O texto a seguir é um dos meus primeiros escritos, confeccionado quando ainda era um rapazinho. Embora esteja datado como Março de 1990, a primeira versão foi escrita alguns anos antes. Pela citação de David Hume, não há dúvida de que este tem como fonte o pensador inglês. Aliás, ao folhear a obra “Ensaio acerca do entendimento humano”, que consta da coleção “Os Pensadores” da Editora Abril, vi que há várias passagens onde eu grifei a lápis. Embora meu texto esteja muito aquém da obra de Hume, não deixa de ser interessante no sentido de mostrar como um garoto de 15 ou 16 anos, a partir duma obra filosófica, tirou suas próprias conclusões. De mais a mais, minhas concepções não mudaram. Se eu tivesse de escrever o mesmo ensaio hoje, provavelmente não o faria tão diferente. Sem dúvida seria um texto mais elaborado e objetivo e as ideias melhor organizadas. Quanto ao resto, seria o que aí está.
Agora que o amigo leitor foi alertado, apresento-lhes o ensaio cujo título é: DOS MILAGRES
Uma coisa que faz com que muita gente acredite fielmente numa religião são os milagres atribuídos aos deuses e aos santos. Mas o que vem a ser um milagre? Como nos diz Hume, "um milagre é uma violação das leis da natureza", ou seja: algo que foge às regras da natureza e as quais estamos acostumados. Quando alguma coisa foge a essas regras e não temos como explicá-las, chamamo-las de milagrosas.
Durante toda a história da humanidade, ou quase toda, se encontram relatos de milagres, principalmente no mundo cristão. São inúmeros milagres, cada um mais mirabolante do que o outro. Mas será que tais feitos, como os relatados na bíblia, são verdadeiros? Será que são de fato milagres? Será que não existe uma explicação racional para tais eventos? E por que os relatos desses eventos milagrosos praticamente não ocorrem mais hoje em dia? Por que eles eram muito mais frequentes entre os povos bárbaros? Por que eram presenciado por um número pequeno de pessoas?
O milagre propriamente dito não existe, pois nada na natureza é inexplicável. Tudo tem uma explicação, por mais difícil e complexa que possa ser. O que ocorre é que vez ou outra não temos conhecimento suficiente para explicar um determinado fenômeno. Então chamamo-lo de milagre. Hoje porém a ciência prefere tratar esses casos como excepcionais em vez de milagrosos.
Quando deparamos com a narrativa de um milagre, deparamos também com algumas curiosidades:
a) Os milagres envolvem sempre coisas mirabolantes e extraordinárias, como pessoas cegas voltando a enxergar, mortos ressuscitando, aleijados tornando a andar, etc;
b) Nunca um milagre é presenciado por um número razoável de pessoas;
c) A maioria dos milagres ocorrem entre povos bárbaros ou ignorantes, ou seja: sem um mínimo de instrução;
d) Tais relatos são transmitidos oralmente, sem um documento que os comprove. Quando são documentados, são feito por terceiros, os quais não se deram ao trabalho de verificar a veracidade dos mesmos e o quanto de fato e fantasia há nesses relatos;
e) Não só aqueles que relatam como os que registam tais eventos muitas vezes são pessoas fortemente influenciadas por sua crença religiosa, o que, na maioria dos casos, faz com que as mesmas fantasiem com o intuito de torná-los ainda mais miraculosos.
Ora, se analisarmos atentamente estes detalhes, podemos constatar que jamais podemos estar seguros da ocorrência de um milagre, pois:
1) Se um milagre é relatado por uma pessoa que tem pouco conhecimento, essa pessoa pode estar equivocada, pois pode estar ocorrendo algo que não pode ser compreendido justamente por ignorância e dai se recorre à fantasia ao invés da experiência para descrevê-lo. Afinal, uma pessoa ignorante não é capaz de descrever algo que ela não conhece. E caso seja capaz de descrevê-lo corretamente, como podemos provar que aquilo aconteceu como o descrito? Dai tanta fantasia e imaginação nessas narrativas.
2) Normalmente o narrador do fato é capaz de jurar de todas as formas que está falando a verdade, mas mesmo que estivesse mentindo, não admitiria a falsidade por nada, uma vez que admitir a mentira é perder toda a credibilidade. E, na antiguidade, a mentira era um ato muito mais condenável do que hoje, quando é tratada com naturalidade.
