Amar a todos sem preconceito
Alguns de nós ficamos verdadeiramente escandalizados diante da notícia do quanto ainda existem nas sociedades os preconceitos de cor, raça, classe social, condição econômica ou cultural. No entanto, sem que percebamos, podemos estar agindo preconceituosamente em nossas relações com Deus, com o próximo e até conosco mesmos. Este artigo não pretende relatar nem fundamentar as divergências correntes a respeito dos diversos preconceitos sociais, mas nos levar a seguir melhor a Jesus, que venceu todo preconceito humano com o único objetivo de acolher e salvar a humanidade, sem distinção.
Podemos começar refletindo um pouco sobre o que significa o preconceito. Como o termo diz, trata-se de um conceito antecipado a respeito de uma pessoa, coisa ou situação. O preconceito está intimamente ligado às informações que trazemos em nossa memória, de fatos vividos ou conhecidos. Assim, ao nos encontrarmos em uma situação parecida, associamos àquela experiência anterior como se fosse a mesma. O preconceito também está muito ligado à aparência exterior da situação, coisa ou pessoa. Baseados no que parece, podemos julgar algo que não corresponde à verdade. Portanto, o preconceito pode ser em nossa vida um grande engano, uma grande ignorância fantasiada de "saber". E pode aprisionar a nós e aos outros.
Nas relações interpessoais os preconceitos podem ser impedidores de grandes amizades e verdadeiras prisões que encerram as pessoas em rótulos, a partir de atos que cometeram no passado, ou que ainda estão cometendo, mas que nos impedem de vê-la em profundidade, para além do rótulo, ou perceber que são capazes de mudar. Desse modo, agimos nos arvorando de pretensos deuses, quando na realidade nem Deus é preconceituoso com nenhum de nós. Imagine se Deus, que desde o princípio tudo vê, que conhece o nosso pecado e as nossas fraquezas em profundidade, fosse preconceituoso conosco, já há muito teríamos perdido todas as chances de existir. No entanto Ele, que criou o mundo do nada, está sempre investindo em nós, esperando a nossa conversão até o último instante de nossa vida. Se fosse possível humanizar a imagem de Deus a este ponto, eu diria que Deus tem muito mais fé em nós do que nós nele. Sim, porque no fundo de nosso preconceito está a falta de fé em Deus, que a tudo e a todos pode transformar.
A triste conseqüência de nossos preconceitos pessoais é o preconceito social, que tanto nos escandaliza. O preconceito individual pode ser propagado pelas nossas más palavras de tal forma que não seremos mais capazes de deter esta espécie de bomba que às vezes levianamente lançamos uns contra os outros. Tudo pode começar com um comentário, uma antipatia, uma rejeição confidenciada, e a nossa opinião pessoal tão mutável terá sido lançada como um rótulo no outro. E o outro, na sua fraqueza, poderá acabar assumindo este rótulo durante toda a vida enquanto sua verdadeira imagem estará para sempre escondida no coração de Deus. Então seus talentos e tudo o que Deus tinha para fazer através dele fica sepultado como uma semente que não desabrochou.
Jesus e as pessoas socialmente desprezadas e moralmente reprovadas ao contrário dos fariseus de sua época, sempre fechados no pequeno mundo dos seus conceitos, Jesus não classificava as pessoas, ninguém era indigno de se relacionar com Ele, por pior que fosse seu passado. Ele conseguia compreender e valorizar o ser humano independentemente de seus erros, da sua história. Isso não significava que compactuasse com o pecado, mas que acolhia o pecador, fosse qual fosse o seu pecado. Foi assim que agiu com a mulher samaritana, com Zaqueu, com Levi, com a pecadora pública e com todos os pecadores que encontrou. E foi justamente seu amor incondicional que gerou neles a transformação que os fariseus não puderam ver.
Intelectualmente encarcerados, fechados nas suas próprias idéias e na sua falsa moral, muitos deles não conseguiram aceitar alguém como Cristo, que veio para abrir o coração humano e nele introduzir a Lei interior, a Lei do Amor, com o poder de Deus, e não com a espada da condenação. Por isso não lhes era possível compreender por que Jesus "andava com os pecadores", e "fazia refeições com eles". E sua indignação gerou a inveja, que como uma bola de neve levou Jesus a um julgamento injusto. Porém na Cruz, também por eles Jesus pediu ao Pai, porque não "sabem o que fazem".
