SP).