3) Desde os primórdios da humanidade, diante de algo prodigioso, o homem tende a querer a ser o primeiro a contar a novidade e tende a espalhá-la, descrevendo-a de forma ainda mais mirabolante. A seguir, o ouvinte a conta para outro, acrescentando a sua cota de fantasia, e assim sucessivamente. Como sabemos, quando um fato é transmitido de uma pessoa para outra, de forma oral, nunca a narrativa corresponderá ao fato propriamente dito.
4) Os milagres ocorrem frequente entre os bárbaros, os semi ou analfabetos, onde os mais simples fenômenos são tratados com excepcionalidade. Por outro lado, todo povo tem uma casta dominante e a qual é dotada de certa inteligência. Esta vê nesses fenômenos uma oportunidade para se beneficiar e se tornar respeitável e temida, procurando com isso impedir que a verdade venha à tona.
5) Como os fracos, miseráveis e ignorantes tendem sempre a um fanatismo religioso, devido a esse fanatismo e a necessidade de acreditar em um deus, usam esses fenômenos para fortalecer sua crença, atribuindo-os à divindade. Isso é o que mais contribui para a sustentação de um milagre. Se não se pode explicar um fato pela experiência então foi uma força divina que o realizou, concluem. De mais a mais, é sabido que todo crente fará o possível para fortalecer sua crença e mostrar que seu deus é mais poderoso que o deus de outra crença.
6) Na atualidade, os relatos milagrosos raramente ocorrem devido ao avanço da ciência. Como todo milagre é um fenômeno, a ciência dispõe de meios para investigar todo os pormenores que o envolve. Além disso, a capacidade de registro e observação impedem a distorção dos fatos. Não por acaso, quanto mais se retrocede no tempo, maior o registro de ocorrência de milagres.
7) E como já foi dito: um milagre jamais foi presenciado por um número considerável de testemunhas. E por quê? A resposta é muito simples: quanto maior o número de testemunhas, maior a chance de alguém conseguir explicá-lo de forma racional. Embora haja narrativas de milagres onde o mesmo ocorreu na presença de várias pessoas, ainda sim não se pode garantir que se trate de um milagre.
Os milagres bíblicos devem ser explicados através do que foi dito até agora, ou seja:
i) devido à falta de conhecimento desses povos;
ii) a maioria dos milagres foram transmitidos oralmente de uma geração para outra, até finalmente foram documentados;
iii) os poucos que presenciaram milagres e os documentaram, fizeram-no muito tempo depois, quando a memória já não podia mais manter a precisão;
iv) a maioria dos relatos foram influenciados pela crença daqueles que os narraram. E o cristianismo, como nenhuma outra religião, usou e abusou desse expediente, principalmente nos primeiros tempos, para se firmar.
Há ainda um dado a ser levando em conta. A paranormalidade. Há pessoas com poderes excepcionais, os quais não são encontrados nos demais seres humanos. Tais pessoas são chamadas de paranormais. E essa paranormalidade, na maioria dos casos, envolve poderes que fogem ao entendimento humano, embora uma grande maioria desses paranormais não passem de charlatões. A ciência por sua vez procura tratar a paranormalidade com reserva, uma vez que o estudo da mente humana vem, aos poucos, descobrindo o poder do cérebro e de todos os processos que o envolve.
Não vem ao caso aqui o porquê da paranormalidade. Só temos de admitir que ela existe. Mas nem por isso tais paranormais são considerados fazedoras de milagres. Trata-se de um dom especial. E por que Cristo não poderia muito bem ter sido uma dessas pessoas? Alguém com dons paranormais? Independente de qualquer coisa, é preciso admitir que ele sobressaia entre a população miserável da Galileia. Era dotado de uma inteligência e conhecimento superior àqueles do meio onde vivia. Tanto é verdade que soube como ninguém fazer o povo acreditar em suas pregações.
E também é bem provável que aqueles que descreveram seus milagres tenham exagerado nos relatos. E mesmo que Cristo tivesse o dom de curar as pessoas, hoje isso não é tão excepcional assim. Alguns possuem o mesmo dom. Aliás, se Cristo tivesse vivido em nossa época provavelmente não se tornaria um líder e nem arrastaria multidões.
Para finalizar, é preciso levar em conta os fatores psicológicos que podem induzir uma pessoa a acreditar e sentir algo que realmente não esteja lá. Por exemplo: uma mulher acredita estar grávida e sofre de todos os sintomas da gravidez quando, na realidade, é tão somente de uma gravidez psicológica; ou alguém cair enfermo por acreditar que está muito adoentado quando a doença que acredita possuir não condiz com os resultados dos exames. Pessoas assim podem facilmente ser curadas apenas com a fé.
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