Assim como aconteceu aos algozes de Cristo, pode estar acontecendo conosco, que tantas vezes nos consideramos "bons cristãos". O preconceito que nos impede de ir até os mais "mal afamados" para lhes dizer que Jesus os ama com atos, muitas vezes esconde a nossa inconsistência interior, porque no fundo sabemos que somos tão vulneráveis como eles, e é apenas um mistério da graça divina que nos impediu de agir como eles.
No entanto, somos continuamente alvo do amor incondicional de Deus, e por isto o mistério da misericórdia e da caridade que acolhe incondicionalmente o outro será sempre um chamado feito a cada um de nós. Em uma de suas parábolas, o Senhor disse que deixará crescer juntos o joio e o trigo até o dia da colheita (Mt 13,24-30). Assim como pobres sempre existirão no meio de nós, porque de alguma forma todos nós somos pobres; pecadores sempre existirão no meio de nós, porque todos somos pecadores, e nenhum de nós sairá dos próprios pecados sem que antes encontremos uma mão que nos acolha como estamos.
O preconceito é um veneno capaz de roer as relações entre famílias, comunidades religiosas, irmãos, amigos, conhecidos e desconhecidos, e tudo pode começar com um único olhar de julgamento de nossa própria parte. Que o Senhor nos conceda a graça da purificação do nosso olhar, dos nossos raciocínios e sobretudo da nossa memória, para que, escandalizados com as histórias de preconceitos que observamos nos jornais, não estejamos nós a fazer o mesmo.
(Comunidade Shalom)
EVANGELHO
O administrador esperto
Lc 16,1-8
Depois, Jesus falou ainda aos discípulos: "Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele o chamou e lhe disse: "Que ouço dizer a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens". O administrador, então, começou a refletir: "Meu senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Cavar, não tenho forças, mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração". Então chamou cada um dos que estavam devendo ao seu senhor. E perguntou ao primeiro: "Quanto deves ao meu senhor?" Ele respondeu: "Cem barris de óleo!" O administrador disse: "Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve: cinqüenta!" Depois perguntou a outro: "E tu, quando deves?" Ele respondeu: "Cem sacas de trigo." O administrador disse: "Pega tua conta e escreve: oitenta". E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com juízo. De fato, os filhos deste mundo mostram mais juízo em seus negócios do que os filhos da luz.
Comentário do Evangelho
Aprendendo de um escândalo
Um autêntico caso de corrupção ofereceu a Jesus a chance de ensinar aos discípulos, mediante uma parábola, a importância de ser esperto em relação ao Reino de Deus.
Naquele tempo, os gerentes de propriedades alheias agiam com muita liberdade, sem um controle imediato. O patrão confiava na responsabilidade do empregado. Este era recompensado pelo que produzia: quanto mais os bens se multiplicavam, tanto maior era o seu salário.
O Evangelho fala de um administrador que, agindo com irresponsabilidade e imprudência, estava desperdiçando os bens que lhe tinham sido confiados. Quando o patrão começa a cobrá-lo por isso, esse administrador arquiteta um plano para garantir seu futuro e sua segurança. Com uma ação fraudulenta, busca granjear a benevolência dos devedores, prejudicando o patrão. Uma vez despedido, teria quem se sentisse na obrigação de recebê-lo, como sinal de gratidão.
Comparando com o Reino, os discípulos são instruídos a serem tão hábeis e espertos como o administrador desonesto. Este, no trato com as coisas humanas, obstinou-se em buscar caminhos para alcançar os seus objetivos. Do mesmo modo, o discípulo do Reino, com relação às realidades celestes, deve ter claro o fim a ser atingido e a maneira mais conveniente de fazê-lo. Neste caso, basta ser obstinado na prática da misericórdia.
Oração
Espírito que leva a ser esperto nas coisas de Deus, faze-me sempre mais hábil na prática da misericórdia, único meio de se obter a salvação.
OREMOS UNS PELOS OUTROS
Tomai sobre vós o meu jugo,(...) e encontrareis descanso para as vossas almas.
Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.
Mateus 11:28,
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